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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL AMANDA SANTOS DE PAIVA SAÚDE AMBIENTAL E SERVIÇO SOCIAL: uma análise das condições socioambientais da população como constituinte da garantia do direito à saúde na concepção ampliada do SUS. NATAL/ RN 2013. 2 AMANDA SANTOS DE PAIVA SAÚDE AMBIENTAL E SERVIÇO SOCIAL: uma análise das condições socioambientais da população como constituinte da garantia do direito à saúde na concepção ampliada do SUS. Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª MS. Juliana Maria do Nascimento. NATAL/ RN 2013.2 AMANDA SANTOS DE PAIVA SAÚDE AMBIENTAL E SERVIÇO SOCIAL: uma análise das condições socioambientais da população como constituinte da garantia do direito à saúde na concepção ampliada do SUS. Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª MS. Juliana Maria do Nascimento. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Profª MS. Juliana Maria do Nascimento - UFRN (Orientadora) _________ __________________________ Profª Dra. Edla Hoffmann – UFRN (Membro Titular Interno) ________________________________________________ Profª Dra. Andréa Lima da Silva– UFRN (Membro Titular Interno) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Paiva, Amanda Santos de. Saúde ambiental e serviço social: uma análise das condições socioambientais da população como constituinte da garantia do direito à saúde na concepção ampliada do SUS/ Amanda Santos de Paiva - Natal, RN, 2013. 112f. Orientadora: Prof.ª M. Sc. Juliana Maria do Nascimento. Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social. 1. Serviço social - Monografia. 2. Saúde ambiental - Monografia. 3. Meio ambiente - Monografia. 4. Capitalismo - Monografia. I. Nascimento, Juliana Maria do. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 364.2:61 Dedico este trabalho a minha família e aos sonhadores. AGRADECIMENTOS Agradeço à Deus por me fortalecer nos momentos difíceis. À minha mãe Goretti por acreditar nos meus sonhos e por ser meu alicerce. Amo-te muito! Ao meu pai Arlindo pelo seu apoio incondicional e por seus conselhos. À minha irmã Anallicy por ser minha confidente, amiga e companheira. Sinto-me grata por ser sua irmã. À Ágatha, Romeu, Pérola, Francisco, Arthur, House e Tunico pelos momentos de diversão e amor genuíno. À minha orientadora Juliana por me ajudar na construção do meu caminho investigativo. À assistente social Brenda Lee por sua disponibilidade e por demonstrar que é sim possível uma prática competente seguindo o projeto ético político. Às minhas amigas de curso Dalva, Thaysa, Sheyla, Luiza, Geilza, Ana Claudia, Patrícia e as demais pelos momentos de felicidades compartilhados. Aos docentes por compartilhar seus conhecimentos e por terem contribuído no meu processo de metamorfose de uma menina cheia de dúvidas para uma mulher completamente apaixonada pela profissão e pelo ideário de um mundo mais justo a partir de outra sociabilidade mais justa. À minha avó Maria das Dores por ser amor eterno! A todos meus familiares pelo apoio, mesmo que o dia-a-dia não deixe tanto tempo para desfrutar com vocês momentos de alegrias, saibam que adoro todos vocês! "Os poderosos podem matar uma, duas ou até três rosas, mas jamais poderão deter a primavera." (Che Guevara) RESUMO O presente trabalho discute aspectos acerca da política pública de saúde a partir da mudança paradigmática do conceito da saúde que permitiu ultrapassar seu entendimento como ausência de uma enfermidade, assumindo uma ampla dimensão. Em seu conceito ampliado, a saúde é resultante das condições de vida da população e por tal, engloba a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, entre outros condicionantes contidos no conceito ampliado de saúde, elencado pelo projeto sanitarista nos anos 1980 e legitimada na legislação brasileira em vigor. Nesta perspectiva, este trabalho tem como objetivo fomentar a discussão sobre a saúde ambiental, prevista pelo SUS, a qual considera a interferência das condições socioambientais no processo saúde/doença da população. Esta investigação evidencia a atuação do assistente social como um profissional estratégico para a luta da efetivação dos ideários da reforma sanitária nos serviços de saúde em que a educação popular é uma prerrogativa para o fortalecimento da saúde ambiental. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa para a análise da garantia da saúde a qual para sua efetivação implica genuinamente na defesa do meio ambiente e, portanto, questiona o modelo de sociedade capitalista. Isto porque a lógica do capital é predatória em relação aos recursos naturais, e intensificada em um panorama de crise estrutural do capital. Destaca-se a gravidade desta situação como limite ao sistema vigente por a devastação ao meio ambiente provocar um desequilíbrio ecológico que atinge todos os seres vivos. Todavia, pela própria lógica do capitalismo, os impactos desta crise atingem com maior gravidade a população pauperizada ferindo determinantemente a garantia do direito à saúde. Por fim, revela a saúde ambiental como estratégica para a garantia ao direito à saúde em que se impõe mudanças estruturais seja para o fim da crise socioambiental como para a garantia plena da democracia. Palavras-chaves: Saúde ambiental, meio ambiente, serviço social, capitalismo. ABSTRACT The present work discusses aspects concerning the public politics of health starting from the change paradigmatic of the concept of the health that allowed to cross his/her understanding as absence of an illness, assuming a wide dimension. In his/her enlarged concept, the health is resulting from the conditions of life of the population and for such, it includes the feeding, the home, the basic sanitation, the environment, the work, the income, the education, the transport, among other conditions contained in the enlarged concept of health, part listed for the project hygienist in the years 1980 and legitimated in the Brazilian legislation in energy. In this perspective, this work has as objective foments the discussion about the environmental health, foreseen by SUS, which considers the interference of the conditions socioenvironmental in the process health/disease of the population. This investigation evidences the social worker's performance as a strategic professional for the fight of the effectuation of the ideals of the sanitary reform in the services of health in that the popular education is a prerogative for the invigoration of the environmental health. The work was developed starting from a bibliographical research, of qualitative nature forthe analysis of the warranty of the health which implicates genuinely in the defense of the environment for his/her effectuation and, therefore, it questions the model of capitalist society. This because the logic of the capital is predatory in relation to the natural resources, and intensified in a panorama of structural crisis of the capital. He/she stands out the gravity of this situation as limit to the effective system for the devastation to the environment to provoke an ecological unbalance that it reaches all the alive beings. Though, for the own logic of the capitalism, the impacts of this crisis reach with larger gravity the population impoverished hurting determinedly the warranty of the right to the health. Finally, he/she reveals the environmental health as strategic for the warranty to the right to the health in that it is imposed structural changes is for the end of the crisis socioenvironmental as for the full warranty of the democracy. Keywords: Environmental health, environment, social service, capitalism. SUMÁRIO 1. INRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9 2. EFETIVAÇÃO DA SAÚDE NO SEU CONCEITO AMPLIADO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE: UM DESAFIO EM UM PANORAMA NEOLIBERAL .......... 14 2.1.Movimento da reforma sanitária e a construção do SUS: projetos em disputa ... 20 2.2. O SUS e seus desafios: entre texto e contexto .................................................. 26 3.SAÚDE AMBIENTAL E A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL .................................. 33 3.1.Capitalismo, questão social e crise ambiental ..................................................... 40 3.1.1.Condições socioambientais da população brasileira ........................................ 49 3.2. Saúde, meio ambiente e saúde ambiental ......................................................... 57 3.2.1. Saúde ambiental e SUS: aproximações ................................................................. 61 3.2.2.Saúde ambiental: um balanço analítico. ........................................................... 72 4. SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE E A SAÚDE AMBIENTAL: QUAL É A LIGAÇÃO? ................................................................................................................ 79 4.1. Assistente social na área da saúde: o que se faz? ............................................ 80 4.2. Saúde ambiental, serviço social e a educação popular: conexões possíveis .... 85 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 94 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 97 9 1.INTRODUÇÃO A garantia da saúde como direito impõe ao Estado a materialização de políticas públicas que viabilizem esta conquista na realidade cotidiana da população brasileira. A Constituição Federal de 1988 consolidou o conceito ampliado da saúde que entende esta como resultante das condições de vida dos cidadãos, ou seja, a garantia do direito à saúde envolve em atuações diretas do Estado nas diversas dimensões que constituem o ser social: o trabalho, o transporte, a moradia, o meio ambiente entre outras. Essa mudança paradigmática do conceito de saúde deferida na legislação brasileira em vigor foi resultado dos esforços organizativos de segmentos da sociedade, notadamente os profissionais de saúde no que tange a luta pela saúde como direito de todos. Essa organização das massas ficou conhecida como o Movimento da Reforma Sanitária o qual permitiu a apreensão da saúde como consequência da organização social capitalista em que os anseios do capital sempre estão acima dos anseios da classe trabalhadora. Por este cenário de tensão e interesses divergentes, essa conquista legal que resultou o SUS foi barrada pelo interesse do capital na sua implementação. Em que o neoliberalismo fere determinantemente os ideários da reforma sanitária ao abrir espaço para o privado, ao desresponsabilizar o Estado, renegando, assim, o direito a saúde ao inviabilizar o SUS. Apesar destes esclarecimentos, por meio deste avanço legal, infere-se que a garantia da saúde implica também na defesa e na proteção do meio ambiente. Isto porque a devastação da natureza provoca um desequilíbrio ecológico que não atinge somente a vida natural, mas, os impactos vêm sendo sentidos pelos seres humanos, atingindo com maior gravidade a população pauperizada. (SCHONS, 2012). Na contemporaneidade, a crise estrutural do capital apresenta-se com expressões multifacetadas como a radicalização da questão ambiental em que uma serie de desastres naturais estão colocando em xeque a lógica da exploração desenfreada da natureza para obtenção de lucro. Desta forma, a crise ambiental é temática alicerce para pesquisas que buscam pensar as condições de vida das gerações futuras. Apesar da apropriação da questão ambiental pelas mídias com ênfase nos impactos do aquecimento global e de uma apreensão equivocada desta problemática, pode-se realizar uma prospecção de que a real busca pelo equilíbrio 10 entre o meio ambiente e o homem estará entre os principais horizontes da humanidade para século XXI. E por este panorama de crise ambiental e crise econômica, a defesa do meio ambiente está presente e ganha consistência no discurso ideológico apesar da própria natureza do sistema capitalista ser exploratório e mercantilizar os recursos naturais colocando em risco as condições de sobrevivência para as gerações atuais e futuras. Por esse motivo, é que se abre espaço para a discussão da temática seja de cunho conservador ou crítico. E é neste cenário que emerge a concepção de saúde ambiental que busca promover o entendimento da interferência das condições socioambientais no processo saúde/ doença da população. Para a discussão da questão socioambiental e saúde ambiental, pondera-se a atuação do assistente social. Destaca-se que a atuação do assistente social nos serviços de saúde deve-se efetivar pela garantia dos direitos dos usuários a partir da apreensão da interferência dos determinantes socioambientais no processo saúde- doença. Desta maneira, o debate sobre saúde ambiental é importante como viés estratégico para a atuação do assistente social por este trabalhar na área da saúde objetivando correlacionar as políticas sociais que se envolvem na garantia do direito à saúde em seu conceito ampliado. A partir de seu direcionamento ideopolítico a favor da classe trabalhadora e tendo como horizonte a busca por uma ordem social mais justa, este profissional deve suscitar a reflexão crítica dos usuários para a discussão de como a garantia da saúde está relacionada com suas condições de vida. Assim, em prol da saúde ambiental nos serviços de saúde, deve-se ocorrer a problematização da relação mercantilista do capital com os recursos naturais impondo o meio ambiente como resultado da organização social vigente. Na dimensão pedagógica de sua atuação, o assistente social deve instigar a criticidade da população em relação ao processo de desigualdade, além de democratizar informações como caminho para concretização de direitos. Por tal já exposto, esta análise apresenta como objetivo geral apreender a tríade saúde-meio ambiente- indivíduo em um cenário de crise do capital para um esforço investigativo de se aprofundar na questão da saúde ambiental com ênfase no profissional assistente social neste contexto. Sendo assim, tem-se como objetivos específicos: traçar caminhos analíticos que promova a apreensão do obstáculo neoliberal para a prática de serviços de saúde públicos no conceito ampliado e nos 11 ideários da reforma sanitária em que partes foram elencadas pelo SUS; discutir o conceito ampliado da saúde a partir da atribuiçãoda vigilância sanitária e ambiental do SUS, estas vistas como ações de promoção, proteção, prevenção e controle em saúde as quais abrem espaço para as práticas de saúde ambiental nos serviços de saúde; investigar a organização social do modelo capitalista a partir da apreensão que os riscos ambientais recaem em maior escala sobre a população de baixa renda ao trazer dados das condições socioambientais dos brasileiros; e, desvelar a importância do assistente social como profissional que estimula a consciência sanitária dos usuários a partir da educação popular. A relevância social desta pesquisa é que esta produção de conhecimento discute a garantia do direito à saúde dos usuários do SUS- Sistema Único de Saúde a partir do conjunto das relações sociais na sociedade capitalista em um cenário de crise. E por tal, enaltece-se a defesa da saúde ambiental como estratégica para a garantia do direito a saúde, esta só tem sentido por realizar uma crítica a predominância irracional do interesse do capital impondo para a concretude plena de projetos a favor da classe trabalhadora o horizonte de transformações estruturais. Este estudo busca investigar a atuação do assistente social e sua contribuição para a consolidação do direito à saúde e da saúde ambiental para efetivar realmente o que a Constituição Federal de 1988 propõe em seu artigo 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Propõe-se uma análise do fazer profissional do assistente social, para subsidiar estratégias e como motor a luta para a superação do capitalismo. Destaca- se que as condições macrosocietárias impõem limites para o serviço social e, por isso, o assistente social deve procurar entender a realidade social em uma perspectiva de totalidade. A escolha deste objeto é resultado de experiências acadêmicas na área da saúde pública a partir do estágio curricular obrigatório em Serviço Social no Programa de Transplante Renal do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL)1 a 1 A assistente social no programa de transplante renal do HUOL apresenta-se como uma figura necessária dentro da equipe multidisciplinar por intervir e orientar os usuários para que seus direitos 12 qual se pode identificar a importância das condições de vida (as condições sanitárias da residência- água, coleta de lixo, esgoto, por exemplo) do usuário para o processo pós-transplante para que o transplantado não “perca” o rim doado. Esta experiência permitiu a apreensão que as condições sanitárias estabelecem uma relação intrínseca com a garantia do direito a saúde. De tal maneira que fomentou a intenção de estudo acerca da saúde ambiental visto que saneamento é uma das dimensões de proteção ao meio ambiente e promoção a saúde. E também por vivências acadêmicas no curso técnico de controle ambiental da IFRN que possibilitou uma aproximação com a questão ambiental a partir da realização de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o tema de educação ambiental no ambiente escolar. Desta maneira, o recorte social que é objeto desta pesquisa permite conciliar duas áreas importantes a partir do estudo crítico da saúde ambiental. A temática escolhida busca desvelar uma possível interação da luta da preservação ao meio ambiente com a luta para a garantia do direito a saúde, sendo assim, possibilita uma necessária articulação de bandeiras de lutas em uma realidade contemporânea em que se observa a fragmentação dos movimentos sociais, logicamente respeitando as particularidades de cada questão. Em relação a metodologia, a teoria social crítica da tradição marxista foi escolhida para orientar e iluminar as análises acerca da saúde ambiental. A opção se deu a partir do acúmulo teórico nesta visão de mundo por entendê-la como alicerce para apreensão das manifestações e expressões da questão social genuína da sociedade capitalista. O procedimento metodológico escolhido é a pesquisa bibliográfica qualitativa que permite a análise ao objeto de estudo a partir de uma produção de conhecimento já socializado, principalmente, em livros e artigos científicos. A principal vantagem e o motivo da escolha é possibilitar ao pesquisador uma aproximação a fenômenos mais amplos do que seria capaz realizar diretamente, logicamente, que este processo impõe ao discente uma seleção rigorosa dos materiais de análise (GIL, 2002). Destaca-se que a pesquisa também será documental, esta: “[...] vale-se de materiais que não recebem ainda um sejam efetivados. A atuação do serviço social no programa desenvolve-se por atendimentos pré- transplante e pós-transplante. O primeiro envolve o atendimento de pacientes externos os quais estão em processo de preparação para um futuro transplante. Esta fase é feita pela realização da avaliação social a qual consiste na realização da entrevista social. Esta aponta aspectos centrais das condições de vida do paciente. Já, o pós-transplante é o acompanhamento de pacientes os quais se encontram internados nas enfermarias depois da realização do transplante. 13 tratamento analítico.” (GIL, 2002, p.45). Sua vantagem revela-se em fontes ricas de dados. Analisam-se neste trabalho, documentos como o da Construção de indicadores da saúde ambiental, do Relatório Final da 1º Conferência Nacional de Saúde Ambiental e documentos do IBGE, além de investigações do conteúdo da Constituição federal de 1988, da lei orgânica da saúde entre outras legislações. A intenção e a importância da realização dessa pesquisa é promover a emersão da saúde ambiental como central nos serviços de saúde, inserir o assistente social nesta discussão na prática sempre relacionada a uma teoria crítica e entender que para consolidar o direito à saúde no sentido ampliado é indiscutivelmente investir nas demais políticas sociais e nas condições de vida da população e por tal, envolve a defesa de uma ordem social mais justa. Elabora-se, então, um percurso analítico que busca analisar a defesa da emersão/fortalecimento da saúde ambiental como um dos rumos para a consolidação do SUS em um cenário de avance do neoliberalismo. Por fim, a sistematização deste trabalho está dividida em cinco grandes seções. A primeira é a exposição de elementos introdutórios da pesquisa. A segunda aponta a discussão sobre a política pública de saúde em um panorama neoliberal no qual ocorre a intensificação das expressões da questão social com precarização dos direitos sociais conquistados em processos de lutas, além da realização de um balanceamento do percurso histórico do direito a saúde em que as iniciativas em saúde, indiscutivelmente, atendiam (e ainda atendem) demandas para avanços econômicos a partir do descaso estatal com a dimensão social. A outra seção expõe o debate crítico sobre a questão socioambiental em um cenário de crise do capital no qual os limites deste modo de produção se evidenciam, todavia, são incorporados ao projeto conservador. Nesta perspectiva, busca-se debater o verdadeiro horizonte do desenvolvimento sustentável, apropriar-se da emergente conexão da unidade saúde- meio ambiente pelas condições socioambientais da população e desvelar a saúde ambiental no SUS. Já, na quarta seção, ocorre ponderações sobre a atuação do assistente social na área da saúde e sua contribuição para a consolidação da saúde ambiental ao traçar conexões com a educação popular. E na última seção, há asconsiderações finais em que se reafirma o nó indissociável do direito à saúde e a defesa ao meio ambiente. 14 2. EFETIVAÇÃO DA SAÚDE NO SEU CONCEITO AMPLIADO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE: UM DESAFIO EM UM PANORAMA NEOLIBERAL "Lutam melhor os que têm belos sonhos." (Che Guevara) Traçar um percurso analítico que busca desenhar estratégias para a efetivação do Sistema Único de Saúde – SUS é uma situação desafiadora por esta investigação apresentar compromisso científico e político de averiguar a raiz da problemática à luz da teoria social crítica. Por tal, o processo reflexivo construído buscou superar uma discussão meramente focalizada nas consequencias da não implementação dos ideários da reforma sanitária no cenário brasileiro, mas sim, apreender o “porquê” de um Estado voltado aos interesses do capital em prejuízo orçamentário para as políticas sociais públicas. No cenário contemporâneo, a garantia legal da saúde no Brasil está segurada pela Constituição Federal (CF) de 1988 e por outras legislações complementares como a lei nº 8142/1990 e a lei nº 8080/1990, esta última determina que a saúde não é uma situação simplesmente de ausência de doença, já a lei nº 8142/1990 é complementar e discorre sobre participação popular e financiamento do SUS. Visto que se seguíssemos a visão biomédica no campo legal, os serviços de saúde deveriam direcionar-se para um atendimento puramente de assistência médica. Mas, o conceito defendido na CF o qual foi da reforma sanitária, propõe a saúde como resultado direto das condições de vida da população. Desta forma, existem perspectivas que abordam de forma diferenciada o conceito e a concepção de saúde, isso é compreensível, mesmo que pensar em conceituar a complexidade da realidade social não é uma tarefa fácil, mas, este é o primeiro passo para fomentar uma reflexão e prática mais próxima da vida social. Vale salientar que qualquer análise/ teoria/ conceito deve buscar uma proximidade com a verdade de seu objeto, mas, não ser entendida como definitiva ou absoluta. Neste âmbito, identificar uma explicação coerente com a realidade sociohistórica para desvelar a problemática da questão é elementar para entender que saúde não pode ser limitada a garantia de tratamento das doenças em um espaço hospitalar, centrado na figura do heróico médico. (BATISTELLA, 2007). As práticas, os serviços e a política pública de saúde modificaram-se ao longo 15 dos séculos a partir do próprio entendimento dos determinantes que interferem no processo saúde-doença. Destaca-se que não há um objetivo audacioso de fazer um balanceamento das iniciativas públicas em um averiguar aprofundado no horizonte da historicidade, no entanto, é um equivoco abordar a conquista do SUS sem realizar um pequeno percurso da relação do Estado com a saúde até que esta seja tomada como uma de suas responsabilidades. Segundo Bertolli Filho (2002), no período de colonização do Brasil por Portugal, no século XVI, houve a busca de soluções para o problema da proliferação de doenças trazidas pelos europeus ao grande país- colônia a partir da ameaça do projeto de exploração econômica no Brasil fracassar, então, promoveu-se medidas para atender os problemas de saúde da população. A medida adotada, todavia, era bastante pontual por atentar na assistência curativa promovidas por médicos vindo da Europa e não nas condições de vida da população, por tal essa investida foi insatisfatória e não possibilitou o impacto esperado. Além disso, teve-se problemas na implementação como poucos médicos para o dimensionamento continental do país, por ser um serviço pago e pelo medo da população dos processos medicinais (através de purgantes e sangrias) inibiram a adesão das massas ao tratamento. Desde dessa época, observa-se adesões de medidas verticalizadas entendendo a população como meras “máquinas” que precisam de um “concerto” só que se olvidaram de ações que buscavam informar a população sobre suas condições de saúde e sobre os métodos de tratamentos disponíveis, além da falta de intervenções diretas nas suas condições de vida. Por utilizar a faceta de um Estado repressor e autoritário, o povo via essas medidas com estranhamento e negação. Outro exemplo disso seria a epidemia de varíola a qual tinha a prevenção feita a partir da mesma lógica das vacinas, pelo desconhecimento, a população recusava-se a tomá-la. No século XIX, a partir da vinda da corte portuguesa, houve a construção de centros de formação de médicos e sobre a higiene pública. Nesse período, o retrato da saúde no cenário brasileiro ainda era marcado pelas epidemias de varíola, febre amarela e cólera. Pela falta de investimentos em medidas sanitárias, além da fragilidade do entendimento das causas das doenças promovia a continuidade dos surtos epidêmicos. (BERTOLLI FILHO, 2002). 16 É importante destacar que a população enferma poderia contar com a assistência médica das instituições privadas para aqueles com dinheiro (a minoria da população) e para os pobres doentes tinham-se os serviços dos curandeiros negros ou poderiam se “aventurar” nas santas casas de misericórdia ou nos poucos hospitais públicos existentes. Salienta-se que população apresentava um grande receio de buscar tratamentos nesses lugares por sua falta de higiene de tal forma que eram conhecidos como um lugar de morte (possibilitar o último sacramento) e não de vida, por fim, em uma dimensão assistencialista, era uma forma de possibilitar uma “morte digna” a população de baixa renda. (BERTOLLI FILHO, 2002). Uma ação contínua e significativa do Estado na área da saúde só emerge a partir da compreensão que as doenças reduziam a vida produtiva da população e por conseqüente, impedia o progresso do país. No final do século XIX e início do século XX, em uma economia cafeeira exportadora, intensificou-se a intervenção estatal na área da saúde. (BRAVO, 2007a; JUNIOR e NOGUEIRA, 2002). Então, na fase republicana, houve investimentos em medidas sanitárias nas áreas centrais da economia. Isolando das melhorias, a população rural a qual sofria com a pobreza e com uma vida insalubre: A saúde emergiu como efetiva prioridade de governo no Brasil no começo do século XX, com a implantação da economia exportadora de café, na região Sudeste. A melhoria das condições sanitárias, entendida então como dependente basicamente do controle das endemias e do saneamento dos portos e do meio urbano, tornou-se uma efetiva política de Estado, embora essas ações estivessem bastante concentradas no eixo agrário-exportador e administrativo formado pelos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. (JUNIOR e NOGUEIRA, 2002, p. 119). O Brasil ao lançar-se na busca da modernização elaborou as reformas urbanistas e sanitárias nas cidades chaves da economia para o crescimento da indústria e do comércio, além do mais, observa-se que os investimentos em saneamento básico fundiram-se basicamente nas localidades de moradia das elites econômicas. (BERTOLLI FILHO, 2002). Para entender que os investimentos em saúde pública atendiam os interesses econômicos é só averiguar o braço coercitivo do Estado para a questão do avanço sanitário que expulsaram a população pobre de 17 suas moradias em prol do fim das doenças, sem menores satisfações junto a esta população a qual sofria forte vigilância policial para evitar qualquer foco de resistência (protestos, passeatas). Todavia, houve, sim, resistências para essas ações do Estado, um exemplo seria a Revolta da vacina em 19042. Em rumo ao progresso e pelo equívoco de aderir a um desenvolvimento voltado para a satisfação das elites, o cenário brasileiro ficou descompensado. Houve a intensificação das desigualdades sociais pela vinda de um contingente de trabalhadores imigrantes, pelo desamparo a população negra com ofim da escravidão, por um rápido investimento na urbanização e por medidas sanitárias excludentes que determinaram o aumento da construção de favelas e cortiços. (JUNIOR e NOGUEIRA, 2002). Nesse período de início do século XX, destaca-se a assistência médica aos trabalhadores a partir da Lei Elói Chaves de 1923 que constitui a Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias a qual garante a aposentadoria por invalidez, o tratamento médico e a medicamentos entre outros benefícios aos contribuintes: Neste período, também foram colocadas as questões de higiene e saúde do trabalhador, sendo tomadas algumas medidas que se constituíram no embrião do esquema previdenciário brasileiro, sendo a mais importante a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) em 1923, conhecida como Lei Elói Chaves. As CAPs eram financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Elas eram organizadas por empresas, de modo que só os grandes estabelecimentos tinham condições de mantê-las. O presidente das mesmas era nomeado pelo presidente da República e os patrões e empregados participavam paritariamente da administração. Os benefícios eram proporcionais às contribuições e foram previstos: assistência médica-curativa e fornecimento de medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice e 2 “A Revolta da Vacina (1904) fazem parte de um processo de apropriação do corpo pela ciência, processo este iniciado desde o período de Descartes e que teve sua consolidação no Brasil exatamente no início do século XX. Com isto, as pessoas que se rebelaram naqueles dez dias da Revolta estavam fazendo-o não só pelo acúmulo de ações autoritárias, ou por estarem perdendo suas moradias; era mais que isto estavam, também, perdendo o controle sobre seus próprios corpos. Sendo assim a Revolta da Vacina (1904) tem também este aspecto, a luta dos amotinados para manter os corpos livres da disciplina e da apropriação.” (MATTOS, 2005, p.8). 18 invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral. (BRAVO, 2007a, p. 3) Em 1926, esta lei é estendida para empresas de outras categorias como os marítimos e os portuários. A crise mundial de 1929 afetou a economia cafeeira do Brasil que buscou investir na sua industrialização. Na década de 1930, constata-se um avanço na legislação trabalhista a partir de adesão de medidas populistas para o controle da população: A necessidade de obter apoio social e político e conferir alguma legitimidade ao Estado ditatorial exigiu uma legislação social que garantisse maiores direitos aos trabalhadores urbanos. Afinal, já não era possível que o governo tratasse a chamada questão social, na qual se incluíram os reclamos populares referentes à saúde, como uma simples questão de policia, como aconteceu no decorrer de toda a Republica Velha. (BERTOLLI FILHO, 2002, p. 32). Esse impulso pela industrialização constrói um cenário de acelerada urbanização e da continuidade do crescimento da massa trabalhadora sem o acompanhamento de medidas sanitárias. Aponta que na década de 1930 até antes a ditadura militar, a política de saúde brasileira caracterizava-se, principalmente, por duas vias de ações: saúde pública e medicina previdenciária. Enquanto, setor de saúde pública voltava-se por ações em investimentos nas condições sanitárias da população, a medicina previdenciária seriam os benefícios oferecidos pelas IAP- Instituto de Aposentadoria e Pensões (BRAVO, 2007ª; REIS, 2010). Esclarece-se que as CAPs são substituídas pelos IAPs que são organizadas por categorias e não por empresas: Surgem, então, em 1933, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) e, em 1934, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) e o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB). Em 1936 é criado o Instituto dos Industriários (IAPI), e em 1938 são reorganizadas algumas caixas que dão origem ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores (IAPE) e ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em Transportes e Cargas (IAPTEC). (REIS, 2010, p. 123-124). 19 Apesar da assistência médica ser um dos benefícios, nota-se que este sistema fragmentado apresentava disparidade normativa entre os IAPs que afetava, principalmente, como o beneficio a assistência médica era fornecido para cada categoria profissional. Enquanto o da categoria marítima, a internação médica só era coberta até 30 dias, por outro lado, para os trabalhadores da indústria, só a atenção médica poderia implicar em uma cobrança adicional. Essas diferenças na oferta de benefícios e os serviços serem de baixa qualidade como dificuldades em internamentos sendo uma constante em todas as categorias fomentaram a discussão para a elaboração de um sistema unificado. Uma medida paliativa para atender este anseio veio através da Lei orgânica da previdência social, a lei nº 3807 de 26/8/1960 a qual manteve o sistema fragmentado mais uniformalizou as regras. Todavia, continuou a disparidade de investimentos para a assistência médica em cada IAP, por exemplo, 33% dos investimentos dos bancários eram para a assistência médica e apenas 8,5% dos industriários eram para estes fins. (MERCADANTE, 2002). Em relação ao setor de saúde pública, durante este recorte temporal da década de 1940 até meados a ditadura militar, destaca-se o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) – anos de 1940- que foi uma iniciativa do governo americano como um esforço estratégico da segunda guerra mundial. Esta caracterizou-se por adotar medidas sanitária para a região da Amazônia e do Vale do Rio Doce. O cenário desse período era formado pela pressão dos interesses da medicina privada em frente a passividade do Estado o qual o seu papel cabia oferecer empréstimos a juros baixos para a construção de hospitais privados e esses hospitais vendiam seus serviços aos IAPs, além da falta de investimentos em saneamento básico, pelo alto índice de mortalidade infantil e pela baixa expectativa de vida. (BRAVO, 2001; BERTOLLI FILHO, 2002; MERCADANTE, 2002). Apesar de um panorama social o qual demandava um maior investimento para a política de saúde pública a partir das péssimas condições de vida da população as quais fomentavam o quadro crítico descrito acima, a direção estatal prosseguiu enfatizando na medicina previdenciária. Focalizando em uma dimensão curativa da saúde e não na promoção e prevenção da saúde. Na ditadura militar, em 1966, os institutos são substituídos ou unificados pelo Instituto Nacional da 20 Previdência Social –INPS que uniformaliza os beneficiose em 1974, pelo desmembramento do INPS cria-se os Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social-INAMPS. (BRAVO, 2001). Nesse período de ditadura militar, o desenvolvimento da medicina previdenciária aderiu ao privilégio do produtor privado. Houve a construção de hospitais a partir da concessão de verbas e juros baixos a empresários que visam o lucro e não o beneficio ao povo. Neste cenário via-se a medicalização da vida pela consolidação do interesse do capital direcionada a lucratividade ao setor de saúde: uma medicina curativa e individual, adesão do Estado aos conformes internacionais via a indústria farmacêutica e expansão da mercantilização dos remédios. (BRAVO,2007a). O processo ditatorial no cenário brasileiro começa a desinflar pelo agravamento da crise socioeconômica (aumento da taxa de desemprego, crescimento da mortalidade infantil, péssimas condições de vida, aprofundamento da dívida externa entre outros) evidenciada a partir do fim do “milagre econômico”, além do descontentamento da população com os serviços de saúde, com crise da previdência e com mercantilização da saúdeque desperta grupos e forças sociais adormecidos: Na conjuntura de crise de legitimação do regime autoritário, caracterizada por alguns autores como distensão política, a ascensão do movimento operário e popular e de outros movimentos e organizações políticas de oposição [...] contribui para o fortalecimento da sociedade civil e para a ampliação do processo de negociação dos movimentos com o Estado, na defesa dos direitos mínimos a cidadania. (BRAVO,2007b, p.51). Nesta efervescência sociopolítica através da luta pela redemocratização do país e pela conquistas de direitos que se discute a seguir o movimento de reforma sanitária e o redimensionamento da política pública brasileira de saúde a partir da conquista legal do Sistema Único de Saúde o qual foi o ponto culminante no âmbito de conquista legal da representação dos interesses populares na Constituição Federal de 1988. 2.1.Movimento da reforma sanitária e a construção do SUS: projetos em disputa 21 O movimento denominado de Reforma Sanitária apresenta sua base organizativa em terras brasileiras em meados da década de 1970 a partir de pesquisas e estudos que constatavam que as péssimas condições de vida da população determinavam a elaboração de um povo doente, este era promovido pela adesão do país a um desenvolvimento capitalista em prol aos interesses privados em que ocorria a concentração de renda nas mãos da burguesia, deixando a população que não estava incluída no sistema previdenciário em situação de indigente ou carente. (NETO, 1998). A base teórica para o embasamento dos ideários da reforma sanitária vem de conjunto de esforços populares e de produção de conhecimentos que além de alertas representaram propostas construtivas para a Constituição Federal de 1988. Essa mobilização pode ser vista em diversos segmentos e sujeitos políticos. Destaca-se no segmento estudantil, a Semana de Estudo de Saúde Comunitária (SESAC) que sustentaram idéias vanguardas sobre a saúde. No lado intelectual, tem-se o desenvolvimento de experiências universitárias e de serviços de saúde com ênfase na apreensão das causas sociais no processo saúde doença e na participação popular. Já, em 1976, o CEBES (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) foi responsável pela realização de debates sobre a democratização da saúde os quais fomentaram a idéia da reforma sanitária inspirada na tradição marxista com a preposição de unificação de serviços, participação da população e ampliação qualitativa dos serviços. Tem-se também a criação da ABRASCO (Associação Brasileira de Pós graduação em Saúde Coletiva) com seus estudos relatavos a importância dos determinantes da saúde que subsidiaram a 8a conferencia nacional de saúde como a concepção ampliada de saúde entendendo esta como resultante das condições de vida da população em um país de desenvolvimento desigual. (PAIM, 2007). Por este caminho, “O movimento foi-se ampliando, incorporando parlamentares, lideranças políticos, sindicais e populares, promovendo debates e divulgando suas idéias.” (NETO, 1998, p.9). Nesse ponto da análise, é importante demarcar a importância do avanço teórico para melhorias nos serviços de saúde no Brasil. A partir da adesão de uma concepção “popular” de saúde haveria um direcionamento de práticas comprometidas com interesse das massas. Dessa forma, com a apropriação do conceito ampliado de saúde deixa-se para trás a visão negativa da saúde. Nesta a 22 saúde é entendida como uma situação oposta a um cenário de doença, respaldada na concepção biomédica a qual é mais difundida no senso comum. Este fato pode ser entendido, pois durante um grande período, os esforços do saber científico estavam direcionados a investigação da doença, como se estivesse claro que este estudo também era sobre saúde, visto que esta era a ausência de doença. A própria nomeação do modelo biomédico permite perceber a exclusão da dimensão social, cultural, psicológica como determinantes no processo saúde-doença. (BATISTELLA, 2007). Destaca-se que esse processo de busca a um redimensionamento paradigmático na concepção de saúde foi legitimizada pela 8a Conferencia Nacional de Saúde( 1986) que buscou discutir a situação de saúde no Brasil e apresentar propostas de democratização da saúde embasadas na reforma sanitária para a Assembléia Nacional Constituinte em 1987. Pontua-se que a reforma sanitária tinha como bandeiras: a democratização da saúde a partir da ativa participação popular, a democratização do Estado fomentando a veia crítica a ditadura e a democratização da sociedade e da cultura, estas buscam entender que a saúde por ser resultante da organização social, é preciso a promoção um conjunto de mudanças mais estruturais. (PAIM, 2007). Revela-se que o próprio conceito ampliado de saúde é resultado dos esforços do movimento de reforma sanitária. Destaca-se a definição formal para o conceito ampliado registrada no relatório final da 8a Conferência Nacional de Saúde: Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é principalmente resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. (BRASIL, 1986, p. 4) Desta forma, a garantia do direito a saúde envolve um ambiente de trabalho digno, acesso a alimentação de qualidade e a moradia, direito a educação, defesa ao meio ambiente, acesso de um transporte seguro, lazer e liberdade. Neste mesmo documento, pauta-se pela primeira vez na história do Brasil, a saúde como direito de todos os cidadãos e dever do Estado. Esta concepção possibilita a não 23 culpabilização do indivíduo pelo seu processo saúde- doença. Mesmo considerando importante o cuidado e o estilo de vida da população, ainda impera no discurso midiático e na formação do senso comum das massas que a promoção em saúde é resultado de hábitos saudáveis de cada pessoa, menosprezando a estrutura capitalista e a função do Estado na área da saúde e sua responsabilidade na saúde. O conceito ampliado de saúde impõe aos serviços de saúde uma ação necessariamente intersetorial que integre diversos direitos sociais para que no fim, o direito a saúde seja garantido. Como já demonstrava o projeto da Reforma Sanitária, a política de saúde deve ser integrada as políticas sociais e econômicas. Por exemplo, as políticas de as.neamento e de proteção ao meio ambiente são essencialmente uma ação de saúde: A Reforma Sanitária e o SUS expressam uma ação resultante da sociedade em sua relação com o setor Saúde. No entanto, o conceito amplo de saúde, que fundamenta esse processo, não permeou outras áreas de interesse público, o que dificulta a interação com os órgãos que realizam as políticas de proteção ambiental e de saneamento. (BRASIL, 2003, p.28). Nesse cenário, a reforma sanitária define como proposta, o Sistema Único de Saúde, para a aplicação do conceito ampliado de saúde era necessário colocar um ponto final na medicina previdenciária que excluía uma grande parcela da população, mas afirmando a saúde como um dever do Estado e direito de todos os cidadãos. Primeiramente, o alicerce do pensar em saúde no SUS, é investir na existência de infra- estruturas que permitam garantir condições básicas de vida, ou seja, a elaboração de ambientes saudáveis para a população em geral. A saúde seria resultado de uma série de determinantes que precisam ser trabalhados pelo SUS. Todavia, estas ações não devem minimizar os serviços de assistenciais médicas. Por tal, a saúde não pode ser algo restrito, deve ser direito de todos. Logicamente que a consolidação da garantia legal deste projeto do SUS não foi umaconquista fácil por ser um projeto contra-hegemônico ao interesse mercantil nos serviços de saúde. Todavia, fruto de esforços populares,em 1987, ocorre o Decreto nº 94.657 que elabora o Programa de Desenvolvimento dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde – SUDS o qual afirmava a 24 descentralização, princípio da participação popular e a criação de conselhos de saúde. (SOUZA, 2002). A Constituição Federal de 1988, no que tange a garantia do direito à saúde seguiu os principais princípios da reforma sanitária. A saúde é incluída no art. 194 capítulo da seguridade social a qual é formada pelo tripé saúde, previdência social e assistência social: A concepção de seguridade social representa um dos maiores avanços da constituição federal de 1988, no que se refere à proteção social e no atendimento as históricas reivindicações da classe trabalhadora. [...] Representa a promessa de afirmação e extensão de direitos sociais em nosso país, em consonância com as transformações sociopolíticas que se processam. (CFESS, 2009, p.15). Na discussão da seguridade social, destaca-se o modelo bismarckiano o qual sustenta a centralidade do trabalho na construção do ser social e busca assegurar uma renda ao cidadão em caso de ausência de trabalho, somente se este contribuiu com o sistema anteriormente. Esta lógica orientou a política de previdência social. Todavia, outro modelo, o beveridgiano que embasou a garantia da saúde e da assistência social na carta magna de 1988. Este busca garantir direitos universais e proporcionar mínimos sociais para toda a população independente se é contribuinte ou não. (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006). Os artigos 196 a 200 da Constituição Federal de 1988 apresentam como temática o direito a saúde, expõem as diretrizes de atuação dos serviços de saúde (descentralização, atenção integral e participação da comunidade), afirmam a saúde como livre a iniciativa privada e por último, definem as atribuições do SUS. No ano de 1990, tem-se a lei no 8080 a qual busca esclarecer como será a construção do SUS através do detalhamento da competência de cada esfera do governo, além de afirmar os objetivos do SUS. Também se destaca a lei no 8142/ 1990 que dispõe sobre a participação popular na gestão do SUS e sobre seu financiamento. Desta forma e a partir desse arcabouço legal, o SUS apresenta como princípios éticos e doutrinários: integralidade, equidade e universalidade. A universalidade quer dizer que o SUS é de todos e para todos, tendo em vista a saúde como direito elementar de qualquer cidadão. O acesso universal a serviços de saúde deve ser fornecido com qualidade a todos que necessitam, enfatizando em 25 ações preventivas e na diminuição de agravos. O princípio de integralidade envolve o atendimento voltado para satisfação do usuário, respeitando a diversidade e para tal, é necessário a articulação dos diferentes níveis de atenção à saúde. O último princípio é o da equidade a qual busca reduzir as diferenças regionais, sociais e individuais existente no Brasil. Por entender que a saúde é fruto da própria qualidade de vida da população e das contradições genuínas de uma sociedade capitalista. (BRASIL, 2000). O SUS é construído por instituições da União, Estados e Municípios e pelo setor privado de forma complementar. Este sistema deve ser descentralizado, pois as decisões devem ser tomadas por aqueles responsáveis pela execução, tendo como base a regionalização e hierarquizado dos serviços a qual deve ser entendida como um planejamento integrado. E para dimensionar este sistema, têm-se as modalidades de atenção à saúde: atenção básica (atenção primária), atenção de média complexidade (atenção secundária) e atenção em alta complexidade (atenção terciária). A atenção básica é a responsável pela proteção e promoção à saúde, representada institucionalmente pela unidade básica de saúde. A atenção de média complexidade envolve a maioria dos procedimentos necessários para o diagnóstico, tratamento e reabilitação. E a atenção de alta complexidade caracteriza-se por procedimentos os quais utilizam tecnologia mais avançada e de maior custo. (BRASIL, 2000). Logicamente que esta conquista legal não foi um processo sem tensionamentos entre os projetos societários antagônicos típicos de uma sociedade capitalista em que os anseios populares estão em conflito aos interesses do capital que é de expandir sua obtenção de lucro. Desta forma, o capital busca mercantilizar também a dimensão social, construindo uma sociedade não para todos, mas para aqueles que têm dinheiro. Contudo, mesmo aqueles com posses materiais não terão seus desejos contemplando, pois, o horizonte é aumentar o lucro e não atender as necessidades sociais. Exemplo disso são as reclamações acerca dos serviços oferecidos pelos planos de saúde. Além do mais para pensar na garantia do direito à saúde em seu conceito ampliado só o Estado pode e é seu dever prover a efetivação de tal. Pois, a partir do instante que os brasileiros migram para os planos de saúde, estes entendem erroneamente que estão conseguindo garantir acesso a serviços de saúde, só que estão apenas pagando para receber uma assistência essencialmente curativa. Sendo assim, fica óbvio que a consolidação do SUS é o 26 principal caminho para a real garantia do direito à saúde. Durante a construção do arcabouço legal que consolida o direito da saúde, nota-se a existência de dois projetos em disputa: o primeiro, a favor da privatização da saúde e o segundo, que defendia os ideários a reforma sanitária. A saúde como serviço privado era defendida pela Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e pela Associação das indústrias farmacêuticas. A vitória da Reforma sanitária, enfatiza-se no campo legal, deu-se a partir da mobilização social que pressionou os constituintes. (BRAVO e MATOS, 2007). Todavia, mesmo com este triunfo, atualmente, nota-se a ofensiva do neoliberalismo ao SUS, por isso, na prática, ainda há uma disputa desses dois projetos (o privatista e o da reforma sanitária). Em que: “O Projeto de Reforma Sanitária, construído a partir de meados dos anos 1970, está perdendo a disputa para o Projeto voltado para o mercado ou privatista, hegemônico a partir da década de 1990.” (CFESS, 2010, p.11). 2.2. O SUS e seus desafios: entre texto e contexto Para apreender a disparidade do SUS legal com o SUS real, é necessário aproximar-se analiticamente do mais novo ofensivo inimigo para a implementação dos ideários da reforma sanitária em frente a um direcionamento de um Estado que busca atender o interesse do grande capital em detrimento aos interesses da população brasileira: o neoliberalismo. A implementação do conceito de seguridade social, previsto no artigo 194 da CF, já seria um enorme desafio em condições mais favoráveis aos movimentos dos trabalhadores. Mas, as condições se tornam ainda mais desfavoráveis aos defensores dos direitos sociais a partir da década de 1990, com uma nova hegemonia burguesa, de cunho neoliberal[...]. (BOSCHETTI e SALVADOR, 2005, p.29). Por tal, trilha-se um caminho investigativo que busque entender a problemática culminante da elaboração de um cenário contemporâneo de 27 sucateamento e precária infraestrutura dos hospitais, de profissionais da área de saúde insuficientes, do aumento da terceirização, da falta de articulação das políticas sociais setoriais brasileiras, tais examinados aqui como conseqüências do projeto neoliberal o qual é um reflexo dos mecanismos de manutenção do sistema capitalista. Segundo Anderson (1995), o nascimento do neoliberalismo data-se no tempo posterior da 2o Guerra Mundial e expandia-se em experienciais neoliberais em territórios da Europa e da América ao longo da década de 1970 consolidando-secomo hegemônico em parâmetros mundiais nos anos de 1980. O neoliberalismo teve suas principais ideias elaborados pelo Friedrich Hayek em 1944 que apresentou um ataque enamorado ao Estado de bem- estar social que no período pós-guerra respondeu o anseio no capital de barrar o fantasma do comunismo e atender a pressão dos movimentos das massas ao trazer por meio de Estado interventista, a ampliação dos direitos trabalhistas o qual se conciliou, temporariamente, com o crescimento econômico. O Welfare State foi uma “fase de expansão do capitalismo, caracterizada por altas taxas de crescimento econômico, ampliação de empregos e salários e uma forte intervenção do Estado.”. (MOTA, 2009, p.6). Nesse cenário de euforia econômica e até mesmo social, as ideais neoliberais não tiveram sucesso. Essa tentativa de conciliar o inconciliável (capital X trabalho) no capitalismo teve sem fim em meados da década de 1970 a qual colocou um ponto final no “Anos dourados” do capitalismo e no Estado de bem-estar social, abrindo espaço para o projeto neoliberal. Para os grupos que defendiam a adesão ao neoliberalismo esta crise foi provocada pelo Estado que ao promover garantias sociais possibilitando a organização e o fortalecimento dos trabalhadores pelos sindicatos que pressionavam o Estado a investir em maiores gastos na dimensão social. (ANDERSON, 1995). E desta forma, o neoliberalismo poderia ser a solução “perfeita” para esta crise e por tal, defendia que era necessário: “[...] manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas.” (ANDERSON, 1995, p.14). Por fim, as reformas neoliberais determinam ajustes econômicos, a privatização e a defesa que as garantias sociais pelo Estado é um atraso para o capitalismo moderno. (SIMIONATTO, 2009). Como se observa os argumentos neoliberais promoveram fortes rebatimentos 28 para as conquistas de direitos da classe trabalhadora. Por ter como uma de suas ideias que a desigualdade é essencial para o avanço do capitalismo houve-se duros impactos para os segmentos subalternos os quais sofreram com a maior precarização de suas condições de vida através do aumento do desemprego, redução dos salários a partir da elaboração de um exército de reserva, destruição de trabalhos não-qualificados e a restrição de gastos com as políticas sociais: O século XXI se inicia com transformações profundas nas políticas sociais nos países capitalistas centrais. Se não se pode falar em desmantelamento, é inegável que as reestruturações em curso seguem em direção de sua restrição, seletividade e focalização; (BEHRING e BOSCHETTI, 2010, p.134) Destaca-se que pensar na hegemonia do Estado neoliberal3, é ver o desafio de sua superação pelo seu impacto social, econômico, cultural na vida dos brasileiros e nos agravamentos das expressões da questão social4 em vista a passividade do Estado. O neoliberalismo “[...] passou afetar tão amplamente os modos de pensamento que se incorporou às maneiras cotidiana de muitas pessoas interpretarem, viverem e compreenderem o mundo.” ( HARVEY,2008, p.2). Tonet (2009) em sua discussão apresenta que a crise do capital e suas atuais respostas, o neoliberalismo e a reestruturação produtiva, atingem todas as dimensões da vida do ser social. Visto que as soluções encontradas para o aumento da taxa de lucro veio pela maior exploração da classe trabalhadora seja pela precarização do trabalho, terceirização, privatização e desmonte dos direitos sociais. Algumas das expressões socioculturais discutidas é o caráter manipulatório da cientificidade a favor da manutenção da ordem social vigente, a disparidade do valor ético com a prática, a mercantilização da atividade artística, a efemeridade e a perenidade que paradoxalmente “caminham” juntas: 3 “ [...] tipo particular de aparelho de Estado cuja missão fundamental foi criar condições favoráveis à acumulação lucrativa de capital pelos capitalistas domésticos e estrangeiros.” (HARVEY, p. 7, 2008). Contrapondo-se ao Estado de bem-estar social o qual buscava investir no pleno emprego, no desenvolvimento econômico e no bem-estar dos cidadãos. 4 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”. (CARVALHO e IAMAMOTO, 1983, p.77) 29 Tudo muda, mas, ao mesmo tempo, nada do que é essencial muda. De um lado, os fenômenos imediatos, em todas as dimensões da vida, parecem indicar que nada existe de estável. De outro lado, esse sistema social parece ter atingido um patamar absolutamente insuperável. A sempre proclamada vitória do capitalismo sobre o socialismo- uma forma de sociabilidade que, de fato,nunca existiu, é exatamente a expressão desse modo de pensar. O capitalismo se tornou invencível. (TONET ,2009, p. 14-15). Entende-se que a partir de uma sociedade imediatista e deste contexto sociocultural, ocorre o fortalecimento do individualismo o qual inibe, com outros elementos obviamente como o conformismo e o fatalismo, a integração, a união e a organização dos trabalhadores impondo a “sensação” que o capitalismo é o fim da história... Em que sonhar torna-se cada vez mais difícil. Já, Simionatto (2009) apresenta a crise do capital no que tange a sua repercussão ideocultural, esta vem através do fortalecimento do pós-modernismo que lança uma ferrenha crítica as grandes teorias sociais como esta sendo incapaz de captar as diversidades das realidades impostas pela globalização e seus impactos na vida cotidiana dos indivíduos. Deixa-se de lado a totalidade, a historicidade e a essência para dar ênfase ao singular, ao micro e ao pontual: “[...] as interpretações do pensamento pós-moderno detêm-se na visão distorcida do real, apanhado apenas em sua manifestação imediata” (SIMIONATTO, p. 7, 2009). Compreende-se que esta discussão é relevante por entender que o projeto neoliberal só apresenta êxito pela conquista do consenso da classe trabalhadora seja estas conscientes ou não. Além do mais, o pós- modernismo e o neoliberalismo repercutem nas políticas sociais que estão cada vez mais focalizadas ao ver o problema social na superficialidade e por tal, propõe soluções pontuais que não atacam a raiz da questão. Em relação ao cenário brasileiro, este adere ao neoliberalismo em 1990 e destaca a particularidade socioeconômica e histórica do Brasil o qual passou por desenfreado avanço econômico sem distribuição disto para as grandes massas e se a Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços na perspectivas da garantia de direitos, a adesão do neoliberalismo em terras nacionais colocou em xeque todos os avanços consolidados na Carta Magma. No Brasil observou-se um ajuste 30 econômico para as políticas sociais, desmonte/enfraquecimentos dos movimentos sociais5 e o aumento do desemprego (MOTA, 2009). Um dos principais componentes ideológicos da reforma neoliberal é a entrega da coisa pública para as mãos do setor privado. A partir do entendimento que o setor público era atrasado e ineficiente enquanto o privado era capaz de levar ao desenvolvimento econômico, então, a privatização era o melhor caminho para o crescimento do Brasil. Essa lógica também alcançou a área social. Outro ideário neoliberal relevante é o do “Estado mínimo” que foi difundido no Consenso de Washington em que o Estado deve tomar medidas básicas na área de educaçãoprimária, saúde pública e de infraestruturas mínimas para a garantia do avanço econômico. (SOARES, 2001). Na saúde, “o projeto público de atenção à saúde no país – um benefício que o Estado deve promover apenas em certas condições, com foco nos grupos mais vulneráveis, ou seja, os pobres sem condição de comprar nenhum tipo de serviço privado.”. (ALVES e SILVA, 2011, p.51). Dessa forma, a efetivação do SUS esbarra-se na adesão do Brasil ao neoliberalismo que possibilitou a construção de dois “subsistemas” no que tange os serviços de saúde no país na contemporaneidade. O primeiro subsistema seria o de atendimento básico e o segundo seria de referência ambulatorial o qual é interesse do setor privado. (CFESS, 2010). Este contexto restringe o SUS para os pobres e enfraquece a luta pela garantia do direito a saúde quando os que têm condições de “comprar” a saúde buscam uma solução imediata, atendendo o interesse do capital: A tarefa do Estado, nesse projeto, consiste em garantir um mínimo aos que não podem pagar, ficando para o setor privado o atendimento aos que têm acesso ao mercado. Suas principais propostas são: caráter focalizado para atender às populações vulneráveis através do pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos serviços ao nível local e eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento. (CFESS, p. 11, 2010). 5 Na contemporaneidade, notam-se as ofensivas do neoliberalismo aos ideários das lutas sociais da década de 1970/1980 que naquele período apresentavam um inimigo claro o qual era Estado autoritário representado pela ditadura militar. Todavia, a partir do processo de redemocratização do Brasil, o Estado brasileiro pela constituição garantiu legalmente uma série de reinvindicações desses movimentos e constitui espaços para negociações. Este processo confundiu as bandeiras de lutas destes movimentos causando a crise dos movimentos sociais. Este cenário é preocupante ao entender que as mobilizações e os movimentos sociais permitem a elaboração de um processo de identidade de classe e impõe o questionamento ao sistema capitalista. (GOHN, 2010). 31 O neoliberalismo impõe um ritmo descompensado para a efetivação do SUS visto que o Estado se desreponsabiliza para a dimensão social provocando a não materialização da garantia do direito a saúde em seu conceito ampliado. Após a discussão da conquista legal do SUS em frente ao avance do neoliberalismo, é preciso buscar estratégias que fomentem a concretude do projeto da reforma sanitária nas práticas dos serviços públicos de saúde. Essa pesquisa debruça-se no desafio da garantia do direito a saúde na concepção ampla em um contexto enfático nos serviços de assistência médica curativa em detrimento a promoção em saúde a partir da emersão e consolidação da saúde ambiental. Ao entender que “[...] os Estados neoliberais tipicamente favorecem a integridade do sistema financeiro e a solvência das instituições financeiras e não o bem-estar da população ou a qualidade ambiental.” (HARVEY, 2008, p.81). Nessa perspectiva, a promoção em saúde deve ganhar destaque nos serviços de saúde a partir de investimentos para melhoria das condições de vida da população brasileira. É preciso superar a apreensão enfatizada pelo âmbito pós- moderno e conservador que promoção em saúde é somente mudanças individuais de atitude em que o cidadão é o principal responsável por operar tais transformações. A promoção da saúde é necessariamente uma política necessariamente intersetorial, pois, promover a saúde envolve a garantia a habitação, a educação, a alimentação, a renda, ao meio ambiente, a justiça social e a equidade. Por fim, a promoção a saúde é entender que a saúde envolve os determinantes sociais, ambientais e sociais. (SÍCOLI e NASCIMENTO, 2012). Nesta lógica de compreensão, emerge a Política Nacional de Promoção de Saúde de 2006 a qual apresenta como objetivo proporcionar uma melhor qualidade de vida a população através da garantia à saúde por intermédio de ações nos seus condicionantes como “modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais.” (BRASIL, 2006b). Apesar desta garantia, pelo próprio freio neoliberal em ações estruturais, a promoção ainda desenvolve-se em ações pontuais como na obesidade, no incentivo a uma alimentação adequada, no sedentarismo, no consumo de álcool, no tabagismo. Nota-se, então, a disparidade do campo legal que propõe uma promoção mais abrangente, todavia, na prática do SUS, restringe-se, majoritariamente, a uma 32 promoção a saúde pontual, este fato é visto na análise de SÍCOLI e NASCIMENTO (2003, p.102): Apesar de os princípios estarem razoavelmente desenvolvidos, permanece a dificuldade de traduzi-los em práticas coerentes, a ponto de as raras práticas que privilegiam a “nova promoção de saúde” se encontrarem ainda dispersas e desarticuladas. Segundo estes autores, a nova promoção em saúde deve apresentar seus enfoques nos problemas socioambientais a partir da apreensão dos determinantes sociais no processo saúde-doença e para isso, é investir em mudanças das condições sociopolíticas e econômicas de tal forma que não se restringem nas atuações dos profissionais de saúde: A “nova promoção de saúde” se propõe a enfocar os determinantes gerais, isto é, os socioambientais e econômicos, atuando sobre as condições de vida cotidianas e sendo direcionada ao coletivo e à defesa dos direitos sociais. Trata-se, portanto, de um processo de fomento ao compromisso político (dos gestores e sociedade civil) e de impulsão às mudanças sociais. (SÍCOLI e NASCIMENTO, 2003,p.119). Assim, a promoção em saúde deve apresentar uma direção política a favor das transformações sociais tendo como um dos seus princípios a participação social nos processos de decisão para promover a equidade de condições de uma vida saudável para todos que perpassa no fortalecimento da luta por outra sociedade. Neste cenário, é preciso a construção de ações de saúde que tenham um horizonte além de uma saúde meramente curativa, mas, na dimensão da promoção por condições dignas de vida e não somente pela socialização de informações que buscam elucidar a população para questões de uma vida saudável só que não elabora ambientes saudáveis, estes só serão plenamente construídos em outra sociedade. 33 3.SAÚDE AMBIENTAL E A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL "Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, então que morra!"(Leon Trotsky). Depois de debruçar-se sobre a concepção de saúde entendendo esta como um determinante sociopolítico e também as suas resignificações ao proceder histórico a partir da incorporação e do avanço legal da saúde como resultante das condições de vida da população, parte-se para a apreensão do debate contemporâneo da relação homem, meio ambiente e sociedade capitalista a qual se torna elementar para a discussão da saúde ambiental. Esta só pode ser considerada dentro desta tríade e encarada, nesta análise, como ponto estratégico para a consolidação do SUS. Neste traçar investigativo é imprescindível entender e atestar como a questão ambiental antes massiçamente renegada pelo capital, vem nas últimas décadas ganhando espaço no debate das “preocupações” do capitalismo e da sociedade. Não se pode negar que o “zelo” ao meio ambiente está na “moda”, ou seja, não está presente somente nos discursos ambientalistas ou de sanitaristas, mas também, vem consolidando-se como uma problemática que precisa ser alvo de ações dos governos mundiais e de toda sociedade. Esta preocupação também é vista na própria população brasileira.Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em uma pesquisa feita no ano de 2011, 94 % dos entrevistados estão preocupados com o meio ambiente e 44% afirmaram que a problemática ambiental deve estar acima dos interesses econômicos, além do que 40% acreditam que o crescimento econômico e a proteção ao meio ambiente são conciliáveis. Esta cobrança da população por ações sobre o meio ambiente também é um dos pontos chaves para este direcionamento do capitalismo para tal questão. Entende-se também que esta preocupação da população é oriunda pelo aumento das expressões da questão ambiental, mas também pelo próprio “bombardeio” midiático sobre o assunto. Destaca-se aqui a mídia como aparelho privado de hegemonia a qual pode elucidar o consenso para manutenção da dominação (interesse da classe 34 hegemônica) ou apresentar pressupostos para sua superação (concepções das classes subalternas), ao elencar a própria concepção gramsciana de Estado ampliado6. Este não representa unicamente o capital, mas é formulado por tensão social, interesses opostos e contrários. Só que os meios de comunicação, por a classe burguesa ter a ideologia hegemônica, propagam majoritariamente os ideários da classe dominante: “Os veículos ocupam posição distintiva no âmbito das relações sociais, visto que fixam os contornos ideológicos da ordem hegemônica, elevando o mercado e o consumo a instâncias máximas de representação de interesses.” (MORAES, 2010, p.61). É preciso apreender que os meios de comunicação buscam manipular as grandes massas para atender as prerrogativas do desenvolvimento do capital. (MOREAS, 2010). Ou seja, a questão ambiental a qual se tornou emergencial pelos seus impactos é capturada e repassada pela mídia de forma equivocada. Estes focalizam que ações individuais a partir de um adestramento ambiental e pela propagação da “imagem verde” nas empresas são a melhor forma de enfrentamento para a questão. (GAVARD, 2009). Enfim, as pesquisas que apontam os impactos ambientais são socializadas para a população nos grandes veículos de forma manipulada em que a discussão espraia-se na importância de mudanças de hábitos destas sem mencionar que a devastação é fomentada pelo modelo de produção vigente. Em vista disso, a propagação do “pensamento verde”7 no senso comum das populações e a imagem verde das empresas podem ser entendidas como umas das expressões socioculturais da crise do capital ou como outra forma encontrada pelo capital de capturar os possíveis alvos de sua contestação para a elaboração de respostas que permitam sua manutenção. Se os movimentos ambientalistas reivindicavam/ reivindicam a conservação ao meio ambiente, o capital “atende” suas pautas ao consolidar a temática ambiental na agenda internacional, todavia, a solução encontrada- desenvolvimento sustentável- almeja a regulação do sistema. Ocorre a exposição de soluções que culpabilizam o indivíduo pela destruição da 6 O Estado Ampliado incorpora as lutas de classes, os conflitos e os confrontos de projetos societários divergentes e antagônicos em que o Estado não é meramente um bloco monolítico e coercitivo. (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010). 7 O pensamento verde seria a preocupação com a proteção ao meio ambiente em vista a radicalização da questão ambiental. 35 natureza e que por sua vez, as empresas façam sua parte ao elencar a responsabilidade socioambiental que apesar de um discurso ideologicamente correto, esta se torna uma estratégia de marketing para as grandes empresas, demonstrando assim, o seu real caráter. Por tal, a imagem verde é uma estratégia ideológica por parte do modelo de produção vigente que busca mascarar que o capitalismo e a preservação ao meio ambiente são inconciliáveis (GAVARD, 2009). A partir de informações socializadas pela ONU (Organização das Nações Unidas) busca-se realizar uma aproximação com as preocupações ambientais que permitiram o percurso de discussão sobre o meio ambiente pelos órgãos internacionais. Este fato colocou a temática ambiental em evidência tendo como prerrogativa a necessidade de um âmbito interventivo para tal questão seja em âmbito de tratados ou documentos. Bem, os primeiros sinais para esta discussão se dão como resposta ao processo de industrialização do século XIX. Já, em meados da metade do século XX, o coro sobre a defesa ao meio ambiente torna-se mais evidente pelo risco da utilização da energia nuclear na segunda guerra mundial e dos pesticidas químicos para a qualidade de vida, além dos próprios impactos destes ao meio ambiente. Neste panorama de efervescência no cenário socioambiental fomentados pelos impactos do avanço tecnológico sem precedentes que atendia o interesse do capital, a ONU, em 1972, organiza a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (CNUMAH), em Estocolmo, na Suécia. Esta conferência foi o primeiro marco internacional para com a questão ambiental. Como conseqüência teve a Declaração do Meio ambiente a qual consolidou a compreensão que defender o meio ambiente é uma meta fundante para a garantia da continuidade da humanidade, desta forma, a garantia do direito ao meio ambiente é um dever ético, político e moral. Outro avanço foi a instituição da PNUMA (Programa das Nações Unidas para o meio ambiente) que tem como objetivos: “ [...] manter o estado do meio ambiente global sob contínuo monitoramento; alertar povos e nações sobre problemas e ameaças ao meio ambiente e recomendar medidas para melhorar a qualidade de vida.”(Site da ONU, 2013). Destaca-se a posição do Brasil ao longo da Conferência de Estocolmo ao declarar as diferenças dos problemas ambientais existentes nos países desenvolvidos e nos países em processo de desenvolvimento. Para os delegados do Brasil, os países periféricos tinham problemas ambientais relativos aos níveis de 36 pobreza existente, já nos países centrais, a problemática foi vista a partir dos altos padrões de consumo. A posição do governo brasileiro era clara, entendia a relevância da questão ambiental, todavia, não estava disposto a adotar medidas ecológicas que prejudicassem o seu processo de desenvolvimento econômico: “[...] o Brasil se opunha ao estabelecimento de imposições globais sobre o meio ambiente nacional e defendia com veemência o direito de uma nação explorar seus recursos naturais de acordo com as suas prioridades.” (NEVES e DALAQUA, 2012, p.15). Por meio disto, a declaração de Estocolmo atendeu as reivindicações do Brasil ao defender responsabilidades diferentes para contextos socioeconômicos distintos em que os países periféricos se esforçassem em seu desenvolvimento, além da garantia da soberania dos Estados na exploração de seus recursos naturais.(NEVES e DALAQUA, 2012). Em 1983, teve a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento ou como ficou popularmente conhecida a Comissão de Brundlant que resultou no documento Our common future (Nosso Futuro em Comum). Este documento sistematizou os conjuntos de análises e estudos feitos por esta comissão como atos preparatórios para Eco 92. O relatório apresentava a discussão sobre o uso e ocupação da terra, a questão da água e propriamente os impactos socioambientais afirmando que a pobreza é uma das expressões da problemática ambiental. E por seu direcionamento conservador, formulou o desenvolvimento sustentável o qual será melhor discutido posteriormente. (BARBOSA, 2008). No ano de 1992, tem-se a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Eco-92 ou Rio- 92 que se orientou pela “[...] convicção de que, com recursos financeiros e tecnologias adequadas, será possível reorientar a atividade humana e não ultrapassar os limites que nos ameaçam.”(NOVAES, 1992, p.90). Desta forma, não houve formulação
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