Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO GABRIEL DE SOUZA GOMES ARQUITETURA SOCIAL PARA VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE MOITA VERDE Projeto de um Centro Comunitário para comunidade quilombola em Parnamirim/RN NATAL, RN 2022 GABRIEL DE SOUZA GOMES ARQUITETURA SOCIAL PARA VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE MOITA VERDE Projeto de um Centro Comunitário para comunidade quilombola em Parnamirim/RN Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do grau de Arquiteto e Urbanista. Orientadora: Profª.Drª Eunádia Silva Cavalcante Co-Orientador: Prof°. Dr.José Clewton do Nascimento NATAL, RN 2022 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - -CT Gomes, Gabriel de Souza. Arquitetura social para valorização do patrimônio cultural de Moita Verde: projeto de um centro comunitário para comunidade quilombola em Parnamirim/RN / Gabriel de Souza Gomes. - 2022. 143f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Tecnologia, Departamento de Arquitetura. Natal, RN, 2022. Orientadora: Eunádia Silva Cavalcante. Coorientador: José Clewton do Nascimento. 1. Comunidades quilombolas - Monografia. 2. Arquitetura social - Monografia. 3. Moita Verde - Monografia. 4. Centro comunitário - Monografia. 5. Racionalização construtiva - Monografia. I. Cavalcante, Eunádia Silva. II. Nascimento, José Clewton do. III. Título. RN/UF/BSE15 CDU 72:39(=414) Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344 GABRIEL DE SOUZA GOMES ARQUITETURA SOCIAL PARA VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE MOITA VERDE Projeto de um Centro Comunitário para comunidade quilombola em Parnamirim/RN Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do grau de Arquiteto e Urbanista. Orientadora: Profª.Drª Eunádia Silva Cavalcante Co-Orientador: Prof°. Dr.José Clewton do Nascimento BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Eunádia Silva Cavalcante – Professora Orientadora _______________________________________________ George Alexandre Ferreira Dantas – Examinador Interno _______________________________________________ Andréa Virgínia Freire Costa – Examinadora Externa Aprovação em 15 de julho de 2022. AGRADECIMENTOS Ao encerrar essa longa jornada através desse trabalho, se faz necessário ressaltar a importância das pessoas que fizeram parte dessa caminhada. De modo mais forte ou mais superficial, cada um de vocês teve um impacto nessa conquista tão almejada que é a graduação no curso de Arquitetura e Urbanismo. Agradeço primeiramente à Deus, por ter me dado as forças, condições e a capacidade de realizar toda essa árdua trajetória até aqui. Me mostrando como o esforço, aliado à fé e à dedicação, podem fazer a diferença na realidade. Sou eternamente grato aos meus pais, Ângela e Diniz, por sempre colocarem a nossa educação em primeiro plano, fazendo o possível e o impossível para que sempre pudéssemos ter o melhor acesso ao conhecimento, amo vocês, obrigado por serem os apoios de qualquer escalada que pude fazer na vida. Aos meus irmãos Nathália e Lucas, pelo companheirismo, pelas alegrias e resenhas vivenciadas diariamente que só vocês proporcionam. Agradeço à toda minha família de modo geral, aos avós, numerosos tios e tias e aos primos e primas mais numerosos ainda, que sempre me acolheram e participaram de forma tão marcante da minha criação. Agradeço em especial à minha falecida avó materna, Vovó Basta, que partiu inclusive na metade dessa graduação. Nunca esqueceremos da senhora. Aos meus amigos, agradeço primeiramente ao colega de turma, dupla dos vários trabalhos, Kelvin. Ao longo dessa graduação vivenciamos muita coisa juntos, sem você não tenho dúvidas de que ela teria sido muito menos proveitosa. Você é um verdadeiro irmão que ganhei e vou levar para a vida. Agradeço demais aos meus amigos do IFRN, 9 anos de amizade que diariamente trazem as mais diversas alegrias, conhecimentos e histórias vivenciadas: Luiz, Lucas, Luighi, Júlia e Leo. Vocês são pessoas incríveis, saibam o quanto eu os admiro e considero muito mais que simples amigos. À toda minha turma 2017.2 da UFRN, vocês sem dúvida proporcionaram a melhor graduação possível e algumas das melhores experiências da minha vida. Aprendi muito com cada um de vocês e suas características tão únicas. Agradeço em especial aos amigos Enderson, Thales, Leo Sindeaux e Yago pelas incontáveis resenhas e conhecimentos compartilhados. Agradeço muito à Beatriz Azevedo pela disponibilidade, esclarecimentos e contribuições no trabalho, principalmente na busca por informações sobre a comunidade de Moita Verde. Agradeço ainda à coordenação do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN, sempre muito atenta e disposta a nos ajudar. Sou muito grato também aos professores do curso, em especial à Amíria, Renato, Marizo, Eugênio e Aldomar pelo que cada um de vocês agregou na minha formação desde os períodos mais iniciais. Por fim, agradecimentos especiais à minha orientadora Eunádia Cavalcante, por ter topado essa jornada junto comigo, pela paciência, pelas considerações sempre precisas e assertivas, bem como pela gentileza e compreensão. Não menos importante, agradeço ainda ao meu co-orientador, José Clewton, sempre com uma ideia, um croqui e uma piada à mão. Vocês são incríveis juntos e sem dúvidas me inspiraram muito a desenvolver um trabalho muito melhor do que eu esperava. RESUMO: A questão sobre os diversos grupos étnicos e culturais existentes é uma temática que ainda necessita de visibilidade, principalmente no Brasil como país notavelmente miscigenado, com origem colonizada na qual se utilizaram sistemas escravocratas cujas consequências são notáveis até os dias atuais. As comunidades de remanescentes quilombolas aparecem como exemplos desses grupos que ainda seguem batalhando nos dias atuais na defesa de seus territórios, modos de vida, costumes e cultura. A comunidade quilombola de Moita Verde, sobre a qual se debruça este estudo, apresenta-se como uma dentre as várias existentes no estado e no país, que ainda enfrentam problemas que se estendem desde as atividades econômicas, infraestrutura e reconhecimento das terras. O presente trabalho trata do desenvolvimento de um projeto arquitetônico de um Centro Comunitário focado em convívio, educação e cultura, bem como na eficiência do processo construtivo. Para tal, através de pesquisas documentais e entendimento da comunidade, tem-se por objetivos mostrar como a arquitetura possui potencial de promover transformações socioespaciais, principalmente em locais de vulnerabilidade social. Somado a isso, também visa entender as principais necessidades da comunidade e demandas que podem ser auxiliadas por um equipamento do tipo. Busca-se ainda aplicar as principais vantagens oferecidas por diretrizes projetuais ligadas ao conceito da racionalização construtiva, com intenção de se obter um projeto mais eficiente, durável, com baixa necessidadede manutenção e consumo reduzido de recursos materiais, energéticos e temporais. Nesse sentido, a principal motivação surge enquanto morador da cidade, de poder desenvolver uma proposta de qualidade e eficiência que possa contribuir nas diversas necessidades existentes da comunidade. Como resultado tem-se o projeto de uma edificação com espaços dispostos de modo a respeitar as condicionantes do terreno, funcionalidade e materialidade, permitindo a realização de diversas atividades culturais e educacionais, além de proporcionar ambientes de qualidade para o convívio da comunidade, visando a valorização de suas culturas e trazendo luz para mais oportunidades de desenvolvimento. Palavras-Chave: Arquitetura Social; Comunidades Quilombolas; Moita Verde; Centro Comunitário; Racionalização Construtiva. ABSTRACT: The issue of the various existing ethnic and cultural groups is a theme that still needs visibility, especially in Brazil as a notably miscegenated country, with a colonized origin in which slavery systems were used, the consequences of which are still evident today. The communities of remaining quilombolas appear as examples of these groups that are still fighting today in defense of their territories, ways of life, customs, and culture. The quilombola community of Moita Verde, which is the focus of this study, is one of many in the state and in the country that still face problems ranging from economic activities, infrastructure, and land recognition. The present work deals with the development of an architectural project for a Community Center focused on conviviality, education and culture, as well as on the efficiency of the construction process. To this end, through documentary research and community understanding, it aims to show how architecture has the potential to promote socio-spatial transformations, especially in places of social vulnerability. Added to this, it also aims to understand the main needs of the community and demands that can be helped by an equipment of this type. It also seeks to apply the main advantages offered by design guidelines linked to the concept of constructive rationalization, with the intention of obtaining a more efficient and durable project, with low maintenance needs and reduced consumption of material, energy and time resources. In this way, the main motivation arises as a city dweller, to be able to develop a proposal of quality and efficiency that can contribute to the diverse needs of the community. As a result, we have the project of a building with spaces arranged in a way that respects the conditions of the terrain, functionality and materiality, allowing for several cultural and educational activities, as well as providing quality environments for the community to live in, aiming to value their cultures and bringing light to more development opportunities. Key words: Social Architecture; Quilombola Communities; Moita Verde; Community Center; Constructive Rationalization. LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Número de comunidades quilombolas reconhecidas por região no Brasil............ 27 Figura 02 – Processos de titulação em aberto no Nordeste e em andamento no Rio Grande do Norte...........................................................................................................................................28 Figura 03 – Habitantes de uma comunidade quilombola em atividade cultural.........................30 Figura 04 – Exemplo de oficina de artesanato realizada em comunidade quilombola..............31 Figura 05 – Vista da cidade colombiana de Medellín................................................................35 Figura 06 – Sistema de teleféricos utilizado em Medellín..........................................................36 Figura 07 – Vista das escadas rolantes da cidade colombiana de Medellín.............................36 Figura 08 – Bibliotecas em Medellín..........................................................................................37 Figura 09 – Localização do Arena do Morro e espacialização das intervenções propostas pelo plano urbano...............................................................................................................................39 Figura 10 – Espaço interno do Arena do Morro..........................................................................40 Figura 11 – Arena do Morro inserido na comunidade.................................................................41 Figura 12 – Fórmula para cálculo do índice de compacidade....................................................46 Figura 13 – Aumento dos custos das fachadas com base no formato da edificação................47 Figura 14 – Gráficos de comparação de variação de custos em função do aumento do isolamento (a) e consumo de energia em função do isolamento (b) ...........................................................50 Figura 15 – Principais causas das patologias nas edificações..................................................51 Figura 16 – Localização do Arena do Morro e demais intervenções propostas........................57 Figura 17 – Vista aérea do Arena do Morro..............................................................................58 Figura 18 – Plantas baixas do Arena do Morro e zoneamento dos ambientes do programa...59 Figura 19 – Vista inferior do formato da cobertura do Arena do Morro.....................................60 Figura 20 – Cobogós em concreto e as diferentes permeabilidades........................................61 Figura 21 – Espaços internos do Arena do morro em utilização..............................................63 Figura 22 – Localização do projeto da Escola no terreno do campus......................................64 Figura 23 – Vista frontal/aérea da escola.................................................................................65 Figura 24 – Planta baixa, cortes e zoneamento do projeto......................................................66 Figura 25 – Sistema construtivo utilizado em perspectivas explodidas....................................67 Figura 26 – Perspectivas do pátio central e das salas de aula.................................................68 Figura 27 – Segunda pele da edificação em varetas de madeira de eucalipto........................69 Figura 28 – Esquadrias e estratégias de conforto utilizadas na escola....................................70 Figura 29 – Vista aérea e entrada principal do Museu..............................................................71 Figura 30 – Plantas baixas dos pavimentos térreo e superior do Museu..................................72 Figura 31 – Vistas dos ambientes internos da edificação.........................................................73 Figura 32 – Painel artístico localizado em trecho da fachada frontal........................................73 Figura 33 – Quadro Síntese dos Estudos de Referência..........................................................74 Figura 34 – Localização de Parnamirim no Rio Grande do Norte.............................................76 Figura 35 – Bairros e distritos do município de Parnamirim......................................................78 Figura 36 – Localização do recorte de estudo no bairro de Vida Nova.....................................78 Figura 37 – Dona Nazaré em sua casa, ao completar 100 anos de idade................................79 Figura 38 – Mapa das Legislações incidentes sobre o território de Moita Verde.......................81 Figura 39 – Mapa de uso do solo dentro dos sítios quilombolas...............................................83 Figura 40 – Fotografias de 2019 dos sítios quilombolas de Moita Verde..................................84 Figura 41 – Sequência de etapas previstas para o Programa de Urbanização Integrada de Moita Verde..........................................................................................................................................86Figura 42 – Localização do terreno selecionado na época e imagem dos estudos projetuais desenvolvidos pela equipe.........................................................................................................87 Figura 43 – Quadro geral com linha do tempo dos ocorridos desde o início do Programa de Urbanização Integrada de Moita Verde.....................................................................................88 Figura 44 – Mapa Geral do entorno da região de estudo em 2022.........................................90 Figura 45 – Mapa de uso do solo do entorno...........................................................................91 Figura 46 – Mapa de gabarito do entorno.................................................................................92 Figura 47 – Mapas de hierarquia viária e pavimentação do entorno........................................92 Figura 48 – Localização do terreno na área de estudo............................................................95 Figura 49 – Áreas com legislações incidentes sobre o terreno................................................96 Figura 50 – Quadro de prescrições urbanísticas para AEIA II.................................................97 Figura 51 – Gráfico de temperaturas e precipitações médias de Parnamirim (2022) .............99 Figura 52 – Rosa dos ventos e Carta Solar para Parnamirim sob o terreno............................99 Figura 53 – Brainstorming de palavras feito para elaboração do conceito..............................103 Figura 54 – Painel Conceito.....................................................................................................104 Figura 55 – Significados da palavra costura............................................................................104 Figura 56 – Zoneamento inicial 01, croqui feito à mão............................................................105 Figura 57 – Zoneamento inicial 02, croqui feito à mão............................................................107 Figura 58 – Zoneamento inicial 03, croqui feito à mão............................................................108 Figura 59 – Partido Arquitetônico adotado..............................................................................109 Figura 60 – Zoneamento volumétrico final do projeto com setores e condicionantes.............110 Figura 61 – Planta de Locação e Cobertura............................................................................111 Figura 62 – Planta Baixa do Pavimento Térreo.......................................................................113 Figura 63 – Recorte da Planta Baixa do Pavimento Térreo....................................................114 Figura 64 – Planta Baixa do Pavimento Superior....................................................................116 Figura 65 – Recorte da Planta Baixa do Pavimento Superior.................................................117 Figura 66 – Trechos dos Cortes BB e Corte CC do projeto....................................................118 Figura 67 – Fachada Frontal do Centro Comunitário..............................................................119 Figura 68 – Trechos das Fachadas Lateral direita e Posterior do Centro Comunitário...........120 Figura 69 – Corte esquemático volumétrico mostrando a ventilação sobre as esquadrias …122 Figura 70 – Modelos base das janelas e portas venezianas utilizadas no projeto..................123 Figura 71 – Exemplo de modelo de porta camarão a ser utilizada..........................................124 Figura 72 – Simulações de insolação para as fachadas Frontal e Lateral Direita...................124 Figura 73 – Simulações de insolação para as fachadas Posterior e Lateral Esquerda...........125 Figura 74 – Perspectiva do sistema estrutural do Centro Comunitário....................................127 Figura 75 – Pintura sugerida para paginação do piso do Pátio Central...................................129 Figura 76 – Moodboard com especificações gerais dos materiais utilizados no projeto..........130 Figura 77 – Perspectiva Realista 01 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................131 Figura 78 – Perspectiva Realista 02 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................131 Figura 79 – Perspectiva Realista 03 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................132 Figura 80 – Perspectiva Realista 04 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................132 Figura 81 – Perspectiva Realista 05 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................132 Figura 82 – Perspectiva Realista 06 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................133 Figura 83 – Perspectiva Realista 07 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................133 Figura 84 – Perspectiva Realista 08 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................133 Figura 85 – Perspectiva Realista 09 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................134 Figura 86 – Perspectiva Realista 10 do Centro Comunitário de Moita Verde...........................134 LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Programa e Pré-dimensionamento Setor Serviço..................................................101 Tabela 02 – Programa e Pré-dimensionamento Setor Cultura e Educação...............................102 Tabela 03 – Programa e Pré-dimensionamento Setor Convivência...........................................102 Tabela 04 – Programa e Pré-dimensionamento Setor Alojamentos..........................................102 Tabela 05 – Resumo total das áreas previstas para o projeto no pré-dimensionamento..........103 Tabela 06 – Quadro de áreas finais e prescrições urbanísticas...............................................126 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ACQMV – Associação Comunitária Quilombola de Moita Verde AEIA II – Área Especial de Interesse Ambiental II AEIS – Área Especial de Interesse Social BRT – Bus Rapid Transit (tradução: sistema de ônibus de trânsito rápido) CEU – Centro de Artes e dos Esportes Unificados CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito CRAS – Centro de Referência da Assistência Social DARQ – Departamento de Arquitetura da UFRN EDU – Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano FCP – Fundação Cultural Palmares GEHAU – Grupo de estudos sobre Habitação, Arquitetura e Urbanismo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Regularização Fundiária NBR – Norma Brasileira Técnica OMS – Organização Mundial da Saúde PIB – Produto Interno Bruto PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PUI – Projeto Urbano Integrado RMN – Região Metropolitana de Natal SEHAB – Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária SEMOP – Secretaria Municipal de Obras Públicas e Saneamento SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial UBS – Unidade Básica de Saúde UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte ZPA I – Zona de Proteção Ambiental I SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 17 2. A ARQUITETURA E SUA FUNÇÃO SOCIAL ............................................................ 21 2.1. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: AS BATALHAS NA HISTÓRIA E NA ATUALIDADE ......................................................................................................... 25 2.1.1 O potencial existente: culturas, práticas e saberes ..................................... 29 2.2. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS EM COMUNIDADES ATRAVÉS DA ARQUITETURA: ..................................................................................................... 33 2.2.1 O exemplo da cidade deMedellín - Colômbia ............................................. 33 2.2.2 O caso do Arena do Morro .......................................................................... 39 2.3. A RACIONALIZAÇÃO CONSTRUTIVA NA ARQUITETURA .......................... 42 2.3.1. Contextualização e Conceitos .................................................................... 42 2.3.2. Decisões de projeto e estratégias que influenciam uma edificação a tornar- se mais econômica/racional ................................................................................. 47 3. EQUIPAMENTOS COMUNITÁRIOS ................................................................................ 54 3.1. ESTUDOS DE REFERÊNCIAS ........................................................................ 57 3.1.1. Arena do Morro .......................................................................................... 57 3.1.2. Escola Secundária Lycee Schorge............................................................. 63 3.1.3. Museu Violeta Parra .................................................................................. 71 4. MOITA VERDE: UM DIAGNÓSTICO ............................................................................... 76 4.1. A Comunidade Quilombola de Moita Verde ...................................................... 79 5. A PROPOSTA ...................................................................................................................... 95 5.1. O Terreno: Localização e Condicionantes Externos ......................................... 95 5.2. Programa de Necessidades e Pré-dimensionamento ..................................... 100 5.3. O Conceito ..................................................................................................... 103 5.4. Evolução Formal e Partido arquitetônico ........................................................ 105 5.5. Implantação e Planta de Cobertura ................................................................ 109 5.6. Plantas baixas ................................................................................................ 113 5.7. Cortes e Fachadas ......................................................................................... 117 5.8. Soluções de Conforto e Esquadrias ............................................................... 122 5.9. Quadro de Áreas ............................................................................................ 126 5.10. Sistema construtivo e Especificações gerais ................................................ 126 5.11. Volumetria final ............................................................................................. 131 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 136 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 138 APÊNDICES ........................................................................................................................... 143 17 1. INTRODUÇÃO No Brasil como país notavelmente miscigenado, as questões que envolvem os diversos grupos étnicos e culturalmente diferenciados existentes no território se estendem desde séculos atrás. Por possuir origens associadas ao sistema de colonização e forte adesão da prática escravista que perdurou até pouco mais de um século atrás, nosso país possui consequências dessa história que se estendem até os dias atuais e se rebatem sobre diversos grupos da sociedade, principalmente sobre aqueles que mais sofreram com esse passado sombrio. As comunidades de remanescentes quilombolas são exemplos de importantes grupos étnicos que possuem origens tão antigas quanto a desses sistemas mencionados. Essas populações diretamente descendentes dos negros escravizados, indígenas e demais minorias possuem características culturais específicas que se estendem desde seus modos de vida, relações com as terras, costumes e cultura própria. No entanto, a existência desses grupos nos dias atuais se configura como verdadeiro símbolo de resistência, uma vez que sobrevivem aos diversos fatores que desestimulam qualquer crescimento social, havendo uma falta de conscientização mútua entre o Estado, a sociedade e as próprias comunidades acerca da existência dos seus direitos. As consequências dessa situação se rebatem no grau de vulnerabilidade apresentado por essas populações; que, de acordo com Azevedo (2019), apresentam mais de 70% dos indivíduos na classe de extrema pobreza. Essa situação se alarma ainda mais quando destacamos um tópico que perdura até os dias atuais: o reconhecimento dos territórios desses povos. Dos quais apesar de serem certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), quase metade das comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente ainda aguardam até hoje pela titulação de suas terras. Atribuindo um sério risco a estas que seriam um dos mais importantes instrumentos para a manutenção da existência desses grupos. Os quais diariamente já convivem com problemas que se estendem desde o nível de infraestrutura física presente nas suas moradias e territórios, às atividades econômicas desempenhadas e ao acesso a serviços essenciais como saúde, lazer e segurança. 18 Para este produto, teremos como universo de estudo a comunidade de Moita Verde, localizada no bairro de Vida Nova em Parnamirim/RN. Que se apresenta como apenas mais uma dentre as várias existentes no estado, assim como em todo o país que lidam com a manutenção informal desse estado precário de vida de uma parcela da população tão rica culturalmente, mas que não encontra oportunidades de crescimento socioeconômico em meio a tantas dificuldades impostas pela realidade e consequentemente pela história. Nesse raciocínio, se faz importante o seguinte questionamento: Quais atributos um equipamento público destinado a convivência, educação e cultura deve possuir para contribuir na reversão da situação de vulnerabilidade dos moradores da comunidade quilombola de Moita Verde? Desse modo, este trabalho possui como objeto de estudo os equipamentos públicos comunitários e a importância da racionalização construtiva para a otimização de recursos. Tendo como objetivo geral o desenvolvimento do projeto de um centro comunitário de educação, cultura e convívio, focado na eficiência do processo construtivo. Este objetivo se destrincha em outros três de forma mais específica, sendo eles: (I) Apresentar formas de utilização da arquitetura como elemento indutor de transformações socioespaciais, especialmente em localidades de interesse social. (II) Identificar os pontos essenciais que necessitam ser englobados na elaboração de um projeto de um equipamento comunitário, visando auxiliar nas principais demandas da comunidade. (III) Aplicar diretrizes projetuais focadas nos princípios e vantagens oferecidas pela racionalidade construtiva, levando em consideração as características do público destinado e da região onde o projeto será inserido. A motivação principal para investigar a referida temática parte da aspiração pessoal do autor, como morador da cidade ao identificar uma comunidade ainda em situação de abandono diante do poder público. Nesse sentido, a intenção seria trazer maior visibilidade para a situação sócio-política vivenciada por essas comunidades nos dias atuais, em busca de conseguir contribuir de alguma forma para a reversão desse cenário precário, onde as 19 carências abrangem até mesmo a inexistência de um simples espaço adequado para o convívio da população. Outro importante ponto se refere à demanda da região por ambientes que possibilitem atividades que promovam algum desenvolvimento socioeconômico, cultural e educacional para a região, de modo a utilizar das diversas riquezas culturais existentes comocombustível para a mudança. Nesse sentido, a proposta de um centro comunitário visa responder à boa parte dessas necessidades da comunidade, por meio de uma ideia que faz uso dos princípios da racionalização construtiva para desenvolver uma edificação eficiente, com menor utilização de recursos, facilidade de execução e menor necessidade de manutenção. Além disso, há o desejo pessoal de poder utilizar dos conhecimentos adquiridos ao longo da graduação para desenvolver uma proposta que poderia mostrar como a arquitetura possui papel essencial para transformações sociais, podendo auxiliar de modo notável na vida desses grupos historicamente fragilizados na nossa sociedade. Em vista do exposto, este trabalho se estrutura em três eixos principais, sendo o primeiro deles composto pelo capítulo 2 e seus subitens, neste primeiro momento será abordado sobre a arquitetura social e sua importância, seguido por um panorama sobre as comunidades quilombolas, exemplos de transformações sociais em comunidades e por fim as estratégias oferecidas pela racionalização construtiva. No segundo eixo, composto pelos capítulos 3 e 4, teremos uma breve introdução sobre os equipamentos comunitários e sua relevância para a sociedade, seguido pelos estudos de referências projetuais realizados. Em seguida será apresentado o universo de estudo, saindo do macro ao micro e contextualizando o leitor sobre a comunidade em estudo. Por fim, no terceiro eixo constituído pelos capítulos 5 e 6, serão apresentadas primeiramente a proposta projetual do centro comunitário desenvolvido, justificando através dos produtos gráficos e estudos realizados, as decisões projetuais e soluções adotadas para o projeto em função das diversas condicionantes. O último capítulo destina-se às conclusões resultantes com a realização do estudo, além de sugestões adicionais que podem contribuir para a referida problemática. 20 21 2. A ARQUITETURA E SUA FUNÇÃO SOCIAL Ao pensar sobre arquitetura, é natural que as primeiras imagens que venham à mente das pessoas sejam de edifícios, casas modernas e luxuosas, lojas e centros comerciais com suas fachadas mirabolantes, dentre outros. Todos esses itens aqui mencionados envolvem sim arquitetura e necessitam dela tanto para seu desenvolvimento, como para garantia do pleno funcionamento. Entretanto, acaba ficando esquecido (ou pelo menos subentendido) algo que todos estes possuem em comum, que é a ideia de pertencerem a uma cidade. Acontece, portanto, um clássico equívoco ao dissociar uma edificação de todo o contexto e entorno em que essa se encontra inserida. Seria interessante por parte do usuário ao pensar sobre as várias arquiteturas que observa se questionar: Por que a cidade é dessa forma? Por que eu moro onde eu moro? Por qual motivo meu trabalho está localizado em uma região tão diferente da que eu moro? Por que algumas regiões parecem ser tão difíceis de se chegar? De acordo com Moraes et. al (2008), o crescimento populacional apresentado nas últimas décadas ocasionou um verdadeiro acúmulo de problemas nas cidades, que não estavam preparadas para receber tal expansão demográfica. A acelerada ampliação do perímetro urbano destas, associada à ausência de planejamento adequado tende a resultar em diversas modificações sociais no espaço urbano. As respostas para as diversas perguntas e problemas mencionados estão diretamente atreladas ao planejamento urbano que é feito para as nossas cidades. Nesse aspecto, o arquiteto aparece como figura com papel decisivo na busca por igualdade, democracia e justiça social em cidades que sejam pensadas por todos e para todos. Se existe uma função social do arquiteto no nosso país, ela sem dúvida está na cidade. Isso implica que a arquitetura tem que ter um compromisso com o espaço urbano e coletivo [...] (MARICATO, 2019).1 1 MARICATO, Ermínia. O papel social da arquitetura. [Entrevista concedida a] Alessandra Soares, Arthur Maia e Pedro Rossi. Vitruvius, São Paulo, n. 078.01, p. 1-5, mai. 2019. 22 Ainda segundo a autora, é necessário também que estejamos atentos ao espaço que vivemos, observando a importância de itens como o uso e ocupação do solo e como tudo que está ou não construído possui um impacto fundamental para a cidade. Pois, a garantia do funcionamento ideal desta se estende inclusive para além da ideia do edificado, englobando itens que vão desde a preocupação com as questões ambientais, como o saneamento básico e até a democratização dos acessos aos espaços, através da mobilidade urbana. Dados apresentados por Moraes et. al (2008) mostram que em menos de 40 anos (1960 a 2000) 80% da população brasileira passa a se concentrar nas regiões urbanas. Resultando em diversos problemas relacionados com tópicos como trânsito e transporte; precarização das moradias e oferecimento adequado de serviços como educação e saúde. Com isso, é possível refletir sobre a complexidade que envolve as cidades, onde cada um dos itens mencionados possuem influência direta sobre a qualidade de vida dos seus habitantes. De modo que alguns problemas, como a ausência de determinados equipamentos nas proximidades de suas moradias, se interligam com outros, como a dificuldade que um usuário possui para se deslocar de uma região para outra no meio urbano. Nesse raciocínio, Moraes et. al (2008) destaca o papel dos gestores nessa situação, uma vez que estes possuem a missão de trazer melhorias e assegurar o desenvolvimento das cidades. Aplicando corretamente os recursos públicos com objetivo de auxiliar nas necessidades da população. No entanto, tomando por exemplo o que aconteceu com o processo de revisão do Plano Diretor da capital do Rio Grande do Norte, percebe-se uma sequência de fatos que vão no sentido contrário aos que almejam testemunhar uma cidade mais justa; preocupada com as causas sociais; com o que é construído e com o papel que a terra possui sobre essas questões. Onde os interesses dos gestores sobrepõem o planejamento e ignoram os cenários alarmantes vivenciados pelos grupos mais carentes. Como afirma Ataíde et. al (2021), o texto da minuta final do Plano Diretor de Natal se apresenta como de difícil compreensão, contendo problemas de coerência graves, contradições nos artigos, ineficácias, retrocessos no plano 23 social e riscos ao meio ambiente. Alertando ao Poder Público municipal e aos diversos setores técnicos, sociedade civil e dos movimentos sociais, que a proposta representa um grave risco para a manutenção da sustentabilidade urbanística, ambiental e social da cidade. Ressalte-se que grande parte das contestações foram relacionadas aos equívocos do processo participativo, cuja forma impositiva não observou os fundamentos básicos da gestão democrática da cidade. Verificou-se pouca ou quase nenhuma transparência, além de estratégias de comunicação e divulgação débeis, com cronograma inadequado à disponibilidade de tempo dos interessados, particularmente dos representantes dos segmentos populares. (ATAÍDE et. al, 2021). Nesse sentido, é possível perceber como a ocorrência de problemas relacionados ao debate, transparência e a participação justa da sociedade nesse processo, tendem a acarretar na supressão das opiniões da população e consequentemente no favorecimento indevido dos interesses de determinados grupos sociais, como ressalta a autora, tendendo a beneficiar “notadamente os interesses do mercado imobiliário, do comércio e do turismo” (ATAÍDE et. al, 2021). Desse modo, se faz importante destacar a opinião da população menos favorecida através de documentos como: A Carta de Natal2, que foi resultado de um seminário popular realizado em 2015 e que trazia como temática “Desenvolvimento Local e Direito à Cidade”. Esse texto divulgado pelo Observatório dasMetrópoles, visava conceder visibilidade às pautas defendidas pelas organizações comunitárias e dos diversos movimentos sociais dos bairros de Natal. Clamando por ações por parte das autoridades de todas as esferas governamentais que auxiliassem no desenvolvimento, qualidade de vida e autonomia para os moradores dessas comunidades, que possuem baixa renda e vivem em situações precárias. Um dos pontos principais destacados pelo texto são os eixos necessários para esse desenvolvimento, sendo eles: o planejamento local, a oferta de equipamentos sociais estratégicos (destacando infraestrutura para atividades 2 DESENVOLVIMENTO Local e Direito à Cidade: A Carta de Natal. In: Observatório das Metrópoles. Natal, 21 mar. 2015. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/desenvolvimento-local- e-direito-cidade-carta-de-natal/. Acesso em: 13 mar. 2022. 24 culturais, desportivas e de lazer) somada a uma gestão participativa com controle social desses equipamentos sugeridos. De acordo com o documento, apesar de nos anos recentes deste século terem ocorrido avanços em questões importantes para a inclusão social como planos de distribuição de renda e equidade, a presença do poder público nessas comunidades periféricas ainda se mostra ausente. Informando que as estruturas existentes nessas regiões se apresentam na maioria das vezes como precária, inadequada e que não estão de fato a serviço da comunidade, contribuindo para a manutenção do processo de exclusão social. É possível, portanto, perceber a partir de exemplos da nossa cidade vizinha, que as diferentes formas de pensar a cidade impactam diretamente no modo de vida da população e em como estes conseguem se desenvolver. Sendo essencial a busca por um equilíbrio que leve em consideração todos os participantes do meio urbano. Segundo Maricato (2019), a maior parte da nossa população ainda não possui acesso a uma moradia projetada por arquitetos, isso se reflete diretamente nas políticas habitacionais que tendem a segregar e isolar cada vez mais determinados grupos de pessoas para as regiões periféricas da cidade. Simplesmente por não possuírem condições de fazer parte do jogo do mercado imobiliário. A arquitetura é muito importante para a sustentabilidade ambiental, para a saúde das pessoas, para a racionalidade urbana, para a economia de custos urbanos, para a melhoria das cidades e para as vidas das pessoas. Há muito trabalho a ser feito, mas é maravilhoso e prazeroso para quem acredita que a arquitetura é necessária. (MARICATO, 2019). A partir do apontamento da autora, se faz notório como a arquitetura possui um papel decisivo em diversos itens. Conseguindo impactar diretamente em tópicos do aspecto social, influenciando nas condições de saúde e qualidade de vida dos habitantes, mas também especialmente no objetivo de tornar uma cidade mais racional e econômica. Nessa perspectiva, toda e qualquer forma de desperdício deve ser combatido na construção, assim como, a utilização de recursos empregados além do necessário à produção (MELO NETO 2019, apud PINHO; LORDSLEEM JR, 2009) 25 Afinal, como visto nos dados apresentados, o aumento populacional e a expansão dessas massas populacionais para as extremidades das cidades são aspectos que demandam custos, tanto para o setor da construção civil, mas principalmente para o meio ambiente. 2.1. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: AS BATALHAS NA HISTÓRIA E NA ATUALIDADE Os quilombos ou comunidades quilombolas são importantes grupos étnicos presentes na nossa sociedade há bastante tempo. Sua origem possui relação direta com o processo escravagista que fez parte da história do nosso país e que impacta na nossa cultura e modo de vida até os dias atuais. De acordo com Giselma Maria Sacramento da Rocha (2014), desde o século XVII existia um conceito predominante na historiografia sobre o que seriam os chamados quilombos. Sendo estes definidos basicamente como agrupamentos de negros escravos fugidos, indígenas e demais minorias, constituindo grupos sociais localizados em regiões distantes e com acesso difícil. É citado como exemplo o famoso quilombo dos Palmares, no estado de Alagoas. Ainda de acordo com a autora, é necessário a libertação dessas definições consideradas ultrapassadas, uma vez que mais de um século depois da abolição da escravidão, a partir da nova Constituição em 1988, esses grupos passam a adquirir reconhecimento enfatizando seu caráter étnico. O termo quilombo passa então por um processo de ressignificação, recebendo agora a devida conotação política e as devidas garantias de direitos por parte do Estado. Com a ressemantização, entende-se por quilombo ou comunidade quilombola, locais que foram ocupados, terras que foram compradas, doadas ou herdadas, por grupos que apresentam características culturais específicas, sejam no modo de se relacionar, de viver de forma coletiva, de criar regras internas. (ROCHA, 2014, p.08). Este é um passo considerado importante, pois ainda existem diversos reflexos da escravidão, não apenas no nosso país como no mundo inteiro. Como afirma Mariana Madureira (2018), o racismo estrutural se apresenta como apenas um dentre os vários problemas deixados por esse sistema, que dentre os cerca de 130 anos de “liberdade” após a promulgação da Constituição, ainda 26 não foram suficientes para promover uma vida de igualdade aos descendentes dos 3,5 milhões de homens e mulheres prisioneiros que vieram do continente africano. Nesse sentido, esse novo significado estabelecido possui papel que se estende não apenas no âmbito de melhor definição do que seriam esses grupos como também na própria autoestima dos mesmos. “Ser negro ou índio passa a ser motivo de orgulho” (ROCHA, 2014, p.08). No entanto, a autora Beatriz Simões Brito de Azevedo (2019), enfatiza sobre como mesmo após essas mudanças ao longo do tempo, ainda é notável a perpetuação das condições de vulnerabilidade dos remanescentes quilombolas no Brasil. Destacando dados como índices que ilustram as condições de vida precárias dessas comunidades pelo país, onde das mais de 214 mil famílias (quase 1,2 milhões de pessoas) estimadas em 2013 pela extinta Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), cerca de 74,73% destes viviam em situação considerada como extrema pobreza. Ainda de acordo com esses dados, apesar de 82% dos moradores realizarem atividades econômicas como pesca artesanal, extrativismo ou atividades relacionadas com agricultura, quase 80% destes ainda eram dependentes do Programa Bolsa Família. Além disso, os problemas com ausência de infraestrutura adequada se estendem a diversos aspectos, que vão desde o abastecimento de água das moradias (44,79% com acesso), à ausência de banheiros e/ou sanitários em casa (33,06% ainda não possuíam), saneamento básico e até mesmo fornecimento de energia elétrica (79,29% das moradias contempladas). Os números apresentados refletem o cenário em que boa parte dos quilombolas se deparam todos os dias – já que a maioria dos aspectos vistos correspondem a cerca da metade dessa população – e, por assim dizer, nos indica o grau de vulnerabilidade a que estão sujeitos. As carências são encontradas em todos os âmbitos, seja na habitação ou infraestrutura urbana escassa, como também no acesso a direitos básicos como saúde, lazer, segurança e educação. (AZEVEDO, 2019, p.08). A autora faz ainda uma analogia bastante relevante ao comparar a situação atual dessas comunidades com a realidade de séculos atrás vivida pelos negros escravos recém libertos após a Lei Áurea (1888) os quais apesar 27 de livres não encontravam oportunidades para seu crescimento socioeconômico. De modo que essas negligências e desrespeito mencionados, aliados à falta de conscientizaçãotanto da população de modo geral, como das próprias comunidades em si resultam na perpetuação dessa situação de exclusão social que se estende por gerações. Por meio de dados de 2022 (Figura 01), obtidos através da Fundação Cultural dos Palmares (FCP), conseguimos saber que atualmente existem ao todo 3.495 comunidades quilombolas que possuem certificação no país, espalhadas por quase 90% dos estados brasileiros. Concentrando-se principalmente na região Nordeste que detém mais de 63,11% dos grupos, com destaque para os estados da Bahia e do Maranhão com mais de 800 unidades cada. Figura 01 – Número de comunidades quilombolas reconhecidas por região no Brasil. Fonte: Fundação Cultural dos Palmares (2022). Outro âmbito de vulnerabilidade mencionado por Azevedo (2019), refere- se à titulação dos territórios desses povos. Onde boa parte ainda passa por longos processos de tramitação em busca do devido reconhecimento. Todo esse conjunto forma uma realidade alarmante que ameaça uma das principais bases para a garantia da existência dessa população, a manutenção de suas características, costumes e modos de vida. A partir desse contingente, faz-se necessário destacar ainda a burocracia e lentidão no andamento dos processos de titulação das terras pertencentes a 28 estes grupos. Segundo dados disponibilizados pelo órgão que seria responsável por esses processos de reconhecimento, o Instituto Nacional de Colonização e Regularização Fundiária (INCRA), apontam em março de 2022 a existência de 1802 processos de titulação em aberto (Figura 02). Seguindo lógica proporcional ao número de comunidades por região, o Nordeste aparece como a região com maior número de processos aguardando andamento totalizando 1028 comunidades em espera e, portanto, em situação de instabilidade jurídica. Como afirma Azevedo (2019), esse número elevado de quilombos localizados nas áreas mais litorâneas do país possui relação direta com o destino das atividades desenvolvidas pelos escravos nos grandes engenhos de cana- de-açúcar, sendo sugerida a necessidade de políticas públicas e medidas de desenvolvimento social concentradas especificamente nessas regiões com número mais expressivo. Figura 02 – Processos de titulação em aberto no Nordeste e em andamento no Rio Grande do Norte. Fonte: INCRA (2022); INCRA (2021); modificado pelo autor (2022). Ao nos determos no estado do Rio Grande do Norte, de acordo com o INCRA (2022), nos deparamos com um total de 23 processos de titulação das terras em estado de pendência, dos quais até o ano de 2021 apenas 8 destes estavam em andamento. Os demais grupos, incluindo a comunidade quilombola de Moita Verde, a qual se debruça este trabalho, aguardam ainda até os dias atuais o início da tramitação do processo de reconhecimento. Assim, tornam-se bem-vindas alternativas e medidas que auxiliem esses grupos a se manterem e evoluírem nos âmbitos sociais e econômicos, enquanto aguardam sem previsão certa por maior estabilidade jurídica e apoio do Estado. 29 2.1.1 O potencial existente: culturas, práticas e saberes De acordo com o Decreto N° 4887/2003, ficam definidos como Comunidades quilombolas os grupos étnicos-raciais que segundo critérios de auto-atribuição, detentores de trajetória histórica própria, possuidores de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra e diretamente associados com a resistência à opressão sofrida ao longo da história. Ainda segundo essa legislação, são consideradas como terras ocupadas por remanescentes quilombolas, aquelas que são utilizadas para a garantia da reprodução física, social, econômica e cultural desses grupos. De um modo geral, os territórios de comunidades remanescentes de quilombos originaram-se em diferentes situações, tais como doações de terras realizadas a partir da desagregação da lavoura de monoculturas, como a cana-de-açúcar e o algodão, compra de terras, terras que foram conquistadas por meio da prestação de serviços, inclusive de guerra, bem como áreas ocupadas por negros que fugiam da escravidão. (SEPPIR, 2013, p.13). Nesse sentido, é notório o valor, o significado e a importância que as terras possuem para esses grupos. Uma vez que estão diretamente atreladas à sua história e existência, esses podem ser considerados como ambientes com uma elevada carga cultural, que ligados aos saberes e conhecimentos desses povos resultam em um verdadeiro patrimônio nacional que merece a devida atenção e auxílio das diversas áreas da sociedade. As relações que as comunidades quilombolas mantêm também estão interligadas diretamente com o conhecimento tradicional, as vivências e valores compartilhados coletivamente. Nas terras quilombolas é possível verificar a difusão dos conhecimentos através do plantio e colheita dos alimentos, nas práticas da cura por meio das plantas medicinais que envolvem reza e benzimentos, nas festas religiosas e nas organizações comunitárias, sociais e jurídicas para a manutenção da vida. (CORREIA 2019; VIEIRA et. al, 2021, p.19). Portanto, todos esses itens associados à riqueza cultural dessas comunidades, são elementos que podem ser utilizados a favor do desenvolvimento dessas regiões. Como afirma Vieira (2021), estes podem incorporar seus conhecimentos e práticas através de atrativos culturais e roteiros que podem atender à algumas demandas como o lazer e o turismo. Nesse raciocínio, o chamado turismo comunitário pode aparecer justamente como uma solução positiva que segundo Madureira (2018), além de 30 servir de incentivo à manutenção e valorização da existência dessas comunidades, pode se tornar uma atividade que gera renda, movimentando a economia local de maneira sustentável e atrativa para turistas nacionais e estrangeiros. Como colocam Vieira et. al (2021) e Brasil (2006), o turismo em áreas quilombolas engloba atividades que envolvem os bens culturais, as memórias e identidade de seus povos, bem como manifestações populares como gastronomia, artes visuais, músicas e danças, artesanato local, dentre várias outras. Desse modo, essa atividade aparece com o objetivo não de se aproveitar ou capitalizar recursos em cima disso, mas sim de essencialmente preservar os legados étnicos, saberes e fazeres desses grupos. Figura 03 – Habitantes de uma comunidade quilombola em atividade cultural. Fonte: Rota da Liberdade-Bahia /Divulgação. É apontado ainda que o turismo pode, portanto, funcionar como elemento de restauração de alguns costumes e práticas que se perderam com o passar do tempo (AGUIAR, 2017; VIEIRA et. al, 2021). Um dos estados brasileiros que pode ser citado como verdadeiro exemplo da utilização desse potencial existente é a Bahia, que como mencionado anteriormente, possui um dos números mais elevados de comunidades quilombolas reconhecidas do país. Esses grupos se utilizam do turismo como meio de valorização e reconhecimento das culturas e costumes, bem como uma estratégia para produção de renda extra. De acordo com a pesquisa realizada por Vieira et. al (2021), observa-se no estado 12 iniciativas organizadas focadas no turismo nessas comunidades, a 31 maior parte localizadas na região do Recôncavo Baiano. Os turistas podem interagir com as comunidades, participar de seu cotidiano e ter contato com múltiplos conhecimentos tradicionais e ancestrais. Por meio de diversos tipos de atividades e práticas que estão diretamente associadas com vivências e produções, permitindo aos visitantes terem experiências únicas e ricas através das tradições desses povos. Figura 04 – Exemplo de oficina de artesanato realizada em comunidade quilombola. Fonte: Quilombo do Campinho da Independência. Ainda segundo os autores, dentre as principais práticas e conhecimentos apresentados nesses roteiros, alguns foram identificados entre quase todas as comunidades, dentreeles destacam-se a culinária local, terapias de cura e saúde e o samba de roda. Sendo apresentado na pesquisa ainda oficinas que envolvem atividades como produção de artesanato, modos de produção agrícola, aulas de capoeira e maculelê, dentre vários outros exemplos. No entanto, a realização de tais experiências necessita de uma infraestrutura adequada que forneça o devido suporte às atividades e aos visitantes. Este é um ponto necessário a ser destacado; uma vez que, como mencionado no item anterior, essas comunidades ainda sofrem com a precariedade em diversos aspectos. O turismo aparece então como mais um elemento que evidencia o potencial dessas comunidades e que pode expor ainda mais a situação em que se encontram, frisando suas claras demandas por itens como educação, saneamento básico, saúde, e essencialmente o direito às suas terras. 32 A situação de abandono por parte do Estado, aliada a burocracia e lentidão do andamento de ações que favoreçam as comunidades quilombolas, são fatores que quando associados à ausência de oportunidades implicam diretamente nas atividades que essas populações realizarão para conseguir sobreviver. Como afirmam Oliveira e Müller (2016, p.322): [...] os quilombolas desempenham as atividades mais desgastantes e sem a garantia de direitos trabalhistas; em alguns casos, a dependência de pessoas não quilombolas para sobreviver os coloca em uma relação de dominação que beira uma espécie de escravidão moderna. Seus recursos naturais, principalmente a água, são disputados e poluídos por pessoas do entorno de seus territórios, em total desrespeito ao uso, prático e simbólico, que a coletividade faz deles (apud AZEVEDO, 2019, p. 41). Nesse sentido, a arquitetura também pode aparecer como elemento de suporte ao desenvolvimento socioeconômico desses grupos étnicos. A presença de equipamentos públicos que oferecem espaços adequados para a realização de suas práticas comunitárias e suas atividades econômicas, pode ser um fator decisivo para contribuir na manutenção da existência dessas comunidades. Esse raciocínio dialoga com as ideias defendidas por Moraes et. al (2008), que afirma que a presença de tais equipamentos associados aos demais usos da cidade refletem diretamente não apenas na ordenação do território, como também no bem-estar social e desenvolvimento econômico da região. Com isso, é possível estabelecer uma reflexão sobre as diversas alternativas existentes que podem ser incorporadas para auxiliar na mudança de vida e resgate dessas populações quilombolas. O turismo cultural aparece como apenas uma dentre estas, portanto, não pode ser visto como a única solução e deve ser pensado com o cuidado de buscar levar em consideração esses povos e suas realidades, atentando sempre para que esse tipo de atividade deve responder primordialmente à demanda das comunidades e não de setores da economia. Além disso, ações desse tipo devem ser encaradas principalmente pelo poder público, não apenas como de caráter urgente e necessário, mas também como de dívida histórica e social, em busca do equilíbrio, da igualdade em uma sociedade com mais oportunidades para todos. 33 2.2. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS EM COMUNIDADES ATRAVÉS DA ARQUITETURA: Tendo em vista as várias dificuldades enfrentadas por essas comunidades, somadas à um cenário carente de oportunidades, vimos que a arquitetura pode aparecer como elemento chave que faltava para estimular a mudança dessas duras realidades. Desse modo, esse item visa apresentar exemplos de transformações sociais ocorridas em comunidades que passaram por um conjunto de intervenções urbanas e especialmente arquitetônicas que desempenharam papel essencial para a mudar a história desses locais, que antes (assim como a comunidade quilombola estudada) se encontravam em grave situação de vulnerabilidade social. 2.2.1 O exemplo da cidade de Medellín - Colômbia A cidade colombiana de Medellín ficou famosa mundialmente ao longo da história devido sua relação com o tráfico de drogas e a violência. De acordo com Angiollilo (2019), por volta dos anos de 1980 e 1990 a cidade atinge seu ápice no índice de violência, contando com 381 casos de homicídio para cada 100 mil habitantes. Para se ter uma dimensão do problema, a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera como “violência epidêmica” índices acima de 10 homicídios para 100 mil habitantes. Esses números altamente elevados estão diretamente relacionados com os conflitos armados entre as facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Contribuindo para desenvolver um cenário de terror vivenciado pela cidade, onde os moradores que não se adequavam à situação estavam sujeitos a sequestros, homicídios encomendados e estupros. Ainda segundo Angiollilo (2019), recentemente em 2017, esses índices de homicídios caíram para 22 a cada 100 mil habitantes. Ao questionar o arquiteto e urbanista Carlos Mario Rodríguez, que atuou como gerente de desenho urbanístico da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano (EDU), a autora 34 obteve o relato de que logo no início dos anos 2000 ficou diagnosticado claramente que faltavam serviços institucionais básicos como educação, saúde e cultura para a região. Dessa forma, ao longo de 2004 a 2011, Medellín passa por uma transformação social e espacial que se utiliza bastante da arquitetura e urbanismo; e como sugere a autora, mostrou ao mundo como ações que melhoram a qualidade de vida dos habitantes dessas regiões periféricas podem fornecer influência direta sobre os níveis de violência. Ao longo desses anos foram pensadas para a cidade políticas públicas focadas em reduzir as desigualdades sociais intraurbanas e democratizar o acesso da população a essa gama de serviços públicos que eram oferecidos apenas nos bairros de classe média. O ex-prefeito da cidade, Sergio Fajardo, explicou durante uma entrevista sobre os elementos que nortearam as ideias aplicadas em Medellín: A estratégia da transformação esteve baseada em três questões: implementação de um sistema de transporte público e de acessibilidade eficiente e qualificado, provisão de serviços públicos de qualidade para toda a população e planejamento urbano e territorial de longo prazo. (GHIONE, 2014). Nesse sentido, Medellín apresentava mais um desafio, devido a sua localização geográfica. A cidade que se iniciou primeiro ao longo do vale do rio homônimo, passa a partir da década de 1950 a sofrer um aumento populacional que resulta na expansão desta para as áreas de encostas das montanhas (Figura 05) que a cercam (ANGIOLLILO, 2019). 35 Figura 05 – Vista da cidade colombiana de Medellín. Fonte: Archdaily. Assim como acontece no Brasil e em outras cidades sul-americanas, o território é formado por uma região central mais rica e plana, cercada pelos bairros mais periféricos onde estão os indivíduos de menor renda, construindo de modo irregular nas regiões montanhosas. Desse modo, essa ocupação que ocorre sem planejamento urbano algum está sujeita a diversos problemas como a falta de espaços públicos, vias de circulação adequadas e até infraestruturas básicas como fornecimento de água, energia elétrica e rede de esgoto. Portanto, para resolver essas questões foram exigidas soluções que promovessem a integração entre esses bairros. Para isso, Medellín contou com investimentos em sistemas de transporte com soluções adequadas à topografia local como os famosos “Metrocables”, que como afirma Angiolillo (2019), foram “a espinha dorsal do processo”, por se constituírem de um sistema de teleféricos que agora fazem a conexão entre estações de metrô e diversas áreas antes segregadas. 36 Figura 06 – Sistema de teleféricos utilizado em Medellín. Fonte: Archdaily. Somado a isso, de acordo com Ghione (2014), a cidade conta ainda com outras estratégias inovadoras comoas escadas rolantes que se mostraram como solução bastante original para o acesso às favelas (Figura 07). Além de outros modais como o sistema de trens elevados, ônibus BRT e micro-ônibus que acessam as regiões mais distantes dos bairros. Figura 07 – Vista das escadas rolantes da cidade colombiana de Medellín. Fonte: Archdaily. Paralelamente às intervenções mais focadas em mobilidade como a própria qualificação do sistema viário existente, também foram implantados diversos equipamentos públicos focados em auxiliar as necessidades da população local, como escolas e postos de saúde. A base da estratégia em Medellín foi “colocar todas as ferramentas de desenvolvimento de maneira simultânea no território; não fazer uma escola aqui e um ginásio acolá, mas escolher um determinado local 37 para começar e, nele fazer tudo o que fosse possível, dentro do que se chamou PUI, Projeto Urbano Integrado. (ANGIOLILLO, 2019). Dentre essas obras em diferentes escalas, o destaque em questão vai para as intervenções arquitetônicas chamadas de “Parques Bibliotecas”. Estes edifícios são constituídos por três blocos com estética e materialidade chamativa, interligados por um espaço público aberto (Figura 08). Localizados em áreas específicas pelo histórico notável de violência, abrigam atividades e serviços diversos, voltadas para educação, convivência e cultura. Possuem qualidade arquitetônica notável, uma vez que foram frutos de concursos públicos de projetos, objetivando assegurar com que as experiências obtidas pelos moradores fossem as melhores possíveis. Figura 08 – Parques Bibliotecas em Medellín. Fonte: Archdaily. Esses Parques Biblioteca contam com vários recursos além dos livros em meio físico, com materiais em formato digital como vídeos e outras formas de conteúdo. Somado a isso, os edifícios contam ainda com diversos programas que disponibilizam à população cursos de artes, informática, idiomas e até administração de pequenos negócios. Ficando assim expressa a importância destes para a inclusão dessas comunidades em práticas que podem auxiliar sua inserção no cenário econômico, bem como possuem efeito notável até na educação da população desses bairros, devido a ampla gama de programas culturais e a facilidade de acesso à computadores e internet (CAPILLÉ, 2017). 38 Dessa forma, fica clara a intenção destes projetos arquitetônicos que visaram minimizar as desigualdades sociais existentes na região. Essas edificações passam a assumir portanto um papel de marco referencial, ao possuírem valor simbólico no renascimento dessas áreas antes fragilizadas e abandonadas. A população local que antes padecia perante à situação da violência, passa então a fazer parte do processo de transformação do espaço urbano em que vive. A arquitetura possui papel fundamental nesse aspecto, uma vez que esta influencia não apenas na disponibilidade de serviços antes ausentes, como também na própria sensação de pertencimento desses moradores. Afetando inclusive a autoestima desses indivíduos, por morarem em bairros que não mais são conhecidos pelos cenários de decadência vivenciados. A segunda estratégia utilizada pelo Projeto de Parques Biblioteca refere-se à ideia de que os edifícios devem não só representar mudança urbana através de suas monumentalidades midiáticas, porém o mais importante é que devem produzi-la através do arranjo de espaços que podem gerar um novo senso de comunidade e cidadania por meio de coabitação e interação informal. Como foi mencionado acima, o termo “Parque” no título do projeto “vem em primeiro lugar precisamente devido ao fato de que essas instalações são espaços públicos, em primeiro lugar” (CAPILLÉ, 2017). Nesse sentido, é válido ressaltar novamente a importância do papel social que a arquitetura assume nesses ambientes de maior vulnerabilidade social. Fornecendo não só uma transformação dos espaços e suas características estéticas, mas também uma mudança notável na forma como os indivíduos interagem com estes locais. 39 2.2.2 O caso do Arena do Morro O ginásio Arena do Morro é um projeto marcante desenvolvido pelo renomado escritório suíço Herzog & de Meuron para o bairro de Mãe Luiza na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Sendo o primeiro de um conjunto de intervenções elaboradas para uma proposta de plano urbano denominado “Uma Visão Para Mãe Luiza” que teve início em 2009. Mãe Luiza é uma das favelas mais conhecidas da capital, tendo seu destaque atrelado principalmente à localização geográfica da comunidade, que se encontra inserida justamente entre o Parque das Dunas e a Via Costeira. Apesar da localização considerada privilegiada, o bairro e sua comunidade sempre enfrentaram várias dificuldades ao longo dos anos. De acordo com os estudos iniciais desenvolvidos pelo escritório em parceria com uma equipe local, foram identificados vários espaços disponíveis com potencial, porém poucas atividades desenvolvidas na região. Desse modo, o plano proposto apresenta uma série de 11 intervenções no espaço público, formando um grande eixo conectivo que cruza perpendicularmente uma das principais vias do bairro e se estende em direção à orla marítima. Figura 09 – Localização do Arena do Morro e espacialização das intervenções propostas pelo plano urbano. Fonte: GADELHA (2021), HERZOG & DE MEURON (2012). Como é possível ver através da figura 09, a proposta inclui a integração entre atividades e espaços públicos como anfiteatro, quadra de esportes, lojas para atividades comerciais, oficinas para atividades profissionalizantes, escola, 40 parque e percursos diversos. Além disso, como afirma Gadelha (2021), é notório o aproveitamento das dinâmicas existentes, em especial da malha urbana atual do bairro, o que serve como elemento de potencialização desses eixos que fazem o contorno do morro de Mãe Luiza. Figura 10 – Espaço interno do Arena do Morro. Fonte: IWAN BAAN (2014). O ginásio Arena do Morro se apresenta como o projeto pioneiro do plano, que obteve uma repercussão bastante positiva devido a qualidade arquitetônica do produto final. Passando a fornecer à comunidade local um equipamento público de referência internacional, disponível para atividades diversas como esporte, recreação, cultura e educação. O ginásio é um edifício permeável, naturalmente ventilado, que transforma e traduz o impacto do seu ambiente natural e urbano num destino público e foco para atividades desportivas, culturais e de lazer. (HERZOG & DE MEURON, 2016). De acordo com Rheingantz et al. (2017), os textos divulgados sobre a proposta traduzem o efetivo processo de concepção e de diálogo com a comunidade, bem como com o seu entorno. Ainda segundo os autores, a ausência de vandalismo, a conservação e a limpeza do local são um forte indicativo da aprovação e apropriação desse espaço. Comprovando que os arquitetos conseguiram traduzir com maestria e sensibilidade os desejos da 41 comunidade de Mãe Luiza, uma região periférica com diversas vulnerabilidades sociais e carência de investimentos. Figura 11 – Arena do Morro inserido na comunidade. Fonte: IWAN BAAN (2014). Desse modo, fica evidente que uma intervenção para uma comunidade do tipo não deve ser pensada como uma simples edificação que visa custar o mínimo possível e por isso possuirá baixa qualidade. O exemplo do Arena do Morro, como colocam a equipe responsável pelo projeto Herzog & de Meuron (2016), “Torna-se um símbolo para a comunidade”. Trazendo a reflexão de que uma proposta que preza pela excelência em todos os aspectos e que responde corretamente às necessidades dos usuários, tende a ser aprovada, utilizada e zelada por estes. 42 2.3. A RACIONALIZAÇÃO CONSTRUTIVA NA ARQUITETURA Por estarmos trabalhando com uma proposta arquitetônica que seria voltada para um grupo socialmentevulnerável, além de imaginar um possível financiamento advindo do poder público, alternativas que ofereçam redução de custos e consumo de recursos se tornam muito bem-vindas, pois podem auxiliar na justificativa de que a proposta possui um custo benefício viável. Este capítulo abordará de forma mais detalhada sobre a temática da racionalização construtiva, tal aprofundamento se faz necessário para que possamos identificar de que modo é possível utilizar dos conceitos e diretrizes existentes para alcançar melhores resultados, com finalidade de aplicar na concepção do projeto que será desenvolvido para a comunidade visando torná- lo mais eficiente. 2.3.1. Contextualização e Conceitos Sabemos que a construção civil é um dos setores que possui destaque devido ao seu crescimento notável ao longo das décadas e importância para nossa economia. De acordo com dados da revista Exame (2021), o setor já representa 7% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro com alto índice de crescimento e geração de novos empregos. Todavia, Melo Neto (2019), afirma que são estimados que cerca de 20 a 50% dos nossos recursos naturais são consumidos pelo mercado da construção civil. Por isso, nos dias atuais esse nicho se encontra em um processo constante de transformação, estando sempre à procura de métodos e ações que otimizem os processos construtivos através de maior produtividade e redução de custos. No entanto, é notável que ao longo dos anos, a indústria da construção civil no Brasil apresentou dificuldades quando se trata de investir em novas tecnologias, melhoria de produtividade e da qualidade dos produtos finais. Visto que, até o presente ano ainda é possível observar em nossas cidades a execução de edificações do mesmo modo que se faziam a 30 ou 40 anos atrás. 43 O processo construtivo utilizado nessa indústria apesar de incorporar inovações em algumas equipamentos e maquinário, nos dias atuais ainda se apresenta bastante dependente, especialmente das técnicas atreladas aos trabalhadores e à mão de obra tradicional. Desse modo, de acordo com Vale (2006), as várias mudanças na situação econômica e política do nosso país, associadas às mudanças na cultura da população e na oferta de mão de obra disponível são fatores que têm influenciado as empresas da construção civil a procurarem por alternativas tecnológicas que fogem da linha de pensamento tradicional presente nesse setor. Em função inclusive do quanto o público pode pagar atualmente por esses produtos. A economia nacional hoje está bastante diferente do que era há vinte anos atrás, época em que o mercado da construção civil esteve bem aquecido. Muitos investimentos foram feitos neste mercado, havia facilidade de se conseguir recursos para a produção. Hoje estes recursos são escassos. Para viabilizar seus empreendimentos as empresas precisam buscar não só novas alternativas de financiamento, como também a redução de seus custos. (VALE, 2006, p. 28). A competitividade também aparece como outro fator que estimula a busca por soluções que otimizem esses processos. Uma vez que, ainda de acordo com o autor, com a velocidade de se obter informações na atualidade e a globalização mais presente da economia estimulam a concorrência entre as empresas. Estas, por sua vez, necessitam com o passar do tempo estarem aptas a atender às novas necessidades de seu mercado de atuação, que devido aos itens mencionados, se torna cada vez mais exigente quanto a qualidade desejada para esses produtos/serviços. A ideia de racionalização construtiva aparece então como uma das ferramentas que podem auxiliar a atingir esses objetivos. O conceito de racionalização na construção civil possui múltiplas definições que foram discutidas por diversos autores ao longo do tempo. A seguir, podemos observar e estabelecer relações a partir de alguns destes. A racionalização construtiva de acordo com Rosso (1980), pode ser definida como a aplicação dos recursos de forma mais útil e prestativa para se obter um produto final com maior eficiência. O autor argumenta que arquitetos e projetistas não devem se sentir responsáveis por apontar uma vasta gama de 44 soluções para o projeto, mas sim aquelas que de fato ofereçam melhor resposta às necessidades reais dos usuários, sejam nos aspectos técnicos, econômicos e principalmente funcionais. Um raciocínio parecido é apresentado por Sabbatini (1989), ao conceituar racionalização construtiva como um processo composto pelo conjunto de ações que tem como objetivo a otimização da utilização dos recursos disponíveis na construção em todas as suas fases, sejam estes materiais, humanos, organizacionais, energéticos, temporais e financeiros. Ambas as ideias acima também dialogam com a definição apontada por Vale (2006), que afirma de modo mais sintetizado que podemos entender a racionalização construtiva como um processo de produção ou conjunto de ações reformadoras que tem por finalidade propor a substituição de práticas rotineiras convencionais por métodos que estejam firmados em um raciocínio sistemático, visando eliminar quaisquer casualidades nas decisões tomadas. Desse modo, é possível observar que todos os conceitos e definições apresentadas tendem a convergir para alguns pontos em comum, sendo o primeiro deles a ideia de otimização e/ou melhora. O segundo ponto se refere a todos mencionarem a racionalização como um conjunto de vários itens que compõem uma estratégia. Ou seja, adotar apenas uma medida ou outra isolada tenderá naturalmente ao insucesso. Assim, entendemos que a racionalização aparece como um item que busca solucionar uma série de problemas existentes na indústria da construção civil. Isso vai de encontro inclusive com os interesses de várias empresas desse setor e inclusive de órgãos públicos, pois como visto, visa utilizar os recursos disponíveis de modo mais lógico. Nesse sentido, quando falamos sobre como e por onde devemos começar quando precisamos implementar essa estratégia, é inevitável mencionar que esta começa ainda na fase do projeto de arquitetura. Como menciona Vale (2006), a partir dele o processo se estende à diversas outras etapas, que vão desde a análise dos itens e materiais a serem utilizados, execução e até mesmo o desempenho do produto em uso. 45 Entretanto, sabe-se que o projeto é um dos principais vilões e/ou culpados pela falta de procedimentos com relação à racionalização da construção, além do favorecimento, ao aparecimento de algumas patologias encontradas nas edificações. (VALE, 2006, p. 44). O autor complementa ainda afirmando que diversos fatores vão contribuir para essa distorção, apontando como o principal deles o desenvolvimento de projetos sem levar em consideração o processo construtivo por trás. Ressaltando que por meio de um “Projeto Integral” poderão ser definidos com melhor precisão os requisitos da edificação, e dos seus componentes intermediários. E será nesse momento que o arquiteto possuirá condições para aplicar a sua capacidade de análise e síntese para identificar as melhores soluções. Dessa forma, os projetos passam então a serem vistos cada vez mais como item com maior importância, uma vez que um acerto nessa etapa tende de forma lógica e consequente a guiar as demais na direção correta para atender às necessidades propostas. Promovendo assim maior qualidade e consequentemente mais economia para quem deseja construir. A preocupação com o projeto tornou-se mais evidente, por ser este considerado como um dos principais fatores na busca da melhoria para o desempenho do produto (edificação), diminuição dos custos de produção, diminuição de ocorrência de falhas tanto no produto quanto no processo e otimização das atividades de execução. (VALE, 2006, p. 49) Adentrando mais a fundo na etapa do projeto arquitetônico é possível identificar alguns itens que possuem
Compartilhar