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CORPO, MEMÓRIA Walter Sá Práticas pedagógicas a partir dos elementos das danças negras como expressividade corporal. E TERRITÓRIO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO JOSÉ WALTER ALMEIDA SÁ CORPO, MEMÓRIA E TERRITÓRIO: Práticas pedagógicas a partir dos elementos das danças negras como expressividade corporal NATAL/RN 2022 JOSÉ WALTER ALMEIDA SÁ CORPO, MEMÓRIA E TERRITÓRIO: Práticas pedagógicas a partir dos elementos das danças negras como expressividade corporal Artigo apresentado como conclusão do curso para a obtenção do grau de Licenciado em Teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Sob orientação do Prof. Me. Franco Willamy Lima da Fonseca. NATAL/RN 2022 Sá, José Walter Almeida. Corpo, memória e terrirório: práticas pedagógicas a partir dos elementos das danças negras como expressividade corporal / José Walter Almeida sá. - Natal, 2022. 41 f.: il. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Artes, Licenciatura em Teatro. Orientador: Prof. Me. Franco Willamy Lima da Fonseca. 1. Teatro - Ancestralidade - Monografia. 2. Teatro - Estudo e ensino - Monografia. 3. Danças Afro-brasileiras - Teatro - Monografia. 4. Teatro - Pedagogia - Monografia. I. Fonseca, Franco Willamy Lima da. II. Título. RN/UF/Biblioteca Setorial do Departamento de Artes. CDU 792 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Elaborado por Josiane Mello - CRB-570 Gostaria de dedicar este trabalho de tão valiosa importância para a minha vida pessoal, acadêmica e profissional as(os) professoras(es), escritoras(es), pesquisadoras(es) e artistas negras(os) que vieram antes de mim e registraram suas obras no mundo e para os que virão depois, como forma de reconhecimento de toda a luta e resistência do povo preto. AGRADECIMENTOS Agradeço a Carmen Saraiva, minha mãe, por ter me dado todo afeto, cuidado, segurança, amor e que foi a pessoa que sempre acreditou e segurou minha mão (mesmo com as inseguranças) em todas as minhas decisões. Ao meu pai, Evaldo Sá (In memoriam) que na infância me deu proteção, amor, afeto, toda a liberdade de ser quem eu sou, e que sempre acreditou no meu potencial. Agradeço aos meus familiares que me deram suporte em toda minha trajetória enquanto estudante e ser humano, que contribuíram de alguma forma no meu conhecimento e entendimento do mundo. A minha tia Elionita que sempre se mostrou disponível para ensinar e contribuir com a cultura e educação dos sobrinhos e pessoas da comunidade, efetivando a Associação Amigos da Infância (AMINF) no Distrito de Iara, Barro-CE filantropicamente, responsável pelas maiores atividades culturais e educativas no Distrito. Onde pude fazer minha primeira oficina de teatro da vida. A minha professora de português e literatura do ensino médio, Eliana Figueiredo, que fielmente incentivou e acreditou quando eu já não acreditava em escolher o teatro como atuação profissional. Aos meus amigos de infância que juntos comigo puderam sonhar em estar na universidade pública e concluir a formação. Ao meu tio Saraiva, por ter disponibilizado sua casa no primeiro ano para que eu pudesse vim do interior do Ceará estudar teatro em Natal. Aos meus amigos e colegas que conheci durante o curso na universidade e que tornavam os dias cinzas em dias coloridos, que estavam ali para darem apoio, sejam nas palavras ou ações (ou bebedeiras). A Alessandra Augusta, Allyerly Dantas, Ana Beserra, Isma Andrade, Ita Barbosa, Maria Júlia Barbosa, Mark Emanuel, Quemuel Costa, Roberta Barbosa, Robson Medeiros, Samara Fernandes, Stefany Tavares, Tom Gomes e Zé Lucas que durante a caminhada estiveram comigo nas aflições e comemorações. Vocês têm todo o meu amor. As meninas da Redinha: Luana Lira, Luciana Lacerda e Verônica Eulália, que foram o coração/tambor de uma das oficinas e se mostraram disponíveis o tempo todo em me ajudar. As professoras Karyne Dias e Tatiane Tenório que tive a honra de conhecer e me inspirar no trabalho delas enquanto professoras. Ao Grupo Sostô Teatro, por abrir as salas de ensaio e experiências que vou levar para toda a vida. Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e ao Residência Pedagógica (RP) que colaboraram positivamente na minha formação, abrindo as salas de aulas para que eu pudesse exercer minha profissão. Destaco a importância desses projetos nas instituições onde a formação continuada abrigou os estudantes de escolas públicas ao conhecimento adquirido dentro da Universidade por profissionais que têm o desejo de troca e de ensinar. Que tenha continuidade. Aos professores do departamento por terem me passado o conhecimento deles acerca do teatro e do ensino. Ao meu orientador Franco Fonseca, pela sensibilidade, coerência e inteligência de me guiar durante toda a escrita com cuidados e afetos, e por ser uma pessoa que também é correnteza. Que os sons dos tambores ecoem na vida de cada pessoa que passou e contribuiu para que o menino Walter Sá pudesse concluir sua formação enquanto Artista e Professor de Teatro. Descrevo a minha vida como uma correnteza de água que tem um fluxo contínuo, apesar dos rastros serem constituídos por diversas pedras de vários tamanhos e formatos, mas que mesmo assim persiste em correr. “A escrita não dá conta do corpo que diz.” Evaristo, Conceição. 2021 RESUMO Esta pesquisa é o despertar para o som dos tambores ancestrais, silenciados na formação da Licenciatura em Teatro na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em um movimento descritivo e reflexivo sobre o reconhecimento de narrativas afetivas e epistemológicas, despertadas através do contato com as danças de matriz afro diaspórica. Diante da experiência de reconectar-se com a ancestralidade e de trabalhar com o corpo na formação em teatro, começo a explorar na dança a potência energética e sua função pré-expressiva na cena, como preparador corporal. Este artigo dialoga sobre práticas arte educativas, centradas nas referências afro-brasileira e nas práticas constituídas por meio das danças negras como pedagogia do corpo no teatro. Como resultado dessas experimentações se desenvolveu uma metodologia voltada para elaboração de oficinas corporais, investigando os desdobramentos que as dança negras podem provocar no sujeito e no cotidiano do ensino de teatro no Brasil. Palavras-chave: Ancestralidade; Corpo; Danças Afro-brasileiras; Ensino de Artes/Teatro; Pedagogia. ABSTRACT This research is the awakening to the sound of ancestral drums, silenced during the degree at Theater at the Universidade Federal do Rio Grande do Norte. In a descriptive and reflective movement on the recognition of affective and epistemological narratives, awakened through the contact rooted with Afro diasporic dances. Faced with the experience of reconnecting with my ancestrality and working with the body in theater training, I begin to explore the energetic power of dance and its pre-expressive role in the scene, as a physical trainer in theatre. This article discusses educational art practices, centered on Afro-Brazilian referencesand on practices constituted through Afrobeats as a pedagogy of the body in theater. As a result of these experiments, a methodology was developed for the elaboration of body workshops, investigating the consequences that black dance can provoke in the individual and in the daily life of theater teaching in Brazil. Keywords: Ancestry; Body; Afro-Brazilian Dances; Arts/Theatre Teaching; Pedagogy. LISTA DE IMAGENS Figura 1: Walter Junto a Banda Cabaçal São José, de Missão Velha-CE na Festa da Padroeira em Iara, Barro-CE. 2002.Foto: Acervo Pessoal ................................................... 15 Figura 2: Registro da Avaliação Final da Disciplina de Dança, Afrodescendência, Etnicidade Indígena e Questões Contemporâneas Espetaculares. 2019.Foto: Acervo Pessoal ............ 17 Figura 3: Chegando ao encontro. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas ............................................................................................................................................ 28 Figura 4: Conexão com os instrumentos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas .............................................................................................................................. 29 Figura 5: Alongamento a partir dos impulsos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas ..................................................................................................................... 30 Figura 6: Partituras dos movimentos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas ................................................................................................................................... 31 Figura 7: Tambor - Maria Júlia posicionada à direita da foto e Roberta à esquerda. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas ............................................................... 32 Figura 8: Tambor - Walter agachado no centro da roda e Stefany em pé a sua frente. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas .................................................. 32 Figura 9: Cardume - composição entre corpos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas ..................................................................................................................... 33 Figura 10: Ritual de Cura. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas ........ 34 SUMÁRIO INÍCIO ................................................................................................................................ 10 TAMBORES SILENCIOSOS ............................................................................................... 12 MANIFESTO DOS TAMBORES .......................................................................................... 15 ECOANDO EM ESPAÇOS TRADICIONAIS ....................................................................... 18 REPARAÇÃO, RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO .................................................. 20 PRÁTICAS EM EXPERIMENTO ........................................................................................ 23 ESTRONDO: LUGAR DE ENCONTRO ............................................................................... 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 37 10 INÍCIO Aqui você, caro leitor e cara leitora, se atente às chamadas dos tambores silenciosos que soam como impulsos do lugar mais íntimo e sensível presente em seu corpo, o coração. Imaginemos que este órgão tão delicado que pulsa no peito seja ressignificado a um tambor e que a cada batida você possa sentir a energia sendo distribuída por todo o seu corpo. Nisso, convido-os para adentrar nessa escrita, conhecer nossas identidades e dançar ao som dos batuques instaurados em cada palavra que compõe esse texto. A presente pesquisa surgiu a partir de reflexões despertadas por meio da experiência vivida no laboratório “Raízes do movimento: uma vivência nas danças negras com foco no gesto cênico”, na qual foram aplicados movimentos corporais fundamentados em matrizes africanas como preparação de atores e atrizes, ministrado pela Ma. Fernanda Dias no X Congresso da Associação Brasileira de Artes Cênicas (ABRACE) na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Os conhecimentos adquiridos na oficina repercutiram em minha vivência acadêmica, provocando-me a adentrar e direcionar minhas investigações acerca dos processos da dança como expressividade do corpo. Em princípio, com o propósito de possuir suporte e fundamento sobre as danças e a ancestralidade negra, busquei referenciais teóricos e práticos, para expandir concepções e dissolver perspectivas coloniais que me foram impostas. Através das pesquisas realizadas no corpo, na memória, tradição oral e na escrita, destaquei a experiência em contato com as potencialidades dos movimentos corporais dentro da dança e dos tambores ancestrais. A passagem do nigeriano e musicista Fela Kuti (1938 - 1997) pelos Estados Unidos em 1969 foi o marco importante pelo desenvolvimento posterior de sua musicalidade e de influências por meio dela, dentre a sua ida ao país norte-americano pôde estar diretamente ligado as lutas e ativismo do povo preto no país em busca de reconhecimento e valorização, o que para Kuti, foi um período de transformação. Enquanto isso, na Nigéria, a soul music norte- americana foi se popularizando pelos espaços, artistas como Aretha Franklin, cantora e compositora e James Brown, cantor, compositor e multi-instrumentista, passaram a ganhar mais força e destaque pelo país africano. Com sua volta ao país de origem, a busca incessante por um ritmo autêntico, que fosse reconhecido pelo mundo e a criação de uma nova estética que causasse impacto em todas as rádios por possuir toda a relevância por meio da negritude na música, Fela Kuti juntou toda a sua experiência e forte influência pelo jazz, soul music e highlife em sua banda Koola Lobitos renomeado à Africa'70 e junto com Tony Allen (1940 – 2020), baterista e diretor musical, uniu 11 o funk, soul music, salsa, jazz, calypson, mento, manbo, rumba com o highlife, os instrumentos de percussão iorubanos da Nigéria e assim gerou o afrobeat. O som proposto por Fela Kuti e Tony Alen tornou-se cada vez mais influente com o passar dos anos até a atualidade e a musicalidade foi ganhando destaque envolvendo outros ritmos e gêneros da fonografia como o dance hall, hiplife, soca, highlife pelas rádios e vem se diversificando por artistas africanos do pop e reggaeton (VINICIUS, 2020). Em 2011 o Dj Abrantee lançou um programa de rádio Afrobeats with Abrantee com a utilização do “s” no final da palavra que antes partia do singular criada pelo nigeriano Fela Kuti, como um termo que abrangesse por todas as músicas que estavam surgindo na Nigéria e Gana em sua contemporaneidade desde os anos 2000 até hoje (BANTUNAUTS, 2020). Bem como o afrobeats é uma mistura e reconhecimento de beats da Diáspora Africana, meu trabalho é a soma dos sons dos tambores que outra hora estavam silenciados e agora fazem sentido no meu corpo. Agora me conecto como futuro professor artista e presente sujeito de mundo, a seguir investigando seus desdobramentos, aprofundamentos e possível aplicação pedagógica no ensino e na arte. A sabedoria da diáspora africana, me chegou pela educação, e manifestação dos registros históricos sobre as narrativas culturais de um povo vivo. Reconhecer a dança que a pedagogia presente nos sons tem, e pode movimentar a investigação nas pedagogiasteatrais. Experimentando compreender a dança de expressão negra, que descreverei posteriormente, como preparação corporal, manutenção, reconhecimento e valorização de práticas que corroborem com o ensino afro-brasileiro nas escolas e as narrativas existentes na nossa história enquanto povo preto. Para isso, apresento como essa pesquisa se constitui, como a dança negra influenciou e influencia nas possibilidades de ensino e de que maneira contaminam os espaços e pessoas que a dançam. Este escrito está dividido por 6 tópicos reflexivos e descritivos, o primeiro: Tambores Silenciosos, faz uma elaboração conceitual sobre o que é o afrobeat e afrobeats e de onde surge o gênero musical e termo. Além disso, mostra uma visão de como os sons estabelecidos pelos batuques perpassam pelo nosso corpo deixando registros em nossas memórias e criando sentidos entre o presente e o passado. Conexão. O segundo título: Manifesto dos Tambores, fala sobre meu processo de reconhecimento enquanto sujeito preto nos espaços, as experiências resgatadas presentes em minha infância dentro dos registros afetivos e de liberdade com a manifestação presentes nos tambores e no funk e o início da minha pesquisa sobre o tema referido nesta publicação. 12 O terceiro título: Ecoando em Espaços Tradicionais, aponta dois trabalhos na perspectiva da dança afro dentro das escolas e como elas serviram para a promoção de instituir o ensino e propagar a importância da dança nas escolas, levando os sujeitos a conhecerem a cultura e romperem com os preconceitos e discriminações. O quarto título: Reparação, Reconhecimento e Valorização, comento sobre a inclusão da lei de nº 11.645/08 que determina obrigatoriamente o ensino de história afro-brasileiro e indígena nas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História do Brasil e também a lei de nº 13.415/17 que reforma o ensino médio fazendo com que esses conteúdos e o ensino de arte sejam cada vez menos vistos nas instituições de ensino. O quinto: Práticas em Experimento, descrevo minhas experiências com o uso do afrobeats em oficinas no grupo de teatro, práticas de ensino no curso de pedagogia na universidade e no componente curricular de formação de professores: Estágio. O sexto: Estrondo: Lugar de Encontro, relato a oficina livre de corpo, memória e território, aberta ao público geral, realizada no bairro da Redinha a céu aberto, do outro lado da universidade. E por último, as considerações finais feitas dentro deste estudo e a importância dele nesses espaços de aprendizagem e na minha formação como profissional da educação e arte. Dito isto, o trabalho é elaborado como um artigo a ser apresentado, para arguição e defesa do título de Professor Artista, licenciado pelo curso de licenciatura em teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Nesta pesquisa, me permito começar a aprender com Conceição Evaristo, a dar conta de viver o que escreverei, porque sei que a escrita não dá conta agora do que o corpo reconhece. TAMBORES SILENCIOSOS O Afrobeat se define teoricamente enquanto linguagem musical, destacando as batidas que se cruzam e contaminam todo o espaço e corpo de quem as ouvem. Com o intuito de formar uma identidade de África moderna, o musicista e ativista nigeriano Fela Kuti1 junto com o músico e baterista Tony Allen2 trouxeram elementos da ancestralidade junto aos instrumentos 1 Foi o criador do estilo conhecido como afrobeat, um gênero que mistura o blues americano, jazz, funk, highlife e rock psicodélico com a música tradicional yorubá. 2 Veia que conecta com o elemento percussivo do afrobeat e que também era integrante da banda “África‘70”, Tony Allen aparece ao lado de Fela Kuti como um dos principais fundadores do ritmo que se dissemina como base em vertentes contemporâneas. 13 e arranjos que dariam forma ao ritmo musical e com o passar dos anos tornariam-se conhecidos pelo mundo e frequentemente pelos espaços de cultura negra. Acredita-se que a vinda ao nosso país se tornou possível por meio do cantor e compositor baiano, Gilberto Gil que teve uma relação direta com Fela Kuti durante a ditadura militar no Brasil e processo ditatorial na Nigéria em que o nosso país queria estabelecer e fortalecer laços assim então responsável por enviar uma delegação para o FESTAC’77 (Second World Black and African Festival of Arts and Culture – Segundo Festival de Artes e Cultura Negra e Africanas) evento que reunia inúmeros artistas. Dias antes de acontecer o evento, em uma casa noturna da cidade, ele pode conhecer e conversar com o criador do afrobeat, conhecendo mais de perto as realidades que a população negra passava e que parecia com o que ocorria no Brasil. O afrobeat estava para além de gênero musical, Fela Kuti em suas composições contestava também a política nigeriana. Voltando ao país de origem, tempo depois, Gilberto Gil começou a pesquisar e explorar as influências de Kuti por meio de suas músicas, foi quando então lançou seu álbum Refavela (1977). Fruto dos beats que marcaram a história de Fela Kuti e toda sua revolução na África e que agora passou a ter uma forte influência na música e na cultura brasileira. Hoje, é perceptível que aqui no Brasil encontramos esses ritmos presentes no funk, samba, hip hop, ou até mesmo em registros de manifestações da cultura popular, urbana e africana transmitidas entre gerações em diáspora, como o maracatu, cavalo marinho, capoeira, coco de roda e entre outras. A influência do gênero circulou pelos espaços de cultura negra e disseminou toda a sua identidade pelas rádios, atravessando fronteiras e influindo na musicalidade e junção do pop, reggaeton, hip-hop, rap, funk tornando-se explorados em meados dos anos 2000 até o presente momento como Afrobeat(s). Os tambores silenciosos foram despertados antes mesmo de tomarem forma física e sonora apossada pela representação corpórea de quem o toca ou observa, visto que a nossa ancestralidade está o tempo todo dialogando com o presente e tentando tornar possível o entendimento desses encontros com os sentidos, sejam de nossas memórias ancestrais ou do corpo. Os sons contidos na música reverberam na corporeidade3 da maneira com que sejamos tocados nos lugares mais profundos de dentro de cada um de nós, lugares de acesso que estão adormecidos e que acordam a cada batida, nisso, a energia pulsante encontrada nos beats chega 3 Característica, particularidade ou propriedade do que é corpóreo (material); corporalidade. 14 para externalizar essas emoções junto com os movimentos gerados a partir dos batuques e assim começar a dançar, realocando o ambiente e a atmosfera pela manifestação do som e se expressando através do corpo. Para isso, são estabelecidos deslocamentos de vários centros desde o nosso corpo ao ambiente, é o que chamamos de policentrismo: Os movimentos produzidos se expandem no espaço, sobrepondo-se uns aos outros a partir do estímulo dos toques dos atabaques que, por sua vez, emolduram o tempo e o desenho espacial, que vão se constituindo organicamente através da polirritmia do som: São executados ritmos diferentes através dos toques dos atabaques sob a forma sobreposta e numa mesma estrutura sonora, incluindo contratempos e acentos. considerados mais de um ritmo presente na música irracionalmente com interrupções que dão sentido ao beats, e da ligação com o sagrado, o holismo: que entende o corpo como conectividade entre o mundo e o que está ao seu redor para a compreensão e composição dos sentidos. Visualmente, o Sentido Holístico talvez não seja tão explícito para muitas pessoas que não são religiosas do Candomblé, mas pude observar que o corpo do religioso assimila, através de um longo e intenso processo de aprendizagem, todos esses elementos estéticos e étnicos, que são integrados à sua vida espiritual nessa união com a divindade. (MARTINS.2015, p. 24 - 26.) Em um documentário Sinfonias Negras realizada pela A Visionária Lab em parceria com a Ecoa e Mov, a cantora e compositora Bia Ferreira, fala: “Eu entendo a música como códigos eternos de comunicação entre gerações, o que me conecta com a menina preta de 200 anos atrás é o tambor que ela também tocava.” O elo estabelecido entre o passado e o presente é um resgate para manter vivos os costumes, danças, mitologias, literatura, estética, culinária, escrita, fala e, principalmente, a identidade de quem realmente somos. Hoje a luta é sobre reconhecer e também de recriar espaços de revolução, onde possamos estar à frente para mostrar que também podemos ser quem somos por meio do que fazemos. Falando diretamente sobre o dançar e o som entregue pelas batidas frenéticas das palmas da mão de quem o realiza, pode-se considerar os movimentos como leituras que exprimem suas oralidades através do corpo? Movimentos que antes faziam parte do cotidiano desses povos, agora são também representados a partir de coreografias que investigam a expressividade e o gesto4 de cada um. 4 Do latim gestus, atitude, movimento do corpo. Movimento Corporal, na maior parte dos casos voluntário e controlado pelo ator, produzido com vista a uma significação mais ou menos dependente do texto dito, ou completamente autônomo. (PAVIS, 1999, p.184) 15 As danças de matrizes africanas trazem consigo coreografias como narrativas do que passaram e experienciaram enquanto compreensão de suas vivências do passado, podendo-se incluir a espetacularização de cores por meio de suas vestes, ou pinturas no corpo atribuídas a divindade e a natureza durante a dança. Essa pluralidade de cores pode ser vista de diversas maneiras, desde o sentido estético citado ou no sentido metafórico concretizado pelo atravessamento desses sons, o carnaval brasileiro é carregado pela simbologia de tudo isso, desde o enredo, fantasias e percussão. MANIFESTO DOS TAMBORES Em meio a uma festa de cunho religioso a uma padroeira no interior do Ceará, as margens da BR 116, mais especificamente no Distrito de Iara, na cidade de Barro, uma criança se depara com 5 homens negros (Figura 1) tocando instrumentos de percussão durante o período de 8 dias seguidos, alternando as batidas de hora em hora. No primeiro batuque em um dos tambores, lhe é despertado algo estranho para se compreender, mas que o interesse e a curiosidade imediatamente fazem com que a partir daquele encontro comece a acompanhar todo ano na mesma data, com muita satisfação e encanto, o grupo da Banda Cabaçal São José, “criada há 184 anos, no município de Missão Velha, por Manoel Ribeiro, bisavô do Mestre Cícero Ribeiro que hoje está à frente do grupo. Ao longo desses anos, a Banda Cabaçal mais antiga do Ceará que vem mantendo tradição viva, sendo repassada de pai para filho, de geração em geração” (CEARÁ, 2021). Podendo-se dizer que o primeiro tambor ecoado surge por meio dessa vivência. Figura 1: Walter Junto a Banda Cabaçal São José, de Missão Velha-CE na Festa da Padroeira em Iara, Barro-CE. 2002. Fonte: Acervo Pessoal, 2002. 16 Com o decorrer do tempo essa mesma criança conhece o funk. É ecoado o segundo tambor, desta vez não só o som, mas também movimentos com o corpo despertados no lugar da diversão e liberdade pelas batidas que envolvem. O funk que é tocado nas rádios, em bailes, nas favelas, nos becos, na margem, o funk do Furacão 2000, empresa “criada há mais de 45 anos pelo empresário Rômulo Costa, a precursora do funk não é apenas uma equipe de som que arrasta multidões, é também uma produtora audiovisual e uma gravadora consolidada no mercado da música urbana, revelando vários talentos até hoje” (FURACÃO 2000, 2021). Da Lacraia5 (in memoriam), do Bonde do Tigrão… E que é colocado no nosso país como lugar de vulgaridade e marginalização, mas é o mesmo que permite que tenham voz e trabalho para colocarem comida no prato e diversificarem esses lugares de encontros. Ao entrar na universidade, no curso de licenciatura em teatro, lugar de socialização, experimentação, encontros… os tambores começam a ecoar em uma outra frequência, desta vez com novos ritmos e novas passagens, e esse mesmo menino percebe que a sua negritude começa a questionar os espaços, olhares e ações dos lugares de opressão a sua cor e dos demais acadêmicos negros. Dentre os estudos se atenta às possibilidades e referências negras que não são abordadas pelos professores de sua graduação, ou então de uma maneira superficial, a falta de uma disciplina que pense a afro-brasilidade no teatro, principalmente na maioria de suas disciplinas práticas, visto que a constituição dos conteúdos apontados é referente a pesquisadores na sua maioria brancos e europeus. Mas e os brasileiros? E os negros? Sabe-se que essa é uma problemática do ensino desde quando o sujeito entra na escola para ser educado. No curso de teatro essa postura desperta uma consciência crítica e dentro de sua própria desconstrução de uma branquitude imposta desde cedo, esse menino se permite entrar nos processos de reflexão sobre si mesmo e sobre sua representação no mundo. No X Congresso da Associação Brasileira de Artes Cênicas (ABRACE) realizada no departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2018, realizou-se um minicurso intitulado Raízes do Movimento ministrado pela Ma. Fernanda Dias, graduada em Serviço Social pela Universidade Augusto Motta UNISUAM, mestra em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e atualmente doutoranda em 5 Nascida e criada na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. A travesti foi um marco no funk e assim como afirma seu ex-parceiro de palco, MC Serginho, "quebrou barreiras intransponíveis para o movimento LGBTQIA+" ao colocar-se na linha de frente contra o preconceito. Nos anos 90, por exemplo, ela integrou o Teatro Expressionista da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids - coletivo que, por meio da arte, conscientizava a população sobre a doença. (TOMAZ, 2021) 17 Artes. Realizou estágio em Danças Africanas e Contemporâneas do Senegal na Ecole des Sables (Escola de Areia) em Dakar, no Senegal em 2015 e investiga a vivência nas danças negras como preparação corporal, baseado em estudos em salas de ensaio e técnicas de Mercedes Baptista6 em que o estímulo e interesse principal dessa pesquisa veio do tambor e da condução da oficineira. Busquei pessoas que estudavam sobre danças de matrizes em Natal/RN e em 2019 conheci o grupo Jahi, um grupo de estudos com bases no pan-africanismo7, só com pessoas pretas que estudavam não só sobre a dança, mas também discutia sobre filosofia, culinárias, músicas, afrocentricidade e saúde holística. Comecei a participar das aulas todas as sextas-feiras à tarde no período de 3 meses na Evidance, academia de dança, a fim de aprimorar os meus conhecimentos. Como discente, participei do componente curricular de Dança: Afro Descendência, Etnicidade Indígena e Questões Contemporâneas8 (ART0273), ministrado pela Profª Dra. Maria de Lurdes Barros da Paixão, única docente negra do curso de Dança, onde realizamos uma apresentação final com base na investigação de uma cartografia feita a partir de um estudo sobre a dança afro, indígena, elementos da natureza, cores e representações de matrizes religiosas. Nessa disciplina trabalhamos e encerramos com uma apresentação, destacando o elemento fogo, o orixá Xangô e toda sua representação, partindo de uma visão em usarmos como referência pelo sentido estético artístico e não religioso, e pinturas corporais a partir da semente do urucum, açafrão propostas pela indígena Samantha Mahayane de Souza Barreto, discente do curso de História, pela UFRN, participante do grupo, como avaliação final. Figura 2: Registro da Avaliação Final da Disciplina de Dança,Afrodescendência, Etnicidade Indígena e Questões Contemporâneas Espetaculares. 2019. 6 Mercedes Ignácia da Silva Krieger foi bailarina e coreógrafa, considerada a maior precursora do Balé e da Dança Afro no Brasil. Nasceu no ano de 1921 em Campos dos Goytacazes, RJ, filha de João Baptista Ribeiro e Maria Ignácia da Silva. A família humilde vivia do trabalho de Maria, que era costureira. 7 Pan-africanismo é o nome dado a uma ideologia que acredita que a união dos povos de todos os países do continente africano na luta contra o preconceito racial e os problemas sociais é uma alternativa para tentar resolvê-los. 8 ART0273 - Dança, Afrodescendência, Etnicidade Indígena, e Questões Contemporâneias Espetaculares - Ementa: Ressignificação da estética afrodescendente e indígena na criação em dança a partir de referenciais epistemológicos e estéticos de artistas brasileiros e estrangeiros no trato com as políticas públicas de gênero e etnicidade presentes na dança contemporânea. 18 Fonte: Acervo Pessoal, 2019. Diante da experiência de poder se reconectar com a ancestralidade e ver a possibilidade de trabalhar com o corpo, introduzi a pesquisa e comecei explorar a dança como potência energética e função pré-expressiva antes de entrar na cena, como preparador corporal, em oficinas realizadas no grupo Sostô Teatro9, grupo potiguar criado em 2017 dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a fim de pesquisar o teatro do Absurdo10 (ESSLIN, 1950) e outras metalinguagens na criação de cenas a partir do imaginário, com o uso dos objetos, imagens e sons. E no campo educacional, que para Santos (2017, p. 106) “o intuito é entrelaçar corpo e ancestralidade, partindo de genealogias que conectam arte, educação e processos criativos”. ECOANDO EM ESPAÇOS TRADICIONAIS Em um artigo da Dra. Piedade Lino e da Dra. Cícera Nunes, publicado no XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em trânsito no ano de 2012, intitulado: Dança afro: Teoria, Prática e Novas Perspectivas no Cotidiano Escolar. Observou-se a relevância de levar a dança afro para dentro da escola com o objetivo de valorização e reconhecimento da dança por meio dos corpos que se manifestaram dentro dos espaços e fora deles. 9 Grupo criado em 2017. Composto por: Ita Barbosa, Natally Alanne, Valeria Chaves, Tom Gomes e Walter Sá. 10 O que é sentido como despropositado, como totalmente sem sentido ou sem ligação lógica com o resto do texto ou da cena. Em filosofia existencial, o absurdo não pode ser explicado pela razão e recusa ao homem qualquer justificação filosófica ou política de sua ação. (PAVIS, 1999, p.1) 19 Com isso, possibilitando um espaço de trocas culturais e ressignificação de corporeidade individual e múltipla dos estudantes e professores na educação. Por fim, dando destaque a Lei de 10.639/03 que institui o ensino de afrodescendência na LDB e a importância da dança em fazer ligações com outros aspectos, sociais, históricos, geográficos, antropológicos e artísticos. Na dissertação de Fernando Marques Camargo Ferraz, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, publicada no ano de 2012, intitulado: O fazer saber das danças afro: investigando matrizes negras em movimento. Analisou como os coreógrafos e intérpretes-criadores criaram os saberes dessa arte em suas práticas. Refletindo como esse estilo se insere na história da dança por meio da linhagem artística e da reconstrução de personagens. Ele fala de sua trajetória na dança, passando por cada detalhe e encontros com a dança afro, onde a percepção da religião e o social lhe colocava em lugares subjetivos buscando sempre por respostas por seus próprios questionamentos enquanto dançarino branco de dança afro. Muitas vezes as danças afro são colocadas em situações de marginalização e que não deve ser vista só em momentos de cerimônias afro-brasileiras, é preciso disseminar e contaminar outros espaços. Em meio a sua pesquisa referenciando vários protagonistas diferentes, mas que ocuparam a sua arte na dança por meio da negritude, ele destaca em sua conclusão que a riqueza está nas singularidades e suas redes de contaminação, e que são nos espaços de produção de diálogos e territórios diversos que a dança afro circula entre diásporas e invade territórios fechados. Essas duas publicações estão inseridas no contexto da educação negra dentro das escolas, dentre elas vista por uma perspectiva de duas mulheres negras e suas buscas por novos pontos de vista acerca da educação e danças de matrizes, e a outra de um homem branco que estuda e reflete seus questionamentos enquanto dançarino e suas práticas com a utilização das danças afro, ambos contribuindo com a efetivação de um manifesto de adentrar nesses espaços a fim de reconstruir e reconhecer os estudos das matrizes africanas no ensino passando por dificuldades e problemáticas pela estruturação de escolas tradicionais. Agora, o menino do interior do Ceará, reside em Natal/RN, marcado pelos sons dos tambores que passaram por sua trajetória, cresce, e junto com ele a vontade e criatividade de explorar novos ritmos e reconexão do que foi negado, com isso investiga-se uma abordagem sobre a dança negra como preparação corporal, que se relaciona com esses que já citei, e a pesquisa descrita aqui vai tratar de: Corpo, memória e território: Práticas Pedagógicas a partir dos elementos das danças negras como expressividade do corporal. 20 REPARAÇÃO, RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO Para as crianças negras, a educação já não tinha a ver com a prática da liberdade. Quando percebi isso, perdi o gosto pela escola. A sala de aula já não era um lugar de prazer ou êxtase. A escola era um ambiente político, pois éramos obrigados a enfrentar a todo momento os pressupostos racistas dos brancos, de que éramos geneticamente inferiores, menos capacitados que os colegas, até incapazes de aprender. (HOOKS, 2013, p. 12) Muitos estudantes negros acabam desistindo de dar continuidade aos estudos e os espaços começam a se tornar cada vez mais limitados. Episódios como esses são muito recorrentes, lembro de ter dificuldade na disciplina de matemática durante o ensino fundamental e a professora falar que a minha mãe poderia me colocar no reforço que eu não aprenderia de jeito nenhum, isso me provocou durante muito tempo uma insegurança enorme em fazer cálculos e matemática tornou-se a disciplina mais odiada. Com o passar dos anos minhas notas melhoraram consideravelmente, e isso me levou para o lugar da dúvida, se realmente eu era capaz. É imprescindível falar da importância da cultura negra nas escolas no sentido de reparar, reconhecer, valorizar e, principalmente, de colocar em prática todas as dimensões de autonomia que um(a) estudante negro(a) possa ter. Como de costume, dizem que a escola é a nossa “segunda casa”, peço licença para falar dela, pois é vista como um lugar de constante movimento em busca de aprendizado e de integração dos indivíduos no mundo, a fim de constituir formadores e atuantes competentes em suas áreas de conhecimento e enquanto seres humanos. Mas que também é o mesmo espaço que não acolhe os estudantes negros, que não abrem espaços de discussões profundas sobre a nossa história, luta e violência. A mesma que constitui um sistema engessado pela visão da hegemonia do que aconteceu no passado. Na primeira perspectiva, tudo parece ser facilmente aplicável e praticado, mas na realidade ainda há uma problemática no ensino no processo de reintegração da cultura negra, do trabalho, da história e de toda a sua identidade nesses espaços tradicionais, conservadores e coloniais. A busca pelo reconhecimento de uma sala de aula com mais pessoas pretas – estudantes e professoras(es) – ainda é incessante. Lhe proponho um exercício reflexivo, que você seja transportado para seu histórico escolar e se questione:Quantos docentes negros você identificou em suas instituições? Quantas vezes você olhou para sua classe e percebeu que os estudantes pretos eram a minoria e comumente sentavam no fundo da sala? Sendo que no Brasil o número de pessoas negras é maior que o de pessoas brancas. Quantas vezes foi-lhe contado historicidades das escravidões na perspectiva daqueles que as provocaram, dos dominadores, dos seres “descobridores” das 21 terras antes “selvagens”, “bárbaras”, exploradores estrangeiros que se apresentavam como libertários, conquistadores e salvadores que introduziram sabedoria e “bons costumes” as sociedades? Não passando de naturalizações dos sofrimentos, dos abusos as dignidades humanas em detrimento de conquistas territoriais e exploratória de riquezas, um chamado “desenvolvimento”, mas para quem? Esses questionamentos estavam presentes desde cedo, mas só foram respondidos quando passei a frequentar a universidade e mesmo assim desconhecemos muitas histórias, pois a um constante processo de apagamento hegemônico e eugênico para relativizar os acontecimentos nos dias atuais, um embranquecimento da história e da sociedade. Precisamos enegrecer cada vez mais esses locais, assumir e problematizar esse racismo institucional, expor a história contada pelos invadidos, pelos explorados, os que tiveram suas terras, corpos, cultura e histórias roubadas e dilaceradas. Somente assim que a sociedade haverá dado um passo a frente no aprendizado do que aconteceu, no que acontece e deve ser combatido, o povo preto ainda é escravizado e preso por correntes socias – preconceito, racismo, injúrias – e físicas – trabalhos análogos a escravidão, encarceramento em massa. Sabe-se que em 9 de janeiro de 2003 o ex presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 10.639/03 alterando a Lei de Diretrizes da Base Comum Curricular tornando obrigatório o tema “História e Cultura Afro-brasileira e Africana.”, e em 10 de março de 2008 sancionou a Lei nº 11.645/08 incluindo o ensino da cultura afro-brasileira e indígena, que são apontadas nas seguintes resoluções: § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diverso s aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. Diante disso, passando a ser obrigatório as escolas incluírem essas temáticas nas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História do Brasil, capacitando os professores em processos educativos que incentivem os estudantes a corrigirem suas posturas, discriminações e principalmente de solidificar planos pedagógicos e de ensino. Mas será que as escolas estão implementando? Tais mudanças ao longo do ensino na educação ajudaram a formar pessoas, buscou-se aprimorar cada conhecimento transmitido aos estudantes, por meio de suas metodologias, referências e conteúdos, mas voltado para o povo preto e indígena ainda continuou em falha. (MEC. 2004, p. 32.) 22 A aplicação dos conteúdos nas escolas em sua maioria ainda são voltadas para um visão eurocêntrica, e os conteúdos e abordagens de outras culturas são apresentadas de forma pontual e superficial em que só aparecem em datas comemorativas como por exemplo os africanos e afro-brasileiros no “Dia da Consciência Negra” e “Abolição da Escravatura”, e indígenas no dia do “Descobrimento do Brasil” ou “Dia do Índio”, que para além disso, acabam desconsiderando toda uma história por trás dos acontecimentos de como viveram ou vivem e suas opiniões sobre o que pensam. Invisibilizando toda luta e resistência desses povos. No ano de 2016 as reformas instituídas no ensino pelo Ex Presidente Michel Temer pensou em alterar a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio criadas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), sancionando a Lei de nº 13.415/2017, onde elaborou-se um itinerário formativo voltado ao ensino médio em que cada estudante poderia escolher o que estudar a partir de seus interesses, promovendo a formação profissional e técnica com base em seus projetos de vida. Com isso, a disciplina de artes passa a compor a área de conhecimento de linguagens, divididas entre Artes, Língua Portuguesa, Língua estrangeira e Educação Física, o que por sua vez a Educação Física é a única abordada em sua maioria nas escolas públicas do nosso país, prejudicando os profissionais formados nas outras áreas de ensino, além disso, os professores não necessariamente precisam ter sua formação completa para dar aula de uma determinada disciplina, como por exemplo a de artes, desde que tenha o conhecimento prévio da mesma. Enquanto há profissionais capacitados para ocuparem esses lugares. Então se antes os conteúdos programáticos sobre o ensino de afro-brasileiro e indígena eram rapidamente vistos em sala de aula, agora passa a ser insuficiente. Diante disso, devemos criar espaços em que os alunos sintam a motivação de participar mais ativamente das aulas e que aquela mesma “galera do fundão” tenha o interesse de dominar os conteúdos, partilhar seus conhecimentos e emancipar seus desejos e sonhos individuais baseados em referências que estão mais próximas de sua existência. Realizar experiências que incluam a todos os estudantes nos processos de formação, onde cada um possa se sentir protagonista de suas próprias histórias é essencial para que no mais tardar não sintam essa lacuna que muitos sentem durante toda a vida. Citar quem foi Dandara, líder e guerreira no período colonial do Brasil, Zumbi dos Palmares, líder quilombola do Brasil, e o último que lutou até a sua morte, Bell Hooks, escritora, professora e ativista antirracista, Ruth de Souza, atriz, fez parte do Teatro Experimental do Negro, logo começou a participar de produções cinematográficas, tornando-se conhecida no 23 mundo, Mercedes Baptista, primeira negra a entrar no corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, criou o balé afro-brasileiro e é referência na dança de matriz negra, Lima Barreto, escritor brasileiro, deixou um legado de escritas literárias como por exemplo: Clara dos Anjos, O triste fim de Policarpo Quaresma, Maria Carolina de Jesus, uma das primeiras escritoras negra brasileira, trabalhava como catadora de papel, e registrava o seu cotidiano na favela nos materiais encontrados no lixo, dando vida ao seu livro publicado anos depois, Quarto de despejo - Diário de uma favelada, Lina Pereira, conhecida como Linn da Quebrada, travesti, cantora, compositora, atriz e está ganhando espaço e reconhecimento cada vez mais no nosso país, Karol Conká, rapper, cantora, compositora, Itamar Vieira Junior, escritor brasileiro, autor do romance Torto Arado, ganhou prêmios como o Jabuti no ano de 2020, Ondjaki, escritor angolano, tem sua trajetória no teatro e no cinema, e inúmeras referências pretas, é identificar uma resistência de luta e ativismo que podemos dar continuidade a partir de nossas trajetórias desde cedo indo para além da citação e seguir investigando seus saberes e tecnologias transmitidos ao longo do tempo. Muitas dessas autorias dizem muito sobre o meu processo de formação, e que são recentes no meu imaginário. A Dança Negra tem sua importância dentro desse estudo, pois é por meiodela que comecei a adentrar esses espaços de aprendizagem e contribuir com a formação dos meus discentes acerca do que também foi África em diáspora. PRÁTICAS EM EXPERIMENTO Na perspectiva de pesquisar a dança negra e toda sua potencialidade como função metodológica e expressiva para preparar o corpo enquanto ator, comecei a pesquisar e ampliar meus conhecimentos também nos encontros e ensaios do Grupo Sostô Teatro, a qual faço parte, oficinas para turmas do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e na disciplina de Estágio Supervisionado de Professores IV no formato remoto, a fim de investigar e entender como que a dança se estabelecia nesses espaços pedagógicos de ensino e se era pertinente as minhas considerações acerca da preparação energética do corpo antes de entrar em cena ou em oficinas diante de uma tela, fora dela e como eram dadas as formas de registro para quem estava fazendo pela primeira vez. A prática feita no grupo Sostô Teatro, realizada em uma sala de ensaio no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) Campus Natal, Cidade Alta, no qual somos residentes, aconteceu por meio da montagem de um espetáculo que estávamos iniciando os processos de pesquisa e montagem de cenas no início do ano de 2020, antes da pandemia do Covid-19. 24 Iniciei a preparação corporal formando um círculo onde todos os integrantes pudessem se ver, e comecei a introduzir como faço em todos os espaços que realizo a oficina, apontar os conceitos estabelecidos nas danças de matrizes, representados pela polirritmia, policentrismo e holismo (MARTINS, 2015). Diante disso, sugeri ao grupo uma sequência de movimentos rítmicos com o corpo de acordo com os batuques presentes nos beats: AfroRep do Rincon Sapiência, Samba do Avan Samba e AfroHouse por meio do angolano Dotorado Pro. Estabeleci o cruzamento das diagonais da sala como o trajeto que fossemos realizar, onde cada um iria reproduzir o mesmo movimento da pessoa a sua frente e ao chegar ao destino final da linha mudaria para a segunda diagonal e assim sucessivamente até a alteração para o segundo exercício proposto. Foram realizado uma sequência de 12 movimentos, com direcionamentos ligados a terra, com a finalidade de firmar a base do corpo e criar impulsos, e movimentos com a cabeça, com o objetivo de estabelecer o contato visual em direções específicas e com os outros participantes, após isso voltamos para o círculo e experimentei mudar os movimentos para mais lentos, onde a concentração de energia estaria voltada para a organicidade da ação estimulando a consciência corpórea de cada vértebra da coluna, solicitando-os nesse momento a perceberem o molde em que o corpo passaria a desenhar pelo espaço. Passamos então para o terceiro exercício que se constituiu em cada um entrar para dentro do círculo e compor junto com a música novos movimentos juntamente com os que foram apresentados no início da condução e irem se deitando ao chão passando a registrar no corpo a passagem dos impulsos que ainda estavam vindo e assim estarem preparados para entrar em cena. Dentro dessa dimensão em que o corpo estava quente e frenético pelas batidas, todos se encontravam em exaustão e no lugar da subjetividade, foi perceptível para os participantes o encontro de um equilíbrio acerca dessa passagem pelos movimentos mais bruscos aos mais leves onde ajudaram na percepção do corpo, dos sentidos e a estarem atentos a cena que viria por seguinte depois do treinamento. A prática elaborada para a turma de Arte/Educação11 (PEC1002) do curso de Pedagogia da UFRN, inserida no formato remoto, partiu de uma oficina de jogos e improviso, onde inicialmente começaria pela prática da dança e seguiria para os jogos. Inicialmente perguntei 11 PEC1002 - Arte/Educação - Ementa: Aspectos legais, históricos e pedagógicos da Arte/Educação no Brasil; Noções teórico-práticas sobre mediação cultural em contextos escolares e não escolares. Experiências em Arte/Educação na infância, na adolescência e com jovens e adultos. 25 como os estudantes estavam se sentindo, e dentro do que eles relataram propus um alongamento inicial, da cabeça aos pés, para assim começar a introduzir os afrobeats. Procurei estabelecer as dilatações que eram possíveis de fazer nos movimentos, e assim apontar meios que os discentes poderiam seguir a partir de comandos e da movimentação de todo o corpo, como por exemplo o de Lançar, Pegar e Distribuir utilizando da força e expressividade em direções divergentes entre o espaço e o corpo, experimentando também passar pelos estados de densidade, intensidade e sutileza do movimento a fim de construir caminhos pelo qual ainda eram inexplorados pelos discentes ou até mesmo para o autor deste trabalho. Para a estudante Ana Thamires do curso de Dança, matriculada no componente curricular: A oficina de teatro que se iniciou pela dinâmica de dançar com o ritmo afrobeat foi uma experiência muito vívida, estimulante e divertida. A batida da música me contagiou demais e aguçou uma conexão diferente com meu próprio corpo. Lembro de fechar os olhos várias vezes enquanto dançava pra sentir com ainda mais intensidade os movimentos e aproveitar ao máximo aquele momento. Foi um jeito bem diferente e gostoso de começar a aula. A necessidade da utilização desse exercício foi pensada em dialogar inicialmente com o primeiro jogo da oficina intitulado Foco, Projeção e Recusa, onde estabelecemos a tela como ponto de partida e o espaço utilizado pelo estudante em casa, como ponto de chegada, atribuída ao fundo do local escolhido. Nisso o Foco: foi situado como o local onde estávamos sentados ou em pé, ou seja, de frente ao computador, celular ou tablet; Projeção: o lugar mais próximo da câmera, geralmente os estudantes se aproximavam com o rosto; Recusa: havia um afastamento dos participantes do lugar onde estaria localizado o seu dispositivo. O objetivo do jogo e de toda a oficina era ajudar com a atenção, percepção e a concentração no estado presente, do aqui e agora no ensino remoto. Acredita-se que a dança preparada para ser conduzida no primeiro momento fez com que os acadêmicos ampliassem seus conhecimentos acerca da corporeidade e estados físicos de prontidão diante do jogo. A prática constituída no campo de ensino do componente curricular Estágio Supervisionado de Formação de Professores IV, do curso de Licenciatura em Teatro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), foi realizada no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) Campus Ceará-Mirim no período de 02 (dois) de julho de 2021 à 30 (trinta) de julho de 2021, por meio da plataforma Google Meets. Cada encontro contabilizando 1h de aula, com a participação de 35 (trinta e cinco) estudantes do primeiro ano do Ensino Médio na turma de Equipamentos Biomédicos, turno matutino. 26 Pensando numa melhor aplicação dos conteúdos, foram estabelecidos 5 (cinco) encontros para a realização dessa docência no campo do estágio, possibilitando a experimentação de metodologias pesquisadas por cada um dos estagiários na intenção de investigar a prática do fazer. Nisso, O encontro conduzido teve o direcionamento inicial por um alongamento na intenção de conceder uma melhor qualidade nos movimentos sem prejudicar as extensões dos músculos. Em seguida, por meio de playlists dos beats pela utilização de um som eletrônico, investigou-se a sonoridade da maneira que integrassem o ritmo, corporeidade e expressividade, considerando o modo de entregar aos estudantes um estímulo de potência para entrar e estar em cena no tempo presente. É um estudo que se inicia no ano de 2018 e que durante a pandemia, no novo formato é desafiado pelo distanciamento, onde os corpos passam a se dividirem e se conectarem através da tela. A música por si só traz variações de ritmos fundidos com a percussãoafricana, o atravessamento desse ritmo no nosso corpo é principalmente afetado pelos batuques encontrados em cada música, possibilitando uma aproximação com a dança de matrizes africanas, o desenvolvimento de habilidades de composição e improviso e apoiada pela visão holística nos elementos da natureza como o fogo, ar, terra e água. Assim como expõem Edileusa Santos (2015, p. 53), “O som do tambor emerge no corpo, estimula as vibrações e as sensações; propõe novas possibilidades, vivências corporais e novas atitudes, sobretudo uma nova maneira de organização, uma nova harmonia, uma nova identidade Corpo/Tambor”. A prática por mim constituída explorou os estados físicos do corpo, passando por movimentos mais lentos, no intuito de encontrar a expressividade do corpo mais denso, rápidos, na intenção de usar a energia e chegar em sua transcendência, orgânicos, com o propósito de modelagem do corpo com a música e o espaço, circulares, com a finalidade de explorar o policentrismo e rítmicos com finalidade na reverberação do som pelo corpo no momento da preparação, o uso das palavras e suas entonações de acordo com o que foi trabalhado na primeira oficina, aplicando ao movimento como extensão do corpo-voz, voz-corpo e também a exploração dos Espaços Vazios para a criação desse deslocamento. Levando em consideração o conhecimento da turma com a dança africana, especificamente falando dos afrobeats, foi possível perceber o interesse dos estudantes com a música e a disposição em ligarem suas câmeras para participarem da aula. Para a estudante Camilly de Lima trabalhar com esse gênero foi, “Um sentimento de leveza e liberdade, e através disso percebemos que o nosso corpo é um dos elementos mais essenciais no teatro.” 27 Considerando isso, é possível ver que os estudantes conseguiram fazer o que foi proposto em sala de aula mesmo no formato virtual, não desconsiderando os que não puderam realizar a prática, mas mesmo assim estavam ali voltando sua atenção para os outros colegas de turma e participarem como observadores. Dentre todas as experiências relatadas aqui é perceptível que estabeleci para cada grupo uma prática diferente, mas o sentido continuou o mesmo, integrar os participantes dentro da dança, onde cada um passaria pela vivência de explorar o corpo em transcendência a partir dos movimentos presentes nas danças de matriz Afro e acompanhar a passagem das batidas pelo corpo como resultado de uma manifestação energética e de impulso. A condução em cada ponto tornou-se individual, o estabelecimento de realizar um trajeto novo em cada oficina realizada em minhas pesquisas mostrou diferentes tipos de proporções que a dança e sua expressividade poderiam e podem chegar. A maneira que sondei a realização das conduções das oficinas foram sempre na condição de melhorar as minhas práticas em corpos diferentes e em espaços diferentes, vejamos que a princípio partia de uma ação presencial, todos no mesmo ambiente, sentindo a energia e o calor um do outro, dentro desse ponto de vista a dança se intensificava e o desejo de dançar tornava-se quase involuntário. Com a chegada da pandemia procurei primeiro designar espaços de criações dentro de casa e readaptar alguns movimentos, ainda em investigação fui percebendo pelas falas e relatos das pessoas envolvidas que a prática funcionava e dentro dessa condição assumir a importância desse estudo nos processos de preparação corporal enquanto artista e professor, mesmo diante de todas as limitações possíveis desse formato a ação de dançar transformou completamente a visão dos estudantes acerca das possibilidades em assistir uma aula mesmo que remotamente. ESTRONDO: LUGAR DE ENCONTRO “[...] De que lado mora o seu preconceito? Atravesse a ponte que eu vou lhe mostrar E de que lado mora o seu preconceito? Atravesse a ponte que eu vou.” (Trecho da música “Zona Norte Zona Sul” de Ricardo Baya, interpretada por Khrystal.) Aos vinte e seis dias do mês de janeiro de 2022, preparei uma oficina presencial, intitulada: CORPO, MEMÓRIA E TERRITÓRIO, na praia da Redinha, localizada na Zona Norte de Natal, em meio a dualidade das águas que se encontram como um estrondo, o doce e o salgado, o calmo e o agitado, entre o rio Potengi e o mar. Por ser em formato presencial, 28 tomamos todos os cuidados para seguir os protocolos de segurança devido a pandemia do Covid-19, valendo-se ressaltar o fato de que todos os presentes estavam vacinados e acreditam na ciência e nas artes. Chegamos ao mercado da Redinha e de lá fomos até o lugar de encontro (Figura 3). Luciana Lacerda, Luana Lira e Roberta Barbosa ficaram responsáveis por levarem os instrumentos que dariam sons ao laboratório: um atabaque, djembe – “tambor de coco” vindo de Moçambique – pandeiros, berimbau, agogô e um agbê. Figura 3: Chegando ao encontro. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022 A oficina contou com a presença de 9 (nove) pessoas, enquanto os participantes foram chegando, abrimos uma roda para nos dispormos no ambiente. Com os instrumentos disponíveis para a utilização de cada um, independentemente de qualquer nível de conhecimento e experiência, começamos a interagir com o espaço, com as pessoas e com as possibilidades de batuques que estavam surgindo (Figura 4). Esse primeiro contato não foi estabelecido no roteiro da oficina, surgiu no momento e foi de demasiada importância para o início da imersão na experiência, por meio da escuta, da consciência corporal e da conectividade enquanto um grupo. 29 Figura 4: Conexão com os instrumentos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022. O cronograma de como a oficina se realizaria foi elaborado a partir do que eu já vinha experimentando em minhas práxis de ensino e de uma ressignificação de dois jogos do teatro – Platô e Cardume. A realização da prática foi pensada para ser dividida em seis momentos: I – Conhecendo o espaço; II – Preparando o corpo; III – Sequência de movimentos; IV – Tambor; V – Cardume e VI – Ritual de cura. No primeiro momento: conhecendo o espaço, introduzi ao grupo do que se trata o teor da presente pesquisa e com o intuito do estabelecimento do corpo e da mente no território, sem o som da percussão, pedi para fecharem os olhos e focarem na escuta das águas em movimento, do ar que transpassava pelo corpo em forma de brisa e do toque no chão para firmarem o corpo a partir da enraizando-se dos pés no chão. Gradativamente, os tambores começaram a tocar, os participantes a se movimentarem e a entrarem em concentração a partir do conjunto de elementos envolta do tempo e espaço presentes ali, despertando a expansão de suas danças espacialmente. Para dar continuidade, solicitei para que eles voltassem para dentro da roda e prossegui com o segundo momento: conhecendo o corpo, com um alongamento a partir dos impulsos gerados mediante os batuques (Figura 5). 30 Figura 5: Alongamento a partir dos impulsos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022 Para dar seguimento, no terceiro momento: sequência de movimentos, propus alguns movimentos inspirados em oficinas que realizei durante a minha trajetória e estimulei os participantes a repetirem os passos dentro das condições e disposições corporeas de cada um, entendendo suas limitações e buscando a qualidade que poderiam contribuir dentro da minha oficina (Figura 6). Estabeleci no próximo procedimento, quarto momento: tambor, uma readaptação do jogo de teatro conhecido como platô estabelecido por Jacques Lecoq12, aplicado na disciplina A Máscara como Pedagogia (ART0118)13 do Corpo pelo Profº Dr. Robson Carlos Haderchpek, trata-se de um jogo de equilibrar o espaço e dentro dele construir narrativas, personagens, estado de concentração e percepção. Com isso, a primeira pessoa queentrar na roda deve convidar outra através do contato visual, a segunda pessoa entra e, a partir disso, cria-se uma atmosfera em estado de jogo, equilíbrio e desequilíbrio. 12 Jacques Lecoq (1921-1999) é internacionalmente conhecido como professor de teatro, tendo estabelecido em Paris, em 1956, uma escola para a formação de atores. (SCHEFFLER, 2019) 13 ART0118 - A Máscara como Pedagogia do Corpo - Ementa: Introdução às técnicas de máscara como base para o estudo da linguagem corporal. Exercícios de jogos e improvisos para uma compreensão prática dos conceitos de movimento, gesto e ação. Estudo da composição dos elementos de cena como aporte pedagógico com foco nas mudanças de estado, níveis de energia, precisão, foco, triangulação e dilatação corpórea. Comporta prática pedagógica. 31 Figura 6: Partituras dos movimentos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022. Na minha readaptação chamo de tambor, a ideia central é a mesma, modificando-se somente a proposta, voltando-a para a dança e o estado de presença e movimentação. Pedi para que imaginassem o centro da roda como um tambor e nós estaríamos representando as palmas das mãos de quem estava tocando, a ideia era não deixar o espaço desequilibrar, pois assim a música pararia de tocar. Todos participaram do jogo e puderam construir narrativas e se aprofundarem em suas energias de troca. À medida que iam entrando no jogo, comecei a perceber o estado de conexão entre eles, os movimentos gerados a partir do contato com o outro geravam uma harmonia entre as danças produzidas por cada participante, tanto os do interior quanto os que compunham o contorno da roda (Figura 7 e Figura 8). Para Maria Júlia Barbosa, a experiência se constituiu em: A proposta da prática realizada é a de equilibrar o tambor, o espaço imaginativo do centro da roda, equilibrar as forças e as energias por meio do nosso posicionamento no ambiente e na comunicação corporal com as demais pessoas, sendo assim, a primeira sensação despertada em mim foi a de interdependência, a necessidade da presença dos corpos de cada um. O baque nos tambores me fizeram ser a primeira pessoa a adentrar na roda, a segurar esse tambor com a dança e buscar outro alguém para equilibrá-lo, o olho no olho exprime o convite e a aceitação. Na prática, devemos reproduzir e produzir movimentos que contem histórias, à medida que enxerguei a narrativa da pessoa que roteirizava essa contação comigo, fui adentrando em um ciclo de exteriorização e encontro com o outro e de retorno e ação do meu corpo. É um processo de visão, identificação, espelhamento, reconhecimento, consciência e fruição das energias, dos corpos e, principalmente, do som do tambor que tanto determina o ritmo da contação quanto se adapta às modificações que os seres apresentam. Estar dentro do círculo, sentindo o balanço das pessoas, a troca de 32 olhares, de experiências, de ancestralidades, é um despertar para a nossa identidade. Os espaços antes vazios de memórias, são tomados pelas lembranças ancestrais e o corpo antes frio que chegou na roda não existe mais. Figura 7: Tambor - Maria Júlia posicionada à direita da foto e Roberta à esquerda. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022 Figura 8: Tambor - Walter agachado no centro da roda e Stefany em pé a sua frente. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022 33 O próximo ato e último momento de oficina partiu do jogo do Cardume também estabelecida por Jacques Lecoq, a ideia central é estabelecer uma única unidade entre os corpos, dentre essa configuração indiquei inserirem as partituras corporais descobertas durante o processo de oficina e assim formarmos esse coro, entre os corpos, a dança e a natureza (Figura 9). O conjunto formado pela presença da própria natureza, do estrondo entre o rio e o mar, da passagem do sol para a chegada da lua e do desenvolvimento do exercício, possibilitou a todos que estavam presentes, a composição dos registros daquela manifestação e a vivência em uma atmosfera ancestral. Pela visão da batuqueira Luciana Lacerda, fala que: É muito interessante como as coisas são fluídas e uma energia perpassa a outra, então assim, vocês acabam dançando ao som do vento, minha mão dança no tambor olhando vocês dançarem, tem hora que eu não penso, eu acho que uma coisa se mistura com a outra e não sabe quem tá levando quem. Minha sensação maior é essa. Sabe quando você pensa que manda na maré e não manda nada. Você tem que saber nadar com ela. A dinâmica do cardume ficou a coisa mais perfeita, aquela sensação de integração. Teve um momento que vocês eram um só. Figura 9: Cardume - composição entre corpos. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022 Então, explorar essa prática sentindo a presença da natureza daquele lugar intensificou nossos sentidos e descobertas de como a dança de matriz africana, influência na nossa vida, seja 34 por meio da cultura, dos espaços de trocas, de regiões, cotidianos, filosofias, mitologia, religiões e principalmente de experiências como essa que nos permitiram a conexão entre o tempo, espaço, memória e territorialidade. Ao finalizar a condução, entramos no rio Potengi para contemplar as águas que nos cercavam e abrimos para as falas e reflexões acerca da oficina (Figura 10). Figura 10: Ritual de Cura. Oficina: Corpo, memória e território. 2022. Foto: Zé Lucas. 2022. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os processos desenvolvidos na minha trajetória enquanto artista-professor-pesquisador tornaram-se cada vez mais resistentes através da investigação a partir das danças negras, esta pesquisa conseguiu me levar por caminhos de reconhecimento e valorização de uma identidade social que por muito tempo esteve ausente (silenciada). A compreensão de lutar e adentrar os espaços tradicionais com a minha prática me levou a lugares inexplorados em minha educação formal durante a infância e na adolescência. Assim como a Dra. Piedade Lina, Dra. Cícera Nunes e Fernando Marques pude adentrar os espaços tradicionais e experimentar as danças negras com os estudantes a fim de contribuir 35 com a formação cultural e de constituir uma visão positiva dentro de uma consciência sobre as potencialidades africanas por meio da dança que antes não foram vistas. Então, quando menciono a importância de citar as referências negras como Dandara é sobre tornar visível toda a sua importância em um sistema de luta extremamente agressiva no período colonial do Brasil, e de que forma ela resistiu a tamanha violência durante o período, destacando a mulher que foi mãe, esposa e guerreira por uma luta de libertação, Mercedes Baptista, que adentrou os espaços limitantes na época, e se tornou uma enorme referência na dança por manifestar e explorar suas obras afro-brasileiras por uma perspectiva de reconhecimento e valorização, Lima Barreto, por transformar personagens negras em protagonistas de suas obras e de expor toda uma crítica social contra o preconceito racial existente, Bell Hooks, por compartilhar suas experiências em sala de aula pela visão enquanto estudante e professora, abordando todas as dificuldades encontradas durante o ensino e as problemáticas de uma estrutura institucional racista e de que forma lidou com tudo isso. Todos eles tiveram a preocupação e o cuidado de afirmar a cultura e romper com os preconceitos e o racismo presente em suas vidas. Dessa forma, pude perceber que a educação está para além da sala de aula e que não existe fronteira, à medida que seguimos o trajeto vamos descobrindo, se redescobrindo nesses lugares e tomando como base todo o conhecimento adquirido durante nossas experimentações. Foi preciso atravessar todo esse sistema supremacista para poder enxergar potencialidades pretas no mundo,e se essas mesmas referências tivessem sido apresentadas lá no meu ensino fundamental ou médio? E se as danças negras tivessem sido desenvolvidas desde cedo em movimentos de ruas ou nas escolas? Acredito que os lugares de alcance teriam sido de uma maneira totalmente diferente, a perspectiva de vida seria em um futuro espelhado nesses registros históricos e baseados em ocupar lugares sem a insegurança de pertencimento. As práticas absorvidas a partir das oficinas, por meio da Ma. Fernanda Dias, o Jahi e a disciplina de Dança, leituras como Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, da Bell Hooks, Dança de Expressão Negra: Um novo olhar sobre o tambor, da Edileuza Santos, Corpo e Ancestralidade: Tradição e Criação nas Artes Cênicas, da Inaicyra Falcão, observações sobre como funcionava a prática por meio do ensino presencial e remoto, documentários, conhecimentos empíricos e analíticos, me deram todo o suporte para que hoje eu pudesse aplicar elementos das danças negras em minhas oficinas. As experiências em sala de aula no primeiro momento presencial e logo depois pelo formato remoto, foram desafios que me levaram e provocaram as possibilidades de fazer as práticas com um olhar direcionado a que tipo de pedagogia eu poderia recorrer com a utilização 36 das danças negras, ligando o que eu havia aprendido dentro da universidade como a utilização dos jogos à teorias sobre os contextos das danças. Então, foram experimentos que deram certo, mas que tiveram suas margens de erro, sejam elas pelo ensino remoto e suas problemáticas, como falta de conexão, suporte para a utilização de sons, espaços reduzidos para movimentações, o que também me proporcionou avaliar a minha condução e acessibilidades na aplicação das oficinas como também no ensino presencial pela falta de mais tempo de pesquisa antes de começar a pandemia do Covid-19. Além disso, nos diferentes tipos de abordagens a qual foram utilizadas, percebo que a manifestação do tambor, de forma presencial, nos levou a lugares que estão ainda em nossos imaginários e percorrer pelo nosso subconsciente ao dançar, já no formato remoto, há a necessidade de estar conduzindo os participantes o tempo todo a se conectarem com a música e com o corpo para chegarem nesse estado de transcendência. O uso do instrumento tem uma outra relação com a energia presente durante a condução e o espaço e tempo de conexão entre os participantes. Reafirmo que a dança negra como prática corporal serviram de base para a exploração das possibilidades de ensino-aprendizagem por meio de atividades práticas e pedagógicas do corpo no teatro, engajando o estudo a minha formação como professor-artista, ampliando e aprofundando todas as minhas perspectivas do contexto. Poder levar para dentro do ensino a aplicação da dança negra como expressividade do corpo pelo teatro, fez com que eu fixasse um pouco sobre a cultura africana e afro-brasileiras centradas pela Lei nº 11.645/08 na escola e também validar o meu compromisso enquanto artista-professor, negro, a disseminar esses conteúdos a partir da minha arte e toda a influência que corroboraram durante as minhas pesquisas e investigações. Os processos foram se tornando cada vez mais naturais, o coração/tambor passou a bater de maneira mais intensa e o desejo de efetivar a minha prática no meu grupo de teatro, na universidade e em espaços abertos transformaram o cotidiano e a forma como enxergo hoje o ensino de artes no Brasil, ainda tão colonial em uma prática aberta às experiências da instrução afro-brasileira no contexto educacional. Diante disso, é preciso que continuemos pensando em práticas que contribuam no processo formativo dos estudantes e na visibilidade dos estudos em histórias afro-brasileiras dentro das instituições de ensino do nosso país, por isso essa pesquisa descrita não se encerra aqui, ela se torna o começo. 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFROBEAT: o legado de Fela Kuti presente nas novas gerações da música africana. Pernambuco, 16 jun. 2020. Disponível em: https://www.folhape.com.br/cultura/afrobeat-o- legado-de-fela-kuti-presente-nas-novas-geracoes-da-musica/144107/. Acesso em: 19 fev. 2022. AMPLIFICA MAIS (ed.). AMPLIFICA +: a sua plataforma de música independente. 2020. Disponível em: https://www.amplificamusic.com/post/fragmentos-fela-a-genialidade- de-tony-allen-no-rito-do-afrobeat. Acesso em: 15 jan. 2022. Amaral, Raphael Fernando. O novo tempo do Afrobeat: expressões musicais e identidades negras. 2018. 166 f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Estudos Pós- Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/21316. Acesso em: 15 jan. 2022 BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais. Ministério da Educação. Brasília, Lei 10.639, de 9 de jan. 2003. BRASIL. Acesso em: 15 jan. 2022 BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 15 jan. 2022. BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Portal da Legislação, Brasília, 16 fev. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm. Acesso em: 17 jan. 2022. BRASIL. Ministério da Educação, 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília. 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