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ConstricaoBensPublico-Silva-2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
DEPARTAMENTO DE DIREITO 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
GABRIELLA MEDEIROS MARCOLINO DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
CONSTRIÇÃO DE BENS PELO PODER PÚBLICO: ANÁLISE SOBRE A 
CONSTITUCIONALIDADE DA RETENÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES 
PELO NÃO PAGAMENTO DO IPVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal/RN 
2019 
 
 
 
GABRIELLA MEDEIROS MARCOLINO DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CONSTRIÇÃO DE BENS PELO PODER PÚBLICO: ANÁLISE SOBRE A 
CONSTITUCIONALIDADE DA RETENÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES 
PELO NÃO PAGAMENTO DO IPVA 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada junto ao Curso de 
Direito da Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte, como requisito parcial para obtenção 
do título de Bacharel em Direito. 
 
Orientador(a): Profª. Drª. Michele Nóbrega Elali 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal/RN 
2019 
Silva, Gabriella Medeiros Marcolino da.
 Constrição de bens pelo poder público: análise sobre a
constitucionalidade da retenção de veículos automotores pelo não
pagamento do IPVA / Gabriella Medeiros Marcolino da Silva. -
2019.
 55f.: il.
 Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Departamento de Direito. Natal, RN, 2019.
 Orientadora: Profa. Dra. Michele Nóbrega Elali.
 1. Direito tributário - Monografia. 2. Inadimplência -
Monografia. 3. Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor
(IPVA) - Monografia. 4. Retenção de bens - Monografia. 5.
Apreensão de veículo - Monografia. I. Elali, Michele Nóbrega.
II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/CCSA CDU 343.359.2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Você não sabe o quanto eu caminhei pra chegar até 
aqui. Percorri milhas e milhas antes de dormir. Eu não 
cochilei. Os mais belos montes escalei. Nas noites 
escuras de frio chorei” 
 
Cidade Negra - A Estrada 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 Aos meus pais, que tanto abdicaram de suas vidas para que eu e meus dois 
irmãos pudéssemos trilhar nossos caminhos com oportunidades. 
Aos meus colegas de curso por partilharem essa longa caminhada junto a mim, 
pela amizade e apoio durante esses longos cinco anos. 
À minha querida orientadora Michele Nóbrega Elali pela entrega e 
compreensão. Sem dúvidas, a terei sempre como uma inspiração e referência. 
A todos os meus professores que, em alguma oportunidade, interferiram na 
minha bagagem acadêmica e contribuíram para a chegada deste momento. 
A meu amado namorado Serginho por todo amor e força que desprendeu a 
mim durante a execução deste trabalho e por todo companheirismo que partilha 
comigo nesta vida. 
Meus sinceros agradecimentos a todos que me deram o privilégio de aprender 
e compartilhar conhecimento no curso de Direito da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Os artigos 131, § 2º combinado com o art. 230, V, ambos do Código de Trânsito 
Brasileiro (CTB) preveem a possibilidade de recolhimento a depósito de veículo que 
possua débitos relacionados ao Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor 
(IPVA) junto ao Fisco Estadual. O presente trabalho tem como escopo proceder uma 
análise constitucional destes dispositivos. Em primeiro lugar, restringiu-se a matérias 
introdutórias sobre o tema, como definição do IPVA, fato gerador e crédito tributário, 
dentre outras. Posteriormente, analisou-se o poder de polícia da Administração 
Pública, suas particularidades e seus limites. Como ponto central, buscou-se realizar 
uma interpretação conforme a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) 
no que se refere a aplicabilidade dos direitos fundamentais à propriedade, ao devido 
processo legal, bem como à ampla defesa e ao contraditório. Debruçou-se, ainda, no 
princípio do não-confisco, esculpido no artigo 150, IV, da CRFB. Outrossim, procedeu-
se à análise de entendimentos jurisprudenciais relevantes ao tema, como julgamentos 
proferidos pelos tribunais estaduais e pelo Supremo Tribunal Federal. Por fim, conclui-
se pela impossibilidade de retenção do veículo com débitos relacionados ao IPVA que 
porventura estejam em atraso, por se tratar de coação do Fisco ao constranger o 
contribuinte a adimplir seu débito fiscal por meio indireto de cobrança de tributo, 
mesmo existindo legislação específica disciplinando o procedimento de execução 
fiscal. 
 
Palavras-chave: IPVA. Inadimplemento. Retenção. Propriedade. 
Inconstitucionalidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The articles 131, § 2º combined with art. 230, V, both from the Brazilian Transit Code 
(CTB) provide for the possibility of collecting in vehicle deposit that has debts related 
to the Tax on Property of Automotive Vehicle (IPVA) with the State Treasury. The 
purpose of this paper is to carry out a constitutional analysis of these devices. First, it 
was restricted to introductory material on the subject, such as definition of IPVA, 
taxable event and tax credit, among others. Subsequently, the police power of the 
Public Administration, its particularities and its limits were analyzed. As a central point, 
an interpretation was sought according to the Constitution of the Federative Republic 
of Brazil (CRFB) regarding the applicability of fundamental rights to property, due 
process of law, as well as ample defense and contradictory. It also dealt with the 
principle of non-confiscation, sculpted in article 150, IV, of the CRFB. Likewise, it has 
analyzed jurisprudential understandings relevant to the subject, such as judgments 
handed down by the state courts and by the Federal Supreme Court. Finally, it is 
concluded that it is impossible to withhold the vehicle with debits related to the IPVA, 
which may be in arrears, because it is a matter of the tax authorities' constraint to 
constrain the taxpayer to pay their tax debt indirectly through the collection of taxes, 
even if there is legislation the tax enforcement procedure. 
 
Keywords: IPVA. Default. Retention. Property. Unconstitutionality. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
 
 
ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade 
CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito 
CRFB - Constituição da República Federativa do Brasil 
CRLV - Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo 
CTB - Código de Trânsito Brasileiro 
CTN - Código Tributário Nacional 
CVT - Comissão de Viação e Transportes 
DETRAN - Departamento Estadual de Trânsito 
DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres 
FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas 
IPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores 
PSD - Partido Social Democrático 
SET - Secretaria de Tributação 
STF - Supremo Tribunal Federal 
STJ - Superior Tribunal de Justiça 
TJBA - Tribunal de Justiça do Estado da Bahia 
TJRJ - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
TRF - Taxa Rodoviária Federal 
TRU - Taxa Rodoviária Única 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 8 
2. DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES 
(IPVA)........................................................................................................................ 10 
2.1 Breve apanhado histórico ............................................................................. 10 
2.2 Sujeito ativo e passivo na relação tributária............................................... 11 
2.3 Fato gerador ................................................................................................... 12 
2.4 Competência tributária .................................................................................. 13 
2.5 Obrigação tributária ....................................................................................... 15 
2.6 Crédito tributário ............................................................................................ 15 
2.7 Lançamento .................................................................................................... 16 
3. DO PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................... 18 
3.1 Conceito .......................................................................................................... 18 
3.2 Limites ............................................................................................................. 18 
3.3 Características ............................................................................................... 19 
3.3.1 Discricionariedade ...................................................................................20 
3.3.2 Autoexecutoriedade ............................................................................... 20 
3.3.3 Coercibilidade .......................................................................................... 21 
4. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES........................................... 24 
4.1 Direito à propriedade ..................................................................................... 26 
4.2 Princípios processuais: do devido processo legal, do contraditório e da 
ampla defesa ........................................................................................................ 29 
4.3 Princípio do não-confisco.............................................................................. 31 
5. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS PERTINENTES ................................. 34 
5.1 Das súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal ......................... 34 
 
 
 
5.2 Acórdão proferido no julgamento do Agravo de Instrumento sob nº 
0020383-62.2015.8.05.0000 – TJBA .................................................................... 35 
5.3 Acórdão proferido no julgamento da Apelação Cível sob nº 0001675-
86.2012.8.19.0029 – TJRJ .................................................................................... 36 
5.4 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.998 ........................................... 38 
6. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 131, § 2º COMBINADO COM O ART. 
230, V, DO CTB ....................................................................................................... 41 
6.1 Violação ao direito à propriedade ................................................................ 42 
6.2 Violação ao princípio do não-confisco ........................................................ 43 
6.3 Violação ao direito à ampla defesa e ao contraditório ............................... 45 
6.4 Violação ao devido processo legal .............................................................. 46 
6.5 Projeto de Lei nº 8.494/2017 .......................................................................... 47 
7. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 48 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho busca analisar a inconstitucionalidade da apreensão de 
veículos automotores em virtude da existência de débitos oriundos do Imposto sobre 
a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), medida administrativa disciplinada 
pelo art. 131, § 2º combinado com o art. 230, V, ambos do Código de Trânsito 
Brasileiro (CTB). 
Objetiva-se esclarecer acerca da aplicabilidade do direito constitucional do 
contribuinte à propriedade e ainda ao devido processo legal, no que se refere ao 
procedimento administrativo acima citado. 
A remoção ou apreensão do veículo tem como escopo forçar o contribuinte a 
efetuar o pagamento dos débitos provenientes do inadimplemento do IPVA, de modo 
que o Estado apodera-se do bem do particular sem a observância de qualquer 
disposição constitucional aplicável à matéria. 
A fim de dar fluidez ao trabalho, este foi dividido em cinco capítulos. O primeiro 
capítulo dedicou-se a conceitos introdutórios sobre o tema, como apanhado histórico, 
definição do IPVA, fato gerador, competência tributária, sujeito ativo e passivo na 
relação tributária, crédito tributário, lançamento e notificação do contribuinte. 
Por seu turno, o segundo capítulo reservou-se à análise do poder de polícia da 
Administração Pública, como o conceito, seus limites e as características, quais sejam, 
discricionariedade, autoexecutoriedade, coercibilidade e, por fim, a indelegabilidade. 
Noutro pórtico, o terceiro capítulo procede-se a uma abordagem sobre os 
princípios constitucionais aplicáveis ao procedimento administrativo de remoção do 
veículo, especialmente aos direitos fundamentais à propriedade, ao devido processo 
legal, bem como à ampla defesa e ao contraditório, elencados no art. 5º, caput, 
combinado com os incisos LIV e LV da Constituição da República Federativa do Brasil 
(CRFB), respectivamente, além do princípio do não-confisco, esculpido pelo art. 150, 
inciso IV. 
Já o quarto capítulo debruçou-se sobre entendimentos jurisprudenciais 
perfilhados pelos tribunais estaduais, bem como pelo Supremo Tribunal Federal. 
Analisou-se ainda as Súmulas nº 70, 323 e 547 do STF. 
 
9 
 
Por fim, o quinto e último capítulo cuidou-se particularmente pelo tema central 
do trabalho, qual seja, a análise a respeito da inconstitucionalidade do recolhimento a 
depósito dos veículos automotores com débitos relacionados ao IPVA. Neste tópico, 
mostrou-se a incompatibilidade do art. 131, § 2º combinado com o art. 230, V, do CTB, 
com a CRFB. 
Percebe-se, nesta narrativa, a vulnerabilidade e hipossuficiência do contribuinte 
frente ao Estado, razão pela qual mostra-se necessária uma maior proteção daquele 
na relação tributária anteriormente delineada. E é, substancialmente, neste viés, que 
o presente trabalho pretende esclarecer os pontos controvertidos entre a remoção de 
veículos e a constitucionalidade das normas do CTB. 
A metodologia utilizada para a construção e desenvolvimento deste trabalho foi 
a pesquisa bibliográfica por meio da legislação brasileira, doutrina, bem como da 
análise de entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda 
dos Tribunais de Justiça dos estados brasileiros. 
A pesquisa, atenta a essa controvérsia e à relevância do tema, vez que 
intrinsecamente presente no cotidiano do contribuinte brasileiro, propõe-se a 
demonstrar a necessidade de adequação do procedimento administrativo objeto deste 
trabalho às disposições constitucionais, as quais devem ser observadas pela 
Administração Pública, especialmente o fisco estadual, no que tange à cobrança de 
débitos dos proprietários de veículos automotores. 
Portanto, externa-se a importância de ser despendido empenho rumo à junção 
de conhecimentos que proporcionem a edificação de uma norma jurídica em 
consonância com a Carta Magna, a fim de evitar arbitrariedades advindas do Estado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
2. DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA) 
 
 Trata-se de tributo com finalidade exclusivamente fiscal, isto é, objetiva custear 
as atividades estatais em razão da ocorrência do fato gerador, qual seja, a propriedade 
de veículo automotor. 
 
2.1 Breve apanhado histórico 
 
 Antes de adentrar à análise a respeito do Imposto sobre a Propriedade de 
Veículos Automotores (IPVA) em seus diversos aspectos, necessáriotrazer à baila o 
contexto histórico de criação deste imposto. 
 Inicialmente, importante destacar que o referido imposto não está previsto no 
Código Tributário Nacional (CTN), tendo surgido apenas no ano de 1985, por meio da 
Emenda Constitucional nº 27/85 na Constituição de 1967, época do Regime Militar, 
em substituição à Taxa Rodoviária Única (TRU)1. 
 A intenção do Estado em cobrar tributos sobre a propriedade de veículo surgiu 
no ano de 1968, momento no qual se instituiu a Taxa Rodoviária Federal (TRF), de 
competência da União, que objetivava arrecadar receita para manutenção e 
aprimoramento das rodovias federais. 
Conforme afirma SILVA2, tal fato ocasionou a edição de leis pelos Estados e 
Municípios da federação, os quais instituíram suas próprias taxas com diversos 
critérios quantitativos, o que gerou uma bitributação pelos entes da Administração 
Pública, por um mesmo fato gerador, qual seja, a propriedade de veículo automotor. 
Nesse sentido, diante do caos que se tornou o sistema tributário nacional no 
que tange à tributação da propriedade de veículo, foi criada a Taxa Rodoviária Única, 
por meio do Decreto-Lei nº 999/69, com o escopo de unificar as demais taxas que 
havia sido implementadas pelos demais estados, sob a competência dos Estados e 
do Distrito Federal, conforme determinado no art. 1º, § 1º do referido Decreto-Lei3. 
 
1 MINARDI, Josiane. Manual do Direito Tributário. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. 
2 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. IPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. 
1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011. 
3 BRASIL. Decreto-lei nº 999, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0999.htm>. Acesso em: 01 abr. 2019. 
 
11 
 
 Acresce-se ainda que, em que pese possuir o nome de “taxa”, a TRU não era 
cobrada em razão do exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou 
potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto 
à sua disposição, conforme disciplina o art. 77 do CTN4. 
 Ato contínuo, no ano de 1985, ainda sob a vigência da Constituição de 1967, o 
IPVA adentrou ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional 
nº 27/1985. Já com a CRFB/88, foi atribuída aos Estados e ao Distrito Federal a 
competência tributária para legislar sobre veículos automotores, nos termos do art. 
155, III. 
 
2.2 Sujeito ativo e passivo na relação tributária 
 
 O ordenamento jurídico, ao criar determinado tributo, determina qual será sua 
hipótese de incidência, isto é, "a previsão abstrata da situação a que atribui o efeito 
jurídico de gerar a obrigação de pagar"5. A previsão abstrata está relacionada ao 
pressuposto de materialização da previsão normativa no plano real, o que acarretaria 
na existência de fato gerador a justificar o nascimento de uma obrigação tributária. 
 Dessa forma, uma vez identificada a hipótese tributária e a concretização desta 
no plano fático, tem-se configurado o fato jurídico tributário e instituída a relação 
tributária, na qual de um lado está o Estado, e do outro, o contribuinte. Aquele 
ocupando o polo ativo da relação, enquanto este o passivo, sendo credor e devedor, 
respectivamente. Portanto, caso o contribuinte realize o que está previsto em lei, 
aquele estará obrigado a arcar com o ônus tributário. 
 Em se tratando de obrigação de pagar, faz-se necessária a análise de dois 
fatores, quais sejam, a definição de quem são as partes na relação e ainda da 
determinação do valor a ser pago pela parte devedora. A indicação das partes é 
imprescindível para a constituição do critério pessoal para definição do tributo, ou seja, 
a quem será devido e quem deverá ser cobrado pelo pagamento do tributo. 
 
4 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília, Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 03 abr. 2019. 
5 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 2016. 
 
12 
 
 Dito isto, o sujeito passivo da relação tributária da cobrança do IPVA é o 
proprietário de veículo automotor, enquanto que o sujeito ativo compete aos Estados 
e ao Distrito Federal. Destaca-se que a simples posse de veículo automotor, por si só, 
não implica na legitimidade do possuidor para figurar no polo passivo da relação 
tributária, em virtude da ausência de vinculação obrigatória da posse ao conceito de 
propriedade, porquanto faz-se necessária a ocorrência da capacidade econômica do 
contribuinte, a qual está intrinsecamente ligada apenas ao proprietário do veículo 
automotor6. 
 
2.3 Fato gerador 
 
 O art. 114 do Código Tributário Nacional institui como sendo fato gerador a 
situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência7. Ocorre que, 
pela simples leitura do referido dispositivo, não é possível estabelecer normas 
específicas a disciplinar o fato gerador de um tributo, visto que o art. 114 revela-se 
como uma norma geral, podendo ser aplicada a qualquer relação jurídica, não apenas 
a relação tributária8. 
 Todavia, a par das considerações tecidas acima, é possível afirmar que só há 
fato gerador tributário caso haja rigorosa correspondência entre o ato jurídico 
configurado e previsão normativa, caso contrário, não restará configurado o fato 
gerador e, por consequência, inexiste obrigação tributária9. 
 Noutro pórtico, por via de regra, o fato gerador de uma obrigação tributária tida 
como principal está prevista em lei ordinária editada pelo ente competente em instituir 
o tributo, dentro dos limites de sua competência, conforme determina a Constituição, 
limitando-se, portanto, às reservas que lhe foram feitas. A título de exemplo, no âmbito 
 
6 PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e 
Municipais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 432. 
7 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília, Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 15 mai. 2019. 
8 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 
262. 
9 CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 195. 
 
13 
 
de sua competência tributária, ao determinar o fato gerador do IPVA, o Governo do 
Estado do Rio Grande do Norte editou a Lei nº 6.967/9610. 
 No que se refere ao IPVA, este possui como fato gerador a propriedade de 
veículo automotor terrestre11. Por óbvio, não há dificuldades em identificar o fato 
gerador, visto que o próprio nome do imposto sugere isto. Importante acrescentar que 
o IPVA revela-se como um imposto real, uma vez que, para fins de tributação, 
considera isoladamente o patrimônio relacionado à propriedade de veículo automotor, 
sem qualquer subjetividade. 
 
2.4 Competência tributária 
 
O Estado Democrático de Direito estabelece certos limites ao poder de tributar, 
a fim de coibir abusos estatais. Assim, a competência tributária está relacionada às 
limitações ao poder de tributar determinadas pela Constituição da República. Nesse 
sentido, pode-se definir como competência tributária a aptidão de uma pessoa política 
para instituir tributos. 
Premente destacar, contudo, que não se deve confundir competência com a 
chamada capacidade tributária. Esta está relacionada na capacidade de um ente 
figurar no polo ativo da relação jurídica tributária, isto é, ser titular no completo 
desempenho da competência tributária12, enquanto àquela possui natureza legislativa. 
Desse modo, sendo a competência tributária a atribuição dada ao ente político 
de criar leis instituidoras de tributos, pode-se afirmar que essa detém as 
particularidades equivalentes às atribuídas à competência legislativa, sendo estas,privatividade (ou exclusividade), indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, 
irrenunciabilidade e facultatividade13. 
 
10 ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 6.967, de 30 de dezembro de 1996. Dispõe 
sobre o Imposto de Propriedade de Veículos Automotores - IPVA e dá outras providências. 
Natal, RN, 31 dez. 1996. Disponível em: <http://www.al.rn.leg.br/portal/_ups/legislacao//6.967.pdf>. 
Acesso em: 15 maio 2019. 
11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 134509. Relator: Ministro 
Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça. Brasília, 13 set. 2002. 
12 BRITTO, Lucas Galvão de. O Lugar e o Tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 114. 
13 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo: 
Malheiros Editores, 2013, p. 590-777. 
 
14 
 
No que se refere à privatividade, pode-se afirmar que a competência é privativa 
visto que somente o ente competente pode legislar acerca de seus tributos. Isto posto, 
a União não poderá legislar acerca de tributo a incidir sobre a propriedade de veículos 
automotores, uma vez que, conforme disciplina o art. 155, III, da CRFB, tal tributo é 
de competência exclusiva dos Estados e Distrito Federal. 
Noutro pórtico, a incaducabilidade está relacionada ao fato de que o decurso 
do tempo não afasta a competência de determinado ente, enquanto que a 
irrenunciabilidade refere-se à impossibilidade de um ente renunciar a seu direito de 
instituir tributos de sua competência. 
Já a inalterabilidade pressupõe que apenas a Constituição da República possui 
a prerrogativa de mudar a competência tributária, razão pela qual a legislação não 
pode alterar os conceitos, institutos e formar utilizados pela Carta Maior para delimitar 
a competência, nos termos do art. 110 do CTN14. Assim, no momento que a 
Constituição prevê que o IPVA irá incidir sobre a propriedade de veículo automotor, a 
legislação infraconstitucional não poderá alterar tal previsão com o fito de determinar 
que o IPVA possua como fato gerador a mera posse de veículo. Premente pontuar 
que, em que pese a legislação infraconstitucional não poder modificar a competência 
tributária, esta poderá ser alterada mediante Emenda Constitucional. 
Por último, a facultatividade reside no fato dos Entes Federativos não serem 
obrigados a instituir, de forma efetiva, todos os tributos de sua competência. Tal 
princípio origina-se da própria literalidade do art. 145 da CRFB, haja vista que este 
disciplina que a União, os Estados, o Distrito Federal, assim como os Municípios, 
“poderão” instituir tributos. Por esta razão, a par do comando utilizado pelo legislador 
constituinte, a doutrina entende que a competência tributária é facultativa, e não 
obrigatória.15 
Como já dito anteriormente, a hipótese de incidência tributária do IPVA está 
positivada por meio do art. 155, III, da CRFB. Contudo, em que pese possuir previsão 
constitucional, esta apenas traz normas gerais sobre o imposto, limitando-se a 
 
14 MINARDI, Josiane. Manual do Direito Tributário. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 50. 
15 Idem. p.49 
 
15 
 
disciplinar apenas sobre o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, qual seja, 
Estados-membros e Distrito Federal. 
Acresce-se ainda que não há qualquer lei federal regulando a instituição do 
referido tributo. Tal fato acarretou na competência legislativa plena dos Estados-
membros, bem como do Distrito Federal, ante a ausência de lei complementar 
disciplinando a matéria, nos termos do art. 24, §3º, da CRFB. 
Assim sendo, os Estados e o DF possuem legitimidade para ditar normas gerais 
indispensáveis à cobrança do IPVA, através do pleno exercício de sua competência 
concorrente, até que seja editada lei complementar advinda da União, nos termos do 
§4º, do art. 24, da CRFB. Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal já se 
debruçou sobre o tema por meio de acórdão proferido no Agravo Regimental no 
Recurso Extraordinário nº 414.259, de Minas Gerais, de relatoria do Ministro Eros 
Grau16. 
 
2.5 Obrigação tributária 
 
 A obrigação tributária corresponde ao liame existente entre o sujeito passivo e 
o sujeito ativo da relação tributária, o qual surge no momento de ocorrência da 
hipótese tributária no plano fático, isto é, no momento em que o contribuinte pratica o 
fato gerador na vida real, preenchendo todos os requisitos previstos na legislação. 
 
2.6 Crédito tributário 
 
Como já afirmado anteriormente, a obrigação tributária surge de forma 
automática a partir do nascimento do fato gerador. Todavia, essa só torna-se exigível 
pelo Fisco com o lançamento. Com o lançamento, constitui-se o crédito tributário, o 
qual decorre da obrigação principal e possui a mesma natureza jurídica desta, nos 
termos do art. 139 do CTN17. Neste momento, com o vencimento do crédito, a 
obrigação torna-se exigível. 
 
16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 414.259. 
Relator: Ministro Eros Grau. Diário da Justiça. Brasília, 14 ago. 2008. 
17 Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. 
 
16 
 
2.7 Lançamento 
 
O lançamento tributário constitui o crédito e é definido pelo art. 142 do CTN18. 
Através do lançamento (e após o vencimento), a obrigação tributária torna-se exigível 
pelo Fisco. Ademais, importante destacar que o lançamento tributário é atividade 
privativa da Fazenda Pública, como preconiza o art. 142, parágrafo único, do CTN19. 
Noutro pórtico, o lançamento atesta a ocorrência do fato gerador e formaliza a 
relação jurídico-tributária entre o contribuinte e a Administração Pública. No 
lançamento é possível identificar o sujeito passivo (contribuinte), o valor do tributo 
(calculado geralmente por meio da multiplicação de uma alíquota pela base de 
cálculo), as multas, os juros e a respectiva correção monetária. 
No caso do lançamento do IPVA, este se dá de ofício, vez que o Fisco, detentor 
de todos os dados necessários, ao verificar a ocorrência do fato gerador (propriedade 
de veículo automotor), quantifica o montante do tributo e identifica o sujeito passivo, 
nos termos do art. 149, I, do CTN20. Sendo assim, no lançamento do IPVA não há 
participação do sujeito passivo na constituição do crédito tributário, em virtude da 
Administração já possuir todos os elementos informativos para realização do 
lançamento. 
 
2.8 Notificação do contribuinte 
 
 No que se refere à notificação do contribuinte do IPVA - a qual é pressuposto 
de constituição do crédito tributário - se dá por meio da divulgação do calendário para 
pagamento do referido imposto. 
No âmbito do Estado do Rio Grande do Norte, a cada início do exercício 
financeiro, a Secretaria de Tributação (SET) publica a tabela com os valores do IPVA 
 
18 Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo 
lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato 
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo 
devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. 
19 Art. 142. (...) Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, 
sob pena de responsabilidade funcional. 
20 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes 
casos: (...) I - quando a lei assim o determine; 
 
17 
 
e o calendário de pagamento, os quais ficam disponíveis no site da secretaria21. 
Outrossim, o contribuinte pode ter acesso ao valor do tributo, bem como sua 
respectiva data de vencimento e o boleto para pagamento, no site do Departamento 
Estadual de Trânsito(DETRAN-RN) através de consulta realizada por meio da placa 
e do RENAVAM do veículo22. 
 Válido acrescentar que o Superior Tribunal de Justiça já debruçou-se sobre o 
tema, por meio do Recurso Especial sob nº 1.320.825, do Estado do Rio Janeiro, 
julgado sob o rito dos recursos repetitivos, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria. No 
referido julgamento, a Corte Superior considerou que a notificação do contribuinte do 
IPVA pode ser realizada por qualquer meio idôneo, como o envio de carnê para 
pagamento à residência do proprietário do veículo ou mesmo com a publicação do 
calendário para pagamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
21 http://www.set.rn.gov.br/contentProducao/aplicacao/set_v2/impostos/gerados/ipva_calendario.asp. 
Acesso em: 16 jun. 19. 
22 http://www2.detran.rn.gov.br/externo/consultarveiculo.asp. Acesso em: 16 jun. 19. 
 
18 
 
3. DO PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 
 
3.1 Conceito 
 
 O tema atinente ao poder de polícia coloca em confronto o cidadão, o qual 
almeja exercer de maneira plena os seus direitos, e a Administração, que tem como 
dever limitar o exercício dos direitos do particular, em prol do bem-estar coletivo. 
Nesse sentido, é possível afirmar que o poder de polícia tem como fundamento a 
supremacia do interesse público sobre o interesse do particular.23 
 Por outro lado, no ordenamento jurídico brasileiro, o emprego do poder estatal 
para delimitar e adequar as liberdades e os direitos individuais, deve ser entendido 
como uma exceção, razão pela qual só é possível ser exercido sob estrita reserva 
legal, nos termos do art. 5º, II, da CRFB.24 
 Por fim, o CTN, em seu art. 78 define poder de polícia como a atividade 
vinculada à Administração que restringe ou disciplina direito, interesse ou liberdade, 
regulando a prática de ato ou abstenção de fato, em virtude de interesse 
predominantemente público relacionado à segurança, à higiene, à ordem, etc. Pode-
se afirmar, portanto, que todo ato de polícia deve ser direcionado ao bem-estar coletivo 
em detrimento do interesse individual do cidadão. 
 
3.2 Limites 
 
 Assim como todos os demais atos praticados pela Administração, ainda que 
possua certa dose de discricionariedade, o poder de polícia deve obedecer às 
limitações impostas pela legislação brasileira. 
Neste pórtico, como já dito anteriormente, o poder de polícia só deverá ser 
exercido quando existir interesse público. Isto posto, o exercício deste poder só será 
justificado quando utilizado a fim de afetar pessoas determinadas, na medida em que, 
 
23 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense 
Ltda, 2019, p. 314-315. 
24 MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: 
Editora Forense Ltda, 2014. 
 
19 
 
caso a autoridade se afaste do interesse da coletividade, restará caracterizado desvio 
de poder, de modo a acarretar a nulidade do ato, não afastando ainda sua 
responsabilidade civil, penal e administrativa.25 
Acresce-se ainda que mesmo quanto ao meio de ação, o poder de polícia 
sofrerá limitações advindas da lei. Neste ponto observa-se a aplicação do princípio da 
proporcionalidade dos meios aos fins, ou seja, a autoridade pública não poderá ir além 
do necessário para garantir o interesse da coletividade, uma vez que objetiva-se 
alcançar o bem-social, sem necessariamente restringir, ou mesmo acabar, com os 
direitos dos particulares.26 
Dessarte, o Estado, no momento de utilização de meios coercitivos que 
interferem diretamente na liberdade e propriedade do indivíduo, deve portar-se com 
extremo cuidado, com o propósito de em nenhum momento exceder os meios 
necessários ao alcance do resultado almejado, sob pena de acarretar na nulidade de 
seu próprio ato.27 
 Além da observância obrigatória da proporcionalidade em suas ações atinentes 
ao exercício do poder de polícia, a Administração ainda deverá se ater à necessidade 
e à eficácia da medida. A primeira está relacionada à pertinência do ato, enquanto a 
segunda refere-se à adequação do ato na garantia do interesse coletivo. 
 
3.3 Características 
 
 No que se refere às características do poder de polícia, estas causam certa 
divergência na doutrina. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello serão 
características do poder de polícia a discricionariedade e a autoexecutoriedade28. 
Todavia, o pensamento aqui perfilhado converge com a posição adotada pela 
escritora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a qual aponta como características do poder 
 
25 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense 
Ltda, 2019, p. 329. 
26 Idem. 
27 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 312. 
28 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 17. ed., São Paulo: 
Malheiros, 2004, p. 383. 
 
 
20 
 
de polícia a discricionariedade e autoexecutoriedade, assim como a coercibilidade e 
a indelegabilidade. 
 
3.3.1 Discricionariedade 
 
 Quanto à discricionariedade, esta é observada na atuação da Administração, 
quando esta puder escolher entre uma ou outra solução, segundo seus próprios 
critérios de oportunidade e conveniência, não disciplinados pelo legislador, para 
decidir quando deve agir ou a forma desse agir, todas estritamente válidas pelo 
ordenamento jurídico. 
Por outro lado, diz-se vinculado, o ato administrativo que a lei impõe a forma e 
modo de agir da Administração, na medida em que só há uma única solução para o 
caso concreto, não podendo a autoridade escolher, por sua própria conveniência, 
outra ação, de forma que não é possível qualquer apreciação subjetiva da 
Administração, devendo esta agir conforme determina a lei. 
Contudo, ainda que o poder de polícia seja, em regra, discricionário, não é 
conferida total liberdade à Administração, dado que, apesar de discricionário, a lei 
impõe limitações, especialmente sob a forma e a finalidade. Por esse motivo, pode-se 
afirmar que a discricionariedade acarreta liberdade de atuação nas margens 
disciplinadas pela lei, de sorte que, caso a autoridade extrapole essas limitações, o 
ato administrativo passa de discricionário para arbitrário, isto é, em confronto com a 
lei. 29 
 
3.3.2 Autoexecutoriedade 
 
 A autoexecutoriedade é um dos atributos do poder de polícia através do qual o 
Poder Público pode obrigar o administrado ao cumprimento de suas decisões, sem, 
necessariamente, recorrer ao Poder Judiciário. Por este atributo, a Administração 
compele materialmente o particular, utilizando, para tanto, de meios diretos de coação. 
 
29 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense 
Ltda, 2019, p. 481-482. 
 
21 
 
 Entretanto, a autoexecutoriedade não é aplicável a todos os atos advindos do 
poder de polícia. A Administração só poderá se utilizar deste atributo caso haja 
previsão expressa na lei, ou que, em análise ao caso concreto, verifique-se a urgência 
na implantação da medida, sob pena de grave prejuízo ao interesse público.30 
 No primeiro ponto, a ação deverá ser tomada obedecendo o procedimento 
legal, garantindo ao administrando o direito de à ampla defesa e ao contraditório, nos 
termos do art. 5º, inciso LV, da CRFB. Neste pórtico, observa-se que o simples 
inadimplemento do IPVA pelo contribuinte não traduz urgência a justificar a 
remoção/retenção de veículo automotor pela Administração, com o fito de coagir o 
contribuinte a efetuar o pagamento do referido tributo. 
 A par do exposto, necessário destacar que neste caso não se deve aplicar o 
atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos, visto que afronta 
frontalmente dispositivosconstitucionais, especialmente o direito à ampla defesa e 
contraditório, assim como o direito à propriedade e o princípio do não confisco, todos 
expressamente previstos na Carta Magna. 
 
3.3.3 Coercibilidade 
 
A coercibilidade é a determinação coercitiva das medidas empregadas pela 
Administração. De fato, toda ação oriunda do poder de polícia é imperativa, isto é, 
compulsório para o administrado, outrossim, admite-se, inclusive, a utilização de força 
pública para garantir a efetividade da medida, quando constatada resistência por parte 
do administrado. Acresce-se ainda que a utilização de força policial independe de 
autorização do Poder Judiciário. 31 
Contudo, a coercibilidade, apesar de admitir o uso de força policial, não permite 
a violência descabida, a ponto de configurar abuso de autoridade, justificando o 
ajuizamento de ações criminal e de reparação civil.32 
 
30 Idem. p. 326. 
31 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 
1998, p. 122. 
32 Idem. 
 
22 
 
 Neste pórtico, a par do tema aqui trabalhado, põe-se em exame, se a constrição 
do veículo com débitos em atraso junto ao Fisco Estadual não constitui sanção política 
imposta pela Administração Pública, que, utilizando-se do atributo da coercitividade 
de seu poder de polícia, constrange o administrado ao pagamento de seus tributos. 
Indubitavelmente, a sanção administrativa presta-se para conferir efetividade à norma 
jurídica, a fim de garantir seu cumprimento. 
Por outro lado, entretanto, conforme preceitua Hugo de Brito Machado33, toda 
sanção deve observar, obrigatoriamente, o devido processo legal, com o escopo de 
assegurar o direito de defesa do infrator. Todavia, há casos em que o Fisco, ao aplicar 
sanções aos contribuintes, suprime o exercício de direitos fundamentais, os quais, em 
maioria, não possuem relação com o ato ilícito cometido por aquele. 
A esse tipo de sanção, o autor denomina de “sanção política”, visto que são 
aplicadas ao arrepio da norma jurídica, como meio de indireto de cobrança de tributos. 
Portanto, este tipo de sanção revela-se inconstitucional por afrontar diretamente o 
princípio do devido processo legal previsto no art. 5º, LIV, da Constituição da 
República. 
Ademais, por meio deste tipo de medida, o contribuinte se vê em uma 
conjuntura na qual só há duas opções, quais sejam, ou paga o tributo como fora 
lançado pelo Fisco, sem contestá-lo, ou fica sem o seu bem e sem exercer seu direito 
fundamental à propriedade, o qual sequer possui relação direta ao inadimplemento 
dos tributos, o que, sem dúvida, mostra-se desproporcional e desarrazoado.34 
 
3.3.4 Indelegabilidade 
 
 Por último, no que se refere à indelegabilidade do exercício do poder de polícia 
a particulares, tal atributo justifica-se em razão do exercício de atividade estatal típica 
e, por isso, deve ser pelo Estado exercida. Isso ocorre, pois, o poder de polícia engloba 
 
33 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Atlas 
LTDA, 2018, p. 359. 
34 Idem. 
 
23 
 
privilégios próprios do poder público, como a repressão, dado em que não é possível 
de serem exercidos por um particular sobre outro.35 
Acresce-se, entretanto, que os atos atinentes ao consentimento e à fiscalização 
podem ser delegados a entes privados, conforme decidiu o Superior Tribunal de 
Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial nº 817.534 do Estado de Minas 
Gerais, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques36. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
35 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense 
Ltda, 2019, p. 327. 
36 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 817.534. Relator: Ministro Mauro 
Campbell Marques. Diário da Justiça. Brasília, 10 de nov. de 2009. 
 
24 
 
4. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES 
 
Antes de tudo, é imprescindível tratar da moldura constitucional que envolve 
o tema então trabalhado, especialmente diante do estágio em que se encontra o 
sistema jurídico brasileiro, caracterizado em sua essência como pertencente a um 
Estado Democrático de Direito que se insere no movimento neoconstitucional e 
implica, mais e mais, numa constitucionalização do direito37 – isto é, no 
“entrelaçamento” da Constituição com todos os ramos do ordenamento jurídico. 
No atual momento, Constituição e normas infraconstitucionais se harmonizam 
e se combinam entre si, fazendo com que a lei se inspire e se norteie através do 
espírito constitucional, o que não poderia deixar de ser relevante para este estudo, na 
medida em que este trabalho trata, essencialmente, de questões suscitadas pela 
eficácia de direitos e garantias individuais que são expressamente reconhecidos ao 
longo da Constituição Federal Brasileira de 1988. 
Neste estudo, interessa discutir quatro direitos e princípios constitucionais 
específicos: o direito da propriedade privada; o princípio do não confisco; o princípio 
do devido processo legal; e o princípio do contraditório e da ampla defesa. Todos eles 
têm em comum o fato de pertencerem, historicamente, ao mesmo contexto de 
nascimento: a fundação dos Estados Liberais entre os Séculos XVII e XVIII, ao 
exemplo dos Estados Unidos da América e das repúblicas revolucionárias francesas, 
responsáveis por estabelecer direitos civis e políticos38, as “liberdades” que muitos 
autores classificam como “direitos humanos de primeira geração39”, embora essa 
compartimentação sofra diversas críticas atualmente, mas que não é do escopo deste 
trabalho analisar. 
Na qualidade de direitos e garantias civis, as quatro nascem, essencialmente, 
como direitos de caráter “negativo”, ou seja, são direitos oponíveis ao Estado, que 
 
37 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. 
38 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São 
Paulo: Max Limonad, 2000. 
39 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 
1997. 
 
25 
 
delimitam sua esfera legítima de atuação e exigem do ente estatal uma abstenção40, 
que se consubstancia no respeito e no reconhecimento de direitos inerentes ao ser 
humano, conhecido nessa época como “cidadão”. São direitos que visam ao fim do 
comportamento arbitrário do Estado, corrigindo a situação desigual entre o poder 
estatal ilimitado e a vulnerabilidade dos cidadãos por meio da celebração de um pacto: 
as constituições. 
Historicamente, isso se deu em decorrência da ascensão de um tipo de 
sociedade em que os interesses da burguesia, como classe política, começavam a 
predominar mais e mais sobre o todo social41, dentro do contexto das Revoluções 
Industriais e da queda dos regimes absolutistas, o que exigia uma adequação do 
sistema jurídico que fosse capaz de refletir as novas necessidades da sociedade, com 
destaque para o respeito à propriedade privada e à integridade individual, o que, em 
suma, significava o estabelecimento de limites bem definidos à ação do Estado42, que 
já não podia dispor como bem entendesse dos bens e dos corpos de seus cidadãos. 
É ainda interessante para este trabalho, em que são discutidos a cobrança de 
impostos e os limites do direito tributário, saber que movimentos decisivos na história 
aconteceram justamente em função da tributação arbitrária e ilimitada, ao exemplo da 
Declaração da Independência das Treze Colônias, motivada de forma preponderante 
pela tributação absurda da Inglaterra sobre o comércio de suas possessões coloniais 
americanas43. No Brasil, os exemplos são incontáveis: a Inconfidência Mineira, a 
Revolta de Felipe dos Santos, a Revolução Pernambucanade 1817, entre muitos 
outros44. 
Nestes termos, fica evidente que a tributação (e a forma com que se tributa) 
representa uma relação extremamente sensível entre o Estado e os particulares, uma 
fonte de atritos que o direito constitucional tende a suavizar através dos princípios e 
direito então estudados. 
 
40 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 
Coimbra: Almedina, 2003. 
41 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções 1789-1848. Ed. rev. São Paulo: Paz e Terra, 2012. 
42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 
Coimbra: Almedina, 2003. 
43 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções 1789-1848. Ed. rev. São Paulo: Paz e Terra, 2012. 
44 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 14. ed. São Paulo: EDUSP, 2013. 
 
26 
 
4.1 Direito à propriedade 
 
Não é por acaso que o direito à propriedade esteja sendo tratado antes dos 
três princípios constitucionais mencionados anteriormente: trata-se, sem dúvidas, do 
principal lastro jurídico limitador da ação do Estado sobre os bens dos particulares, o 
que, obviamente, se relaciona de forma íntima com o direito tributário. 
Como definição desse direito, portanto, tem-se que o direito à propriedade é 
a prerrogativa do particular, de forma legítima, de usufruir, dispor e manter um bem 
específico por tempo indeterminado. 
Tradicionalmente, diz-se que o direito à propriedade é um direito “sagrado e 
inviolável45” – sem dúvidas, uma herança do contexto histórico do nascimento dos 
Estados liberais, quando o objetivo era encerrar as ameaças comuns aos direitos dos 
particulares. 
Essa visão, contudo, tem mudado ao longo das últimas décadas, 
principalmente com a ascensão, no Brasil, da ideia de função social da propriedade, 
que permitirá, após a Constituição de 1988, uma maior flexibilização de seu caráter 
“absoluto46” por força das aspirações e das necessidades da sociedade, que, contudo, 
não podem se confundem de forma estrita com os interesses do Estado. Essa 
flexibilização, porém, não é aberta, nem genérica, e depende necessariamente do 
respeito à lei pertinente. Como bem ilustra o professor Pietro Perlingieri: 
 
Do inteiro quadro constitucional deriva que a propriedade privada não pode 
ser esvaziada de qualquer conteúdo e reduzida à categoria de propriedade 
formal, como um título de nobreza. Ela representa não um desvalor, mas um 
instrumento de garantia do pluralismo e de defesa em relação a qualquer 
tentativa de estatalismo.47 
 
Ao longo dos últimos séculos, o direito à propriedade privada vem sendo um 
dos tópicos jurídicos mais debatidos e controversos em todo o mundo, fruto dos 
diferentes momentos históricos vivenciados pelas mais diversas sociedades ao redor 
 
45 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 
46 Idem. 
47 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil constitucional. Rio de 
Janeiro: Renovar, 1999. p. 230. 
 
27 
 
do globo. Discute-se quem deve ter direito à propriedade (sua titularidade), que tipo 
de propriedade deve ser protegida (objeto do direito), os motivos para essa proteção 
(os fundamentos sociais e jurídicos) e até onde ela deve ser estabelecida (os limites 
à propriedade). 
A existência desse direito, contudo, é plenamente consensual nos 
ordenamentos jurídicos mais diversos, especialmente pelo direito internacional dos 
direitos humanos, onde é tratado de forma implícita e explícita por diversos tratados e 
convenções. 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações 
Unidas, emitida em 1948, em pleno pós-guerra, assinalava, em seu Artigo XVII, que 
“todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros48”. 
Séculos antes, os revolucionários franceses haviam feito um reconhecimento 
semelhante através da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 
1789, em que assinalavam, no artigo 17, que “como a propriedade é um direito 
inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade 
pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia 
indenização49”. 
Nas Américas, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de 1969, 
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, equaliza os dispositivos anteriores, 
ao sustentar, em seu artigo 21, que: “toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus 
bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social50”. 
No Brasil, o reconhecimento do direito à propriedade esteve presente em 
todas as constituições nacionais, mas será somente na Constituição de 1988, 
cognominada de “A Constituição Cidadã”, que esse direito assumirá uma posição 
preponderante como meio de efetivação dos próprios objetivos do Estado brasileiro, o 
que se dá por força da já mencionada “função social”. 
 
48 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. 
49 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE FRANCESA. Declaração Universal dos Direitos do 
Homem e do Cidadão. 1789. 
50 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana de Direitos 
Humanos. 1969. 
 
28 
 
Fora dos casos previstos em lei, que são majoritariamente excepcionais, o 
direito à propriedade permanece ainda revestido de sua “sacralidade” original, 
resguardando os particulares de quaisquer pretensões injustas do Estado sobre seus 
bens51 - em que o devido processo legal, como princípio constitucional, também tem 
implicações profundas. 
É importante lembrar que o tributo, foco do direito tributário, é essencialmente 
“toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa 
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante 
atividade administrativa plenamente vinculada”, nos termos do artigo 3º do Código 
Tributário Nacional, sendo, na qualidade de pecúnia, parte integrante da propriedade 
dos entes tributários que o direito busca proteger. 
Há, ainda, a possibilidade de que bens se transformem em tributos por meio 
da dação em pagamento, de acordo com o artigo 156, XI, do Código Tributário 
nacional, mas excepcionalmente. 
Diante disso, o que interessa neste estudo é o fato de que, ainda hoje, o direito 
à propriedade continua a desempenhar sua função original: a de limitar e proteger a 
propriedade dos particulares em face de terceiros, incluindo aí o Estado, seja a 
propriedade a pecúnia (a moeda, o recurso financeiro-monetário) ou, 
excepcionalmente, o bem. Essa preocupação fica patente com a assertividade do 
constituinte em reconhecer a propriedade como direito e garantia constitucional: 
 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, 
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 
inviolabilidade do direito [...] à propriedade, nos termos seguintes: [...] 
XXII – é garantido o direito de propriedade; [...] 
Art. 170º A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, 
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme 
os ditames da justiça social, observando-se os seguintes princípios: [...] 
II – propriedade privada; 
 
Embora esta seja uma análise geral, é possível concluir que o direito à 
propriedade é o grande definidor dos limites opostos ao direito tributário. Assim, nesta 
 
51 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 6. 
ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 
 
29 
 
análise, importa esclarecer que a existência do direito à propriedade se reveste, 
portanto, de um caráter estrutural para a tributação. 
Vê-se que é a necessidade de preservação da propriedade que fundamenta 
princípios inerentes ao sistema jurídico que trata da atividadeda tributação: por 
exemplo, os princípios da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade tributárias 
dispõem, cada um ao seu modo, a forma legítima pelo qual particulares se obrigam 
ao pagamento de tributo ao Estado, ou seja, ao desfazimento de parte de sua 
propriedade52. 
Este segmento deste estudo busca, portanto, demonstrar não as implicações 
em sentido estrito do direito à propriedade, mas sim o quanto esse direito estrutura e 
baseia o sistema tributário: se é a propriedade transformada em tributo quem ocupa a 
posição de objeto do direito tributário, as normas que tutelam e garantem a própria 
existência da propriedade merecem, portanto, uma análise logicamente antecedente 
por fornecerem o substrato geral à tributação. 
 
4.2 Princípios processuais: do devido processo legal, do contraditório e da 
ampla defesa 
 
O devido processo legal na qualidade de instrumento jurídico garantidor de 
direitos e liberdades individuais surge no mesmo contexto do reconhecimento do 
direito à propriedade – a ascensão do Estado liberal – havendo, entre ambos, uma 
relação de aproximação, na medida em que o devido processo legal serve à proteção 
do direito à propriedade, tendo surgido justamente da necessidade de limitar o poder 
do Estado sobre o cidadão, seja sobre seus corpos, seja sobre seus bens53. 
Isso se demonstra de forma ostensiva ao longo das declarações 
internacionais do direito à propriedade: a Declaração Universal dos Direitos Humanos 
das Nações Unidas, de 1948, diz ao longo do artigo 17, 2, que “todo ser humano tem 
direito à propriedade, só ou em sociedade com outros54”. 
 
52 SABBAG, Eduardo. Direito Tributário Essencial. 6. ed. rev. e at. São Paulo: Forense, 2018. 
53 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções 1789-1848. Ed. rev. São Paulo: Paz e Terra, 2012. 
54 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. 
 
30 
 
Por outro lado, o Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe, em seu 
artigo 21, 2, que “nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o 
pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social 
e nos casos e na forma estabelecidos pela lei55”. A Constituição Brasileira também é 
especialmente concernente, conforme seu artigo 5º, LIV, assentando que “ninguém 
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. 
Trata-se, por si só, de um direito inerente à pessoa humana que não pode ser 
sumariamente desconsiderado, confundindo-se com um dos pressupostos do Estado 
Democrático do Direito e condicionando ao seu crivo a legalidade, a justiça e a 
eficiência dos sistemas jurídicos constitucionais. É uma verdadeira garantia aos 
indivíduos de que o direito será capaz de protegê-los, seja através da formalização de 
um processo de fato antes de qualquer penalização, seja através da imposição de que 
as próprias leis sejam elaboradas de forma razoável, como bem sintetiza o professor 
Alexandre Freitas Câmara: 
 
Assim é que o devido processo legal substancial (ou material) deve ser 
entendido como uma garantia ao trinômio “vida-liberdade-propriedade”, 
através do qual se assegura que a sociedade só seja submetida a leis 
razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade, demonstrando 
assim sua finalidade social. Tal garantia substancial do devido processo legal 
pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade das leis.56 
 
Isso implica, enfim, que a perda da propriedade somente pode acontecer de 
forma legítima e juridicamente estabelecida – o que se relaciona intimamente com o 
objeto deste trabalho, em que se estuda, efetivamente, a perda da propriedade em 
consequência de disposição do direito tributário. Trata-se de verdadeiro escudo 
jurídico capaz de proteger o indivíduo, nas suas mais diversas esferas, do arbítrio 
estatal, condicionando a atuação do Estado ao império da lei. 
Nestes termos, a relação entre o devido processo legal e o contrário e a ampla 
defesa é imanente. O devido processo legal vem sendo entendido como, 
necessariamente, aquele em que é necessário o estabelecimento do contraditório, 
 
55 Idem. 
56 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14. ed. rev. e atu. Rio de 
Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2006. 
 
31 
 
que, por sua vez, deve ser guarnecido de todos os meios legais e adequados da 
defesa do acusado. O contraditório, é, portanto, o direito do réu ou do interessado a 
ser ouvido, enquanto a ampla defesa é a capacidade do réu ou acusado de dispor de 
todos os meios para assegurar a sua pretensão, sejam provas, recursos ou artifícios 
judiciais legítimos. 
A Constituição Brasileira assinala, em seu artigo 5º, LV, que “aos litigantes, 
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o 
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. No nível 
internacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos, diz, em seu artigo 8, 1, 
que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro do prazo 
razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial [...] para que 
se determinem seus direitos ou obrigações57”. 
Mais adiante, a convenção declara, ainda no artigo 8, 2, que “durante o 
processo, toda pessoa tem direito [...] às seguintes garantias mínimas: concessão ao 
acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; [...] de 
defender-se [...]; de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior58”. 
Neste trabalho, é valiosa a compreensão de que, dentro de um sistema 
jurídico marcado pela prevalência do devido processo legal, coroado pelos princípios 
do contraditório e da ampla defesa, as consequências últimas do inadimplemento 
eventual de obrigações tributárias somente deveriam se materializar quando 
completadas as etapas do percurso juridicamente estabelecido, vencidos os prazos e 
recursos e percorridas as instâncias de decisão, sejam elas judiciais ou não. 
 
4.3 Princípio do não-confisco 
 
 O princípio do não confisco se relaciona intimamente com o direito à 
propriedade, sendo, em sua essência, um artifício jurídico destinado à sua 
preservação, opondo ao Estado, no exercício da função de demandante de tributos, 
 
57 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana de Direitos 
Humanos. 1969. 
58 Idem. 
 
32 
 
limites concretos à arrecadação e à capacidade de arrecadar. Trata-se, em suma, da 
norma constitucional que proíbe a absorção, por parte do Estado, de bens de 
particulares sem a sua devida indenização, ou seja: um tributo com efeito de punição59. 
Há quem denomine esse princípio como “da razoabilidade ou proporcionalidade da 
carga tributária60”. Trata-se de princípio diretamente reconhecido pela Constituição, 
quando assinala: 
 
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é 
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] 
IV – utilizar tributo com efeito de confisco. 
 
Apesar disso, há uma certa confusão terminológica na redação do dispositivo 
constitucional. O autor, por exemplo, assinala que não existe vedação do “confisco”, 
porque o tributo, essencialmente, é uma modalidade de confisco – o que existe de fato 
é o impedimento à tributação “com efeito de confisco61”, em que o tributo tem a 
repercussão, para o particular, de uma sanção, ou seja, de uma pena cominada por 
força de ato ilícito. 
O que se busca é, então, inviabilizar a existência do direito tributário como 
direito sancionador ou penalizador. Como se sabe, o tributo, necessariamente, não é 
uma sanção, de modo que não há que se confundir o tributo com multa (compreendida 
como a prestação pecuniária originada em infração à lei)62, nos termos do artigo 3º do 
CódigoTributário Nacional. Caso fosse admissível o confisco como sanção, não 
haveria harmonia sistêmica, o que implicaria não apenas numa quebra da segurança 
jurídica, mas na necessidade de um rearranjo normativo a fim de que se 
reconfigurassem os pressupostos da atividade tributária. 
Por fim, o confisco, na qualidade de pena, porém, é lícito e legítimo dentro de 
circunstâncias especiais, quando assumirá, enfim, a função de sanção por 
 
59 SABBAG, Eduardo. Direito Tributário Essencial. 6. ed. rev. e at. São Paulo: Forense, 2018. 
60 ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodium, 2017. 
61 Idem. 
62 SABBAG, Eduardo. Direito Tributário Essencial. 6. ed. rev. e atu. São Paulo: Forense, 2018. 
 
33 
 
descumprimento de uma obrigação de natureza tributária, nos termos do artigo 113 
do Código Tributário Nacional, hipótese em que não há que se falar em tributo63. 
É importante esclarecer que a pena de perdimento de bem (assim como a de 
multa) foi recepcionada pela Constituição de 1988, conforme seu artigo 5º, XLVI, b, 
onde se diz que a lei “regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, [...] 
perda de bens; [...] multa;”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
63 ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodium, 2017. 
 
34 
 
5. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS PERTINENTES 
 
5.1 Das súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal 
 
 Em diversas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se acerca 
da impossibilidade do Estado, no âmbito do seu poder de polícia, coagir o contribuinte 
a efetuar o pagamento dos tributos devidos por meio da retenção, apreensão, ou 
mesmo interdição, de bens, mercadorias e estabelecimentos. Tal entendimento restou 
sumulado por meio das Súmulas 70, 323 e 547. 
 A Súmula 7064, aprovada em Sessão Plenária em 13/12/1963, preconiza a 
ilicitude da interdição de estabelecimentos comerciais com o fito de compelir o 
proprietário/comerciante ao pagamento de tributos, e até multas. Neste precedente, 
resta evidenciada a posição do STF, já àquela época, da arbitrariedade do Fisco em 
promover a interdição de estabelecimentos, sem garantir ao devedor a possibilidade 
de impugnação do débito. 
 Noutro pórtico, a Súmula 32365, seguindo a mesma linha de raciocínio da 
súmula anteriormente mencionada, declara a inadmissibilidade do Estado efetuar a 
apreensão de mercadorias, com o único objetivo de coagir o contribuinte a adimplir os 
débitos fiscais. 
 Por fim, a Súmula 54766, afirma não ser lícito a proibição pelo Fisco do 
contribuinte inadimplente adquirir estampilhas67, despachar mercadorias nas 
alfândegas ou mesmo continuar a exercer suas atividades profissionais de forma 
regular. Ora, impedir o contribuinte em débito de exercer suas atividades profissionais, 
demonstra, sem embargo, toda a arbitrariedade do Fisco, o qual, podendo se utilizar 
de medidas executivas menos onerosas ao devedor - como a própria ação de 
execução fiscal - opta por limitar direitos, subjugando o particular ao arbítrio do 
Estado. 
 
64 Súmula 70 do STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para 
cobrança de tributo. 
65 Súmula 323 do STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para 
pagamento de tributos. 
66 Súmula 547 do STF: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira 
estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. 
67 Pequena estampa; selo fiscal. 
 
35 
 
 Após a análise das súmulas acima apresentadas, pode-se concluir, por 
analogia, da impossibilidade de retenção/apreensão do veículo automotor pelo 
inadimplemento dos débitos relacionados ao IPVA, porquanto tal medida revela-se 
como a mais pura forma de coação advinda do Estado Fiscal em forçar o contribuinte-
devedor a quitar todas as dívidas, na medida em que este tem seu bem subtraído, só 
podendo reavê-lo após o pagamento de todos os tributos. 
 
5.2 Acórdão proferido no julgamento do Agravo de Instrumento sob nº 0020383-
62.2015.8.05.0000 - TJBA 
 
 No ano de 2016, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em julgamento ao 
Agravo de Instrumento sob n° 0020383-62.2015.8.05.0000, de relatoria do 
Desembargador Maurício Kertzman Szporer, deferiu pedido de tutela antecipada de 
uma contribuinte que teve seu veículo apreendido em virtude de débitos em aberto a 
fim de determinar a liberação do automóvel, sem a necessidade de pagamento dos 
valores atinentes aos custos com reboque, assim como as diárias de permanência do 
veículo no depósito. 
 O Acórdão proferido foi assim ementado, in verbis: 
 
AGRAVO DE INSTRUMENTO. APREENSÃO DE VEÍCULO EM 
"BLITZ DO IPVA" POR MOTIVO DE DÉBITO EM ABERTO. 
IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO REFORMADA. 
1. Apesar de estar previsto no Código de Trânsito Brasileiro que "o 
veículo somente será considerado licenciado estando quitados os 
débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, 
vinculados ao veículo" (art. 131, § 2º), bem como que "a restituição 
dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio pagamento 
das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estadia, além 
de outros encargos previstos na legislação específica" (art. 262, § 2º), 
a conduta da Administração Pública de apreender veículos por motivo 
de débito tributário ou de multa de trânsito viola direito fundamental do 
contribuinte, devendo, portanto, ser combatida. 
2. Agravo de instrumento provido. Decisão reformada para ordenar a 
liberação do automóvel da agravante sem a necessidade de 
pagamento dos valores referentes ao custo com o reboque e com as 
diárias de permanência do veículo no pátio da Administração. 
(Classe: Agravo de Instrumento,Número do Processo: 0020383-
62.2015.8.05.0000, Relator(a): MAURICIO KERTZMAN 
SZPORER,Publicado em: 19/03/2016) 
 
36 
 
 O Eminente Relator Maurício Kertzman asseverou que, em que pese haver 
previsão expressa no Código de Trânsito Brasileiro acerca da remoção de veículos 
com débitos relativos a tributos, encargos ou multas de trânsito e ambientais68, a 
Administração Pública não poderia fazê-la em virtude da patente violação de direito 
fundamental do contribuinte/cidadão. 
 Outrossim, o Douto Desembargador ainda acrescentou existir procedimento 
específico para que o Fisco Estadual - assim como os demais entes da federação - 
cobre seus créditos perante os administrados por meio do rito previsto na Lei de 
Execução Fiscal (Lei n° 6.830/80), razão pela qual a Administração Pública não pode 
se valer de meios indiretos de cobrança utilizando como argumento o exercício de seu 
poder de polícia. 
 Em outra senda, afirmou que na eventual hipótese de inexistir o pré-requisito 
de adimplemento de todos os débitos para a emissão do Certificado de Registro e 
Licenciamento de Veículo (CRLV), a conduta do Estado estaria eivada de legalidade, 
posto estar no pleno exercício de seu dever de organizar a sociedade. Entretanto, 
pontua que o intuito de fiscalização do Estado nas denominadas “Blitz do IPVA” é, 
unicamente, a quitação da dívida, e não o licenciamento do automóvel, o que gera, 
indubitavelmente, a ilegalidade da atuação estatal, em virtude de ultrapassar os limites 
constitucionais e adentrar o patrimônio do contribuinte, numa clara violação ao direito 
constitucional e, frise-se, fundamental, à propriedade. 
 Acrescente-se, ainda, que a decisão acima analisada, foi adotada por 
unanimidade pelos demais Desembargadores que compunham a 2ª Câmara Cível do 
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia na ocasião do julgamento. 
 
5.3 Acórdão proferido no julgamento da Apelação Cível sob nº 0001675-
86.2012.8.19.0029 - TJRJ 
 
 Inicialmente, antes de adentrar nos termos da decisão proferida, importante 
destacar que em 09 de outubrode 2017, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio 
 
68 Art. 131. (...) § 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos 
relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, 
independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas. 
 
37 
 
de Janeiro editou a Lei Estadual sob nº 7.718/2017, a qual dispõe sobre a 
inadimplência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). 
O art. 1º da referida lei expõe o que segue, in verbis: 
 
Art. 1º - A inadimplência do Imposto sobre Propriedade de Veículos 
Automotores - IPVA, não poderá ser usada pelo Poder Executivo, 
como motivo impeditivo para que os proprietários dos veículos 
possam, junto ao DETRAN, vistoriar, inspecionar quanto às condições 
de segurança veicular, registrar, emplacar, selar a placa e licenciar 
veículo para a obtenção do Certificado de Registro e Licenciamento 
Anual, conforme prescreve o inciso III do Art. 22 do Código de Trânsito 
Brasileiro - CTB ( Lei nº 9.503/1997 ).69 
 
 Posto isso, o Estado do Rio de Janeiro proibiu o Departamento Estadual de 
Trânsito daquele estado (Detran-RJ) de impedir os proprietários de veículos que 
estejam inadimplentes com o pagamento do IPVA vistoriar, inspecionar, registrar, 
emplacar, selar a placa, bem como licenciar o veículo para a obtenção do Certificado 
de Registro e Licenciamento Anual (CRLV). 
 Pois bem. No julgamento da Apelação Cível sob nº 0001675-
86.2012.8.19.0029, de relatoria do Desembargador Carlos José Martins Gomes, o 
TJRJ, por meio da sua Décima Sexta Câmara Cível, por unanimidade, deu provimento 
ao recurso interposto pelo contribuinte, a fim de determinar a liberação do veículo 
anteriormente retido em razão de débitos referentes ao IPVA. 
Outrossim, restou consignado em Acórdão que a liberação seria condicionada 
ao pagamento das diárias dos primeiros 30 (trinta) dias de permanência, bem como 
das multas e despesas administrativas atinentes à remoção do veículo (taxa de 
reboque) e ainda os períodos de IPVAs antes da vigência da Lei Estadual nº 7.718/17. 
O Acórdão acima referido foi assim ementado, in verbis: 
 
Ementa: Apelação cível. Ação ordinária objetivando a liberação de 
veículo que foi apreendido e removido ao depósito, mediante 
pagamento da taxa de reboque e diárias limitadas ao valor de 30 dias. 
Sentença de improcedência do pedido. Lei Estadual nº 7.718, de 09 
de outubro de 2017, que prescreve em seu art. 1º que a inadimplência 
do IPVA, não poderá ser usada pelo Poder Executivo, como motivo 
 
69 RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 7.718, de 09 de outubro de 2017. Dispõe sobre a inadimplência 
do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. Rio de Janeiro, RJ. 
 
38 
 
impeditivo para que os proprietários dos veículos possam, junto ao 
DETRAN, vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança 
veicular, registrar, emplacar, selar a placa e licenciar veículo para a 
obtenção do Certificado de Registro e Licenciamento Anual, conforme 
prescreve o inciso III do Art. 22 do Código de Trânsito Brasileiro. Ao 
tempo da apreensão do veículo e sua remoção ao depósito em 2011, 
vigia o artigo 262 do CTB, que limitava em até 30 dias o ônus ao 
proprietário do pagamento pela permanência do veículo no depósito, 
posteriormente revogado pela Lei nº 13.281, de 2016, que acrescentou 
ao artigo 271 do CTB o § 10, o qual dispõe que o pagamento das 
despesas de remoção e estada será correspondente ao período 
integral, contado em dias, em que efetivamente o veículo permanecer 
em depósito, limitado ao prazo de 6 (seis) meses. Em prestígio ao 
princípio do tempus regit actum, deve-se limitar a cobrança das taxas 
e despesas de remoção e de estadia aos primeiros 30 dias de custódia 
do veículo, nos termos do revogado artigo 262 do CTB, isto porque, 
em se tratando de lei de efeitos materiais e mais gravosa ao cidadão, 
deve incidir a lei vigente na data em que o veículo foi apreendido, como 
forma de prestação à segurança jurídica e estabilidade das relações. 
Precedente desta Corte. Provimento do recurso, para determinar ao 
réu a liberação do veículo do depósito, condicionada ao pagamento 
pelo autor das diárias dos primeiros 30 dias de permanência, além das 
multas e taxa de reboque e períodos de IPVAs, se devidos, até a 
entrada em vigor da Lei Estadual nº 7.718/17. Sem custas em razão 
da isenção legal prevista no art. 17, inciso IX, da Lei Estadual nº 
3.350/1999, e da taxa judiciária, nos termos da Súmula nº 76 deste 
Tribunal. Condenação em honorários advocatícios no percentual de 
10% sobre o valor atualizado da causa ao CEJUR-DPGE. (TJRJ - 
Apelação Cível nº 0001675-86.2012.8.19.0029, Relator(a): 
Desembargador Carlos José Martins Gomes, Publicado em: 
31/05/2019) 
 
 
Nesta demanda a parte autora pleiteou a imediata liberação de seu veículo e 
sua retirada de depósito. Em exordial, o autor asseverou ser caminhoneiro e 
necessitar do veículo para sua atividade laborativa. Contudo, em sede de julgamento 
de primeira instância, o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Magé julgou totalmente 
improcedentes os pedidos autorais. 
 
5.4 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.998 
 
 O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs a Ação Direta 
de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 2.998, na qual o órgão discutia as exigências para 
liberação de certificado de registro e licenciamento de veículo, como o pagamento de 
 
39 
 
multas e tributos, conforme prevê os artigos 124, VIII70, 12871 e 131, §2º72, todos do 
CTB. Questionou ainda a constitucionalidade do art. 161 do CTB73, que afirma 
constituir infração de trânsito a desobediência das resoluções expedidas pelo 
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). 
 Em julgamento ocorrido no dia 10 de abril de 2019, o Pleno do Supremo 
Tribunal Federal, por unanimidade, deu interpretação ao art. 161, parágrafo único, 
conforme a Constituição, para afastar a possibilidade de sanções administrativas 
impostas pelo CONTRAN. Quanto aos arts. 124, VIII, 128, e 131, § 2º, do CTB, o STF 
declarou suas constitucionalidades, por maioria, sendo vencido o voto do Ministro 
Celso de Mello. 
 Ato contínuo, o Ministro Marco Aurélio, relator da ação, afirmou que a circulação 
de veículos pressupõe certas formalidades legais que devem ser cumpridas pelos 
proprietários a fim de que estes preencham todos os requisitos determinados pela lei, 
incluídos o pagamento de tributos, encargos e multas de trânsito associados ao 
automóvel. Segundo o Relator, tal exigência não ocasiona restrição ao direito de 
propriedade do contribuinte, posto não se tratar de coação política advinda da 
Administração Pública com a intenção de compelir o cidadão ao pagamento de todos 
os débitos devidos. 
Data maxima venia, alinho-me ao voto vencido proferido pelo Ministro Celso de 
Mello. Em brilhante colocação, o referido Ministro afirmou existir uma sanção política 
a condição de pagamento dos débitos ao licenciamento do veículo. Isto posto, 
 
70 Art. 124. Para a expedição do novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes 
documentos: (...) VIII - comprovante de quitação de débitos relativos a tributos, encargos e multas de 
trânsito vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas; 
71 Art. 128. Não será expedido novo Certificado de Registro de Veículo enquanto houver débitos 
fiscais e de multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo, independentemente da 
responsabilidade pelas infrações cometidas. 
72 Art. 131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao 
Certificado de Registro, no modelo e especificações estabelecidos pelo CONTRAN. (...) § 2º O 
veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos

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