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CINEMA-E-LITERATURA---POSSIBILIDADES-ESTETICAS-E-RELACOES-SEMIOTICAS--LAZARO-BARBOSA-

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CINEMA E LITERATURA: POSSIBILIDADES ESTÉTICAS E RELAÇÕES 
SEMIÓTICAS 
 
Lázaro Barbosa1 
(Departamento de Filosofia/UFRN) 
 
 
Resumo: Este trabalho explora alguns dos eixos teóricos envolvidos na relação estética 
e semiótica no contexto do cinema e da literatura, na intenção de examinar a tradução e 
releitura cinematográficas de obras literárias. Recorro a cineastas e teóricos do cinema 
variados para o apoio conceitual e, a título de exemplo, ofereço um breve comentário 
comparativo entre o romance Cidade de Deus (LINS, 2002) e o filme Cidade de Deus 
(Fernando Meirelles, 2002). Por fim, ressalto a importância da renovação contínua nas 
relações entre as linguagens cinematográfica e literária e os desafios envolvidos na 
tarefa de tradução e releitura de textos literários para o cinema. 
 
Palavras-chave: teoria do cinema, literatura comparada, história do cinema 
 
I 
 
Existem pelo menos duas maneiras de examinar as relações entre cinema e 
literatura. A primeira delas diz respeito às duas formas enquanto linguagens, dotadas de 
códigos, convenções e sintaxes que lhe são próprias. Os problemas investigados 
abrangem desde as mútuas contribuições que ambas prestam (a transformação nos 
padrões narrativos, por exemplo) até os processos de tradução e releitura de obras 
literárias para o cinema. A segunda, por sua vez, tem a ver com as possibilidades 
estéticas na transposição do discurso verbal para o imagético, incluindo aí os 
procedimentos estilísticos adotados pelos cineastas e a literatura como recurso de 
inspiração e criação cinematográfica. 
Nesse contexto, a tarefa principal deste texto é oferecer um breve panorama 
dos interlúdios entre literatura e cinema, privilegiando o ponto de vista de cineastas e 
teóricos do cinema e enfatizando os aspectos estéticos (II). Com base neles, exponho 
uma reflexão sobre a tradução de uma obra literária para o cinema (III): Cidade de 
Deus, romance de Paulo Lins para o filme homônimo de Fernando Meirelles. 
 
II 
 
Diversos cineastas se ocuparam em refletir sobre o que envolve as relações 
entre a palavra literária e a imagem cinematográfica. Sergei Eisenstein, membro da 
escola soviética, por exemplo, começou a se envolver com o cinema na revista LEF2, 
para a qual escreveu o manifesto Montagem de atrações, no qual expõe sua teoria da 
montagem de forma sucinta. De acordo com Eisenstein, a montagem de atrações 
 
1 Graduando em filosofia (bacharelado) e bolsista PIBIC sob orientação da Profa. Dra. Maria Helena 
Braga e Vaz da Costa (DEART/UFRN). E-mail: lazaras.ufrn@gmail.com 
2 “Levyi Front Iskusstv”, ou “Frente Esquerdista das Artes”, foi uma associação de artistas na União 
Soviética que existiu em duas fases: de 1923 a 1925 como LEF, e de 1927 a 1929 como Novyi LEF (Nova 
Frente Esquerdista das Artes). Foi fundada por Osip Brik e Vladimir Maiakóvski, o qual dirigiu e editou a 
revista da associação nos dois períodos mencionados. 
consiste na montagem de “ações (atrações) arbitrariamente escolhidas e independentes 
(também exteriores à composição e ao enredo vivido pelos atores), porém com o 
objetivo preciso de atingir um certo efeito temático final” (EISENSTEIN, 2003a:191). 
Eisenstein se preocupou também com a literatura. Analisando a adaptação 
para o cinema do romance Uma Tragédia Americana, lamentou as escolhas feitas pelo 
estúdio Paramount, alegando que elas retiraram o conteúdo trágico da trama original 
(EISENSTEIN, 2003b); Além disso, foram excluídos da versão definitiva cenas nas 
quais tenha sido empregado o recurso do monólogo interior3. Já em um texto da 
maturidade, sua concepção de montagem foi ampliada de forma a abarcar artes tão 
distintas quanto o cinema, a música, a pintura e a poesia; Eisenstein defendia que, a 
despeito dos elementos formais inerentes a cada uma delas, a montagem se sobressaía 
como instrumento organizador. Para exemplificar seus argumentos, o cineasta esboçou 
adaptações de algumas estrofes de poemas (de Púchkin a Blake), apontando como os 
versos poderiam ser transformados em planos cinematográficos (EISENSTEIN, 1990). 
Outros cineastas se ocuparam das relações entre cinema e literatura, 
buscando conciliar o poder estético da película e a apropriação (ou mesmo 
aproximação) de elementos poéticos do romance, do conto e do poema. Jean Epstein, 
por exemplo, acentuou a proximidade entre a literatura moderna e o cinema. O cineasta 
francês defendeu superposição de estéticas literárias e cinemáticas como prerrogativa 
para sua sobrevivência mútua, elencando sete aspectos. Dentre eles se destacam a 
estética de sugestão – “Não se conta mais nada, indica-se. O que permite o prazer de 
uma descoberta e de uma construção” (EPSTEIN, 2003:271) –, rejeitando assim a 
narrativa linear e de compreensão fácil; e a estética momentânea, ancorando a produção 
do romance e do filme no tempo e evitando metáforas de eternidade: “Sempre a escrita 
envelhece, mais ou menos rapidamente. A escrita atual envelhecerá muito depressa. (...) 
O filme, como a literatura contemporânea, acelera metamorfoses instáveis” (EPSTEIN, 
2003:274-275). 
Pier Paolo Pasolini escreveu sobre o cinema de poesia, ancorado no discurso 
indireto livre. Discurso indireto livre, lembra Pasolini, é “a imersão do autor no âmago 
de seu personagem e, por conseguinte, a apropriação, por parte do autor, não somente da 
psicologia de seu personagem mas também de sua língua”4. Distingue-se do monólogo 
interior por este representar os pensamentos e tensões interiores na consciência do 
personagem; o discurso indireto livre funde a narrativa direta com os discursos 
interiores do personagem, borrando as fronteiras entre narrativa e narrador. Na tela do 
cinema, o discurso indireto livre corresponde à câmera subjetiva indireta livre, na qual 
um personagem narra a história. Tal procedimento, no entanto, é de ordem estilística e 
não lingüística, dada a ausência de uma linguagem cinematográfica equivalente à 
linguagem verbal humana. O escritor, empregando o discurso indireto livre, deve ter 
consciência das diversas variações sociais de sua língua. No entanto, o cineasta não 
pode fazer o mesmo porque, para Pasolini, não há uma língua institucional 
cinematográfica; ou, ao contrário, existem várias, condicionadas à escolha individual de 
cada cineasta, que elabora um vocabulário particular. Contudo, 
 
3 O monólogo interior ficou famoso no mundo literário por escritores como James Joyce (que o próprio 
Eisenstein conheceu e com o qual debateu algumas de suas idéias). Eisenstein afirmou, aliás, que o 
emprego do monólogo interior no cinema teria mais efeitos estéticos em um filme do que na literatura 
(ibidem). 
4 “la inmersión del autor en el ánimo de su personaje, y por consiguiente la adopción, por parte del autor, 
no sólo de la psicologíade su personaje, sino también de su lengua” (PASOLINI e ROHMER, 1970:23). 
incluso com tal vocabulario, la lengua es forzosamente interdialectal e 
internacional: porque los ojos son iguales en todo el mundo. No se 
pueden tomar en consideración, porque no existen lenguas especiales, 
sublenguajes, jergas; diferenciaciones sociales, em pocas palabras. O 
si existen, como luego en realidad existen, están absolutamente fuera 
de cualquier posibilidad de catalogación y empleo (PASOLINI e 
ROHMER, 1970:27)5. 
 
Por fim, gostaria de examinar algumas contribuições dadas ao tema por 
teóricos associados à Nouvelle Vague, nos exemplos de Alexandre Astruc e André 
Bazin. Astruc cunhou o termo câmera-caneta, a fim de repensar o modo como o cinema 
conta histórias e faz os atores representarem. Assim como a caneta está para o escritor, 
como instrumento-símbolo da articulação da linguagem humana e organizadora da 
realidade na obra literária, também a câmera, manipulada e/ou orientada pelo diretor, 
organiza e registra essa mesma realidade com os elementos da linguagem 
cinematográfica, conferindo a seus filmes uma marca pessoal,um estilo particular 
(AUMONT, 2004:83-84). Não se trata de reduzir a linguagem cinematográfica à 
literária, mas de redimensionar a figura do diretor como um artista singular, capaz de 
deixar marcas estilísticas e ser reconhecido por seu uso. 
Bazin, que exerceu forte influência sobre os cineastas da Nouvelle Vague, 
advogava pela existência de um cinema impuro, construído a partir da contribuição de 
outras linguagens artísticas. Não que qualquer fusão seja válida, mas é importante 
considerar as apropriações frutíferas realizadas pelo cinema a partir do teatro e da 
literatura. Ora, as adaptações são “uma constante na história da arte” (BAZIN, 
1991:84); o que distingue o cinema em relação ao teatro e à literatura, por exemplo, da 
pintura renascentista em relação à escultura gótica é a conjuntura técnica e sociológica 
na qual surgiram. No que concerne ao problema da fidelidade, Bazin observa que o 
desafio do cineasta não é transpor a estrutura do romance para o filme, e sim oferecer 
soluções criativas e inventivas. Além disso, ele afirma: 
 
Considerar a adaptação de romances como um exercício preguiçoso 
com o qual o verdadeiro cinema, o “cinema puro”, não teria nada a 
ganhar, é, portanto, um contra-senso crítico desmentido por todas as 
adaptações de valor. São aqueles que menos se preocupam com a 
fidelidade em nome de pretensas exigências da tela que traem a um só 
tempo a literatura e o cinema (BAZIN, 1991:969). 
 
Antes de passar à discussão comparativa entre o romance de Paulo Lins e 
sua tradução cinematográfica, gostaria de encerrar esta seção com um dos desafios 
enfrentados pelos cineastas ao transporem o texto para a imagem. Explicitando o 
problema da tradução de Estação Carandiru (da autoria de Drauzio Varella) para as 
telas do cinema, o crítico de cinema José Carlos Avellar colocou as seguintes questões: 
“Como contar uma história que, pela extensão, pelo tema, pelo fato de ter sido 
organizada para se dar a ver em palavras e só em palavras, parece não caber num filme? 
Cortar para contar?” (AVELLAR, 2007:167) 
 
5 “mesmo com tal vocabulário, a língua é interdialetal e internacional: porque os olhos são iguais em todo 
o mundo. Não podem ser levadas em consideração, porque não existem línguas especiais, sublínguas, 
jargões; em poucas palavras, diferenciações sociais. Ou se existem, como o são de fato na realidade, estão 
absolutamente fora de qualquer possibilidade de catalogação e uso” (tradução minha). 
 
III 
 
Cidade de Deus, o aclamado (e polêmico) filme de Fernando Meirelles 
adaptado do romance homônimo, provocou debates acalorados a partir de sua recepção 
nos cinemas brasileiros e internacionais. O recorte temporal da trama se estende desde a 
criação de Cidade de Deus na década de 60 pelo então governador Carlos Lacerda até a 
guerra sangrenta entre os traficantes Zé Pequeno (Leandro Firmino da Hora) e Sandro 
Cenoura6 (Matheus Nachtergaele) na década de 80. 
O roteiro de Braulio Mantovani enxuga a narrativa literária de Paulo Lins, 
fazendo com que três grandes narrativas sejam fundidas em uma só, contada por um dos 
personagens, o fotógrafo Buscapé (Alexandre Rodrigues). Porém, tanto no texto 
literário quanto no filme, percebemos o recurso ao discurso indireto livre; enquanto no 
romance o narrador (que não é nenhum dos personagens do romance) se apropria do 
linguajar e pensamentos dos personagens quando conta a história, Buscapé oscila 
continuamente no filme na qualidade de sujeito e objeto do relato que narra. Não 
teríamos aqui um emprego – ainda que acelerado – do cinema de poesia e do discurso 
indireto livre preconizado por Pasolini? Mais ainda: não estaria Mantovani respondendo 
afirmativamente à pergunta formulada acima por Avellar, escolhendo que partes do 
texto do romance seriam organizadas em um roteiro e eventualmente decupadas? 
Muitos estudiosos observaram as nuances neo-realistas em Cidade de Deus. 
De fato, são poucos os atores profissionais no elenco; a quase totalidade deles foi 
recrutada entre os moradores do bairro, tendo oficinas de treinamento de atores com a 
preparadora Fátima Toledo, que já atuou com preparação de elenco em outros filmes 
como Pixote, de Hector Babenco e Central do Brasil, de Walter Salles. A maior parte 
do filme foi rodada em locações externas, na própria Cidade de Deus e nos conjuntos 
Cidade Alta, construído também na década de 60, e Nova Sepetiba, de origem recente, 
mas com aspectos semelhantes aos de Cidade de Deus em seus primórdios. 
Por outro lado, a repercussão do filme atraiu uma saraivada de críticas. A 
pesquisadora Ivana Bentes escreveu um texto aludindo à “cosmética da fome” na obra 
de Fernando Meirelles, contrapondo-a à estética da fome idealizada pelo cineasta 
Glauber Rocha na época do Cinema Novo. De fato, a fotografia exibe uma Cidade de 
Deus ora vertiginosa, ora “real”. E aí a fronteira entre o “real” e o espetáculo é pouco 
delineada. Por um lado, quase não há referências visuais a outros bairros cariocas: “A 
favela é mostrada de forma totalmente isolada do resto da cidade, como um território 
autônomo” (BENTES, 2002, p. de internet). Por outro lado, a película exibe um 
ambiente de “espetáculo consumível”, aumentando o distanciamento em relação à 
paisagem descrita pelo romance (ibidem). 
A problemática do real no cinema é um dos pontos mais controversos entre 
os estudiosos do cinema. A montagem, o roteiro, o olhar da câmera – tudo isso (além do 
contexto social e cultural em que o filme é rodado) produz efeitos diversos nos 
espectadores. A experiência subjetiva dos espectadores em geral diante da tela (e da 
realidade que o filme se propõe retratar), no que concerne tanto à verossimilhança 
quanto aos processos de identificação com os personagens e o espaço construído nos 
filmes, se tornou particularmente fluida nas últimas décadas. O diretor de fotografia de 
 
6 A trama de Cidade de Deus, como se sabe, foi baseada em fatos reais. No entanto, todas as alusões a 
personagens aqui levarão em conta seus nomes conforme o romance. 
Cidade de Deus, César Charlone, demonstrou a preocupação com a filmagem nos 
seguintes termos: 
o maior desafio era sem dúvida tentar achar uma linguagem 
cinematográfica: de câmera e luz que mostrasse sem "enfeitar", sem 
"afetar", sem se deter a explorar, como se o Paulo Lins operasse a 
câmera e se detivesse igualmente num cachorro comendo lixo na rua 
ou numa criança levando um tiro de fuzil (CHARLONE, s.d., p. de 
internet). 
 
Ou seja, temos aí um descompasso entre a intenção do diretor e sua equipe e 
a recepção do filme pelo público e pela crítica especializada (ao menos uma parte 
deles): enquanto houve uma intenção, por parte de Charlone, de recuperar a atmosfera 
narrativa do romance de Paulo Lins, Bentes apontou o caráter espetacular no filme 
como um defeito sério a tolher a compreensão dos problemas sociais que a comunidade 
enfrenta. Temos aqui o rastro da crítica eisensteiniana (quanto à adaptação de Uma 
Tragédia Americana): Cidade de Deus, segundo Bentes, pecou pela estética adotada – 
notável pela edição do filme em tomadas velozes e pelo jogo de cores nas imagens, por 
exemplo. Essas escolhas estéticas teriam reflexo, por sua vez, nos desdobramentos 
ideológicos a partir da recepção do filme; em vez da história dos desafios enfrentados 
pelos moradores em prol da emancipação social, foi levado aos cinemas numa 
“narrativa de bangue-bangue” gratuito. 
Em seu artigo, Layo de Carvalho discute a chamada estética publicitária. 
Referindo-se ao cinema como uma arte “antropofágica”, ele afirma a tendência à 
apropriação, nas últimas décadas, de elementos das linguagens publicitária e do 
videoclipe na concepção de diversos filmes (entre os quais o próprio Cidade de Deus), 
assim como cineastas oriundos da área de publicidade, a exemplo de Fernando 
Meirelles e Walter Salles. Apesar de considerar o termo reducionista (a ponto de estar 
na origemde análises como a de Ivana Bentes, que pontuei brevemente acima), 
Carvalho situa a estética publicitária no contexto da pós-modernidade cultural, a qual 
possui, entre outras características, o cruzamento de diversos estilos e linguagens. 
Uma das marcas da estética publicitária está, para o autor, na montagem: 
“Dentro da própria divisão da tela há uma continuidade de ritmo de narrativa que não 
estava presente no passado.” (CARVALHO, 2003, p. de internet). Ora, não teríamos 
nessa estética, e no contexto pós-moderno que lhe é caro, a confirmação do diagnóstico 
de Epstein acerca da estética momentânea? O aceleramento das imagens propiciado pela 
montagem de Cidade de Deus não daria prova dessa efemeridade imagética? É bem 
provável que o novo cause um choque, aguardando por ser incorporado pelo público, 
mas ao que parece essa estética do instante se adapta bem ao espectador contemporâneo 
(ibidem) – e talvez aí resida uma das razões para o sucesso de bilheteria de Cidade de 
Deus e a atenção dos estudiosos. 
 
IV 
 
A afirmação da sétima arte enquanto tal não foi imediata. Em parte, isso se 
deve à relação que mantém com outras linguagens artísticas; não poucas vezes o cinema 
foi acusado de imitar pura e simplesmente o teatro e a literatura, apenas para mencionar 
um fato. Além disso, as dissensões entre as vanguardas cinematográficas também 
acirraram os debates em torno de como as apropriações e traduções da palavra escrita 
para a imagem fílmica deveriam ser executadas – sem mencionar a diversidade de 
estratégias empregadas pelos cineastas na época pós-moderna. Não é sem razão que 
filmes como Cidade de Deus são objetos de perspectivas tão discrepantes. A tradução 
de Meirelles se situa em uma conjuntura técnica e sociológica bastante diversa daquela 
em que Bazin produziu suas idéias e orientou os cineastas da Nouvelle Vague; os 
recursos e escolhas de que o cineasta se valeu multiplicam e extrapolam as 
possibilidades imaginadas e/ou disponíveis por diretores de épocas ou vertentes 
diferentes. 
Seja qual for o ponto de partida, podemos perceber nas diversas teorias do 
cinema a busca pelo filme enquanto singularidade, assim como o próprio fazer fílmico 
(desde a concepção do roteiro até a distribuição e exibição do produto final). Não a 
mera cópia, mas o reconhecimento, por parte do público, do talento do diretor em 
coordenar os esforços para a construção de uma obra tão aprazível quanto o texto 
literário em que se baseou. Avellar declarou que “a arte cria uma ordem própria, não 
copia a aparência exterior da natureza, determina que aparência representa o quê. (...)” 
(AVELLAR, 2007:32). Da mesma forma, o cinema não se limita a copiar a literatura, e 
vice-versa. 
Para finalizar: “(...) a relação entre a literatura e o cinema (como qualquer 
relação viva entre duas formas vivas de arte) só se realiza quando uma estimula e 
desafia a outra a se fazer por si própria” (AVELLAR, 2007:54). Essa relação agonística 
entre palavra e imagem cinematográfica (incluindo aí a imagem e o som) é inevitável e 
inesgotável; a tradução de Cidade de Deus empreendida por Meirelles é um dentre 
inúmeros exemplos de como se dá esse embate. Está sujeita às contingências históricas, 
sociais, culturais, geográficas de cada sociedade; depende do poder criativo de diretores, 
roteiristas, produtores e escritores, assim como do engajamento dos espectadores, pois 
estes é que, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde, permitem àqueles granjearem ou 
não os louros de seu trabalho. 
 
REFERÊNCIAS: 
 
AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: 
Papirus, 2004. 
Autor não identificado. Notas da produção – Cidade de Deus. Disponível em: 
<http://www.webcine.com.br/notaspro/npcideus.htm> Acesso em: 04 jun 2010. 
AVELLAR, J. C. O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil. Rio de Janeiro: 
Rocco, 2007. 
BAZIN, André. Por um cinema impuro: defesa da adaptação. In: BAZIN, André. O 
cinema: ensaios. Trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 82-
104. 
BENTES, Ivana. Cidade de Deus promove turismo no Inferno. O Estado de São Paulo, 
São Paulo, 31 ago 2002. Disponível em: 
<http://www.consciencia.net/2003/08/09/ivana.html> Acesso: 23 jun 2010. 
CHARLONE, C. Cidade de Deus – O Filme. Disponível em: 
<http://cidadededeus.globo.com/> Acesso: 04 jun 2010. 
CARVALHO, L. F. B. Estética publicitária e linguagem cinematográfica: uma análise 
imagética e pós-moderna de Cidade de Deus. Ciberlegenda, Niterói, ano 6, v. 6, n. 12, 
2003. Disponível em: <http://www.uff.br/mestcii/layo1.htm> Acesso: 06 set 2010. 
EISENSTEIN, Sergei M. Montagem de atrações. In: XAVIER, Ismail (org.) A 
experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 2003a, p. 187-198. 
_____________________. Da literatura ao cinema: Uma tragédia americana. In: 
XAVIER, Ismail (org.) A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 2003b, p. 203-
215. 
_____________________. Palavra e imagem. In: _____________________. Trad. 
Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 13-47. 
EPSTEIN, Jean. O cinema e as letras modernas. In: XAVIER, Ismail (org.) A 
experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 2003. 
LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
PASOLINI, Pier Paolo e ROHMER, Éric. Cine de poesia contra cine de prosa. Trad. 
Joaquín Jordá. Barcelona: Anagrama, 1970. 
 
FILMOGRAFIA: 
 
CIDADE DE DEUS. Direção: Fernando Meirelles. Produção: O2 Filmes e 
VideoFilmes. Imagem Filmes, 2002, 130 min.

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