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Diversidadesexualexperiencias-Melo-2022

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Prévia do material em texto

i 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte 
 Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
 
 
DIVERSIDADE SEXUAL E EXPERIÊNCIAS URBANAS: 
UM ESTUDO NA CIDADE DO NATAL/RN 
 
 
Higor Gonçalves de Melo 
 
 
 
 
Natal 
2022 
ii 
 
Higor Gonçalves de Melo 
 
 
 
 
 
DIVERSIDADE SEXUAL E EXPERIÊNCIAS URBANAS: 
UM ESTUDO NA CIDADE DO NATAL/RN 
 
 
Dissertação elaborada sob a orientação da Profª. Drª Candida 
Dantas e sob a coorientação da Profª. Drª Raquel Farias Diniz e 
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito 
parcial para a obtenção do título de mestre. 
 
 
 
Natal 
2022 
iii 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes – CCHLA 
 
 Melo, Higor Gonçalves de. 
 Diversidade sexual e experiências urbanas : um estudo na 
cidade do Natal/RN / Higor Gonçalves de Melo. - Natal, 2022. 
 178 f.: il. color. 
 
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras 
e Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022. 
 Orientadora: Profa. Dra. Candida Maria Bezerra Dantas. 
 Coorientadora: Profa. Dra. Raquel Farias Diniz. 
 
 
 1. Sexualidade - Dissertação. 2. Território - Dissertação. 3. 
Performatividade - Dissertação. I. Dantas, Candida Maria 
Bezerra. II. Diniz, Raquel Farias. III. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9-055.3 
 
 
 
 
 Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
iv 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
Dissertação elaborada sob a orientação da Profª. Drª. Candida Dantas e sob a coorientação da 
Profª. Drª. Raquel Farias Diniz e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título 
de mestre. 
Natal, RN, 03 de Novembro de 2022. 
BANCA EXAMINADORA 
Prof.ª. Drª. Candida Maria Bezerra Dantas (presidente) 
Prof.ª. Drª Raquel Farias Diniz 
Profª. Drª Juliana Perucchi 
Prof. Dr. Tadeu Farias 
 
 
 
v 
 
Lista de Figuras 
 
Figura 1. Praça da Mits. Fonte: Oliveira (2016, p. 24). 
Figura 2. Mapa da cidade do Natal, Rio Grande do Norte, divido por zonas e por bairros 
(Mendes, 2021). 
Figura 3. Print da página da página da pesquisa no Instagram. 
Figura 4. Pessoas respondendo o questionário impresso no Centro de Cidadania LGBT de 
Natal. 
Figura 5. Imagem de divulgação da pesquisa nas redes sociais 1. 
Figura 6. Imagem de divulgação da pesquisa nas redes sociais 2. 
Figura 7. Panfleto para divulgação física e presencial. 
Figura 8. Identidade de raça/cor das pessoas participantes. 
Figura 9. Nível de escolaridade das pessoas participantes. 
Figura 10. Ocupação das pessoas participantes. 
Figura 11. Moradia das pessoas participantes por zona da cidade. 
Figura 12. Sexualidade das pessoas participantes. 
Figura 13. O quanto as pessoas participantes se sentem à vontade para se expressar sua 
identidade LGBTQIAP+ para outras pessoas 
Figura 14. Pessoas diversas socializando em ambiente aberto (Opção 1). 
Figura 15. Bar noturno, cerveja e bandeira do orgulho LGBTQIAPN+ (Opção 2). 
Figura 16. Bar fechado com pessoas sentadas (Opção 3). 
Figura 17. Bar com pessoas sentadas e em pé (Opção 3). 
Figura 18. Lugares que as pessoas não gostariam de frequentar 1. 
Figura 19. Lugares que as pessoas não gostariam de frequentar 2. 
Figura 20. Praia com poucas pessoas (Opção 1). 
Figura 21. Praia com bandeira LGBTQIAPN+ (Opção 2). 
Figura 22. Praia urbana com poucas pessoas (Opção 3). 
Figura 23. Praia urbana com muitas pessoas (Opção 4). 
Figura 24. Lugares que as pessoas gostariam de frequentar 2. 
Figura 25. Lugares que as pessoas não gostariam de frequentar 2. 
Figura 26. Importância de elementos para frequentar os lugares de socialização na cidade. 
Figura 27. Vivencias ou sentimentos nos espaços da cidade. 
Figura 28. Quais lugares deixaram de frequentar por reconhecerem a identidade 
LGBTQIAPN+. 
vi 
 
Figura 29. Meios de locomoção utilizados. 
Figura 30. Sensação de segurança ao utilizar os meios de locomoção. 
Figura 31. Preferência ou não por espaços com presença majoritária de pessoas 
LGBTQIAPN+. 
Figura 32. Dias da semana em que frequenta espaço para encontrar com outras pessoas 
LGBTQIAP+. 
Figura 33. Horários em que frequenta espaço para encontrar com outras pessoas 
LGBTQIAP+ 
Figura 34. Lugares que se sente à vontade de frequentar sendo LGBTQIAP+. 
Figura 35. Os espaços acolhedores à comunidade LGBTQIAP+ tem aumentado ou 
diminuído? 
Figura 36. Percepção acerca do encontro de pessoas LGBTQIAP+, cidade e política. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
vii 
 
Agradecimentos 
Em tempos temorosos, como o qual esta pesquisa foi desenvolvida, é necessário um 
esforço extra para que consigamos angariar resultados satisfatório em qualquer labor a que nos 
empenhamos a realizar. Dentro de um contexto de distanciamento social, como consequência 
da pandemia de COVID-19, atrelado a um governo que violenta os corpos femininos, negros, 
LGBTQIAPN+, periféricos, dentre outros, assim como os diversos ataques à educação, saúde 
e populações precarizadas, se fazem necessárias diversas estratégias de combate e de tuta para 
que consigamos chegar aos objetivos desejados. 
A conclusão do presente trabalho só foi possível a partir da criação de uma estratégia 
de união dos corpos e de lutas – mesmo que de forma não presencial –, de temores, de 
compartilhamento de sucessos e fracassos. Mas foi a possibilidade de estar “junto” de 
determinadas pessoas e inserido em alguns contextos institucionais específicos, que tornou 
possível o fechamento deste trabalho que foi, de fato, feito à muitas mãos. E a estas mãos que 
dedico este agradecimento. 
Primeiramente agradeço ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade 
do Rio Grande do Norte, como um todo, pela possibilidade de diálogo, de adaptação frente aos 
novos e antigos desafios. A capacidade de acolhimento, de escuta e da tentativa de resolução 
das demandas que nos foram diversas vezes impostas dentro do contexto supracitado. 
 Importante também é ressaltar a importância que foi fazer parte de dois grupos de 
pesquisa que foram essenciais para a construção deste trabalho: Modos de Subjetivação, 
Políticas Públicas e Contextos de Vulnerabilidade e o Observatório de Psicologia Ambiental 
Latino-Americano. Nestes espaços encontrei acolhimento, orientação, conselhos e sempre 
viii 
 
alguém com quem conversar para falar sobre os avanços e as dificuldades encontradas no 
caminho. 
Algumas pessoas também se fizeram essenciais para construir o caminho que levou ao 
final da realização deste mestrado. Ana Clara Santos, que sempre me foi muito solícita sempre 
que eu precisava de alguma ajuda com as normas APA. Lusiana Palma, a quem me foi um 
ouvido sempre atento. Franciele Santos, a quem tanto estimo pela competência, pelos 
comentários generosos e pela amizade. Victor Hugo Belarmino, que sempre respondeu aos 
meus pedidos de socorro. Jáder Leite, por estar sempre disponível a ajudar, pela troca de 
conversas e pela amizade construída e quem eu tanto admiro. 
Também vale ressaltar a importância de Maria Isabel Mariz, Daniel Miranda e Maria 
Emanuelly Martins. Gratidão por todas as vezes que pararam suas atividades para me ajudar, 
pelas tantas vezes que me ouviram dizer que não sabia qual caminho seguir e, principalmente, 
pelos valiosos e indispensáveis conselhos que me foram dados e que, sem estes, este trabalho 
não teria sido possível. 
Agradeçotambém imensamente à Thatiane Mendes pelo seu empenho e seu talento, em 
forma de arte e de amor, que fez com que este trabalho chegasse a mais pessoas, que fez chamar 
atenção e que com sua delicadeza e olhar astuto engrandeceu em muito e em todos os aspectos, 
esta dissertação. 
Por fim as mais importantes, minhas orientadoras, Candida Dantas e Raquel Diniz. Uma 
parceria que eu sabia, desde o começo, que iria dar certo. Raquel com seu olhar, sua perspicácia, 
seu pensamento prático, seu domínio do conhecimento, seu amor pela pesquisa. Candida, por 
ix 
 
sua vez, não fica atrás, e traz consigo uma forma de ver o mundo, uma habilidade teórica e uma 
capacidade de visualizar os melhores caminhos possíveis para este trabalho. 
Mas vale salientar que o que eu já citei sobre as minhas orientadoras é muito pouco, a 
orientação foi para muito além da vida acadêmica. Foram ouvidos solícitos, ombros para chorar, 
foram ajuda quando se fez necessário. E, para mim, forjamos uma relação de confiança, de afeto 
x 
 
mútuo e de muita compreensão. Não poderia ter escolhido, ou ser escolhido, diferente do que 
foi e por estes motivos sou mais que grato. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xi 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Lista de Figuras........................................................................................................................iii 
Agradecimentos........................................................................................................................v 
Resumo....................................................................................................................................................vii 
Abstract ...................................................................................................................................................vii 
1. Introdução ........................................................................................................................................ 9 
2. Territorialidade e sexualidade ....................................................................................................... 25 
2.1 Uma leitura da Carta Mundial do Direito à Cidade...................................................................... 45 
3. Percurso metodológico .................................................................................................................. 50 
3.1 Construção da ferramenta de pesquisa ..................................................................................... 66 
4. Resultados, análises e discussões .................................................................................................. 69 
4.1 Se sentir LGBTQIAPN+ na cidade ................................................................................................. 75 
4.2 Experiências LGBTQIAPN+ na cidade ........................................................................................... 98 
4.3 – Território, política e sexualidade ............................................................................................ 109 
5. Considerações Finais .................................................................................................................... 117 
ANEXOS ................................................................................................................................................ 132 
 
 
vii 
 
Resumo 
 
Nós, pessoas LGBTQIAPN+, passamos por diversos tipos de violências e mortes nas nossas 
experiências de vida, muitas vezes mesmo antes de reconhecermos as nossas sexualidades. Seja 
em casa, no local de estudo, no trabalho ou nas ruas somos vítimas frequentes da 
LBTQIAPN+fobia e precisamos criar estratégias que promovam melhor qualidade de vida, 
liberdade e, principalmente, tornar nossa causa visível e garantir direitos para nossa 
comunidade. Considerando a rua como um dos lugares mais hostis para com as nossas vidas, 
há, portanto, a procura e disputa por espaços na cidade onde possam existir um reconhecimento 
com outras pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, sociabilização e também a criação de 
sensação de pertencimento, e que podem torna-se espaços de luta e resistência política. Desta 
forma, perguntamos: de quais modos a população LGBTQIAPN+, historicamente 
invisibilizada, tornam possíveis as múltiplas expressões e performatividades de gênero e 
sexualidade dentro de um determinado contexto urbano? O objetivo geral deste trabalho é 
analisar as experiências de pessoas LGBTQIAPN+ no que se refere aos modos como 
(re)transformam espaços da cidade tornando-os possíveis de suas múltiplas expressões de 
gênero e sexualidade. Já os objetivos específicos consistem em: 1. Explorar a 
socioespacialidade que envolve a experiência das pessoas LGBTQIAPN+ na criação, ocupação, 
invenção e manutenção dos espaços na cidade; e 2. Analisar a performatividade das pessoas 
LGBTQIAPN+ nos espaços da cidade em busca de visibilização, reconhecimento e valorização 
dos seus corpos. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário virtual 
autoaplicado, amplamente divulgado nas redes sociais, em que pessoas da comunidade 
LGBTQIAPN+, maiores de 18 anos e moradoras de Natal, Rio Grande do Norte, foram 
convidadas a participar. Os resultados apontam que, mesmo com a diversidade existente dentro 
da comunidade LGBTQIAPN+, nossos corpos compartilham vários sentimentos no que diz 
respeito ao performar nossa identidade de gênero e sexualidade na cidade, como a busca por 
espaços de sociabilidade que sejam seguros e que promovam algum acolhimento aos corpos 
LGBTQIAPN+ que habitam na cidade, identificação de elementos que se destaquem no espaço 
ocupado para que desta forma as pessoas o reconheçam e sejam reconhecidas dentro da 
comunidade e especificidades para rejeição de determinados espaços da cidade, por exemplo. 
Os dados apontam também que os espaços de socialização LGBTQIAPN+ foram cooptados 
pela lógica de mercado e, sendo assim onde, a priori, eram para serem espaços de inclusão, 
dado o marcador de identidade de gênero e sexualidade compartilhadas, os espaços também se 
tornam excludentes por fatores como raça, classe social, local de moradia, dentre outros que, 
quando interseccionalizados operam na possibilidade, ou não, no acesso aos espaços da cidade. 
Por fim, os resultados mostram que as performatividades LGBTQIAPN+ exercidas na cidade 
podem provocar rupturas no padrão da norma cisheteronormativa e, deste modo, tornar a cidade 
um lugar efetivamente para todas as pessoas, fazendo com que o performar LGBTQIAPN+ seja 
transformador e, portanto, político do e no espaço urbano. 
Palavras-chave: sexualidade, território, performatividade. 
 
 
 
Abstract 
 
viii 
 
We, from the LGBTQIAPN+ community, go through many types of violence and death during 
our life experience, and very often, even before we get to recognize our sexuality. Whether it 
is at home, school, place of work or on the streets, we are frequent victim of LBTQIAPN+fobia 
and we need to create strategies that promotes quality of life, freedom and mainly, make our 
cause visible and guarantee rights for our community. Considering the street as one of the most 
hostile places towards our lives, there is, therefore, a search and dispute for spaces in the city 
where there can be recognition with other people from the LGBTQIAPN+ community, 
socialization and also the creation of a sense of belonging, and that can become spaces of fight 
and political resistance. In this way, we ask: in what ways does the LGBTQIAPN+ community, 
historically made invisible, make possible the multiple expressions and gender performativities 
and sexuality within a given urban context? The main objective of this work is to analyze the 
experiences of LGBTQIAPN+ people in regard to the ways in which they (re)transform spaces 
in the city, making them possible for their multiple expressions of gender and sexuality. The 
specific objectives consist of: 1. Exploringthe socio-spatiality that involves the experience of 
LGBTQIAPN+ people in the creation, occupation, invention and maintenance of spaces in the 
city; and 2. To analyze the performativity of LGBTQIAPN+ people in the spaces of the city in 
search of visibility, recognition and appreciation of their bodies. The data collection was 
realized by a self-applied virtual questionnaire, widely disseminated on social midia, in which 
people from the LGBTQIAPN+ community, over 18 years of age and residents of Natal, Rio 
Grande do Norte, were invited to participate. The results show that, even with the diversity that 
exists inside the LGBTQIAPN+ community, our bodies share several feelings in regard to 
performing our gender identity and sexuality in the city, such as the search for spaces of 
sociability that are safe and that promote some welcoming to LGBTQIAPN+ bodies that inhabit 
the city, identification of elements that stand out in the occupied space so that people recognize 
it and be recognized within the community and specificities for rejection of certain spaces in 
the city, for example. The data also point out that the LGBTQIAPN+ socialization spaces were 
co-opted by the market logic and, therefore, where, before, they were supposed to be spaces of 
inclusion, given the marker of shared gender identity and sexuality, the spaces also become 
excluding because of factors such as race, social class, place of residence, among others that, 
when intersectionalized, operate on the possibility, or not, of access to city spaces. Finally, the 
results show that the LGBTQIAPN+ performativities carried out in the city can cause ruptures 
in the standard of the cisheteronormative norm and, in this way, make the city an effective place 
for all people, making the LGBTQIAPN+ perform transformative and, therefore, political. of 
and in urban space. 
Keywords: sexuality, territory, performativities. 
 
 
 
9 
 
1. Introdução 
 
Eu, filho de pai pastor e mãe sapatão, como “criança viada” e depois como adolescente 
morador da cidade de Goianinha, interior do estado brasileiro do Rio Grande do Norte, com 
trejeitos que indicavam minha sexualidade – desde uma perspectiva normativa –, sempre passei 
por diversos tipos de constrangimentos e agressões verbais, físicas e psicológicas. Os espaços 
públicos da cidade onde cresci, a minha casa e a escola sempre foram palcos para tais opressões. 
Logo no início da adolescência, passei por diversos grupos de amigos sempre naquela 
busca por trocas identitárias. Tinha o grupo da igreja, da lan house, o grupo da galera que ouvia 
rock, o grupo de amigos da rua e proximidades, entre outros. Porém, percebi que na escola 
existia um grupo que me chamou atenção, tinha em comum comigo as questões sobre nossa 
sexualidade, fenômeno que eu não tinha encontrado nos outros espaços em que circulava. Vi 
que estas pessoas que se reuniam, existiam e resistiam, mesmo indo contra o bullying de outras 
pessoas no contexto da escola estadual que eu estudava1. Sem a capacitação necessária das 
pessoas do corpo docente das escolas para lidar com as diversas identidades de gêneros e 
sexualidades, a escola termina por ser uma instituição reprodutora das normas de gênero e 
sexualidade cis, normativa e heterossexual, fazendo com que os preconceitos e violências 
atravessem diretamente as relações escolares, de modo a invisibilizar e naturalizar tais situações 
(Perucchi & Correa, 2013). 
Hoje eu percebo que este grupo, ao qual logo me uni, tinha um lugar para interagir entre 
si durante o intervalo: era sempre o lugar mais escuro e afastado das outras pessoas no pequeno 
pátio que a escola possuía, podendo naquele pequeno e não tão reservado espaço nos expressar 
de forma mais livre, conversávamos sobre os afetos, trocávamos letras de músicas escritas à 
 
1 Ao longo deste trabalho será adotada uma linguagem não binária com a finalidade de se alcançar uma maior 
representatividade entre toda a comunidade LGBTQIAPN+. Assim como também para não excluir pessoas com 
deficiência que precisam de softwares específicos para o auxílio na leitura do texto, evitaremos o uso de @, X, 
dentre outras estratégias Para mais informações, conferir Jesus (2014) e Endeavor Brasil (2022, 25 de maio). 
10 
 
mão em um caderno improvisado de folhas de ofício, ríamos e discutíamos. Estabelecíamos ali 
uma rede de apoio contra as imposições que nos eram colocadas, criamos um espaço onde 
podíamos ser o que somos, o que desejávamos, ou simplesmente, das pessoas que gostavam de 
estar entre nós. 
Pouco tempo depois, algumas das pessoas que compuseram este grupo, inclusive eu, 
com o acréscimo de mais algumas, passamos a nos reunir à noite em um lugar estratégico: em 
um bairro próximo ao centro da cidade, porém pouco movimentado, uma rua com pouca luz e 
sob a copa de uma árvore onde nos tornávamos praticamente invisíveis. Este era um espaço de 
dança, de festa, de risada, de bebedeira, mas também de acolhimento, de fala, e algumas vezes 
se tornava palco de intrigas e/ou debates mais efusivos. 
Os bares da cidade logo também se tornaram ponto de encontro, mas nesses espaços 
existia uma diferença: nosso comportamento estava sujeito ao julgamento das outras pessoas 
presentes. O medo das pessoas da cidade “ficarem falado2”, de sofrer algum tipo de violência, 
das represálias pela família, assim como a necessidade que as pessoas responsáveis pelos 
estabelecimentos mantivessem “o respeito” daqueles espaços, dentro de uma norma moral que 
pode ser entendida como o conjunto de “regras, leis, normas, valores e motivações que 
governam o agir e a conduta humana” (Rezende, 2006, p. 5). Assim, estes espaços não 
perderiam seu status quo na cidade. 
Realizávamos, sem perceber e sem precisar nunca ser falado, um contrato social baseado 
na moral repressiva que exercia força naqueles tempos, meados da década de 2000, e que 
persiste até os dias atuais e, conforme Ribeiro (2017) – baseado em Rousseau – atuará nos dias 
futuros, para que pudéssemos frequentar determinados lugares, sem de fato existir nesses 
lugares, caso seguíssemos as regras determinadas por contratantes sociais incomunicáveis. 
 
2 Diz respeito aos comentários, fofocas, disseminação de notícias nem sempre verídicas acerca de uma determinada 
pessoa, com o intuito de inferiorização e vulgarização da imagem desta. 
 
11 
 
É importante deixar claro aqui que o seguimento destas regras não nos garantia nenhuma 
segurança. Muitas vezes éramos alvo de insultos, de piadas, de explorações, assédios e, no caso 
de tantas outras pessoas, de morte. Mas foi dentro deste contexto que tive coragem de falar 
abertamente sobre minha sexualidade com estas pessoas mais próximas, assim como outras 
pessoas amigas do grupo o fizeram, cada uma ao seu tempo. A relação de apoio social criou a 
possibilidade de “sair do armário” que, de acordo Sedgwick (2007), é uma experiência de maior 
liberdade vivida pelas pessoas LGBTQIAPN+3 em contraposição com as normas 
cisheteronomativas que são culturalmente impostas. 
Neste contexto se faz importante salientar o conceito de interpelação cunhado por Butler 
(1997), afirmando que a partir da linguagem – não necessariamente a verbal – o corpo 
subjetivado se constrói socialmente, sendo essencial o endereçamento do Outro, sendo 
reconhecível e, consequentemente, reconhecido. Ao mesmo tempo em que os corpos e 
performances que não seguem uma lógica cis e heternormativa sofrem diferentes formas de 
agressões e segregações socioespaciais, baseadas nas sexualidades e nos gêneros das pessoas. 
Precisávamos então da identificação com outras pessoas, precisávamos do cantinho no 
pátio da escola, da penumbra sob a árvore, dos bares, das praças. Precisávamos ocupar espaços 
para que com essa união pudéssemos nos (re)conhecer e nos (re)construir a partir de outras 
formas de existências, a partir do contato com outras pessoas, que não fossem as ditadas pelanorma colonial, branca, heteropatriarcal, racista, machista e capitalista. 
Neste sentido, Milton Santos (2007, p. 81) comenta sobre a necessidade de identificação 
das pessoas e do grupo com a cultura, afirmando: 
 
3 Durante a construção da presente pesquisa, e até mesmo antes disso, percebemos que a sigla para se remeter às 
pessoas que não se reconhecem como cis, normativas, binárias e heterossexuais, passou por um constante processo 
de desenvolvimento. Na medida que o tempo passou a sigla GLS, transforma-se em LGBTQIAPN+ com o esforço 
de dar maior visibilidade (falaremos sobre o conceito de visibilidade e sua importância a seguir) à todas as lutas 
que se sentem inclusas na comunidade. Sendo assim, a letra L se refere às lésbicas o G, para os gays, B representa 
as pessoas bissexuais o T, para pessoas trans, Q simboliza as pessoas queers, I são intersexo, o A para pessoas 
assexuadas, o P faz referência às pansexalidades, o N para as pessoas não-binárias e, por fim, o símbolo de +, que 
pode vir a representar categorias outras ainda não citadas na sigla, ou mesmo a conjunção de mais de uma categoria 
em uma mesma pessoa (Adolfo, 2022, 8 de junho). 
12 
 
A cultura, forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é uma 
herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu 
meio, um resultado obtido por intermédio do próprio processo de viver. Incluindo o 
processo produtivo e as práticas sociais, a cultura é o que nos dá a consciência, de 
pertencer a um grupo, do qual é o cimento. 
 
Desta forma, é possível afirmar que as pessoas LGBTQIAPN+, quando se inserem em 
um determinado grupo, tornam possível a comunicação de sua expressão individual e grupal 
com o exterior. A sensação de pertencimento a este grupo seria o que nos daria base para o 
processo de conscientização e de reaprendizado das relações. 
Passados alguns anos, em 2007 mais especificamente, me mudo para Natal, tendo em 
vista a impossibilidade de cursar, na época, um curso de graduação na minha própria cidade ou 
cidades próximas, dada a quase inexistência das instituições de ensino superior fora da capital 
naquele momento. No ano seguinte, entro na Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
(UFRN) e começo a minha primeira graduação no curso de Turismo. Seguindo assim o que 
Teixeira (2015) defende como uma condição “metronormativa” das pessoas do Vale4 que, na 
tentativa de vivências mais livres, nossos corpos são forçados a deixar nossas cidades de 
origem. A “metronormatividade”, estaria ligada a migração das pessoas do Vale para grandes 
centros urbanos com a finalidade de busca por emancipação sexual, social, política e 
econômica. 
Realizando um diálogo entre a noção de cultura de Milton Santos (2007) com o conceito 
de interpelação cunhado por Judith Butler (1997), e conforme aconteceu na minha própria 
experiência de vida, se fazem necessárias uma identificação, uma referência, um entorno social 
e espacial que permitam determinadas existências que não são normalmente aceitas. Nossos 
corpos são rejeitados nos espaços da cidade, nas escolas, nos locais de trabalho e em nossas 
 
4 “O Vale”, expressão utilizada pela comunidade LGBTQIAPN+ desde 2011, quando a pastora evangélica 
amazonense Yonara Santo, autodeclarada ex-satanista e ex-lésbica, afirmou ter feito 15 visitas ao inferno, onde 
diz ter visto apenas o Vale dos Homossexuais. Desde então, como forma de afronte, a comunidade LGBTQIAPN+, 
utiliza-se do termo Vale para se referir a um lugar imaginário onde toda a comunidade poderia viver união e 
liberdade, criando sátiras e memes a respeito do assunto. Para mais informações ver Frank (2019). 
 
13 
 
casas, não apenas uma rejeição simbólica, mas também expressa nas diversas formas de 
violências e mortes que nos são direcionadas, colocando o Brasil, em 2019, no primeiro lugar 
do ranking de número de mortes por consequência da LGBTQIAPN+fobia, conforme divulga 
Mott e Oliveira (2020), através do Grupo Gay da Bahia (GGB). 
Dentro desses contextos de inúmeras violências contra os corpos LGBTQIAPN+ é 
necessário reunir os corpos da comunidade, que compartilham em maior ou menor grau, 
experiências de construções histórias e socias específicas, formando “guetos” que abrigam e 
dão certo grau de segurança para essas pessoas. Não se trata apenas da quantidade de pessoas 
envolvidas, mas sim as condições de desigualdades e violências a que os nossos corpos estão 
sujeitos, precarizando nossas vidas, colocando-nos em posições sociais hierárquicas inferiores, 
criando assim “minorias” que ao ocupar determinados espaços da cidade fazem valer a 
visibilização da comunidade (Juliana Perucchi, 2008). 
Porém, ainda de acordo com Perucchi (2008), os guetos formados se mostram como, 
paradoxalmente, espaços de proteção e de exclusão, pois restringe a liberdade das pessoas 
LGBTQIAPN+ a lugares específicos da cidade. Além disso, tais espaços, por serem em geral 
espaços de consumo, excluem também os corpos descapitalizados, negros, periféricos, idosos, 
portadores de deficiência, de mulheres, dentre outros. 
Voltando para minha narrativa, com o meu ingresso na UFRN entro em contato com 
outras pessoas do Vale. Por causa da sexualidade da minha mãe, sempre tive contato com 
lésbicas e gays. Mas foi na universidade que aprendi que o Vale era mais extenso: conheci o 
conceito de transexualidade, de poliamor, conheci pessoas queers, travestis, intergêneros. 
Encontrei-me com as mais diversas pessoas e vi casais não cisheteronormativos trocando afetos, 
se beijando, dividindo um lanche na cantina. Aquilo foi um choque no primeiro momento. Este 
casal se beijaria no centro de Goianinha?”, imaginei, “impossível!”. 
Mas Milton Santos (2007), em seu livro intitulado “O Espaço do Cidadão”, já alertava 
para este primeiro momento de “espanto e atordoamento” (Santos, 2007, p. 87) causado no 
14 
 
momento de contato com o novo, mas que passado esse momento, e vivenciando outros, as 
pessoas podem reformular a ideia de futuro quando assimila este novo em que está inserido. 
Foi dessa forma para mim, passado o estranhamento inicial, habituei-me desenvolvendo minhas 
percepções acerca dos novos lugares e das diferentes relações sociais que nesses espaços eram 
semeadas, brotavam e davam frutos. Colocando assim em destaque o papel das cidades, 
conforme defendido por Santos (2007), na ampliação sobre o grau de consciência. sobre o novo 
e o diferente, das pessoas. 
Esses motivos citados por Santos (2007) também contribuíram para que, nesse 
momento, eu reatasse laços, fizesse novas amizades e conhecesse outros lugares de aceitação 
LGBTQIAPN+ de Natal como praças, bares, pubs e boates, espaços diferentes dos lugares que 
eu já conhecera através da minha mãe. Eram lugares considerados “alternativos” como eram 
chamados naquela época. 
Logo me fiz presente nos movimentos político-culturais que estavam efervescentes na 
UFRN naquela época. Era um contexto de expansão das universidades federais brasileiras, com 
um direcionamento maior de verbas, medidas tomadas para maior oferta de vagas nos 
programas de graduação e pós-graduação, políticas de permanência nas universidades visando 
uma diminuição das taxas de evasão e, também, um importante aumento no número de docentes 
nas universidades federais brasileiras, de acordo com o Ministério da Educação (2013). Nestes 
espaços aprendi sobre as opressões, preconceitos, lutas e resistências que eram travadas. Fui 
impelido a pensar a partir de realidades (muito) diferentes da minha – como o feminismo lésbico 
e negro, por exemplo. Aconteceu-me aí um primeiro chamado para refletir sobre as opressões 
exercidas pelos corpos tidos como dissidentes e o incômodo que mais tarde se ampliaria na 
forma de motor de propulsão em favor das lutas pelo direito das pessoas LGBTQIAPN+. 
Com a finalização da minha primeira graduação, e consequente saída da UFRN, assim 
como a necessidadede conseguir um (sub)emprego, fui forçado a me afastar dos movimentos, 
porém ainda continuava a frequentar os lugares que me eram possíveis: bares, praças, 
15 
 
estacionamentos de supermercados, o samba da Praça Vermelha (oficialmente nomeada como 
Praça André de Albuquerque) e o Beco da Lama, lugares específicos em Natal para a 
experimentação de sexualidades tidas como dissidentes, pois apesar do caráter metronormativo 
das vivências das pessoas do Vale, as ruas das grandes cidades não podem ser consideradas 
seguras para nós. De acordo com Mendes e Silva (2020), além do Brasil ser o país em que mais 
se mata pessoas que são tidas como dissidentes das normas de gênero e/ou sexualidade, são nas 
vias públicas que estes crimes bárbaros são mais comumente cometidos. 
Nossos corpos são repreendidos e agredidos também nas nossas casas, como aponta o 
estudo de Braga, Oliveira, Silva, Mello e Silva (2018), que relata o caso de 12 adolescentes 
vítimas de violência doméstica em função das suas sexualidades. A escola tampouco são locais 
seguros para os nos nós, conforme nos aponta Perucchi e Correa (2013), ao entrevistarem 10 
pessoas do Vale que sofreram algum tipo de violência no âmbito escolar, mostram as 
invisibilizações e naturalizações das experiências de violência no âmbito escolar. Colocando a 
necessidade de existência de espaços e movimentos em que, além de podermos estar entre nós, 
possamos também sentir um pouco mais de segurança em relação aos outros espaços da cidade 
e, desta forma, nos expressar mais livremente. 
Insatisfeito com as condições de trabalho que o mercado do Turismo oferecia e 
fortemente influenciado pela amizade que tinha e ainda tenho com a filha da primeira namorada 
da minha mãe, tentei o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Tinha o sonho de cursar 
psicologia, mas o tempo longe da academia e, principalmente, das matérias do ensino médio, 
fizeram-me imaginar que não conseguiria. 
Para minha surpresa passo para o curso de Psicologia e ingresso no ano de 2015. 
Regresso à UFRN com a condição, imposta pelo meu pai e minha mãe, de que não me ajudariam 
financeiramente naquela “loucura” de deixar o trabalho e voltar para uma segunda graduação 
que, para ela e ele, era completamente sem sentido, mas não para mim. Desta forma tentei levar 
essa graduação junto com um subemprego, o que logo se mostrou impraticável, pois o curso e 
16 
 
o trabalho exigiam muito, apesar de que de formas diferentes. Tentei então, como forma de 
permanência na universidade, mas também como forma de sobrevivência, empreender de 
diversas formas: vendi salgados, lanches, sanduíches e brigadeiros dentro do espaço da 
universidade, antes e depois das aulas, entre uma aula e outra. Ao conseguir uma bolsa de 
iniciação científica as coisas ficaram menos difíceis, mas ainda era necessário manter a renda 
das minhas vendas ambulantes como condição de permanência na universidade. 
No meio das minhas vendas, conversas de corredores e nas praças da UFRN o nome de 
um espaço estava em ascensão, as pessoas se referiam ao La Luna Bar e Petiscaria, inaugurado 
em 2017, como um novo espaço de encontro, várias eram as pessoas que perguntavam: “E aí 
Higor, vai hoje pro La Luna?” e eu respondi, por alguns poucos meses, até pelo motivo do 
cansaço cotidiano e a falta de dinheiro, em negativa. Até que cedi e fui conhecer o espaço. 
O La Luna, um bar na zona sul de Natal, ainda em funcionamento, colocando-se de 
forma manifesta em favor das pautas LGBQTIAPN+, basicamente, se constitui de uma pequena 
construção retangular no meio de uma praça com uma fraca iluminação no bairro de Neópolis, 
na zona sul da cidade do Natal/RN, rodeado por árvores comuns da região, sendo a maioria de 
mangueiras (penumbra e abaixo de árvores, isso te lembra algo?). O pequeno espaço em que se 
tinha colocado tendas muito rapidamente deixou de conseguir abrigar as pessoas que 
frequentavam o bar, desta maneira as pessoas foram tomando conta da praça de uma forma 
bastante expressiva. 
Expressiva no sentido do número de pessoas, mas mais do que isso, também no que diz 
respeito a materialização das expressões destes corpos: expressões de arte, as formas de vestir, 
de andar, de se relacionar, de se fazer aparecer (ou não), entre tantas outras. Lá eu presenciei 
pessoas saindo do armário, se beijando pela primeira vez em público, criando redes de apoio, 
sendo acolhidas, dividindo o que se tinha para que fosse possível estar ali. Vi mães desesperadas 
indo buscar a prole, vi e ouvi relatos de agressões e abusos, comemorei diversos aniversários, 
fui pela primeira vez a um casamento entre lésbicas. 
17 
 
 Percebi uma pluralidade enorme naquele espaço. As pessoas que frequentavam eram 
principalmente oriundas das diversas instituições de ensino superior que existem nas 
proximidades, mas não exclusivamente. A partir daí ocorreu a ideia de expandir a minha venda 
ambulante da UFRN para lá, com a finalidade de melhorar os rendimentos e conseguir pagar 
um quarto numa república perto do campus. Assim, passei quase dois anos vendendo no La 
Luna, de quarta a sábado, chegava por volta das 19h e saía perto das duas, horário que o bar 
fechava, chovesse ou não, mesmo se tivesse prova no outro dia de manhã cedo, ou atividade do 
estágio ou que meus relatórios da iniciação científica estivessem inacabados. Foi um período 
exaustivo, porém uma experiência com um peso muito significativo, e da qual eu não tenho 
como esquecer. 
Vivenciei tudo isso ao mesmo tempo em que, ainda em contato com pessoas que são 
minhas amigas desde a época da escola em Goianinha, algumas delas ainda não haviam se 
assumido abertamente para a família e os amigos, vivendo suas vidas às escondidas, muitas 
vezes em silencioso sofrimento. De acordo com Silva e Santos (2015, p. 513), a “homofobia, 
transfobia e lesbofobia que obstaculizam o direito à cidade da população LGBT”, realçando a 
vivência de pessoas que não se identificam com os padrões cis e heteronormativos passam por 
diversos processos de invisibilização e silenciamento de suas expressões, podendo apenas, para 
uma minoria privilegiada, expressar-se em ambientes, em sua maioria, mercantilizados, 
privativos e específicos, ou seja, lugares que nossas existências e resistências sejam possíveis, 
assim como nossas múltiplas expressões não sejam alvos de crimes LGBTQIAPN+fóbicos. 
Seguindo o pensamento de Silva e Santos (2015), são estas restrições expressivas que 
atrelada ao pertencimento de classe tonificam e destacam a relação entre desigualdade social – 
modos de vida – e direito à cidade. 
Na capital ou no interior é correto que existem as mais variadas formas de violências 
contra as pessoas do Vale. Butler (2018) afirma a existência de políticas induzidas que 
deterioram mais as redes de apoio sociais e econômicas de uma certa população em detrimento 
18 
 
de outra, denominando esse fenômeno de “precariedade”. Desta forma, a autora coloca que as 
“vidas precárias” ficam mais “expostas ao dano, à violência e à morte” (Butler, 2018, p. 35). 
Não quero fazer uma comparação entre realidades distintas (interior versus capital do 
estado), mas sim refletir sobre o impacto da existência ou não de espaços e movimentos 
político-culturais específicos para nós, pessoas do Vale. Pois, de acordo com Santos (2007, p. 
103), “em comunidade com outros, o homem é capaz de cultivar em todas as direções todos os 
seus dotes, afirmando a sua liberdade, pois não há liberdade solitária”. O autor ressalta que ao 
olhar o mapa do país é fácil compreender que existem espaços mais favorecidos em dispositivos 
de saúde, educação, lazer e socialização, determinando assim espaços em que existem ou não 
pessoas cidadãs. Espaços de socialização das pessoas do Vale no interior que cresci, por 
exemplo, eram inexistentes, assim como movimentos político-culturais. Desta forma, nossas 
existências são quase que impossibilitadasde uma vida com maior liberdade e possibilidade de 
se tornarem visíveis, detentoras de direitos. 
Quando não podemos nos unir, não podemos aparecer, não podemos reclamar nossos 
direitos de forma coletiva. Para uma maior visibilidade para as vidas das pessoas do Vale, é 
necessário que espaços como o La Luna (mas não somente este, é claro), que os movimentos 
sociais, políticos, artísticos e culturais existam. É necessário que os corpos estejam unidos e 
ocupem, espacialmente simbolicamente os espaços públicos, para que se tornem visíveis, 
conforme nos coloca Judith Butler (2018, p. 23): 
Podemos encarar essas manifestações de massa como uma rejeição coletiva da 
precariedade induzida social e economicamente. Mais do que isso, entretanto, o que 
vemos quando os corpos se reúnem em assembleia nas ruas, praças ou em outros locais 
públicos é o exercício – que se pode chamar de performativo – do direito de aparecer, 
uma demanda corporal por um conjunto de vidas mais visíveis. 
 
Nesse mesmo sentido, segue o pensamento de Santos (2007, p. 103): 
Com o grupo, encontramos os meios de multiplicar as forças individuais, mediante a 
organização. É assim que nosso campo de luta se alarga e que um maior número de 
pessoas se avizinha da consciência possível, rompendo as amarras da alienação. É 
também pela organização que pessoas inconformadas se reúnem, ampliando, destarte, 
19 
 
sua força e arrastando, pela convicção e o exemplo, gente já predisposta mas ainda não 
solidamente instalada nesses princípios redentores. 
 
Com esse diálogo podemos cogitar que a união dos corpos LGBTQIAPN+ é 
imprescindível para que a nossa emancipação individual e coletiva aconteça. Precisamos ocupar 
os mais diversos espaços da cidade, estarmos presentes na (re)construção de espaços e políticas 
públicas. É por este motivo que os espaços e movimentos que ocupamos dentro das cidades se 
fazem tão importantes. De acordo com o pensamento de Sandra Ka (2017), ao nos tornarmos 
visíveis em bares, praças, universidades, ruas e coletivos de luta, fazemos destes um lugar de 
visibilização, de lutas contra as injustiças que nos causam inconformismos, ou seja, espaços 
políticos e de resistências. 
A visibilidade consiste, nesse processo geográfico/político, em uma estratégia de 
posicionamento público que remete a uma nitidez em relação aos modos de vida 
constituintes desse universo. A proteção surge exatamente da coesão que abarca essas 
coletividades [...] O propósito seria garantir a liberdade de expressão e de condutas 
nesses espaços, construindo novas concepções entre os cidadãos e desconstruindo 
velhos paradigmas preconceituosos e equivocados a respeito de uma suposta “cultura 
gay” e das pessoas que dela fazem parte (Perucchi, 2008, p. 67). 
 
Esses locais transcendem sua função de entretenimento e lazer, configuram-se como 
espaços de proteção, liberdade e de construção de subjetividades individuais e coletivas, 
fazendo-se assim, também como espaços de construção política (Peruchi, 2008; Ka, 2017). 
Esses espaços tomam importante posição para que as pessoas se posicionem de forma crítica, 
dentro do seu contexto histórico e social, “é nesse campo da experiência que se processam tanto 
o reconhecimento da vivência pessoal das sensações e percepções corporalmente significadas, 
quanto a identificação social dos sujeitos com os outros que também vivenciam tais 
experiências” (Perucchi, 2008, p. 64). 
Desta forma, o espaço aparece como forma de palco para produção e reprodução dos 
modos de vida e, como resultado, produzindo subjetividades, refletindo a própria sociedade, 
onde estes aspectos se mostram dentro de um contexto, sócio, histórico, cultural e territorial 
20 
 
específico, que constitui, por sua vez, em trocas sociais específicas dentro destes espaços e 
contextos (Perucchi, 2008). 
Reivindicamos assim nossa existência plural no espaço público, buscando pela 
visibilização dos nossos corpos, da nossa liberdade de expressão, do reconhecimento e 
valorização das nossas vidas, em contraposição às normas de gênero que, de acordo com Butler 
(2018), em muito influenciam no modo como aparecemos e em como a distribuição das pessoas 
no espaço público está a serviço da política sexual, dividindo assim entre espaços que podemos 
ou não existir. E, como bem sabemos, não podemos nos expressar em lugares da 
autoproclamada “família tradicional” (como os shoppings da cidade, as praias, as ruas, para 
citar alguns) da mesma forma como nos comportamos em ambientes de maior aceitabilidade 
com a comunidade do Vale. 
De acordo com Correa (1994), as pessoas se apropriam dos espaços de formas diferentes 
conforme exercem seus hábitos e interagem com as expressões materiais e simbólicas dadas 
naquele espaço, definindo assim a territorialidade. Com este pensamento é possível deduzir, e 
também falo por minha experiência, que nós, pessoas do Vale, também vamos nos apropriando 
de determinados espaços, por sermos do Vale. No entanto, tal apropriação ocorre de diferentes 
formas nos diferentes espaços, por motivos que são interseccionalizados com diversas questões 
como gênero, classe social, raça, sexualidade, idade, dentre outros. 
Com a necessidade de entender quais são os fatores que nos possibilitam ou não o acesso 
aos espaços, o conceito de interseccionalidade aparece como perspectiva interessante que pode 
auxiliar nessa tarefa. Surgido no final dos anos 1970, no movimento conhecido como Black 
Feminism – que faz crítica direta ao feminismo branco, hétero e cis – e fortemente debatido a 
partir da década de 2000. 
A interseccionalidade, importante conceito no estudo das populações inseridas nas mais 
diversas formas de vulnerabilidades, pode ser entendida como uma tentativa de "levar em conta 
as múltiplas fontes da identidade, embora não tenha a pretensão de propor uma nova teoria 
21 
 
globalizante da identidade" (Hirata, 2014, p. 62). A interseccionalidade é uma proposta 
transdisciplinar que ajuda na compreensão das discriminações e desigualdades com o objetivo 
de: 
Apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio 
de um enfoque integrado. Ela refuta o enclausuramento e a hierarquização dos grandes 
eixos da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero, classe, raça, 
etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque interseccional vai além do 
simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a partir 
dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das desigualdades 
sociais (Bilge, 2009, p. 70). 
 
Neste sentido, podemos pensar que os espaços voltados para pessoas LGBTQIAPN+ 
seguem este mesmo panorama apresentado por Andrade e Baptista (2015) pois, ao mesmo 
tempo que alguns espaços são abertos para algumas pessoas, também são excludentes para 
outras, dependendo da intersecção de diversos fatores como idade, sexo, gênero, raça, classe 
social, por exemplo, para que o acesso nesses espaços seja possível ou não. Não é comum ver 
uma pessoa preta de periferia entrando em uma boate cara, além de todos os problemas de 
deslocamento de um lugar para o outro. Assim como outros fatores que quando 
interseccionalizados diferenciam a ocupação e apropriação dos espaços nas cidades (Coelho & 
Cunha, 2020). 
Desta forma podemos pensar que, mesmo em lugares que levantam a bandeira 
LGBTQIAPN+, podemos encontrar dificuldades de acesso. Os outros marcadores - raça, 
gênero, classe, idade – interseccionam-se para possibilitar ou não o acesso a determinados 
espaços da cidade. Existe aquele bar que é mais frequentado pelas bichas, já outro é um bar 
mais de sapatão. Uma praça ou uma rua que é mais barato do que pagar entrada e consumo 
numa boate fechada. A possibilidade de transporte ou não para ir e voltar para tal festa. E assim 
vamos nos moldando às possibilidades de existir, ou não, em determinados espaços. Falando 
especificamentedas experiências homossexuais masculinas, mas que podemos abranger para 
outras experiências das pessoas do Vale, Victor Belarmino e Magda Dimenstein (2021, p. 9) 
colocam que os corpos-espaços são generificados e, portanto 
22 
 
Só podem ser adequadamente compreendidos a partir de um enfoque interseccional, 
posto que os modos de gestão das diferenças na cidade e as formas de 
homossociabilidade desses sujeitos articulam diferentes vetores de opressão e de 
relações desiguais de poder com base na raça, na origem socioeconômica e 
socioespacial, nas performances de sexo-gênero. 
 
Há, portanto, a necessidade de se entender as experiências das pessoas LGBTQIAPN+ 
nos espaços de socialização que ocupamos, reunimos, resistimos e nos tornamos visíveis, para 
que consigamos compreender quais fatores são imbricados na constituição de tais 
socioespacialidades. 
Para tanto, é fundamental entender o conceito de experiência. Joan Scott (1998) afirma 
que não é suficiente apenas trazer os corpos subalternizados para fazer com que um trabalho de 
pesquisa seja contra hegemônico. Na visão da autora é necessário mais que isso, pensar as 
experiências, como práticas discursivas, se tornam também um ponto de análise, e não só de 
partida, interessante para se falar sobre o acontecido, diferenciando e aproximando umas 
experiências das outras. O que implicaria diretamente identificar os processos de produção de 
identidade e como pessoas pesquisadoras, adotar determinadas categorias que serão ou não 
analisadas no projeto, este se torna um ato político. Nesta perspectiva, emerge a necessidade de 
relatar como minha própria experiência me trouxe até este campo de pesquisa. 
Experiência, neste enfoque, não é a origem da nossa explicação, mas sim o que 
queremos explicar. Este tipo de enfoque não debilita a política negando a existência de 
sujeitos; em vez disso, interroga os processos de sua criação e, ao fazê-lo, repensa a 
história e o papel do historiador, e abre novos caminhos para pensar a mudança (Scott, 
1998, p. 325). 
 
A partir da concordância com essa visão, podemos ampliar a discussão para outras áreas 
e repensar o papel da pessoa que pesquisa e sua implicação política. Porém, ainda ficam em 
aberto questões sobre as especificidades das experiências socioespaciais que envolvem esses 
espaços e as pessoas que os frequentam. 
Ainda dentro desse contexto de busca por visibilização, reconhecimento e valorização 
é preciso falar sobre a justificativa de escolha do uso da linguagem neste texto. Conforme o 
conceito de interpelação de Butler (1997) já citado, a linguagem faz com possamos nos 
23 
 
reconhecer entre nós, fazendo ser quem nós somos, em nossa singularidade, mas de uma 
maneira social. Precisamos utilizar dos nossos recursos para que possamos, a partir da 
marginalização das nossas experiências, conforme indica Paiva e Nobre (2016), nos infiltrar no 
centro do saber e corroer as normas por dentro. Os autores ainda colocam que: 
Ao invés de uma epistemologia normativa, uma epistemologia subversiva, que se utilize 
do que jamais a norma produzirá, que é um saber libertário, dado que não será capaz de 
abrir mão do seu lugar de privilégios que parte de uma normatização e hierarquização 
das experiências (Paiva & Nobre, 2016, p. 108). 
 
Essa hierarquização das experiências pode ser conjugada com o conceito de 
colonialidade do poder que Quijano (1997) apresenta como uma forma de entender como as 
estratégias de poder que emanam e são características do processo de colonização e, 
consequentemente, a invenção da modernidade, que altera a cosmologia dos povos colonizados 
intervindo nos modos de vida, hierarquizando as sociedades a partir de uma lógica europeia e, 
portanto, cristã. A colonialidade do poder surge como a imposição de modelo de dominação 
nesse contexto, interligando a produção do conhecimento, formação racial e o controle do 
trabalho (Assis, 2014). 
A geopolítica e a corpo-política (entendidas como a configuração biográfica de gênero, 
religião, classe, etnia e língua) da configuração de conhecimento e dos desejos 
epistêmicos foram ocultadas, e a ênfase foi colocada na mente em relação ao Deus e em 
relação à razão. Assim foi configurada a enunciação da epistemologia ocidental, e assim 
era a estrutura da enunciação que sustentava a matriz colonial (Mignolo, 2017, p. 6). 
 
Mignolo (2007) também afirma que uma das características da colonização foi afirmar 
o colonizador como um ser superior, inferiorizando assim construtos de raça, nacionalidade, de 
religião, de gênero e sexualidade e de linguagem, colocando as pessoas colonizadas fora de uma 
esfera normativa do real. Ou seja, com a chegada da colonização, chegaram também conceitos 
que antes não existiam, como o da sexualidade, por exemplo. Estes conceitos vieram de mãos 
dadas com as inferiorizações de tudo aquilo que o colonizador não se identificava, colocando 
assim o papel do homem branco, colonizador, cis, hétero e burguês em um lugar de privilégio 
em detrimento a tudo que for diferente desses padrões. 
24 
 
Da mesma forma que o sistema colonial inventa as categorias “homem” e “mulher”, já 
que esses conceitos não faziam parte da cosmologia dos povos originários, também cria as 
categorias “heterossexual” e “homossexual”, hierarquizando e definindo também o ponto 
inicial para se pensar a homofobia nas civilizações pré-invasão (Mignolo, 2007). 
Conforme nos indica Ballestrin (2013), a colonialidade age sobre nós, pessoas e 
territórios colonizados, sob as dimensões do ser, do poder e do saber. Devemos nos atrever a 
romper com estas opressões e nos colocar no lugar de pessoas detentoras dos nossos próprios 
modos de ser, saber e poder. Desta forma, nossas linguagens, modos de ser, conhecimentos, 
expressões, nosso direito ao nosso próprio corpo nos foram e são, como um dos efeitos da 
colonização, negados. Precisamos fomentar meios de introduzir as nossas expressões e 
linguagens no centro da norma, na Academia, para que possamos subvertê-la por dentro (Paiva 
& Nobre, 2016). 
A utilização do linguajar que é nosso tem esta intenção, mais do que mostrar nosso jeito 
de falar, mas que nossa voz seja ouvida e respeitada. Pois como diz um provérbio africano, que 
eu tive acesso através do texto da Ballestrin (2013, p. 89), “até que os leões tenham seus 
próprios historiadores, as histórias de caça seguirão glorificando ao caçador”. É necessário 
assim que nós possamos contar nossas histórias de vida, da forma que nós nos colocamos no 
mundo, como queremos que nos ouçam, tendo no Sul um horizonte de equidade entre as mais 
diversas possibilidades de humanidade. Quando realizamos uma leitura em Santos (1986), 
podemos perceber que a experiência das pessoas está marcada pelo território e vice-versa. A 
ideia então é realizar essas discussões de modo embricado, relacionando território e 
experiências a fim de abrir caminho para o novo (Scott, 1998). 
Neste caminho, além de um mapeamento dos espaços e da relação dos modos de vida 
das pessoas LGBTQIAPN+ que possibilitam ou não a existência nesses espaços, é necessário 
entender quais são os processos que estão envolvidos na eleição, apropriação, manutenção e 
invenção destes, chegando assim a seguinte pergunta: de quais modos a população 
25 
 
LGBTQIAPN+, historicamente invisibilizada, tornam possíveis as múltiplas expressões e 
performatividades de gênero e sexualidade dentro de um determinado contexto urbano? 
Tem-se, portanto, como objetivo geral: explorar as experiências de pessoas 
LGBTQIAPN+ no que se refere aos modos como (re)transformam espaços da cidade tornando-
os possíveis de suas múltiplas expressões de gênero e sexualidade. 
Os objetivos específicos são: 
 
1. Explorar a socioespacialidade que envolve a experiência das pessoas LGBTQIAPN+ 
na criação, ocupação, invenção e manutenção dos espaços na cidade; 
2. Analisar a performatividade das pessoas LGBTQIAPN+ nosespaços da cidade em 
busca de visibilização, reconhecimento e valorização dos seus corpos. 
 
O capítulo em seguida trata da relação entre os territórios e as respectivas formas que a 
população LGBTQIAPN+ encontra para ocupá-los. Assim, iniciamos comentando sobre a 
construção histórica que culmina na violência contra nossa comunidade e também nos 
processos de resistência que são a partir daí formados, passando por uma experiência 
contemporânea e pessoal para falarmos sobre alguns conceitos centrais e, por fim, falaremos 
sobre uma agenda do direito à cidade em prol dos corpos LGBTQIAPN+. Em seguida 
trataremos do percurso metodológico que foi adotado durante a pesquisa, com a finalidade de 
descrever as ações que foram tomadas, os desafios que foram enfrentados e, consequentemente, 
suas resoluções. A partir daí passamos para a descrição e análise dos dados obtidos e, por fim, 
as conclusões deste trabalho de dissertação. 
 
2. Territorialidade e sexualidade 
 
26 
 
Ao entender gênero, desejo e sexo como efeitos do poder que é impelido nas vidas das 
pessoas, Butler (2003) fundamenta-se em Foucault para afirmar que os sistemas jurídicos geram 
sujeitos, esta sujeição faz com que as pessoas sejam moldadas, de diversas formas, de acordo 
com as normas colocadas pela própria estrutura do poder, dando atenção aos processos de como 
as operações de saber-poder implicam nas exclusões e busca pela identidade subjetiva e social 
(Oliveira, 2021). 
Desta forma, afirma Butler (2003), o gênero é construído dentro de uma relação de 
poder, dentro de um contexto específico, que com características exclusivas, normativas e 
restritivas que produzem os corpos. O sexo não é consequência do gênero e, portanto, o sexo 
não pode ser explicado a partir do reflexo do gênero. Os corpos, o sexo e o desejo são moldados 
a partir de práticas discursivas e normativas com a finalidade de estabilizar e produzir o gênero 
(Oliveira, 2021). O gênero, desta forma, não pode ser visto de uma forma estável, imóvel, mas 
sim de forma dinâmica, que se molda ao longo do tempo e sociedade, repetindo de atos, 
discursos e linguagens até que resultem em uma naturalização e numa visão errônea sobre uma 
permanência de um eu marcada por esse gênero (Butler, 2003; Oliveira, 2021). 
De acordo com Oliveira (2021), tomando como base a obra de Judith Butler, o gênero, 
o sexo e o desejo precisam ser vistos de forma transitória, relacional e contextual, inconstante 
e relativo, assim como a noção de pessoa. Portanto, o gênero deve ser visto como uma 
construção performativa, corporal e discursiva, através do qual a pessoa sujeitada se reconhece 
e é reconhecida em seu meio social e político. 
O gênero não é um substantivo, mas tampouco é um conjunto de atributos flutuantes, 
pois vimos que seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas 
práticas reguladoras da coerência do gênero. Consequentemente, o gênero mostra ser 
performativo no interior do discurso herdado da metafísica da substância – isto é, 
constituinte da identidade que supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um 
feito, ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra (Butler, 2003, 
p. 48). 
 
27 
 
 É desta forma que é imposta uma matriz heterossexual, que nos é colocada 
compulsoriamente, que molda a performatividade das pessoas a partir de seus pressupostos 
normativos e binários, de modo a naturalizar, de forma hegemônica, uma “estabilidade” e 
“coerência” entre sexo, desejo e gênero. A performatividade, que desempenha grande papel nos 
modos de agir das pessoas, deve ser pensada então em termos de linguagem – não apenas a 
falada – que através das produções discursivas tomam forma no real (Oliveira, 2021). 
 A performatividade como conceito, a partir do pensamento de Butler, é executada no 
corpo que age na sociedade tendo como base uma ontologia. Quando vista desta forma, a 
performatividade pode ser entendida como um agir, uma ação e, com isto, reivindicar o poder 
da existência contra a precariedade, mas também a partir desta. Entende-se, a partir daí, que 
existem performatividades dissidentes, desde sempre na sociedade, que rompem com as 
normatividades e verdades impostas por uma sociedade que possui aversão para com as 
diversidades, sejam estas de classe, de raça ou de gênero e sexualidade (Dias & Leite, 2021). 
 São nessas possibilidades de dissidências, juntamente com as interferências que podem 
existir nos processos de comunicação, que surgem existências e práticas que rompem os limites 
do poder que é heterocentrado. Sobre este assunto, Dias e Leite (2021, p. 66) acrescentam: 
Partindo dessas construções teórico-conceituais, pode-se chegar de forma objetiva a 
uma definição do corpo performativo como uma repetição estilizada do gesto (da ação), 
e essa repetição é o que garante às pessoas uma certa individualidade corpórea, a qual 
pode ser atualizada. Além disso, é importante acrescentar a concepção do corpo 
performativo como a expressão do externo incorporado, já que, mesmo a pessoa 
possuindo suas particularidades, há uma estrutura política incorporada que se 
transforma em símbolo social através da performatividade. É nessa trajetória de 
pensamento que identificamos uma concepção de performatividade, elaborada a partir 
do contraponto entre as noções de agência e reprodução. Enquanto a ideia de agência 
remete à possibilidade de tomada de consciência, de capacidade para a ação, da 
autonomia moral e política do sujeito, a ideia de reprodução traz consigo o paradoxo da 
subordinação desse mesmo sujeito às relações de poder, considerando a influência das 
forças políticas exteriores na performatividade. E um dos principais aspectos da 
performatividade é o seu caráter político, porque as estruturas externas incorporadas são 
carregadas de censuras, preconceitos e normas. Por isso, o performativo pode ter uma 
postura transformadora e questionadora da realidade. 
 
28 
 
O poder não é exercido de forma separada a outras relações como as econômicas, 
sociais, ambientais, de conhecimento e nem de relações sexuais, da sexualidade, mas é eminente 
à todas estas. O poder não pode ser classificado como uma estrutura ou instituição. O poder se 
faz de uma complexa situação estratégica em um determinado contexto e em uma determinada 
sociedade, sendo exercido a partir de muitos pontos e dentro de relações que são móveis e 
desiguais (Foucault, 1980; Cataia, 2011). 
Os mecanismos de poder, desde o século XVIII são, de uma forma geral, a 
instrumentalização da vida do homem na qualidade de um corpo vivo. Funcionando através de 
técnicas, normalizações, controles e punições, extravasando da competência do Estado e de 
seus aparelhos e é, até hoje, objeto de análise sobre as relações entre o poder e o sexo (Foucault, 
1980). 
Foucault (1980) nos traz que o dispositivo histórico da “sexualidade” data da metade do 
século XVIII, e se faz a partir de uma rede entrelaçada por um conjunto de técnicas, discursos 
e práticas que estimulam os corpos, intensificando os prazeres e a formação de conhecimento 
e, portanto, não é um dado da natureza. Desta maneira, o corpo não poderia ser visto como uma 
forma natural, fixo ou constante, mas um elemento que pode ser modificado e aperfeiçoado, 
produzindo assim necessidades que são organizadas de maneiras distintas (Cirino, 2007). Essa 
noção de corpo 
Traz a marca do pensamento nietzschiano, pois, segundo Foucault, a genealogia é um 
tipo de história que não se referencia na consciência ou no Eu (com sua unidade e 
coerência), mas no corpo e em tudo que se relaciona com ele: a alimentação, o clima, os 
valores. (Cirino, 2007, p. 79) 
 
E é a modernidade que coloca a sexualidade e, também, de forma imbricada, o corpo, 
como fonte de cuidado e de inquietação. Atribuindo características específicas e hegemônicas 
ao que seria um corpo dotado de higiene e saúde, assim como determinados prazeresem 
detrimento a outros, com a ideia de proteção contra contatos perigosos, a fim de garantir uma 
maior longevidade, descendência e vigor. 
29 
 
Convertendo a ideia de “sangue azul” em um corpo munido de sanidade e de uma 
sexualidade sadia, pois a supremacia depende tanto da exploração econômica e social, quanto 
da dominação física. Dando-nos assim a ideia de uma existência muito longínqua das 
sexualidades dissidentes e como, de maneira que pode ser mais ou menos sutil, as sexualidades 
tidas como dissidentes se fazem presentes na construção de um corpo social, sendo alvo de 
diversos tipos de intervenção em prol de uma lógica burguesa, hegemônica e binária (Cirino, 
2007). 
Foucault (1980) também nos demonstra alguns traços principais de análises políticas 
das relações entre poder, sexo, corpo e sexualidade. A “Relação Negativa” coloca que o poder, 
em relação ao sexo, sempre é exercido de modo negativo, seja por barragem, recusa, exclusão, 
rejeição, mascaramento ou ocultação. O autor afirma que a única coisa que o poder pode fazer 
sobre o sexo e os prazeres é dizer-lhes o que não pode ser feito, o que não pode existir. 
Separando o que está junto, construindo e introduzindo descontinuidade, marcando fronteiras, 
tendo como consequência a criação de limites e lacunas. 
A “Instância da Regra” é um traço na relação entre poder e sexo que, conforme colocado 
por Foucault (1980), onde o poder que diz respeito ao sexo é, de forma essencial, ditado pela 
lei, colocando-o sempre em um regime binário de certo e errado, permitido e proibido, lícito e 
ilícito. O poder, e por sua vez a lei, que rege as normas sobre o sexo, a sexualidade e o corpo, 
são efetuados através de discursos, gerando um estado de direito. 
Já o “Ciclo da Interdição” fala sobre outros “nãos” que também são características das 
relações entre o poder, o sexo e o corpo, “não te aproximes, não toques, não consumas, não 
tenhas prazer, não fales, não apareças; em última instância não existirás, a não ser na sombra e 
no segredo” (Foucault, 1980, p. 80). A auto renúncia do sexo aparece aqui como principal 
objetivo deste traço da relação entre poder e sexo, tendo a supressão como seu fundamental 
instrumento de operacionalização. Jogando entre duas alternativas de inexistência, o poder 
30 
 
assim atua suprimindo o sexo de forma a eliminá-lo, forçando os corpos e o sexo a não aparecer, 
se não quiser desaparecer, a só existir perante sua própria anulação. 
O que não existe, não possui direito à manifestação. Portanto, a “Lógica da Censura” é 
um traço da relação entre o poder e o sexo que se baseia em três formas: “afirmar que não é 
permitido, impedir que se diga, negar que exista” (Foucault, 1980, p. 81), gerando assim uma 
lógica encadeada, interditando até que o que não se deve ser falado seja, de fato, anulado. 
Aquilo que não deve se dizer, aparecer ou existir não pode, portanto, existir no real. 
A “Unidade do Dispositivo” diz respeito ao traço em que o poder exerce sobre o sexo 
exerce em todos os níveis, os mesmos modos, se apoia em diversos aparelhos e instituições, das 
mais altas às mais baixas, age de modo global ou localizado, da família ao Estado. Jogando, 
como faz o direito, com o lícito e o ilícito. Frente a um poder que é lei o sujeito sujeitado é 
aquele que é obediente, que segue as regras, leis e direitos colocados, colocando sempre o poder 
que age de acordo com uma submissão que lhe é inerente (Foucault, 1980). 
De acordo com Cataia (2011), o poder é realizado como prática no território e, por este 
motivo, faz-se importante entender como esta relação entre o poder, corpo, território, 
sexualidade e sexo se deu no território brasileiro, entendendo seus processos históricos, a 
situação contemporânea e a agenda pensada para o embate frente às relações desiguais de poder. 
Seguindo esta linha de pensamento, Dias e Leite (2021), colocam que dentro do pensamento 
butleriano, a performatividade é o olhar do qual dá ao corpo um viés político, levando em 
consideração as marcas deixadas pelas estruturas culturais e sociais, permitindo-nos assim 
pensar a cidade e o urbano através dos corpos que os habitam. 
A corporeidade como categoria indispensável para a existência dos sujeitos urbanos. O 
corpo, através da sua materialidade e percepção, é o meio capaz de o sujeito absorver a 
sua experiência na cidade e a performar no seu cotidiano. A relação entre o corpo e a 
cidade é indispensável na constituição do sujeito urbano, e esse relacionamento funciona 
de maneira recíproca, porque, ao mesmo tempo que a cidade é vivida através do corpo, 
o corpo é o responsável por fazer a cidade ... a dissolução de uma imagem dominante 
de corpo no espaço urbano é responsável por possibilitar que múltiplas existências — 
raciais, sociais e de gênero — possam conviver no mesmo lugar e, assim, provocar 
31 
 
“alterações que macularam e subverteram a forma e o espaço urbano” (Dias & Leite, 
2021, pp. 62-63). 
 
As cidades brasileiras, como resultado do processo em curso de modernização-
colonização (Quijano, 2005), são excludentes, fragmentadas, recortadas, articuladas e 
indiferentes aos problemas que atingem às populações mais vulneráveis (Whitaker Ferreira, 
2005). Assim, as ações do Estado e as políticas públicas geram uma grande variedade de 
intervenções territorializadas no espaço, influenciando na forma como se dão relações sociais 
exercidas no dia a dia das pessoas, macro e micropolíticas, fomento e geração de políticas 
públicas que, salvo ações pontuais, miram na proteção das classes mais abastadas (Higor Melo, 
Candida Dantas & Raquel Diniz, 2021). 
Historicamente, as cidades passam constantemente por ações de higienização e 
modernização que significam “sobretudo, eliminar os lugares infectos e sórdidos, o desmazelo, 
a imundície e as residências coletivas (cortiços e cabeças de porco) em que habitava a maioria 
da população” (Whitaker Ferreira, 2005, p. 1), e assim também eliminar as pessoas que habitam 
nesses espaços. Neste processo de limpeza social incluem-se as sexualidades e corpos 
desviantes, como pode ser exemplificado a partir da perseguição a clubes e pessoas que os 
frequentavam e que não estavam dentro do padrão heteronormativo, nas regiões centrais das 
cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, na década de 1960 e 1970, conforme nos informa 
Trevisan (2018). 
Também é no espaço urbano que vão existir contradições e questionamentos acerca da 
vulnerabilidade social que o sistema de divisão de classes evidencia, colocando os discursos 
produzidos de forma hegemônica em xeque. Dado que “a polarização social está impressa no 
espaço, como produto das diferentes formas de sua apropriação. Os espaços, produzidos social 
e economicamente, não apenas moldam as relações entre capital e trabalho, como influenciam 
e estimulam a desigualdade social” (Maiara Leite, Valéria Zanetti & Maria Toniolo, 2021, p. 
54) e, falando especificamente do Brasil, podemos adotar a noção de que esta polarização e as 
32 
 
formas diversas de apropriação do espaço urbano estão enraizadas na nossa história desde os 
tempos da “descoberta” do Brasil. 
Ademais, vale salientar que apesar do discurso de que as cidades são centros, por 
definição, de liberdade, as urbes não são seguras para os corpos LGBTQIAPN+ (Alves & 
Duarte, 2020). A despeito da uma maior rede de acolhimento, amparo, lazer e possibilidade de 
deslocamento social, as cidades do capital, por seu caráter excludente (Andrade & Baptista, 
2015) e dos consequentes discursos que aí se constituem (Alves & Duarte, 2020), tendem a 
repelir nossos corpos LGBTQIAPN+ dos seus espaços de maior interesse, determinando não 
só os espaços da cidade que podemos frequentar, mas também ditando o dia, hora e como 
podemos ou não nos expressar (Junior & Tavares, 2020). 
As origens dos preconceitos, violências e mortes em razão da raça, cor, etnia, gênero, 
sexualidade, dentre outras,nas cidades latino-americanas e, mais especificamente no Brasil, 
possuem o mesmo ponto de partida que é o processo de colonização. Impondo para “O Novo 
Mundo” modos de vida que não são originários daqui e que, em grande parte dos casos, não 
condiziam com as cosmovisões dos povos presentes no território, ou dos que foram forçados a 
estarem aqui através do processo de escravidão. Porém, para conseguirmos entender um pouco 
mais sobre a LGBTQIAPN+fobia nas cidades brasileiras, precisamos voltar ainda mais no 
tempo, antes da frota de Pedro Álvares Cabral içar velas com destino às Índias e, por acidente 
ou não, chegarem ao que conhecemos hoje como o Brasil. 
Trevisan (2018) fala da Ordenações Afonsinas, do ano de 1447, espécie de constituição, 
conjunto de leis que baseada nos deveres canônicos ditava os parâmetros legais em Portugal e, 
consequentemente, em suas colônias. Neste conjunto de leis já eram previstas punições para o 
então chamado de pecado nefando, o pecado da carne, que eram tidos como crimes sexuais, 
principalmente aqueles praticados entre pessoas do mesmo sexo. Porém, foi a partir do ano de 
1521, com a promulgação das Ordenações Manuelinas, que substituíram as Ordenações 
Afonsinas, que o pecado nefando passa a ser mais severamente punido com morte na fogueira 
33 
 
(com exceção para “pessoas de maior importância”), degredo (também entendido como exílio), 
perda de bens e infâmia por três gerações. 
Tendo em vista que historicamente nenhuma proibição inibiu completamente algum tipo 
de comportamento, é possível pensar que também é assim com a história das pessoas 
LGBTQIAPN+. A diversidade sexual sempre esteve no presente e no passado, por vezes aceita 
publicamente de forma mais branda, outras vezes com algumas ressalvas e, mais fortemente, 
depois da interferência da igreja católica no mundo ocidental, necessitando criar estratégias de 
resistência e sobrevivência em meio ao contexto sociocultural ao qual estava inserida. 
Assim também acontecia em Portugal, mesmo com a existência de leis e punições 
severas contra as pessoas sodomitas previstas nas Ordenações Afonsinas e Manuelistas, a 
existência de pessoas que contrariavam os padrões impostos sobre seus corpos aparecem em 
diversos documentos da própria inquisição. 
A partir desses documentos, o escritor, pesquisador e youtuber Eduardo Bueno (2021) 
publica um vídeo5 na plataforma do Youtube falando sobre a “História LGBT no Brasil” e 
comenta sobre como a zona portuária de Lisboa já era, antes da descoberta do Brasil, um lugar 
na cidade onde o pecado nefando estava bastante presente. Já Trevisan (2018) nos traz como as 
comunidades italianas, nos séculos XV e XVI, a partir de sua valorização da cultura grega 
clássica, tratava a sodomia com maior naturalidade e tal prática era comum nas diversas 
colônias italianas presentes em Portugal. Partindo então de uma observação mais pontual é 
possível dizer que, apesar das diversas proibições, punições e mortes, as sexualidades diversas 
existiam e resistiam, produziam territórios para que seus corpos, desejos e prazeres pudessem 
se fazer presentes na vida e na sociedade portuguesa desde muito tempo e, apesar de modos 
diferenciados de operar, é assim até hoje. 
 
5 Vídeo completo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BOyGG_Pc8hY&t=1s 
https://www.youtube.com/watch?v=BOyGG_Pc8hY&t=1s
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Pouco depois da “descoberta do Brasil”, na década de 1530, de acordo com Trevisan 
(2018), embasado nos detalhados relatos sobre a as práticas sexuais tidas como sodomitas e 
nefandas em terras brasileiras, Dom João III, rei de Portugal entre os anos de 1521 e 1557, envia 
carta ao Brasil onde coloca a pena de morte às pessoas que praticassem sodomia, com exceção 
de pessoas com maior status social que poderiam ser condenadas ao degredo ou ao serviço à 
coroa nas naus que, no caso, era praticamente uma sentença de morte. É importante também 
ressaltar que o degredo para o Brasil, em Portugal, era um dos tipos mais comuns de punição 
para pessoas consideradas desviantes e/ou devassas, judeus foragidos, ladrões, assassinos, 
sodomitas, pessoas que praticavam masturbação, entre outros. Como consequência, observa-se 
como o Brasil “tornou-se compulsoriamente um foco de liberdade e promiscuidade no reino, 
atraindo aventureiros e traficantes” (Trevisan, 2018, p. 120). 
Mas é mais tarde, especificamente em 1591, que acontece a primeira visita da Santa 
Inquisição no Brasil onde a busca, incialmente, era por praticantes de heresia contra a Igreja 
Católica Romana. Porém, são vários os relatos sobre denúncias e auto delações sobre os atos 
nefandos praticados na colônia. Tais “crimes” eram cometidos por pessoas de alto status social, 
pessoas escravizadas, nativos e de gêneros, profissões e classes sociais diversas. A referida 
visita foi destinada, de acordo com Bueno (2021), a Salvador e Recife, então as duas maiores 
cidades do Brasil, impulsionadas principalmente pelo mercado da cana-de-açúcar. 
Com as mudanças dos ciclos econômicos no Brasil também houveram mudanças 
socioespaciais para atender a necessidade da produção. A cada inclusão de um novo tipo de 
atividade econômica eram exigidos novos arranjos territoriais que propiciassem a extração e 
exportação, seja do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, do algodão ou do café. 
Avançando um pouco na história, de acordo com Trevisan (2018), entre os séculos XVII 
e XVIII, outras cidades começaram a compor o cenário mais urbano brasileiro e, 
consequentemente, ganhando maior hostilidade nas ações da Santa Inquisição sobre as práticas 
desviantes, dentre estas destacam-se Belo Horizonte, impulsionada pela economia extrativista 
35 
 
no ciclo do ouro nas Minas Gerais, assim como São Paulo e Rio de Janeiro, que por sua vez 
foram alavancadas pelas qualidades do solo do Vale do Paraíba que beneficiava na produção 
do café, quando este produto se tornou o principal na atividade agroexportadora do país (Sena, 
2020; Whitaker Ferreira, 2005). Motivos estes que ajudaram a elevar o Rio de Janeiro, em 1763, 
ao patamar de capital do Brasil, dada a proximidade com o Vale do Paraíba e a necessidade de 
uma cidade que pudesse propiciar mais facilmente a exportação de café, onde foram relatadas 
das mais diversas atividades nefandas (Trevisan, 2018). 
São Paulo, por sua vez, também é atingida pelos efeitos da proximidade com o Vale do 
Paraíba e, durante o século XVIII e XIX, passa por um período de maior industrialização, tendo 
como reflexo as migrações com destino a esta cidade, provocando desterritorialização, 
moradias irregulares, aumento da densidade demográfica, entre outros. De acordo com Trevisan 
(2018, p. 130) é ainda nesse período que relatos sobre a “devassidão do clero de São Paulo”, 
principalmente de casos de relacionamentos sexuais de padres com discípulos. O autor fala 
ainda que, no mesmo período, as festas no Convento do Desterro, primeiro para freiras em 
Salvador, eram comuns celebrações que mesclavam o divino e o pagão, e também eram assunto 
comentado em relatos de viajantes. 
Porém, é na virada do século XIX para o século XX em que ocorrem as primeiras ondas 
de expansão das cidades brasileiras que não pararam até os dias atuais, com o aumento 
populacional e, consequentemente, crescimento do número de relatos dos pecados nefandos nas 
maiores cidades brasileiras (Trevisan, 2018). 
Hoje, temos como as seis maiores cidades do Brasil, respectivamente, São Paulo, Rio 
de Janeiro, Brasília, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte, dentre estas destaco que cinco estão 
entre as cidades que mais matam pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil, de acordo com o Grupo 
Gay da Bahia (GGB) (2019) estas são, em ordem decrescente, Salvador, São Paulo, Rio de 
Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza. 
36 
 
Faltam dados para saber se essa maior incidência se dá pelo fato de serem as cidades 
com os maiores índices populacionais, pelas maiores possibilidades

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