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DossiAJanFabre-Freitas-2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
WALLACE JOSÉ DE OLIVEIRA 
FREITAS 
 
DOSSIÊ JAN FABRE: DIÁLOGOS E 
GERMINAÇÕES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2017 
 
 
 
WALLACE JOSÉ DE OLIVEIRA FREITAS 
 
 
 
 
DOSSIÊ JAN FABRE: DIÁLOGOS E GERMINAÇÕES 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Artes Cênicas da 
Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, como parte dos requisitos para 
obtenção do título de Mestre em Artes 
Cênicas. 
 
Orientadora: Profa. Dr.ª Naira Neide Ciotti 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL – RN 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes – DEART 
 Freitas, Wallace José de Oliveira. 
 Dossiê Jan Fabre: diálogos e germinações / Wallace José de Oliveira 
Freitas. - Natal, 2017. 
 151f.: il. 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, 
Letras e Artes, Departamento de Artes, Programa de Pós-graduação em Artes 
Cênicas. 
 Orientador: Prof.ª Dr.ª Naira Neide Ciotti. 
 
 1. Teatro - estudo e ensino - Dissertação. 2. Performance - teatro - 
Dissertação. 3. Fabre, Jan - Dissertação. I. Ciotti, Naira Neide. II. Título. 
 
RN/UF/BS-DEART CDU 792.02 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 Esta pesquisa criou uma imensa rede de colaboradores na qual fui agraciado 
e que contribuíram para todo o andamento de seu processo. Além disso, demarca a 
possibilidade de dar mais um passo adiante em minha carreira acadêmica e com 
isso, festejo por estar finalizando esse desafiante ciclo que é o mestrado. 
 Impossível não agradecer a meus pais, Wilma e José, que nas brincadeiras 
sempre falam que eu deveria já ter passado em um concurso público e não ficar 
lendo e escrevendo tanto. Agradeço pela paciência, pelo luxo que é, em um país em 
tanta crise, ser estudante de artes e viver embaixo de vossas asas. Agradeço por no 
final do túnel eles sempre estarem lá, confiando em mim. E ainda, minha irmã 
Vanessa, por ser minha eterna confidente. 
 Sou grato a minha orientadora de mestrado, Naira Ciotti, por tanto cuidado 
com minha pesquisa. Sempre sábia, me fazendo conectar algumas coisas que 
sempre estiveram ali na minha frente. Agradeço não só pela orientação de 
mestrado, mas também a de vida. 
 Muito grato a todas as companheiras de jornada do mestrado: Rachel 
Cavalcante, Camila Duarte, Camila Tiago, Nyka, Celly, Tatiane e todas as outras 
deusas que habitam nosso programa. E os queridos da turma de 2015 do PPGARC 
da UFRN, que me ensinaram tanto sobre companheirismo acadêmico. 
 Agradeço a Professora Mara Leal, que mesmo desconhecendo meu trabalho, 
se prontificou a contribuir e participar tanto das bancas de qualificação, quanto 
defesa desta dissertação. Além disso, sou grato pelas considerações e carinho com 
minha pesquisa, que muito ajudaram a fazê-la crescer. 
 Agradeço a Professora Larissa Tibúrcio, tanto pelas disciplinas ministradas 
(que foram fundamentais para esta pesquisa), quanto à participação na qualificação 
e defesa deste trabalho. Sempre terna e sensível, sempre me trazendo algo novo e 
refrescante. 
 Agradeço ao Programa de Mestrado desta instituição, e que com a 
colaboração da CAPES, viabilizaram a construção das várias experiências 
explanadas aqui e da oportunidade de fazer uma pós-graduação gratuita. 
 
 
 Aos amigos Caio Lima e Erickaline Lima que me ajudaram nas partes mais 
técnicas deste trabalho, possibilitando um segundo olhar sobre meu trabalho, me 
deixando sem palavras suficientes para agradecer. 
 Agradeço também a presença constante de pessoas como Giovana Tionácio, 
Priscilla Jesus, Brenda Rabelo que estão sempre me dando suporte e me 
estimulando a melhorar a cada dia. 
 Agradeço ao meu companheiro de jornada da vida, Hareton Vechi, que 
sempre segurou minha mão quando pensei que fosse cair e que me acompanhou 
em toda a viagem ao exterior, quase como um assistente. 
 Agradeço ao Jan Fabre, ao Troubleyn, sobretudo, a Miet Martes e Katrjin 
Leemans, que foram minhas guias na viagem até Antuérpia. 
 Muitíssimo grato ao Professor Luk Van Den Dries que se tornou um amigo 
nessa jornada, me confiando seu livro e me guiando em muitos passos sobre o 
desconhecido, deixando viva essa possibilidade de trocas pós-dissertação. 
 Agradeço a você, que parou sua vida para ler este trabalho, mesmo que só 
uma parte. 
 Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação da UFRN 
em Artes cênicas que fortaleceram cada pisada à frente neste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cada passo que tomei em minha vida, 
Trouxe-me aqui, 
Agora. 
 
Troubleyn 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho procura desenvolver reflexões no campo das artes sobre as 
possibilidades de teatro para além do texto clássico (aristotélico) e das separações 
homogêneas das linguagens artísticas levando em consideração duas produções do 
artista belga Jan Fabre. Entendendo que teatro performativo seria esse lugar entre o 
teatro e a performance, onde um percebe no outro a capacidade de germinação, 
objetiva-se apresentar esse artista e utilizar como base as obras The Power of 
Theatrical Madness (o reenactment de 2012) e Mount Olympus (uma performance 
de 24 horas de duração – 2015), e, ainda, a sede do diretor – o Troubleyn / 
Laboratorium. A partir do título do trabalho, sugestiono para a pesquisa a ideia de 
dossiê enquanto espécie de coleção de documentos ou “pequeno arquivo” que 
contém algum assunto para análise. Nessa ideia, procuro desmembrar 
características do trabalho artístico de Fabre. Trata-se de obras específicas, mas 
cuja análise crítica acaba por denunciar o modus operandi de Fabre como um todo. 
Reside aqui, uma tentativa de traduzir Fabre e seu trabalho, não somente no que 
tange à linguagem, mas no que se refere às imagens, vídeos e buscas. É uma 
tradução das várias informações e entrevistas realizadas ao longo dessa jornada. É 
a tradução também do que eu sinto, percebo e assimilo nesses diálogos constantes 
com o Troubleyn. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Teatro Performativo; Jan Fabre; Performance; The Power of 
Theatrical Madness; Mount Olympus. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The present study aims to develop reflections in the arts field about the theater 
possibilities beyond the classic text (Aristotle) and homogeneous separation of the 
artistic languages taking into consideration two productions of the Belgian artist Jan 
Fabre. Understanding that Performative Theater would be this place between the 
theater and the performance, where one realizes on the other the germination ability. 
It’s the intention to introduce this artist and use as a basis of study his works The 
Power of Theatrical Madness (1984 – 2012), and Mount Olympus (a twenty four-
hours performance – 2015) and also his head office, the Troubleyn / Laboratorium. 
From the title of this work, I walk into the dossier idea as a kind of documents 
collection or a short file, that carries some subject for analysis. This way, I intend to 
dismember the features of Jan Fabre’s artwork. However these are specifics works, 
its critical analysis turns out to reveal Fabre’s modus operandi as a whole. Here is an 
attempt to translate Fabre and his works, not only with regard to the language, but to 
translate what comes from pictures, videos and searches. It´s a translation of 
information I receive and interviews I´ve done throughout my journey. It´s also a 
translation of what I feel, I realize and assimilate through these constant dialogues 
with Troubleyn.Key-words: Performative Theater; Jan Fabre; Performance; The Power of Theatrical 
Madness; Mount Olympus. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Figura 1: Desenho de cena, 2015...................................................................................13 
Figura 2: Castle Tivoli, Jan Fabre 1991..........................................................................18 
Figura 3: “Dança dos Imperadores”...............................................................................35 
Figura 4: O texto em The Power of Theatrical Madness..............................................39 
Figura 5: Parrots and Guinea Pigs, de 2002..................................................................42 
Figura 6: Espaço de experimentação e pesquisa teatral.............................................45 
Figura 7: The Power of Theatrical Madness, 1984........................................................54 
Figura 8: Captura da cena descrita no texto, no vídeo................................................60 
Figura 9: “Cena da tapa”.................................................................................................62 
Figura 10: O Imperador....................................................................................................65 
Figura 11: A cena da faca em The Power of Theatrical Madness................................67 
Figura 12: O figurino........................................................................................................69 
Figura 13: Cena final da obra “The power of Theatrical Madness..............................72 
Figura 14 : O Troubleyn visto de cima...........................................................................77 
Figura 15: Visita ao interior do Troubleyn.....................................................................79 
Figura 16: Fachada atual do Troubleyn.........................................................................80 
Figura 17: Interior do Troubleyn.....................................................................................81 
Figura 18: “Mesa da Resistência”..................................................................................81 
Figura 19: “Spirit Cooking”.............................................................................................84 
Figura 20: Eu e Katrijn Leemans....................................................................................85 
Figura 21: “Tellure” de Romeo Castellucci...................................................................86 
Figura 22: “Sweat” de Peter De Cupere.........................................................................88 
Figura 23: “Sweat”...........................................................................................................89 
Figura 24: There – There are – There is – There – Th – I – Robert 
Wilson...............................................................................................................................91 
Figura 25: Mount Olympus, 2016....................................................................................96 
 
 
Figura 26: Agamenon....................................................................................................100 
Figura 27: Programa do Espetáculo.............................................................................106 
Figura 28: Jocasta..........................................................................................................108 
Figura 29:Twerk, 2016....................................................................................................115 
Figura 30: Cancan Francês...........................................................................................116 
Figura 31: Cena das correntes de ferro.......................................................................120 
Figura 32: Eu e Jan Fabre.............................................................................................128 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 12 
METODOLOGIAS .................................................................................... 22 
Tradução .................................................................................................. 27 
CAPÍTULO I: ESTE É O TEATRO COMO ERA ESPERADO ..... ............ 31 
1.1 A gênese do trajeto ............................................................................. 32 
1.2 JAN FABRE ........................................................................................ 36 
1.3 Troubleyn – grupo de pesquisa, estudo e treinamento........................ 44 
CAPITULO II: O PODER DA LOUCURA TEATRAL ................................ 52 
2. THE POWER OF THEATRICAL MADNESS ......................................... 53 
2.1 Reenactment / Reperformance ........................................................... 54 
3. Repetição ............................................................................................ 60 
3.1 Duração .............................................................................................. 63 
3.2 Referências à história do teatro .......................................................... 64 
4. Riscos? Ou Ética? ................................................................................ 66 
5. Disciplina e Poder ................................................................................. 69 
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO .............................................. 73 
CAPÍTULO III: TROUBLEYN / LABORATORIUM ................................... 75 
3.1 Troubleyn: a história de uma sede/museu .......................................... 76 
3.2 Entre várias, algumas peças do acervo .............................................. 83 
3.3 Troubleyn simbiose ............................................................................. 92 
CAPÍTULO IV: MOUNT OLYMPUS ........................................................ 94 
4. MOUNT OLYMPUS .............................................................................. 96 
4.1 A TRAGÉDIA ...................................................................................... 99 
4.2 O TEXTO .......................................................................................... 104 
4.3 O TEMPO ......................................................................................... 109 
4.4 GERMINAÇÕES DO CORPO ........................................................... 117 
 
 
CONCLUSÃO ........................................................................................ 125 
REFERÊNCIAS ..................................................................................... .129 
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................ 132 
APÊNDICE A – FICHA TÉCNICA MOUNT OLYMPUS ........................... 133 
APÊNDICE B – ENTREVISTA COM JAN FABRE .................................. 135 
APÊNDICE C – ENTREVISTA COM MARINA KAPTIJN ........................ 141 
APÊNDICE D – ENTREVISTA COM MORENO PERNA ........................ 143 
APÊNDICE E – ENTREVISTA COM TONY RIZZI .................................. 145 
APÊNDICE F- ENTREVISTA COM GILLES POLET ............................... 147 
APÊNDICE G –DRAMATURGO JEROEN OLYSLAEGERS ................... 149 
ANEXO: .................................................................................................. 151 
FICHA TÉCNICA DA OBRA THE POWER OF THEATRICAL.................151 
12 
 
INTRODUÇÃO 
 
As mudanças sobrevieram, pois, frente à teoria, ao seu papel, ao que dele 
se esperava. Não se exigia mais dela, doravante, tudo englobar, tudo 
explicar. Ela pode ser fragmentária, parcial. Não se espera que responda a 
todas as questões, mas, de modo mais simples, que ajude a colocá-las. Ela 
tornou-se o instrumento que permite interrogara obra, explorá-la para fazer 
emergir não mais o sentido, porém os sentidos que nela residem (FÉRAL, 
2015, p. 20). 
 
Provavelmente o nome “ensaio” seja o mais apropriado para o texto que se 
inscreve nas linhas abaixo, sobretudo, por acreditar que o sentido das coisas é de 
mais fácil apreensão a partir do seu work in progress1 do que de seu resultado final. 
Dessa forma, trago vestígios de um corpo que tem realizado – o que poderíamos 
chamar de “ações de pesquisa” – para tentar clarificar um caminho que vem sendo 
traçado há um tempo, em termos de investigação sobre um artista e suas obras. 
Mostro uma tentativa de exercitar uma escrita mais pessoal, mais real e 
contígua do que eu sou (se é que é possível ao escrever não nos denunciarmos), 
chegando muito próximo as aberturas que têm sido discutidas no meio acadêmico 
em relação à metodologia e a aplicação dela nas artes, inclusive, no que se refere 
as do corpo. 
 
Esta parece ser a mais elementar das questões de método na pesquisa em 
artes: como lidar com o logos acadêmico científico (comunicante), quando 
se trabalha com uma forma de produção simbólica ambivalente, como a 
linguagem do corpo (que, por natureza, “corrompe” o próprio discurso). Tal 
questão nos leva a uma aporia, uma dificuldade em parte insolúvel, que a 
fenomenologia procura amenizar, ao vincular sujeito psicológico, lógica da 
linguagem e ontologia (aquilo que dá os atributos essenciais ao “ser” [...]) 
(ANDRADE, 2012, p.114). 
 
Minha intenção, no entanto, não é começar uma discussão sobre a 
formatação dos trabalhos acadêmicos, ou se, enquanto artistas/pesquisadores, elas 
vêm de encontro aos nossos anseios produtivos. Dessa discussão eu me isento um 
 
1
 Literalmente poderíamos traduzir por “trabalho em processo”, procedimento este que tem por matriz 
a noção de processo, feitura, iteratividade, retroalimentação, distinguindo-se de outros procedimentos 
que partem de apreensões apriorísticas, de variáveis fechadas ou de sistemas não-iterativos 
(COHEN, 2006, p.17, nota de rodapé). 
13 
 
pouco neste momento, ou talvez ela venha transparente na minha forma de escrever 
este trabalho, revelando assim uma contaminação que se instaura em minha escrita. 
Mas, o que se pretende aqui é falar sobre um teatro ensandecido2, produzido por um 
artista chamado Jan Fabre. 
A partir do título do trabalho, iniciado com a palavra Dossiê, sou encaminhado 
para duas inclinações. A primeira, dossiê3 enquanto espécie de coleção de 
documentos ou pequeno arquivo que contém papéis relativos a determinado 
assunto, processo, empresa ou pessoa (palavra mais explorada na área jurídica). 
Nessa acepção, um dossiê geralmente contém uma biografia ou informações 
detalhadas para análise sobre um interesse em especial. 
E, inevitavelmente, o dossiê genético4, estudado por Cecília Salles sobre 
estudos da crítica genética, que lida justamente com a ideia de colher os vestígios 
de um determinado processo criativo, para assim poder tornar palpável sua feitura e 
a sinuosidade, se pautando em “melhor compreender o processo de criação 
artística, a partir dos registros desse seu percurso deixados pelo artista” (SALLES, 
2008, p. 20-21). 
 
Figura 1 – Desenho de cena e foto da execução da cena, 2015
5
 
 
2
 Alusão à palavra inglesa “madness” contida no título de seu trabalho “The Power of Theatrical 
Madness”, que em tradução significa loucura; ensandecido. 
3
 Dossier, palavra de origem francesa, é a variante mais utilizada em Portugal, mas que gradualmente 
foi sendo substituída por dossiê, a única versão atestada no Prontuário da Academia Brasileira de 
Letras (ABL). 
4
 Para a construção do dossiê genético, o pesquisador inicia uma série de etapas que têm o objetivo 
de tornar os documentos que ele tem em mãos legíveis. Estou me referindo à elaboração do dossiê 
dos documentos do processo (SALLES, 2008, p. 62). 
5
 O desenho feito à mão por Jan Fabre e a foto da performer executando a imagem estão contidos no 
livro da dramaturgia do espetáculo Mount Olympus e servem como aporte para justificar por que 
expando à noção de dossiê. 
14 
 
 A noção mais geral de dossiê talvez acolha melhor esta pesquisa em 
cruzamento com as ideias de Cecília Salles sobre arquivos – dossiê genético – pois, 
foi da tentativa da construção dessa espécie de “pasta com vestígios do artista” que 
esse trabalho conseguiu ser desenvolvido. No entanto, não posso afirmar que esse 
trabalho inteiro é um dossiê genético, e sim, o resultado de diálogos que foram 
germinando e me encaminhando para outros lugares. 
 Esclareço imediatamente que expando a noção de dossiê como uma tentativa 
de deslocar não somente informações do processo criativo das obras, mas do todo 
que me inquieta no artista/obras. Imaginemos uma caixa com análises, fotos, vídeos, 
pensamentos, informações, ou qualquer coisa que tenha sido entregue a mim no 
processo de pesquisa. A presente pesquisa é essa caixa aberta. 
Procura-se aqui, além de tudo, desenvolver considerações no campo das 
artes sobre as possibilidades do teatro para além do texto clássico (aristotélico) e 
das separações homogêneas das linguagens artísticas. Discussão essa que nunca 
se esgota enquanto reflexão sobre o momento desabrochado no qual estamos 
vivendo atualmente. 
Seguindo para caminhos mais específicos enquanto objetivos, a intenção é 
entender o trabalho artístico de Fabre, levando em consideração seu teatro e as 
metamorfoses impingidas em suas obras, resguardo-me ao desejo de desvelar as 
características do universo Fabriano enquanto linguagem híbrida, tendo como 
referência central, as obras: The Power of Theatrical Madness (1984 e 2012)6; seu 
último trabalho, Mount Olympus (2015), uma performance com duração de 24 horas; 
e ainda, sua sede de experimentação artística – o Troubleyn. 
Obras como The Power of Theatrical Madness (2012), Parrots and Guinea 
Pigs (2002) e Mount Olympus (2015), são alguns dos trabalhos que ganharam muita 
visibilidade em festivais de arte e permeiam, de certa maneira, a forma como 
conheço o trabalho do diretor. A partir do que surge dessas obras, procuro brechas 
 
6
 A obra foi criada e estreada em 1984. No ano de 2012, Jan Fabre decide fazer uma reperformance 
de sua produção, ou seja, ele convida outros artistas, mantém algumas partes conforme a primeira 
obra, muda algumas outras estruturas e estreia a “nova” versão. Minha pesquisa se pauta no trabalho 
de 2012. 
15 
 
para entender o modus operandi7 de Jan Fabre e sua companhia – o Troubleyn, e 
ainda, o corpo que nesses trabalhos – e em tantos outros – cruza uma linha 
fronteiriça entre o belo e o estranho, entre a disciplina e a violência, entre o visual e 
o teatral. 
Pensando nesses objetivos e em diálogo recorrente com minha orientadora, a 
Profa. Dr.ª Naira Ciotti, resolvemos estabelecer o que gostamos de chamar de 
“ações de pesquisa”. A partir do momento que se tornou dificultoso obter materiais 
sobre Fabre aqui no Brasil, e ainda a internet se mostrando limitada nas minhas 
buscas, tivemos que pensar em ações (etapas) facilitadoras do processo de 
pesquisa: a análise da obra de Fabre a partir de vídeo; visita à sede do Troubleyn-
Jan Fabre em Antuérpia-Bélgica; entrevista com Jan Fabre e artistas; apreciação 
presencial da performance de 24 horas – Mount Olympus. 
É válido salientar que essas “ações de pesquisa” foram acontecendo em 
concomitância com o desenvolver dessa investigação e, muitas delas, nem estavam 
na “agenda” da pesquisa, mas foram surgindo enquanto oportunidades para nossa 
exploração. Fomos nos apropriando, de modo a não deixar as ações escaparem da 
construção deste trabalho. 
Nesse sentido, busca-se a compreensão sobre quem é esse diretor,de onde 
ele vem, quais suas influências estéticas e o que demarca suas obras teatrais. 
Fazendo uma espécie de levantamento sobre Jan Fabre a partir de fontes colhidas 
antes mesmo de idealizar esse percurso/trabalho. 
O diretor Fabre nasceu em 1958, na cidade de Antuérpia, na Bélgica, cidade 
em que ele vive até o momento, e ainda, onde mantém a sede do seu grupo de 
experimentação teatral, o Troubleyn. Foi aluno do Municipal Institute of Decorative 
Arts e ainda da Royal Academy of Fine Arts8, ambas situadas também em Antuérpia. 
 
7
 Modus Operandi enquanto ideia de: entender a maneira de agir, de produzir, de criar, realizar. Ou 
como Boato (2013) vai utilizar o termo para: entender a variação dos detalhes das ações conservadas 
nas estruturas dos espetáculos de Fabre. 
BOATO, Giulio et al. Genética de um Reenactment em Jan Fabre. Revista Brasileira de Estudos 
da Presença, v. 3, n. 2, p. 425-446, 2013. 
8
 Currículo completo disponível em: < http://janfabre.be/angelos/over-jan-fabre/ >. Acesso em maio de 
2015. 
http://janfabre.be/angelos/over-jan-fabre/
16 
 
Como informa seu site9, no final dos anos 70, Jan Fabre ainda jovem causou 
furor ao apresentar um trabalho envolvendo pacotes de dinheiros pagos, como 
entradas do público, a fim de fazer desenhos com as cinzas das cédulas queimadas, 
ocasionando certa raiva na época para aqueles que pagaram pela performance. 
Jan Fabre cresceu e se tornou um artista bastante versátil da cena 
internacional. Ele faz uma ruptura com as convenções do teatro tradicional, 
introduzindo o conceito de “real-time performance”- às vezes chamadas de 
"instalações vivas" - e explora desde a possibilidade de coreografias enérgicas e 
rígidas10 à improvisação, colocando algumas vezes os artistas em contato com o 
risco (por exemplo: uma bailarina dançando e correndo em um chão todo banhado 
de azeite). 
Como praticamente não existem livros traduzidos em português (exceção de 
Lehmann) que discutem a produção desse multiartista, senti-me estimulado a 
entender seu trabalho e poder disseminar, no meio acadêmico brasileiro, uma 
pesquisa sobre o mesmo. 
Percebe-se que o trabalho de Jan Fabre cria um campo fecundo de 
discussões sobre as artes cênicas, e contribui para olharmos o teatro através de 
outros prismas: a discussão sobre o tempo na obra teatral; a transdisciplinaridade 
das linguagens artísticas; as novas funções que o texto pode assumir em cena; o 
corpo, primado em sua complexidade e beleza; a duração e repetição enquanto 
elementos cênicos; assim como outras questões que sugestionam pesquisar sobre o 
trabalho de Fabre com o Troubleyn, enquanto um território profícuo para se pensar o 
teatro contemporâneo. 
Além de utilizar o nome “teatro” ao me referir muitas vezes ao artista (o 
trabalho dele reside nesse território também), entendo que o primal lugar para a 
observação do trabalho híbrido de Jan Fabre são as relações mantidas entre seus 
experimentos cênicos e os da arte da performance. É nesta linguagem heterogênea 
que o diretor se inicia artisticamente e, provavelmente, a partir dessa experiência 
que chega à arte teatral. “Quando destrói os códigos do teatro que Lehmann define 
 
9
 Conteúdo retirado do site do diretor. Disponível em: < http://janfabre.be/troubleyn/en/about-jan-fabre/ 
>. Acesso em maio de 2015. 
10
 Idem. 
http://janfabre.be/troubleyn/en/about-jan-fabre/
17 
 
como dramático, o faz principalmente a partir de recursos emprestados da 
performance” (DE ALMEIDA, 2007, p. 168). 
Ressaltando a desconstrução de textos clássicos, ou o deslocamento do texto 
para um lugar não mais de centralidade na obra, e sim, de possibilidades diferentes, 
como uma palavra que se repete incessantemente em composição a movimentos 
bruscos do corpo – como a dança contemporânea. Jan Fabre não poupa uma 
linguagem artística de outra nos processos de criação com seus performers. Marvin 
Carlson vai escrever sobre isso, ao pensar sobre o teatro pós-dramático: 
 
Fundamental para esse conceito é a união do pós-dramático ao conceito de 
desconstrução teatral de textos clássicos, mas tal união desconsidera 
grande parte do pós-dramático, que, seguindo o conselho de Craig, se 
distancia do texto dramático tradicional por completo. Isso não significa que 
não exista um texto, mas que pode muito bem ser o que os semioticistas 
geralmente chamavam de texto performativo, um texto que se cria na 
performance (CARLSON, 2015, p. 581). 
 
Apesar de haver um número considerável de pesquisas falando sobre teatro 
pós-dramático (ou teatro performativo situado por Josette Féral11), creio que ainda 
existe uma certa dificuldade ou, até mesmo, pouco entendimento sobre as 
contaminações sofridas no teatro a respeito da utilização de outras linguagens para 
constituir algo mais heterogêneo. Nessa acepção, a partir da ótica da hibridização, 
percebemos que no processo final do espetáculo de Fabre, não interessa se o uso 
da repetição, por exemplo, surgiu em um ensaio de dança ou foi utilizado em uma 
performance. 
O “ajuntamento” entre as diferentes formas artísticas parece constituir outra 
linguagem cênica, alcançando aquele já conhecido “tom” característico dos 
espetáculos contemporâneos. O trabalho artístico de Fabre, segundo o próprio em 
entrevista concedida a mim, defende que o teatro não precisa se colocar enquanto 
forma única e específica, e sim, ser expandido pelo profundo contato com outras 
linguagens, poderia ser mais bem considerado como um híbrido de teatro, dança, 
performance e plasticidade, que enfatiza tudo o que possa desenvolver a 
potencialidade do corpo como expressão. 
 
11
 Josette Féral é crítica, teórica e professora na École Supérieure de Théâtre de l’UQAM, em 
Montréal, no Canadá, desde 1981. Ficou conhecida por suas ideias sobre teatro performativo e crítica 
genética. 
18 
 
Como expõe Luk Van Den Dries12, em seu livro “Corpus Jan Fabre”, aproprio-
me desse trecho para subsidiar as aspirações de Fabre a respeito do corpo em suas 
obras: 
[…] tentativa de capturar um corpo. De que forma ele se movimenta. O que 
se movimenta em seu interior. De que forma ele muda. Não apenas um 
corpo, mas muitos corpos. Porque, no trabalho de Jan Fabre, o corpo se 
transforma constantemente. Não é possível prendê-lo. Ele desliza, ele 
serpenteia, ele treme por completo. O corpo assume variadas formas. Em 
cada produção, de novo e mais uma vez. Um maremoto de corpos. Existe 
também uma tentativa de observar o interior desse corpo. O que acontece 
com ele. Como ele se prepara para o universo Fabriano. De que forma ele 
reage inserido no espaço (VAN DEN DRIES, 2006, p.7,)
13
. 
 
Por muitos anos, o artista plástico e diretor Fabre, trata de seus trabalhos 
visuais de forma quase obsessiva. Por exemplo, alguns de seus feitos se baseiam 
em uma técnica de pintura com caneta esferográfica de cor azul (importante técnica 
de sua carreira). Ele já pintou a mão um castelo, uma mesa, paredes – somente com 
caneta azul – além de várias outras obras que seria necessário muito tempo para 
dissertar. Meu ponto aqui é mostrar que ele está sempre testando os limites, dele e 
dos que com ele trabalham. 
 
Figura 2: Castle Tivoli, Jan Fabre 1991
14 
 
12
 Professor de Estudos Teatrais na Universidade de Antuérpia (Bélgica). Ele foi editor da revista de 
teatro Etcetera, organizador do Festival Flamengo-Holandês de Teatro e presidente do conselho de 
artes flamengas. Acompanha o trabalho de Fabre desde 2002 e tem sido uma referência na 
construção dessa pesquisa. 
13
 Versão original: Primarily, this book tries to capture a body. How it moves. What moves within it. 
How it changes. Not one body, but many bodies. Because in Jan Fabre’s work, thebody constantly 
transforms. It cannot be pinned down. It glides, it meanders, it’s all quivers. The body takes many 
shapes. In every production over again. A tidal wave of bodies. This book also attempts to look inside 
that body. What happens in it. How it prepares for the Fabrian universe. How it reacts in space. 
Contido no livro: 
VAN DEN DRIES, Luk. Corpus Jan Fabre. Gand: L’Arche, 2006. 
14
 A imagem e outras obras visuais do artista se encontram no domínio do site: < 
http://angelos.be/eng/selection-of-works/public-space >. Acesso em 28 de julho de 2015. 
http://angelos.be/eng/selection-of-works/public-space
19 
 
A partir do Castle Tivoli, a palavra limite me vem instantaneamente ao 
pensamento, tanto nas exibições de Fabre, quanto ao observar os corpos dos 
artistas que trabalham com ele. São corpos que estão sempre nesse limite, nas 
fronteiras da dor e do prazer, na minuciosidade entre o impossível e o fictício do 
teatro. Os corpos são testados constantemente, na balança entre um trabalho de 
precisão, ao mesmo tempo de descontrole, os limites são sempre rasgados frente ao 
nosso cotidiano. Seja em seu teatro, seja enquanto artista plástico. 
O diretor tem avolumado a cena contemporânea com seus trabalhos, os quais 
parecem misturar as linguagens artísticas, numa espécie de hibridização. Quando 
assistimos ou vemos fotos de seus trabalhos, percebemos muito mais uma espécie 
de aglutinação15 do que complementação de uma estrutura artística com outra. 
O trabalho de Fabre é fortemente contaminado pelas artes visuais e isso é 
evidenciado no trabalho teatral dele. Féral (2015, p. 135), assim como Roselee 
Goldberg e alguns autores afirmam que “tudo coloca a performance do lado das 
artes plásticas: sua origem, sua história, suas manifestações, seus lugares, seus 
artistas, seus objetivos, sua concepção de arte, sua relação com o público”. 
Exercendo múltiplas funções em suas encenações, como coreógrafo, 
dramaturgo, diretor e artista plástico, Fabre já foi radicalmente desaprovado por 
alguns, ao mesmo tempo em que é admirado por outros. 
O motivo de controvérsias em relação ao seu trabalho, provavelmente, deve-
se às suas escolhas estéticas, amparada na utilização outrora de animais em cena, 
ou na violência meticulosa, em que os atuantes se colocam no palco. Pôr à prova a 
sensibilidade e a ética do espectador parece ser um procedimento que Fabre recorre 
com insistência em seus trabalhos. Um exemplo vemos nos primeiros quinze 
minutos de sua obra History of Tears (2005), durante os quais os performers gritam, 
de maneira contínua, como recém-nascidos ou, ainda, as rãs esmagadas em cena, 
cuja veracidade custa a ser posta em dúvida, em The Power of Theatrical Madness 
(LARMET, 2014). 
 
15
 Segundo o dicionário Michaelis de língua portuguesa: a.glu.ti.nar 
(lat agglutinare). Unir com cola ou grude. Causar aderência; tornar(-se) coesivo; unir(-se). Juntar (os 
lábios das feridas) por meio de uma substância aglutinante. Fazer passar por aglutinação 
(corpúsculos sanguíneos, por exemplo). Juntar por aglutinação. 
20 
 
Acompanhando os ensaios do grupo para a produção do reenactment da obra 
This is Theatre Like it Was to Be Expected and Foreseen (2012), o pesquisador 
Giulio Boato, em relação aos animais em cena, assinala que: 
 
O efeito perturbador sobre o espectador é causado pela simples presença 
das aves. A copresença do homem e do animal estabelece de imediato uma 
relação de força: nesse caso, o animal é visto como estando à mercê do 
homem, aí podendo estar incluídos todos os eventuais sentimentos de 
culpa, aversão, cólera, tristeza. Mesmo se em cena não aconteça quase 
nada, o efeito sobre o espectador está garantido (BOATO, 2013, p.450). 
 
Quando se analisa suas obras, percebe-se uma tentativa de juntar as 
possibilidades artísticas de cada linguagem gerando um processo de transformação 
dos códigos de cada área para que o resultado seja revelador, no sentido de 
comprovar que na contemporaneidade, o caos, a descontinuidade, a 
“desfronteirização”, a heterogeneidade e a subjetividade, contaminam violentamente 
as artes cênicas e se convergem. 
Este trabalho é fruto da tentativa em descrever e analisar esse híbrido, versão 
contaminada do teatro Fabriano. Não se trata de uma pesquisa daquilo que ele 
produziu até então, nem existe intenção de abarcar um tipo de história genealógica, 
de suas performances iniciais dos últimos anos da década de 1970 até chegar aos 
seus trabalhos mais recentes, algo que demandaria um tempo maior de pesquisa. 
O que acredito ser interessante é a problematização, neste momento, da 
metamorfose teatral transposta por Fabre em suas obras, a partir dos trabalhos 
citados. A estratificação como uma condição absoluta do seu trabalho, sempre 
conectando extremos, sem ansiar por uma síntese sequer. Entendendo que para 
ele, o confronto se constitui numa arma muito poderosa. 
Poderia utilizar vários nomes para os artistas que trabalham nas obras de 
Fabre (bailarinos, intérpretes, ator, etc.), mas, analisando suas obras e diante das 
discussões expostas sobre esse teatro híbrido, ou performativo, como nos acusa 
Féral, achei mais concludente me referir ao leque de artistas que trabalham com 
Fabre como performers, nomenclatura esta que abrange melhor o trabalho artístico 
desenvolvido pelos artistas do Troubleyn (companhia de artistas que trabalham com 
Fabre). 
 
21 
 
O performer não apresenta a si mesmo, assim como não se representa. Ele 
é antes fonte de produção, de deslocamento. Convertido no lugar de 
passagem de fluxos energéticos (gestuais, vocais, libidinais etc.) que o 
atravessam sem jamais se imobilizar em um sentido ou em uma 
representação dada, seu jogo de atuação é o de fazer os fluxos operarem, 
captar as redes (FÉRAL, 2015, p. 155). 
 
Percebo que a definição ou resgate (outros autores já falaram sobre isso)16 de 
Josette Féral sobre performer se encaixa melhor nas definições que tenho lido sobre 
o trabalho artístico daqueles que compõe o grupo teatral de Jan Fabre. Sendo 
assim, ao longo desta pesquisa irei me direcionar aos artistas atuantes como 
performers, por entender que esse conceito é bem mais abrangente para um 
trabalho que se coloca tão heterogêneo. 
Entendendo que teatro performativo17 seria esse lugar entre o teatro e a 
performance, onde um percebe no outro a capacidade de germinação, começo a 
enxergar que o teatro Fabriano – se fosse possível de ser encaixado em alguma 
explicação sobre o teatro contemporâneo – poderia ser incluído no que Féral diz: 
 
Se seguirmos nosso primeiro impulso, duas fortes ideias estão no centro da 
obra performativa: De um lado, seu caráter de descrição dos fatos. Por 
outro, as ações que o performer ali realiza. A performance toma lugar no 
real e enfoca essa mesma realidade na qual se inscreve desconstruindo-a, 
jogando com os códigos e as capacidades do espectador [...]. Essa 
desconstrução passa por um jogo com os signos que se tornam instáveis, 
fluidos forçando o olhar do espectador a se adaptar incessantemente, a 
migrar de uma referência à outra, de um sistema de representação a outro, 
inscrevendo sempre a cena no lúdico e tentando por aí escapar da 
representação mimética. O performer instala a ambiguidade de 
significações, o deslocamento dos códigos, os deslizes de sentido. Trata-se, 
portanto, de desconstruir a realidade, os signos, os sentidos e a linguagem 
(FÉRAL, 2008, p.203-204). 
 
Fabre não se relaciona tão diretamente com o teatro tradicional, no qual 
atores buscam dotar de forma um personagem. Ele dispensa qualquer tipo de retrato 
psicológico de arte (VAN DEN DRIES, 2006). Por isso, termos como teatro 
performativo podem ser incluídos nos estudos sobre Jan Fabre e seu trabalho 
cênico. 
 
16
 Renato Cohen, Hans-Thies Lehmann, dentro outros.17
 Esse teatro, que chamarei de teatro performativo, existe em todos os palcos, mas foi definido como 
teatro pós-dramático a partir do livro de Hans-Thies Lehmann, publicado em 2005, ou como teatro 
pós-moderno. Gostaria de lembrar aqui que seria mais justo chamar este teatro de ‘performativo’, pois 
a noção de performatividade está no centro de seu funcionamento (FÉRAL, 2008, p.197). 
22 
 
METODOLOGIAS 
 
Conforme venho sinalizando, vislumbra-se em primeira instância, apresentar 
de forma concisa o diretor e seu trabalho, e, da impregnação de informações 
colhidas entender a sua obra, procurando um diálogo verticalizado com autores que 
discutem esse teatro híbrido, como Lehmann e a Josette Féral, que, em alguns 
textos, erigem apontamentos sobre o próprio Fabre. 
Se fizéssemos um panorama superficial sobre o pós-dramático e o 
performativo (sem necessariamente termos que tomar um lado entre os dois 
conceitos) adentraríamos em um amplo espaço de discussão que nos distanciaria 
dos reais objetivos desta pesquisa. 
Algumas vezes sinto que os dois autores mais citados neste trabalho 
(Lehmann e Féral) estão falando da mesma coisa, outras vezes, que eles estão 
divergindo em algumas ideias. Mas o que posso afirmar é que ambos sinalizam 
questões referentes a esse teatro que estou pesquisando. E é isso que nos 
interessa: as contribuições de pensadores sobre o teatro contemporâneo, e não um 
estudo comparativo entre os conceitos cunhados por cada um. 
Em um primeiro momento entro numa busca aprofundada sobre materiais 
escritos, fotografados, filmados e qualquer outra fonte que me aproximasse do 
trabalho do encenador, pois a sede do grupo fica em Antuérpia na Bélgica e a 
maioria das apresentações ocorrem no perímetro europeu. 
Em confrontação com as necessidades, procuro pelos mais diversos canais 
na intenção de me apropriar de materiais sobre o artista-obras, no entanto me 
deparo com alguns problemas: ausência de vídeos na íntegra das obras (e 
geralmente seus trabalhos possuem muitas horas de duração); inexistência de livros 
em português, e ainda, escassez18 de artigos de produção nacional sobre o assunto; 
e a impossibilidade do envio/frete para o Brasil de livros que tratam diretamente dos 
trabalhos de Jan Fabre. 
Partindo da ideia de reunir materiais que auxiliem no entendimento dos 
mecanismos de criação de um trabalho artístico (dossiê) e, diante das problemáticas 
 
18
 Encontrei apenas quatro: dois foram traduções de pesquisadores de outros países; uma 
dissertação que tratava do aspecto visual e plástico e um artigo sobre o teatro de Fabre, nas 
produções nacionais. 
23 
 
já mencionadas, resolvo entrar em contato com o grupo/artistas das obras. Através 
de um e-mail enviado e com o pressentimento de não obter retorno satisfatório, 
sinalizo meu interesse em efetuar algum tipo de relação ou troca que torne tanto 
minha pesquisa, quanto a disseminação de informações sobre o trabalho artístico do 
grupo mais respaldada. 
Em minha ansiedade, já havia, desde o envio da mensagem, intuído que o 
Troubleyn não iria me responder, mas, após uns dois meses, o grupo entrou em 
contato. Após a comunicação inicial, informo todas as limitações que havia 
encontrado até o momento para poder consolidar uma pesquisa mais aprofundada 
sobre o Jan Fabre/Troubleyn (ausência de vídeos na íntegra, textos e livros que 
fossem enviados para o Brasil, fotos, entre outros), e que para dar continuidade as 
minhas pretensões investigativas eu necessitaria de um acervo maior de 
informações, se assim fosse possível. 
Houve a troca de e-mails com Miet Martens (Coordenadora Artística e “braço 
direito” de Jan Fabre), que foi bastante prestativa e de uma generosidade imensa, 
informando-me as limitações do grupo para uma partilha maior de informações19, 
mas que iria me enviar um material que ela possuía e que posteriormente entraria 
em contato. 
Como resultado dos e-mails trocados nessa primeira comunicação, o grupo 
me enviou vídeos completos, das obras: The Power of Theatrical Madness (4 horas 
e 30 minutos); This is Theatre Like it Was to Be Expected and Foreseen; Je suis 
sang; e ainda, um arquivo no formato de word do livro “Corpus Jan Fabre” escrito 
pelo crítico teatral Luk Van Den Dries, que sempre acompanha os trabalhos do 
grupo Troubleyn. 
Além de estar com o material solicitado em mãos, a experiência comprovou 
que a utilização dos meios de comunicação digital podem ser ferramentas 
poderosíssimas para diálogos com pesquisadores/artistas – especialmente, para os 
que se encontram do outro lado do hemisfério – pois, estreita laços e gera trocas 
frutíferas para uma pesquisa. 
Com essa constatação em mente e extremamente feliz pelo material enviado, 
resolvo entrar em contato com o pesquisador que mais acompanha os trabalhos de 
 
19
 O grupo encontrava-se na criação da Performance de 24 horas intitulada Mount Olympus, que teve 
estreia em 30 à 31 de Julho de 2015 em Berlim- Alemanha. 
24 
 
Fabre, o Professor de Teatro da Universidade da Antuérpia, Van Den Dries, na qual 
a versão reduzida de seu livro havia sido enviada pela Miet Martens por e-mail, 
como citei anteriormente. 
O motivo do contato foi para tentar conseguir uma cópia de seu livro com as 
entrevistas, fotos e um acervo de informações que a versão que eu tinha não 
possuía. O autor me respondeu prontamente, não só foi extremamente cordial, como 
enviou pelos correios a cópia do livro “Corpus Jan Fabre” – uma pesquisa que 
discorre sobre o teatro e o corpo nas obras de Jan Fabre, que, de certo modo, 
respalda esta pesquisa. 
Esse autor tem acompanhado o trabalho de Fabre há muitos anos, considero 
seu livro como um guia para entender o modus operandi do encenador. A partir da 
observação da construção da obra Parrots and Guinea Pigs de 2002, participando 
dos ensaios por dois meses (tempo de construção do espetáculo), e até contribuindo 
junto à Fabre. Dries tem reservado sua vida enquanto crítico e professor teatral para 
estudar o que acontece no Troubleyn e nas obras do diretor. O professor tem sido 
uma inestimável referência na construção desta pesquisa. 
Uma espécie de rede foi construída com os materiais do Troubleyn e do 
Professor Dries, era necessário agora pensar em métodos para conseguir dar conta 
dessa apreensão de informações e poder organizar o material de modo a torná-lo 
acessível ao meu próprio ato investigativo. Nessa conjuntura, utilizei como base 
inicial a ideia da crítica genética, proposta por Cecília Salles, levando em 
consideração o que ela sugere enquanto “dossiê genético”: 
 
A preparação do dossiê para uma futura análise do processo exige uma 
metodologia de trabalho inicial comum a outras pesquisas que lidam com 
esse tipo de documentação. Estamos nos referindo a uma série de 
operações necessárias para estabelecer o dossiê a ser estudado. Essas 
etapas são indispensáveis para dar aos documentos da obra o estatuto de 
objeto científico, pronto para ser descrito e analisado (SALLES, 2008, p. 
32)
20
. 
 
A construção do dossiê se tornou essencial para conseguir tratar melhor o 
material que eu possuía, sem perder partes importantes e conseguir filtrar aquilo 
que, de fato, importa para minha investigação. O dossiê possibilita um encontro do 
 
20
 Seja como for, o objetivo da elaboração do dossiê dos documentos de processo não é, 
necessariamente, a publicação (embora possa vir a ser publicado) e sim o preparo dos documentos 
para a futura análise genética (SALLES, 2008, p. 66). 
25 
 
pesquisador com seu objeto a partir do material colhido e a organização dele, se 
torna, por isso, método primordial para não ficar preso a informações randômicas ou, 
ainda, perder dados que se dissolvem no processo de obtençãodo material-fonte 
para a pesquisa. Como anuncia Salles (2006, p. 27) “o crítico, ao estabelecer nexos 
a partir do material estudado, procura refazer e compreender a rede do pensamento 
do artista”. 
Sendo assim, em termos metodológicos (plural), vou construindo uma espécie 
de sistema capaz de conduzir minha pesquisa. Entendendo que observar a cozinha 
do artista ajuda a afiar a nossa atenção acerca do material com que ele ou ela 
trabalha (VAN DEN DRIES, 2006). O manusear de seus utensílios, o modo com o 
qual estes utensílios são transformados numa forma poética, ou, ainda, a 
transformação de um material cru numa expressão artística. 
Percebo que não existe fórmula para um processo investigativo, e nessa 
acepção, à medida que minha pesquisa foi ganhando forma, quase que com vida 
própria, foram construindo-se os caminhos norteadores. Eu não escolhi as 
metodologias (pelo o menos, não conscientemente), a pesquisa com seus meandros 
– quem escolheu. 
Sobre todo o escrito, existe uma pluralidade de ações de pesquisa que 
surgiram para prover o andamento da investigação aqui pretendida, que eu poderia 
nomear de métodos também. 
O processo se deu a partir do contato com o sujeito (objeto) de pesquisa21, 
método que possibilitou poder conhecer melhor o grupo, culminando em convite 
para visitar a cidade sede do grupo (Antuérpia), e consequentemente, apreciar o 
espetáculo do qual discorrerei detalhadamente no último capítulo. 
O contato ocorreu primariamente pela internet, porém, foi necessário 
(mediante convite do grupo), enquanto ações de pesquisa, ir até o Troubleyn para 
poder entender melhor o trabalho, a organização do grupo e da sede. Sendo assim, 
incluo como método, tanto os contatos virtuais quanto os encontros em razão da 
 
21
 A troca de e-mails tem sido recorrente nesta pesquisa, e a partir desses diálogos cibernéticos, vem 
sido construída uma espécie de vínculo com meu objeto de pesquisa, sobretudo, com a 
coordenadora do grupo, a Miet Martens e Katrijn Leemans e com o Professor de Teatro Luk Van Den 
Dries. 
 
26 
 
viagem de campo, os quais possibilitaram a viabilidade de outro momento da 
metodologia. 
A segunda parte faz menção à obtenção e seleção de materiais (materiais 
genéticos enviados pelo sujeito/objeto de pesquisa) encontrados, comprados, 
fotografados/filmados no momento do estudo de campo. Foi um momento 
substancial para construção do dossiê, tornando-se a base viva para consultas 
referentes ao que foi problematizado em meios mais formais, como esta dissertação. 
Além da obtenção de materiais (tanto os enviados quanto os entregues em mãos 
pela equipe do Troubleyn), a viagem possibilitou conversar com vários membros do 
grupo e realizar algumas entrevistas que foram essenciais para discutir o que vem 
sendo exposto até aqui sobre Fabre. 
Convém explicitar que houveram conversas informais durante as visitas à 
sede e ao ensaio que antecedia o espetáculo, mas a oportunidade de conversar 
formalmente com o próprio Jan Fabre e alguns de seus performers, se deu através 
de e-mail, devido ao curto espaço de tempo. 
Quem intermediou toda essa entrevista foi a responsável pela comunicação 
do grupo e de Fabre, Katrijn Leemans, que encaminhou meus e-mails para os 
performers e Jan Fabre com as perguntas. Devido à resposta dos e-mails terem 
datas diferentes, ao mencionar as entrevistas nesta dissertação, utilizo a data que 
Katrijn retornou, já que não tem como precisar a data que ela recebeu cada e-mail. 
Desse modo, o método de entrevista foi realizado através de cartas. Após 
assistir ao espetáculo Mount Olympus, escrevi uma carta agradecendo Jan Fabre 
pela oportunidade e estruturei algumas perguntas que sobrevieram após o 
espetáculo, e realizei o mesmo método de carta com os performers do espetáculo. 
Entretanto, como eram vários artistas, fiz as mesmas perguntas estruturadas para 
todos os integrantes. 
Diante da jornada metodológica explicada até aqui, existe a confluência de 
outro método bastante predominante nesta pesquisa, a tradução. Nas entrevistas, a 
maioria dos artistas só falavam inglês, além disso, a maioria das fontes que tive 
acesso também estavam em inglês ou espanhol, sendo preciso utilizar como 
proposta a tradução para o português. Processo pertinente nesta pesquisa, visto que 
os textos e entrevistas me dão respaldo para falar sobre Fabre, e traduzi-los, 
27 
 
aproxima minha pesquisa do meu cotidiano e cultura, contribuindo, inclusive, para 
sua disseminação e ampliação do acesso ao artista-obras. 
 
Tradução 
 
É, no ato que faz passar de uma língua à outra, manter uma afirmação 
ambígua e contraditória. Traduzir é necessário – traduzir é impossível. Em 
outros termos, se traduzir é uma tarefa interminável, porque sempre há o 
intraduzível (o essencial talvez), não podemos nos dispensar disso. Há um 
dever de tradução, que se confunde com a própria atividade do espírito. 
Traduzir é um humanismo. Se por vezes as línguas, os textos, os corpos 
resistem, não podemos renunciar a ela. Nós lhe devemos sempre (VITEZ 
apud FÉRAL, 2015, p. 30).
22
 
 
Foi necessário dar ênfase nesta parte da pesquisa e abrir este espaço, pois a 
tradução, de modo geral, persegue esse trabalho como um todo. Ela se situa 
enquanto ponto essencial para o estabelecimento dessa escrita e seus sentidos. 
Iria mais além, e poderia dizer que esse trabalho, antes de tudo, é uma 
tentativa de traduzir Fabre e seu trabalho, não somente no que tange à língua, mas 
do que surge das imagens, vídeos, buscas, entrevistas. É uma tradução das várias 
informações que recebi ao longo dessa jornada. É a tradução também do que eu 
sinto, percebo, assimilo ou despercebo. Essa tradução é também um processo de 
empatia. 
A tradução implica, é claro, quanto ao seu ponto de partida, penetrar no 
universo do outro, impregnar-se, proceder por empatia em relação ao objeto 
de origem (objeto-fonte, texto-fonte), por simpatia. Ela implica um trabalho 
de análise, de escuta, de observação e, no final do percurso, de 
interpretação, transmutação, transfiguração. Para assim fazê-la, 
necessariamente, ela apela a todos os saberes (FÉRAL, 2015, p. 31). 
 
Informo ainda que a partir do momento que me coloco na condição de 
tradutor, ou ainda, que mudo ou faço transferências de uma língua para outra, o teor 
do texto acaba tomando um novo formato – não que exista uma distância colossal 
entre o original e a tradução (e pode existir) – mas é previsto que uma tradução 
venha perder algum mínimo valor semântico da língua em que foi falada. 
 
22
 A. Vitez, op. Cit., p. 293. O autor vai até mais longe, pois afirma que o trabalho do tradutor é “pôr 
em cena”, assim ele afirma que a tradução de Hamlet por Pasternak é “uma obra poética russa e uma 
encenação, em um momento da história”, acrescentando que há também “na própria tradução, um 
efeito de encenação”, p.292 (FÉRAL, 2015, p. 30). 
28 
 
 
De imediato, prós e contras são colocados em termos idênticos para o 
tradutor e o encenador. Traduzir é uma necessidade absoluta e criadora de 
todo ato de comunicação e de todo pensamento. Ela implica: 1. uma 
passagem (de uma língua a outra língua, de uma forma em outra forma); 2. 
uma perda, pois todo ato de tradução se baseia em uma impotência e algo 
sempre escapa ao processo (FÉRAL, 2015, p. 31). 
 
O ato de traduzir se tornou cabal neste trabalho, desde os vários textos 
traduzidos para tentar defender alguns pensamentos enquanto espectador, até 
chegar à cidade de Fabre. Ficando tão impregnado em minha escrita a ponto de, ao 
escrever, me confundir e não saber se sou eu falando ou se é alguma informação 
traduzida que foi resgatada nesse interim. 
Algumas vezes utilizo o termo “tradução indireta” justamente para não 
cometer o erro de transpor algo misturado a mim. E me perguntose no fundo, toda 
tradução não é indireta. Oras, quando eu traduzo, eu falo o algo do outro, mas eu 
falo do meu jeito, com minha subjetividade, gerando uma nova organização de 
ideias. 
 
Escrever, traduzir, atuar, encenar dependem de um pensamento único, 
fundamentado na própria atividade de traduzir, isto é, sobre a capacidade, a 
necessidade e a alegria de inventar sem trégua equivalências possíveis: na 
língua e entre as línguas, nos corpos e entre os corpos, entre as gerações, 
entre um sexo e outro ( VITEZ apud FÉRAL, 2015, p. 30). 
 
Esse deslocamento (de uma língua para outra, de um país para outro), foi o 
responsável pela troca, desde os e-mails até a produção das perguntas da entrevista 
feita a Fabre e alguns performers no momento da atividade de campo na Bélgica. 
Sem essas “multi” traduções não seria possível sondar os perímetros das obras, me 
deixando afundar em impressões talvez rasas ou imprecisas. 
Realizada a tradução, o caminho segue no desejo da parte mais ensejada na 
pesquisa, a escrita reflexiva crítica, que deriva das oportunidades investigativas 
advindas dos caminhos seguidos na construção da pesquisa, e que se configura 
como uma espécie de resultado das metodologias utilizadas. Esse é o momento de 
29 
 
concretizar a escritura do trabalho, através do “dossiê traduzido”23 e da consulta 
bibliográfica realizada perpendicularmente ao todo. 
A ideia de metodologias, no plural, perpassa a feitura deste trabalho por 
entender que, apesar de ter colocado uma espécie de ordem nas partes (caso 
contrário ficariam caóticas), elas possuem vida própria, podendo interagir entre si ou 
não, nascendo de lugares diferentes e podendo, como qualquer outro sistema 
suscetível às contaminações, interferências, transformações e mutações (CIOTTI, 
2009), sofrer metamorfoses. 
Imaginemos que existe uma espécie de rotação para essas metodologias, do 
contato com o objeto de pesquisa até a busca de referências bibliográficas, tendo 
como núcleo a dissertação em si. A possibilidade de atravessamento se torna 
susceptível a partir dessa rotação, mas não é obrigatória, pois não estou tratando de 
sistemas fechados, mas compreendo que esses atravessamentos possibilitam uma 
facilitação no meu processo de apreensão investigativa. 
Todas as partes (ou metodologias) possuem o mesmo grau de importância e 
hierarquia, além disso, essas etapas não se constituem enquanto processos 
finalizados, por exemplo, o contato com o objeto não existiu apenas para uma 
primeira necessidade, ele continua existindo e irá perdurar por todo o decorrer da 
dissertação (e quem sabe, em minhas futuras pesquisas). Enquanto houver 
pesquisa, essas ações estarão se imbricando umas nas outras para que o trajeto 
possa conseguir respirar. 
Sendo assim, o primeiro capítulo deste trabalho se detém a apresentar meu 
primeiro contato com o artista (que foi totalmente virtual), investigar quem é Jan 
Fabre, e o seu grupo de experimentação teatral, o Troubleyn, que atua ainda como 
“Laboratorium” para artistas. Enquanto tento apresentar o artista, objetivo ir 
explicando um pouco como funciona o trabalho artístico de Fabre, finalizando numa 
exposição sobre como funciona os treinamentos físicos e pesquisas para os 
processos criativos do grupo. 
No segundo capítulo me inclino a discutir a obra The Power of Theatrical 
Madness a partir de análise realizada através do vídeo na íntegra da obra e material 
 
23
 Esse dossiê citado não diz respeito somente ao dossiê genético de Cecília Salles, mas a ideia de 
reunião de materiais, sejam eles referentes ao processo de criação (dossiê genético), sejam eles 
referentes a trabalhos já finalizados, em formato de fotos, vídeos e artigos (noção de dossiê mais 
geral), que foram obtidos e traduzidos. 
30 
 
bibliográfico, desmembrando características do trabalho teatral de Fabre. Trata-se 
de uma obra especifica, mas que a análise crítica da mesma, acaba por denunciar o 
modus operandi de Fabre como um todo. 
O terceiro capítulo demarca, enquanto bolsista de mestrado CAPES, minha 
saída do país e chegada à cidade sede de Jan Fabre para realização do estudo de 
campo. Nesse capítulo eu convido você, leitor, a adentrar o espaço de trabalho do 
Troubleyn, para melhor entender o funcionamento desta sede/museu. 
O quarto e último capítulo trata da apreciação crítica da obra Mount Olympus, 
uma performance de 24 horas, a qual tive a oportunidade de assistir no momento da 
minha passagem à cidade de Antuérpia. Nesse sentido, trata-se também de um 
relato de experiência, incorporando os fragmentos das entrevistas pós-espetáculo 
realizadas com Jan Fabre e alguns performers de sua companhia - eclodindo nas 
consideraçoes finais desse trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I: ESTE É O TEATRO COMO ERA ESPERADO E PREVISTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
32 
 
O nome do capítulo faz referência a um dos primeiros trabalhos performáticos 
de Jan Fabre, que, em original, seria “This is Theatre Like it Was to Be Expected and 
Foreseen” de 1982. A escolha deste nome, como condição para nomear este 
capítulo, decorre do fato da obra marcar o início de sua carreira, e representar o 
teatro que por ele desejava ser conduzido. No entanto, esclareço que não é intenção 
discutir tal obra (de forma aprofundada), apenas “brincar” com a nomenclatura de 
seus trabalhos e minha escrita. O que proponho neste primeiro capítulo é apresentar 
o trajeto que desencadeou a pesquisa, iniciando pelo meu primeiro contato e depois 
fazendo um breve histórico sobre o Jan Fabre. Em seguida, exponho alguns 
procedimentos do seu grupo de experimentação artística, o Troubleyn, que age 
também como laboratório de pesquisa teatral (Laboratorium). 
 
1.1 A gênese do trajeto 
 
Acredito ser importante entender a gênese de algumas relações, pois 
certamente conhecer o percurso inicial clarifica não só o leitor, mas o próprio 
pesquisador a entender seu lugar de partida e, nesse trajeto, entender melhor o solo 
em que pisa. Incluo então, a necessidade de falar sobre o início de minha relação 
com Jan Fabre e suas obras. 
Ainda na graduação, no ano de 2014, na disciplina de Encenação IV24 
ministrada pelo Professor Rodrigo Nascimento, houve a divisão dos alunos em 
grupos, sendo solicitado para cada grupo a abordagem em forma de seminário de 
alguma linguagem artística contemporânea e, posteriormente, a produção de uma 
encenação que dialogasse com tal estética. Na época, meu grupo tratou de falar 
sobre Dança-Teatro, levando em consideração obras e textos que se relacionavam 
com o trabalho de Pina Bausch, especificamente. Ainda dentro desse grupo, que era 
chamado de “dança-teatro”, dividimos entre nós, os tópicos relevantes sobre o tema 
sugerido. 
 
24
 O curso de Licenciatura em Teatro da UFRN é dividido em quatro disciplinas de encenações (I à 
IV), cada qual tentando abordar uma estética diferente (teatro naturalista, épico, pós-dramático, etc.), 
para assim o aluno vivenciar na prática um pouco desses tipos de fazeres artísticos. A disciplina 
citada acima foi pautada nos estudos sobre o teatro pós-dramático que Lehmann cunhou e a turma 
trabalhou com a ideia de performance e dança-teatro no semestre citado. 
33 
 
O grupo mostrou fome em pesquisar sobre Pina, mas eu me desgarrei deles 
com o propósito de encontrar outras fontes que trouxessem a ideia de miscigenação 
das linguagens artísticas como a Dança-Teatro sugere, mas que fosse novo para 
mim. Nessa intenção entro nos endereços de repositórios de artigos científicos e 
digito: “trabalhos híbridos; teatro híbrido”, e colido com um artigo intitulado “Jan 
Fabre e a construção de um teatro híbrido”25, escrito por Joana Dória, pesquisadora 
da Universidade de São Paulo (USP),do ano de 2007. 
No mesmo instante abro o artigo e o leio na esperança de, naquele escrito, 
não só encontrar algo “novo” (referência que nunca tenha entrado em contato), mas 
que o próprio texto já servisse de auxílio teórico para o seminário da disciplina da 
graduação. 
Tratava-se de um artigo publicado na revista Sala Preta da USP, onde a 
autora comenta sobre a contaminação que as linguagens artísticas vêm sofrendo 
quando analisamos os trabalhos de vários artistas contemporâneos, como: Bob 
Wilson, Pina Bausch e o Jan Fabre. 
Nesse texto, ela discute a transdisciplinaridade recorrente nas obras de 
Fabre, informando um pouco sobre quem é esse artista e como seu trabalho se 
configura. A partir de nomes como Hans-Thies Lehmann e Renato Cohen, no 
escopo de seu escrito, o texto faz um panorama das artes contemporâneas levando 
em consideração a contaminação das linguagens artísticas, e carregando, como 
pano de fundo o nome de Jan Fabre, comprometido em mostrar que existe uma 
tendência a haver menos fronteiras entre as artes. 
É importante interpor, ainda, que para a produção da dissertação de mestrado 
e idealização da pesquisa que se insere aqui, fez-se necessário procurar no Banco 
de Teses e Dissertações da CAPES26 e na plataforma LATTES (CNPQ), a partir de 
alguns termos (Jan Fabre; Troubleyn), trabalhos que se assemelhassem ao que se 
pretende ser investigado, no intuito de não correr o risco de reproduzir trabalhos que 
já discutam o que tenho interesse, e sim, acrescentar novas reflexões. 
 
25
 DE ALMEIDA, Joana Doria. Jan Fabre e a construção de um teatro híbrido. Sala Preta, v. 7, p. 
167-170, 2007. 
26
 Colocando o nome “Jan Fabre”, apenas uma dissertação apareceu, e após leitura, percebi que se 
distanciava bastante do que venho escrevendo e pesquisando. Site: < 
http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/#/ >. Acesso em 20 de julho de 2016. 
34 
 
Após busca nos repositórios citados e em revistas acadêmicas, e outras 
fontes, percebi que a nível nacional, existe apenas uma dissertação que trata de Jan 
Fabre, produzida por Daniele Àvila, sob o título de “Jan Fabre no Louvre - Um 
percurso intempestivo pela história da arte”27, da PUC-RIO. O trabalho discorre 
sobre uma exposição realizada por Fabre como artista plástico no Museu do Louvre, 
em Paris na França, se verticalizando em pensar na relação da arte com o museu e 
do atravessamento que o artista propôs ao criar instalações em um espaço de 
acervo permanente como o Louvre, pensando em questões voltadas para a história 
das artes, sobretudo, as visuais. 
Após esse pequeno trajeto no “mundo dos bancos de dados acadêmicos”, 
percebi que praticamente ninguém pesquisava sobre esse artista aqui no Brasil, 
aparecendo os textos citados e outros predominantes em língua inglesa e/ou outras 
línguas (espanhol, francês, alemão), ou ainda, livros que não eram enviados para o 
Brasil, circunstância esta que me inquietou profundamente, e, talvez por isso, esteja 
eu aqui, preenchendo uma lacuna, escrevendo acerca da ausência de produções 
acadêmicas nacionais sobre o trabalho de Jan Fabre, enquanto disparador para 
discutir um teatro contaminado pelas várias linguagens artísticas. 
Nasce então um desejo, talvez brotado pela dificuldade ou porque o que havia 
lido sobre Jan Fabre foi suficiente para despertar meu interesse em entender melhor 
o seu trabalho. Procuro por formas alternativas que me façam conseguir ver além do 
evidente, pois até então só havia lido, e se tratando de um trabalho no/para o teatro, 
o contato visual se fazia extremamente pertinente para conhecer melhor as suas 
obras. 
Mais uma vez a dificuldade se fez presente, e não consegui encontrar vídeos 
na íntegra de nenhum de seus trabalhos, no entanto, havia disponível no site 
Youtube, um vídeo de sete minutos, de um trabalho chamado The Power of 
Theatrical Madness,28 de 1984, apresentado na Bienal de Veneza. 
O contato com esse vídeo, bastante curto (o espetáculo tem em média 4 
horas e meia de duração) reforçou o desejo em pesquisar sobre Fabre, por se 
 
27
Texto completo: < http://www.dbd.pucrio.br/pergamum/tesesabertas/1011800_2012_completo.pdf >. 
Acesso em 20 de julho de 2016. 
28
 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=wqV5nrVtEwM >. Acesso em 25 de junho de 
2014. 
http://www.dbd.pucrio.br/pergamum/tesesabertas/1011800_2012_completo.pdf
https://www.youtube.com/watch?v=wqV5nrVtEwM
35 
 
mostrar à primeira vista, complexo, bonito e estranho. O vídeo se apresentou como 
algo que eu não conseguia definir, se era dança, performance, teatro ou instalação 
(e mesmo entendendo que Fabre é completamente defensor do teatro, percebo que 
o trabalho dele extrapola tal linguagem). Isso me estimulou a travar uma relação de 
busca sobre o que era aquilo, e por que um vídeo de 7 minutos havia despertado em 
mim um encantamento misturado com agonia. 
 
Figura 3: “Dança dos Imperadores” em The Power of Theatrical Madness, 1986
29
 
 
A foto que já é uma peça de arte da coleção do fotógrafo americano Robert 
Mapplethorpe, famoso por uma vasta produção de fotos eróticas em preto e branco, 
registrou o trabalho de Fabre em 1986. Além de gostar muito desse fotógrafo, o 
registro foi uma das primeiras imagens que fizeram meu interesse aumentar sobre a 
obra. Não somente pela exposição de dois homens nus dançando, mas por ambos 
usarem coroas. 
Seria realmente possível dois imperadores coabitarem o mesmo lugar sem 
nenhum conflito? Pois acredito que é exatamente nessa ideia de conflito que Fabre 
gosta de trabalhar. Além disso, a simetria, sempre dois: um imperador em cada 
extremidade do palco, geograficamente equilibrando o cenário. Ou ainda, os corpos 
quase padronizados, com seus músculos, cores, alturas e texturas: sempre belos. 
 
29
 Disponível em: < https://paddle8.com/work/robert-mapplethorpe/71678-the-power-of-theatrical-
madness >. Acesso em 13 de agosto de 2015. 
36 
 
Com alguns poucos textos e esse vídeo em especial, começo lentamente a 
me relacionar com as obras de Jan Fabre, na tentativa de me aproximar de seu 
trabalho e poder discutir esse teatro, o qual se projeta para além das formas 
clássicas e ganha novas amplitudes. Desfronteiriza-se da homogeneidade das 
linguagens artísticas ou da ideia de texto enquanto ponto inicial para construção 
cênica. 
 
1.2 JAN FABRE 
 
Fabre vem escrevendo suas ideias desde 1975, embora elas só tenham sido 
performadas, de fato, em meados de 80. Seus textos formam uma excepcional 
coleção de miniaturas, ou blocos, que podem sofrer mudanças durante o processo 
de criação a partir dos próprios performers ou servir apenas como dispositivos para 
a criação e nem serem utilizados em cena ao final do processo. 
 
Uma boa parte do teatro experimental dos anos 1960 e 1970 já era pós-
dramática trinta anos antes mesmo de o termo ser cunhado, partidária de 
uma rejeição generalizada de textos dramáticos tradicionais e de estruturas 
narrativas e literárias convencionais em prol do visual e do performativo 
(CARLSON, 2015, p. 581). 
 
Às vezes, o diretor vem com fragmentos de textos para que os artistas 
possam criar ações (seja texto, imagens, ideia de movimentos), ou ainda, alguns 
temas (sexualidade, filosofia, moralidade, corpo, etc.), discussões, ou desenhos. Os 
textos vão sendo criados nesse fluxo, com um estilo de escrita aberto e refletindo o 
conceito do trabalho de Fabre como uma forma abrangente de arte, em que as 
funções de diálogo/texto colidem com outros elementos, tais como o visual, a dança, 
música, ópera, performance e improvisação. 
Em 1982, o trabalho This is Theatre Like it Was to Be Expected and Foreseen 
e, dois anos depois, The Power of Theatrical Madness, desafiaram os fundamentos 
do estabelecido teatroeuropeu. A mistura de caos e disciplina, repetição e loucura, 
metamorfoses e animais em cena foram alguns dos ingredientes que Fabre utilizou e 
se fizeram presentes nas obras citadas. 
37 
 
Essas obras marcam a entrada do artista no mundo do teatro europeu, como 
um gladiador armado, para mostrar formas de pensar/fazer teatro, o que o levou nos 
últimos trinta anos, a produzir um conjunto de trabalhos como artista plástico, diretor 
de teatro e autor. Produções como: Je suis sang (2001); Tannhäuser (2004); Angel 
of Death (2003); Quando L’uomo Principale è Una Donna (2004); Orgy of Tolerance 
(2009); Preparatio Mortis (2007-2010); e Prometheus-Landscape II (2011)30, fizeram 
Fabre se tornar conhecido internacionalmente. Em 2005, Jan Fabre foi um dos 
artistas associados ao Festival d’Avignon (França), lá criou “Historie des Larmes”, 
festival onde ele já havia performado Je suis sang, em 2001 e em 2005. 
Muitos dos “blocos textuais” de Fabre são escritos na intenção de serem 
produzidos em palco. No início dos anos 70, Fabre já escrevia para dar forma/vida 
ao seu intenso mundo imaginativo. Mas, como informei nas datas, esses trabalhos 
somente se tornaram acessíveis ao público muitos anos depois, quando foram 
encenadas pelo próprio autor. Muitas obras foram criadas no âmbito dos ensaios e a 
partir de jogos de improvisação junto aos performers. 
Em alguns casos, eles são uma combinação dos escritos do autor e scripts 
improvisados. Vários desses escritos são monólogos, muitas vezes escritos para a 
performer mais próxima a Fabre, Els Deceukelier, artista aliada ao diretor que 
assume suas produções como performer, desde 1982. 
 
[...] Els Deceukelier apresenta possuir uma fonte de imaginação bastante 
bizarra e incansável. “Sua imaginação está brincando contigo”, Fabre diz a 
ela, “mas isso é bom: imaginação, selvagem e irreconhecível”. Mas ele 
provoca-a quando ela sobe ao palco enquanto uma galinha, portando uma 
quantidade de plumas indígenas (indian feather): “É por isso que minhas 
produções sempre falham, é você, com a sua imaginação estranha. [...] 
Além da imaginação selvagem, capacidade de se readaptar também é um 
aspecto importante” (VAN DEN DRIES, 2006, p. 106)
31
. 
 
Por mais de vinte anos ele tem se envolvido com um núcleo de pessoas 
relativamente fixo. Elas se tornaram parte do trabalho e estão intrinsecamente 
ligadas, feito raízes, à sua obra. Por exemplo, Miet Martens, que trabalha com o 
 
30
 Disponível em: < http://janfabre.be/troubleyn/en/archive/ >. Acesso em junho de 2015. 
31
 Versão original: Especially his fetish actress Els Deceukelier turns out to possess a very bizarre and 
inexhaustible source of imagination. “Your imagination is playing tricks on you,” Fabre tells her, “but 
that is good: imagination, wild and irreconcilable. But he teases her when she enters the stage as a 
chick, sporting a pack of Indian feathers: “That is why my productions always fail, it’s you, with your 
weird imagination.[…] Besides the wild imagination, readability is an important aspect as well. 
http://janfabre.be/troubleyn/en/archive/
38 
 
diretor há mais de três décadas e é o braço direito de Fabre nas salas de ensaio: ela 
auxilia Fabre durante todas as etapas de seu processo de trabalho e contribui com a 
dramaturgia de algumas obras. 
E ainda, Renée Copraij, que dançou pela primeira vez em Das Glas Im Kopf 
Wird Vom Glas (The Danced Sections) (1987) e esteve no palco por onze anos. 
Começando com Swan Lake (2002), ela se entregou completamente à assistência, 
dramatizações e coreografia. Heike Langsdorfis, que é um dos vários jovens 
performers que auxiliaram no processo de trazer o trabalho de Fabre à vida, teve 
sua primeira dança em Je Suis Sang (2001), bem como Els Deceukelier, que 
trabalha com Fabre há um longo tempo. 
Curiosamente, alguns textos foram escritos por Fabre tendo como inspiração 
a própria Els Deceukelier – integrante do grupo. Suas peças detinham textos que 
eram produzidos, em treinamento, por cada integrante (e pelo diretor) compondo 
uma espécie de monólogo pessoal. 
Dificilmente se encontram diálogos realistas (comunicação, no sentido, 
pergunta-resposta) ou anedotas tiradas da vida nas obras teatrais de Fabre. As 
peças escritas são de natureza conceitual e poética e procuram materializar rituais 
antigos, temas que fascinam o encenador; bem como questões filosóficas que o 
obcecam. 
 
Já no que diz respeito à esmagadora maioria do público, o que ela espera 
do teatro, grosso modo, é a ilustração de textos clássicos, talvez aceitando 
ainda uma encenação “moderna”, desde que dotada de fábula 
compreensível, de um contexto que faça sentido, de uma autenticidade 
cultural, de sentimentos teatrais tocantes. [...] nas formas de teatro pós-
dramáticas de Robert Wilson, Jan Fabre, [...] normalmente encontram pouca 
compreensão (LEHMANN, 2007, p.22). 
 
O trabalho literário de Jan Fabre, ao mesmo tempo, ilustra o que ele pensa 
sobre o teatro: um trabalho completo de arte, onde é dada a palavra um lugar 
ponderado, assumindo os mesmos parâmetros funcionais que a dança, a música (a 
ópera), elementos da performance e a improvisação. 
A severidade com a qual Fabre se utiliza das palavras como um meio de 
expressão, o força a colocar seu teatro em um lugar diferente, onde não existem 
hierarquias entre as formas artísticas. A palavra entra nesse jogo, enquanto 
39 
 
experimentação potente para compor suas obras. Como pode ser observado no 
texto falado pelos artistas na obra The Power of Theatrical Madness (a versão 
reperformada em 2012), escrito para ser enunciado enquanto os performers dançam 
ritmicamente à pulsão imagética e simultânea que ocorre no palco, em 
contraposição a frenética corrida do corpo dos atuantes. 
 
Figura 4: O texto em The Power of Theatrical Madness, foto de Wonge Bergmann, 2012
32 
 
 A imagem acima ilustra o momento em que o texto Fabriano entra em cena 
em contraposição às várias coisas que estão acontecendo no palco, assumindo a 
função quase rítmica ao processo desencadeado no palco, como pode ser lido a 
seguir: 
 
Actor 1: Eighteen hundred seventy-nine. A Doll’s House. 
Actor 2: Nora oder Ein Puppenheim! Hendrik Ibsen. 
Actor 5: Ibsen? Eighteen hundred seventy-six, The Pretenders, Saxe- 
Meiningen Compagnie, Berlin. 
Actor 4: Mille-huit-cent quatrevingt-treize (1893), Fröken Julie, August 
Strindberg. 
Actor 6: Mademoiselle Julie, André Antoine, Théâtre Libre, Paris 
Actor 3: Théâtre de l’Oeuvre, Paris. Mille-huit-cent quatrevingt-seize 
(1896)? 
Actor 8: Achttienhonderdzesennegentig (1896). 
Actor 6: Ubu. 
 
32
 Disponível em: < http://janfabre.be/troubleyn/en/performance/the-power-of-theatrical-madness/ >. 
Acesso em 13 de agosto de 2015. 
http://janfabre.be/troubleyn/en/performance/the-power-of-theatrical-madness/
40 
 
Actor 1: Ubu Roi! Alfred Jarry 
Actor 7: Eighteen hundred ninety-eight (1898), The Seagull, AntonTchekhov 
Actor 2: Constantin Stanislavski 
Actor 5: Stanislavski? Nineteen hundred eleven, Hamlet, Gordon Craig. 
Actor 3: Neunzehn hundert zwölf (1912)! 
Actor 4: Nineteen hundred eleven. Art theater, Moscow. 
Actor 1: Moscow? Maurice. 
Actor 5: Maeterlinck! 
Actor 7: Nineteen hundred six, Soeur Beatrice, St. Petersburg. 
Actor 6: Nineteen hundred nine. 
Actor 2: Neunzehn hundert neun. Oedipous Rex. 
Actor 3: Reinhardt, Max! Zircus Schumann, Berlin. 
Actor 8: Vsevolod Meyerhold, Nineteen hundred twenty-two, Actor’s 
Theater, Moscow. 
Actor 6: Le Cocu. 
Actor 7: Le Cocu? 
Actor 6: Le Cocu magnifique! 
Actor 5: La biomécanique! 
Actor 3: Arnold Schönberg, Erwartung, Prague, neunzehn hundert 
vierundzwanzig. 
Actor 8: Der Verfremdungseffekt! Neunzehn hundert achtundzwanzig 
(1928), Bertolt Brecht. 
Actor 5: The Beggar's Opera? 
Actor 1: Die Dreigroschenoper! 
Actor 6:

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