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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA RENATA BENÍCIO DE OLIVEIRA EFICIÊNCIA DO SETOR AGROPECUÁRIO NORDESTINO E SEUS DETERMINANTES: UMA ANÁLISE PARA 2006 E 2017 NATAL – RN 2022 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA RENATA BENÍCIO DE OLIVEIRA EFICIÊNCIA DO SETOR AGROPECUÁRIO NORDESTINO E SEUS DETERMINANTES: UMA ANÁLISE PARA 2006 E 2017 Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia, do Programa de Pós-Graduação em Economia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), do campus Natal. Orientadora: Dra. Janaina da Silva Alves Coorientadora: Dra. Eliane Pinheiro de Sousa NATAL – RN 2022 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Oliveira, Renata Benício de. Eficiência do setor agropecuário nordestino e seus determinantes: uma análise para 2006 e 2017 / Renata Benício de Oliveira. - 2022. 96f.: il. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Economia. Natal, RN, 2022. Orientadora: Profa. Dra. Janaina da Silva Alves. Coorientadora: Profa. Dra. Eliane Pinheiro de Sousa. 1. Setor Primário - Dissertação. 2. Análise Envoltória de Dados - Dissertação. 3. Índice de Malmquist - Dissertação. 4. Setor Agropecuário - Dissertação. I. Alves, Janaina da Silva. II. Sousa, Eliane Pinheiro de. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 631.17 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA Renata Benício de Oliveira EFICIÊNCIA DO SETOR AGROPECUÁRIO NORDESTINO E SEUS DETERMINANTES: UMA ANÁLISE PARA 2006 E 2017 Aprovada em: 14/12/2021 Membros da Banca Examinadora ___________________________________________________ Profa. Dra. Janaina da Silva Alves (orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ___________________________________________________ Profa. Dra. Eliane Pinheiro de Sousa (coorientadora) Universidade Regional do Cariri (URCA) ___________________________________________________ Prof. Dra. Alice Aloísia da Cruz Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ___________________________________________________ Prof. Dr. Ahmad Saeed Khan Universidade Federal do Ceará (UFC) Natal – RN 2022 RESUMO O setor agropecuário no Brasil possui a heterogeneidade como uma de suas principais características. Esse aspecto se reflete em questões econômicas, sociais e geográficas, entre outras, e, consequentemente, influencia nas relações entre os produtores e o mercado. Em outros termos, cada agente se encontra em condições específicas que são capazes de determinar se há ou não possibilidade de permanência no setor. Nesse sentido, considerando que os bens sejam homogêneos, fatores como grau de competitividade, qualidade, produtividade e eficiência se revelam com grande importância e, portanto, devem receber a atenção devida, principalmente, em regiões, como o Nordeste brasileiro, que abriga uma quantidade considerável de agricultores, em relação ao total nacional. Diante da inviabilidade de tratar de todas estas questões, a presente pesquisa tem seu foco direcionado à análise da eficiência. Dessa forma, objetiva mensurar a eficiência do setor agropecuário nos municípios nordestinos e seus determinantes, a partir de dados dos anos de 2006 e 2017, retirados dos Censos Agropecuários dos respectivos anos. Especificamente, almeja analisar o desenvolvimento do setor agropecuário nordestino, estudar os conceitos de eficiência debatidos na literatura e suas formas de aferi-la, calcular os escores de eficiência técnica e de escala do setor agropecuário dos municípios da região Nordeste e investigar os fatores determinantes desses escores de eficiência. Para mensurar a eficiência do setor agropecuário, utilizou-se o modelo de Análise Envoltória dos Dados (DEA), juntamente com o Índice de Malmquist, e, para investigar seus fatores determinantes, empregou-se o modelo de regressão quantílica, para uma amostra de 1.263 municípios nordestinos. Os resultados evidenciaram que, em ambos os anos, quase a totalidade destes foi extremamente ineficiente, indicando, portanto, que os produtores estão tendo limitações em seu processo produtivo, e consequente desperdício de recursos. Além disso, o Índice de Malmquist revelou que o maior obstáculo para o aumento da eficiência é o atraso tecnológico. Acerca dos determinantes dos escores de eficiência mensurados, verificou-se que as variáveis analisadas influenciaram os quantis (0,25, 0,50 e 0,75) de forma diferente, sendo que o percentual de estabelecimentos com acesso ao financiamento e recebimento de orientação técnica obtiveram sinal negativo com os escores de eficiência do setor agropecuário nordestino. Ademais, a dummy referente à localização do município em região semiárida e a participação relativa daqueles cujo dirigente possui ensino médio regular registraram os efeitos com maior magnitude em todos os quantis. Assim, concluiu-se que é necessário que o poder público fortaleça seus instrumentos promotores do desenvolvimento agropecuário no Nordeste e amplie o alcance destes, de modo a atingir uma maior quantidade de produtores. Ademais, sugere- se maior investimento em educação, a fim de melhorar a eficiência agropecuária na região nordestina. Palavras-chave: Setor Primário. Análise Envoltória de Dados. Índice de Malmquist. ABSTRACT The agricultural sector in Brazil has heterogeneity as one of its main characteristics. This aspect is reflected in economic, social and geographic issues, among others, and, consequently, influences the relationship between producers and the market. In other words, each agent is in specific conditions that are capable of determining whether or not it is possible to remain in the sector. In this sense, considering that the goods are homogeneous, factors such as the degree of competitiveness, quality, productivity and efficiency are of great importance and, therefore, should receive due attention, especially in regions such as the Northeast of Brazil, which houses a large quantity considerable number of farmers in relation to the national total. Given the impossibility of dealing with all these issues, this research has its focus directed to the analysis of efficiency. Thus, it aims to measure the efficiency of the agricultural sector in northeastern municipalities and its determinants, based on data from the years 2006 and 2017, taken from the Agricultural Census of the respective years. Specifically, it aims to analyze the development of the northeastern agricultural sector, study the concepts of efficiency discussed in the literature and their ways of measuring it, calculate the technical efficiency and scale scores of the agricultural sector in the municipalities of the Northeast region and investigate the determining factors of these efficiency scores. To measure the efficiency of the agricultural sector, the Data Envelopment Analysis (DEA) model was used, along with the MalmquistIndex, and, to investigate its determining factors, the quantile regression model was used for a sample of 1,263 northeastern municipalities. The results showed that, in both years, almost all of these were extremely inefficient, indicating, therefore, that producers are having limitations in their production process, and a consequent waste of resources. Furthermore, the Malmquist Index revealed that the biggest obstacle to increasing efficiency is technological backwardness. Regarding the determinants of the measured efficiency scores, it was found that the analyzed variables influenced the quantiles (0.25, 0.50 and 0.75) differently, and the percentage of establishments with access to financing and receiving technical guidance obtained a negative sign with the efficiency scores of the northeastern agricultural sector. Furthermore, the dummy referring to the location of the municipality in a semi-arid region and the relative participation of those whose director has a regular high school education registered the effects with greater magnitude in all quantiles. Thus, it was concluded that it is necessary for the government to strengthen its instruments that promote agricultural development in the Northeast and expand their reach, in order to reach a greater number of producers. Furthermore, greater investment in education is suggested in order to improve agricultural efficiency in the Northeast region. Keywords: Primary Sector. Data Envelopment Analysis. Malmquist Index. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Números, total e por tipo de agricultura, de estabelecimentos agropecuários nos estados nordestinos, nas grandes regiões e no Brasil, em 2006 e 2017 19 Quadro 2 - Principais Vantagens e Limitações no Uso da Análise Envoltória de Dados 52 Quadro 3 - Classificação dos escores de eficiência 53 Quadro 4 - Variáveis utilizadas em cada método e estudos que as inspiraram 59 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Eficiências Técnica e Alocativa sob a Orientação Produto 29 Figura 2 - Eficiências Técnica e Alocativa sob a Orientação Insumo 31 Figura 3 - Organograma das Técnicas de Mensuração da Eficiência 33 Figura 4 - Representação da função de produção 35 Figura 5 - Modelos e perspectivas da técnica de números índices direcionados à eficiência 36 Figura 6 - Gráfico do Modelo DEA básico 52 Figura 7 - Distribuição dos municípios nordestinos conforme intervalos de eficiência técnica do setor agropecuário, em 2006 72 Figura 8 - Distribuição dos municípios nordestinos conforme intervalos de eficiência técnica do setor agropecuário, em 2017 73 Figura 9 - Distribuição dos municípios nordestinos conforme eficiência de escala do setor agropecuário, em 2006 74 Figura 10 - Distribuição dos municípios nordestinos conforme eficiência de escala do setor agropecuário, em 2017 75 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Grupos de tamanho da população 56 Tabela 2 - Estatísticas descritivas das variáveis referentes aos inputs e outputs do modelo DEA, 2006 e 2017 60 Tabela 3 - Estatísticas descritivas das variáveis referentes aos inputs e outputs do modelo DEA, 2006 e 2017, por grupos de municípios 64 Tabela 4 - Distribuições das frequências absolutas (fi) e relativas (%) dos municípios nordestinos, conforme intervalos de medidas de eficiências, considerando o modelo CRS, em 2006 e 2017 69 Tabela 5 - Distribuições das frequências absolutas (fi) e relativas (%) dos municípios nordestinos, conforme a eficiência de escala do setor agropecuário, em 2006 e 2017 76 Tabela 6 - Distribuições das frequências absolutas (fi) e relativas (%) dos municípios nordestinos, em relação ao Índice de Malmquist e às mudanças na eficiência técnica e no nível tecnológico, entre 2006 e 2017 78 Tabela 7 - Estimativa das variáveis explicativas do nível de eficiência técnica do setor agropecuário dos municípios nordestinos 81 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 1.1 OBJETIVOS ....................................................................................................... 15 2 PANORAMA DO SETOR AGROPECUÁRIO NORDESTINO NO CONTEXTO NACIONAL .................................................................................................................. 16 3 EFICIÊNCIA: CONCEITOS E ABORDAGENS .................................................. 26 4 PANORAMA DA EFICIÊNCIA DO SETOR AGROPECUÁRIO: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS ....................................................................................... 38 5 METODOLOGIA ...................................................................................................... 51 5.1 Análise Envoltória de Dados (DEA) ................................................................. 51 5.2 Índice de Malmquist .......................................................................................... 54 5.3 Testes Estatísticos .............................................................................................. 55 5.4 Modelo de Regressão Quantílica ...................................................................... 57 5.5 Variáveis e Fontes dos Dados ............................................................................ 58 6 RESULTADOS SOBRE A EFICIÊNCIA DO SETOR AGROPECUÁRIO NORDESTINO ............................................................................................................. 68 6.1 Análise dos Escores de Eficiência Técnica e de Escala ................................... 68 6.2 Índice de Malmquist: alterações nos níveis de eficiência técnica e tecnologia ........................................................................................................................................ 77 6.3 Determinantes dos Níveis de Eficiência do Setor Agropecuário Nordestino 79 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 83 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 85 APÊNDICES ................................................................................................................. 96 11 1 INTRODUÇÃO O Brasil dispõe de diversas vantagens naturais, decorrentes de sua benéfica localização geográfica, que, juntamente às inversões feitas em prol do desenvolvimento da pesquisa e tecnologia agrícola, contribuíram para que o país viesse a se tornar um grande exportador de bens agropecuários (CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS, CGEE, 2018). Entre tais vantagens, podem ser mencionadas o clima favorável, que contribui para um custo de produção relativamente menor que em outras nações; a existência de largas extensões de terra adequadas para cultivo; e o apoio fornecido por instituições de pesquisa agropecuária conceituadas, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (GUIMARÃES; PEREIRA, 2014). Assim, o papel da agropecuária nacional é extremamente relevante, tanto socialmente, a partir do fornecimento de gêneros alimentícios, como economicamente, sobretudo no que se refere ao crescimento do agronegócio (PINTOR; PIACENTI, 2016). O setor agropecuário é constituído por produtores de bens homogêneos (commodities). Sendo assim, a competitividade do setor está relacionada especialmente à utilização dos recursos disponíveis e ao nível tecnológico empregado nas propriedades rurais (GUIMARÃES; PEREIRA, 2014), ou seja, à eficiência da produção. Estar inserido em um ambiente produtivo com condições competitivas tem sido determinante para a continuidade da produção, sobretudo, após o fenômeno da globalização. Conforme Costa et al. (2013), nesse contexto, houve uma intensificação da concorrência e maior exigência por produtos de qualidade, acompanhadasda necessidade de atração e manutenção dos investimentos no setor, a fim de que esse se desenvolvesse. Nesse cenário, a agropecuária brasileira tem representado tanto uma parcela expressiva do Produto Interno Bruto (PIB) como das exportações nacionais. Considerando o ano de 2017, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), esse segmento obteve uma participação de 5,7% no PIB, enquanto, paralelamente, conforme o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC, 2022), esse setor também foi responsável por 17,94% do valor total das exportações, tornando o Brasil o terceiro maior exportador de produtos agropecuários no mundo. As atividades agropecuárias estão presentes em todo o território nacional. No ano de 2017, o Censo Agropecuário de 2017 apontou que o Brasil possuía 5.073.324 estabelecimentos agropecuários, localizados em um total de 351.289.816 hectares, o equivalente a aproximadamente 41% da área do país (IBGE, 2019). Em âmbito regional, 12 ao se observar o número de estabelecimentos agropecuários, percebe-se que sua distribuição é semelhante ao longo do país, com exceção do Nordeste, onde há maior concentração. Segundo o Banco do Nordeste do Brasil e o Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (BNB; ETENE, 2018a), com base nos dados do Censo Agropecuário 2017, essa região abriga 2,2 milhões de unidades agropecuárias, o que corresponde a 45,8% do total nacional, que estão alocadas em uma área de 70,6 milhões de hectares, equivalente a 45,31% da área nordestina. No que se refere à forma como a agricultura é praticada no Nordeste, Castro (2012) explica que essa é muito diversificada, tanto em termos do que se é cultivado como do nível da tecnologia empregada na produção. Esse é, geralmente, defasado em relação ao empregado em atividades semelhantes realizadas em outras regiões do país, que, por vezes, apresentam melhores índices de produtividade para essas mesmas atividades. Parte desse atraso tecnológico é explicado pela dificuldade, ou ainda a total ausência, de acesso à assistência técnica por parte dos produtores rurais, uma vez que o tamanho do corpo técnico das instituições oficiais responsáveis por esse apoio não possibilita a orientação individualizada aos agricultores. Consequentemente, as safras nordestinas tendem a permanecer abaixo do potencial produtivo. Além da defasagem tecnológica, os produtores se deparam com diversos obstáculos, como uso racional dos recursos naturais; crescente demanda pela automação do processo produtivo, em razão da urbanização; necessidade de aumento da produção sustentável de gêneros alimentícios, a fim de abastecer a população mundial crescente (CGEE, 2018); elevação contínua do nível de qualidade dos produtos ofertados; e integração da produção de pequenos, médios e grandes produtores aos principais canais de comercialização (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, MAPA, 2012). Todavia, apesar dessas dificuldades, o principal ponto de estrangulamento do setor agropecuário está diretamente relacionado à deficiência na infraestrutura logística, o que compromete o escoamento e a armazenagem da produção, impedindo, assim, sua elevação (GUIMARÃES; PEREIRA, 2014). No caso da região Nordeste, acrescenta-se questões relacionadas à deficiência logística, ausência de crédito e assistência técnica, porém o maior problema é a longa duração das estiagens. Como consequência, parte da produção nordestina é perdida e o êxodo rural é estimulado (CASTRO, 2012). Essas características fazem da agropecuária nordestina um empreendimento muito arriscado. Além disso, a parcela nordestina desse setor dispõe de restrito acesso aos 13 mercados, o que compromete o desenvolvimento regional (SILVA et al., 2018), tendo em vista sua relevância social e econômica no meio rural. Portanto, tendo em vista a importância do setor agropecuário para a região e os desafios locais e globais enfrentados, faz-se necessária a busca pela eficiência produtiva, a fim de otimizar os recursos disponíveis. Nesse sentido, Santos e Fernandes (2009) enfatizam que elevações nos níveis de eficiência da produção fazem com que o setor possa ampliar sua contribuição no processo de desenvolvimento, tendo em vista que a mensuração da eficiência das unidades produtivas beneficia tanto o planejamento quanto a tomada de decisão. Sepulcri (2004) defende que essa noção está relacionada à gestão agropecuária, que abrange um processo de escolhas sobre as ações a serem executadas, em relação à alocação, organização e emprego dos insumos de produção; no intuito de se conseguir os resultados almejados. Assim, deve-se primar por uma gestão eficiente dos recursos produtivos disponíveis. A análise da eficiência com enfoque nas atividades agropecuárias tem sido bastante estudada nos últimos anos tendo como objetivo principal realizar o diagnóstico e a identificação das ineficiências existentes e das suas origens, bem como evidenciar quais unidades produtivas podem ser consideradas eficientes e, assim, servir como referência para as demais, que deverão aprimorar a alocação dos recursos que empregam no processo de produção (BARBOSA; SOUSA, 2014). Entre tais estudos, podem ser mencionados Villano, Boshrabadi e Fleming (2010), Ayaz e Hussain (2011), Blancard e Martin (2012), Barbosa et al. (2013), Barbosa, Lima e Sousa (2014), Kourtesi, Witte e Polymeros (2016), Travassos et al. (2016), Scherer e Porsse (2017), Effendy et al. (2019), Silva et al. (2019a), Pinto e Coronel (2020), Reis et al. (2020), Arias-Robles e Alarcón (2021) e Gaviglio et al. (2021). Na presença de ineficiências técnicas, os produtores possuem condições de elevar a quantidade produzida, sem a necessidade de aumentar seu nível de insumos, que, geralmente, são escassos, ou adotar novas tecnologias ou práticas. Assim, pode-se evitar que os recursos disponíveis sejam desperdiçados, o que é um requisito para a sustentabilidade econômica. Ademais, é comum que agricultores mais eficientes tenham resultados econômicos melhores do que os menos eficientes (GUESMI et al., 2012). 14 Considera-se que o setor agropecuário é um dos que colabora para a geração de empregos1 e de excedente exportável2. Dessa forma, elevar os níveis de eficiência da produção rural é uma das metas mais relevantes que os governos têm buscado ao longo dos anos, em razão dos benefícios proporcionados, como aumento da produção e da renda dos produtores rurais, o que desestimula o êxodo rural; elevação do saldo da balança comercial (GOMES; BAPTISTA, 2004); aumento da segurança alimentar e a criação de excedentes que contribuem de forma considerável para o crescimento industrial (SCHERER; PORSSE, 2017). Tão importante quanto detectar se as unidades produtivas estão empregando ou não seus recursos de forma eficiente é identificar os fatores que explicam os resultados obtidos, a fim de se buscar alternativas capazes de sanar quaisquer pontos de ineficiência existentes. Nesse sentido, a literatura aponta diversos fatores que podem explicá-los. Barbosa et al. (2013) citam o uso de adubos, o acesso à assistência técnica, a participação da mão de obra utilizada de caráter familiar e o acesso ao crédito. Freitas (2014) expõe o uso de sistemas de irrigação, a existência de unidade armazenadora na propriedade e a condição do produtor em relação à terra. Fernandes e Pascual (2015) destacam o grau de instrução, a média de idade e o tamanho da propriedade. Scherer e Porsse (2017) mencionam o nível de precipitações, o clima, a temperatura e o bioma. Reis, Moreira e Vilpoux (2018) aludem à diversificação do cultivo, ao cooperativismo e aos anos de experiência nas atividades praticadas no estabelecimento. Diante do exposto, infere-se que análises direcionadas à eficiência permitem a identificação de gargalos noprocesso de produção e, assim, facilita o planejamento e a tomada de decisão, de modo a melhorar o desempenho de determinado setor e, consequentemente, das condições de vida da parcela da população que está envolvida nessas atividades. Sob essas considerações, estudos a respeito da eficiência do setor agropecuário e seus determinantes se revelam de suma importância, principalmente em regiões como o Nordeste, em que uma parcela expressiva de sua população depende desse tipo de atividade para garantir sua sobrevivência. Dessa forma, o presente trabalho se fundamenta nas seguintes questões: os agropecuaristas nordestinos estão alocando seus 1 O número de pessoas ocupadas, em 2017, correspondeu a 1,5 milhões, no setor agropecuário (IBGE, 2019a); a 7,7 milhões, na indústria (IBGE, 2019b); e a 12,3 milhões, no setor de serviços (GANDRA, 2019). 2 Em 2017, a participação do agronegócio nas exportações totais do Brasil foi de 44% (CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA, CEPEA, 2018). 15 recursos produtivos de forma eficiente? Quais fatores influenciam a sua eficiência? Para responder a estas questões, a seguir são descritos os objetivos do trabalho. 1.1 OBJETIVOS O objetivo geral desta pesquisa é mensurar a eficiência do setor agropecuário nos municípios localizados na região Nordeste do Brasil e seus determinantes, em relação aos anos de 2006 e 2017. Além deste objetivo geral, estão elencados a seguir os objetivos específicos deste trabalho: ● Analisar o desenvolvimento do setor agropecuário nordestino; ● Estudar as definições de eficiência debatidas na literatura e suas técnicas de mensuração; ● Calcular os escores de eficiência técnica e de escala do setor agropecuário dos municípios nordestinos; ● Investigar os fatores condicionantes dos níveis de eficiência técnica e de escala da produção agropecuária nordestina. Sendo assim, além desta introdução, esta Dissertação possui sete capítulos, em que o segundo contextualiza a evolução do setor agropecuário nordestino em relação ao nacional, o terceiro discute as definições de eficiência e as suas diferentes formas de mensuração, o quarto apresenta a revisão de literatura acerca da eficiência agropecuária em âmbito nacional e internacional, o quinto explana a metodologia empregada, o sexto expõe e discute os resultados e, por fim, o sétimo exibe as considerações finais. 16 2 PANORAMA DO SETOR AGROPECUÁRIO NORDESTINO NO CONTEXTO NACIONAL A prática de atividades rurais no Brasil se depara com dificuldades distintas, decorrentes de sua heterogeneidade natural, que se refere aos relevos, tipos de solo, temperaturas e à presença de estações secas e úmidas afetadas por fenômenos climáticos cíclicos. Logo, é normal que a agropecuária brasileira possua uma estrutura bastante diversificada, abrangendo propriedades de vários tamanhos, diferentes biomas, povos e comunidades, produtores que divergem no tocante às técnicas empregadas no processo de produção, regiões com pior ou melhor logística etc. (MAPA, 2012). A agropecuária está continuamente experimentando um processo de modificações, em virtude das condições inerentes à sua natureza, como o regime de concorrência em que está inserido, caracterizado por grande quantidade de agentes e pela produção de commodities homogêneas; ao cenário de incertezas, as quais algumas são comuns a outros setores e outras são exclusivas, como é o caso dos efeitos do clima sobre o nível de produção; a acentuada instabilidade dos preços; e a forte influência dos preços externos. Assim, durante e em razão de tais transformações, o setor agropecuário apresenta descontinuidades em sua composição, de forma que “alguns agricultores migram de níveis de produtividade mais baixos para níveis mais elevados, enquanto outros perecem no processo e se tornam potenciais migrantes para a cidade” (LOPES et al., 2012, p. 21-22). Tendo em vista que uma parcela expressiva das commodities produzidas tem sua venda destinada ao mercado externo, o setor agropecuário é bastante afetado pela conjuntura internacional. Em geral, os preços praticados no mercado nacional tendem a se assemelhar aos internacionais, com algumas divergências derivadas de custos com frete (no caso de produtos exportados) e de tarifas de importação (no caso de produtos como leite, trigo e arroz). Dessa forma, a agropecuária é afetada positivamente (negativamente), quando a economia mundial cresce (entra em recessão), em razão das elevações (reduções) na demanda pelas commodities e em seus preços. Outro ponto importante a ser ressaltado é que a produção nacional não é capaz de suprir toda a demanda interna. Assim, as importações de produtos agropecuários são responsáveis por complementar esse atendimento, sobretudo, nas épocas de entressafra (GUIMARÃES; PEREIRA, 2014). O setor agropecuário possui um papel importante na economia, sobretudo a brasileira, tendo em vista sua capacidade de gerar empregos, renda, divisas internacionais 17 e segurança alimentar (GOMES; ALCANTARA FILHO; SCALCO, 2013). Em termos econômicos, destaca-se seu excelente desempenho, enquanto principal gerador de receitas cambiais líquidas, tendo em vista que, entre 2007 e 2017, as exportações líquidas do agronegócio foram determinantes para manter o superávit da balança comercial, conforme apontado por Reginato, Cunha e Vasconcelos (2019), com base em dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Agricultura e Abastecimento, do AgroStar e Ipeadata. Além disso, a partir de informações do IBGE, Reginato, Cunha e Vasconcelos (2019) acrescentam que a produção do setor agropecuário vem crescendo e se destacando desde a década de 1990. Em termos de PIB, a taxa média anual de crescimento desse segmento (3,6%), entre 1995 e 2017, foi superior tanto à nacional (2,3%) como a dos setores de comércio e serviços (1,9%) e industrial (1,3%), o que evidencia a relevância das atividades primárias para o crescimento econômico durante esse período. Ao se considerar somente os anos mais recentes, essa tendência também é mantida. Entre 2011 e 2017, por exemplo, o crescimento anual médio da agropecuária alcançou 3,1%, enquanto o PIB do país e o setor industrial registraram variações anuais médias inferiores a 1%. A relevância do setor agropecuário também é notável na região Nordeste. Segundo o BNB e ETENE (2018b), somente no primeiro semestre de 2018, as vendas do agronegócio corresponderam a 43,5% do total exportado pela região, se igualando ao percentual registrado pelo segmento, em âmbito nacional, nas exportações do país. Em termos de valores monetários, dados recentes destacados pelo BNB (2020) mostram que, em 2019, o agronegócio nordestino obteve um superávit de 5,41 bilhões de dólares na balança comercial, oriundos das exportações de 15,4 milhões de toneladas de bens primários. Considerando a produção como um todo, a Produção Agrícola Municipal (PAM), pesquisa realizada pelo IBGE (2020), revela que os valores correntes da produção agropecuária nordestina, ainda em 2019, ultrapassaram os 42 milhões de reais, equivalentes a quase 12% do total registrado pelo Brasil. Não obstante o bom desempenho do setor agropecuário nordestino, desde o período colonial, é perceptível a existência de diferenças no ritmo de desenvolvimento da agricultura entre as unidades federativas e regiões do país, em decorrência da diversidade dos ciclos econômicos vivenciados, relações de trabalho, disponibilidade relativa dos fatores de produção, aspectos culturais (GOMES; ALCANTARA FILHO; SCALCO, 2013), tipos de solo, práticas agropecuárias adotadas, produtos cultivados, animais 18 criados (SILVA; SILVA, 2016) e outros fatores relacionados às questões políticas, geográficas, climáticas, sociais e tecnológicas (SILVA et al., 2018). Especificamente na região Nordeste, Ferreira (2003)destaca a predominância de pequenos produtores agropecuários, concentração de terra, baixo nível de produtividade e irregularidade pluviométrica como principais características. Já em relação ao tipo de agricultura praticada, Lira (2016) destaca a predominância da agricultura de sequeiro, que tem como principal aspecto a dependência da precipitação de chuvas para que a cultura complete seu ciclo, o que traz muitas dificuldades aos produtores nordestinos, que possuem pouca capacidade para manter suas atividades em períodos contínuos de estresse hídrico, tendo em vista a baixa incidência de chuvas na região. Além disso, Moura, Khan e Silva (2000, p. 213) enfatizam a existência de diferenças estruturais e sobre como a agricultura é praticada dentro da própria região, ao explicar que, nela, as agriculturas moderna e tradicional coexistem. A primeira é intensiva em capital e utilizadora de tecnologias avançadas, que proporcionam níveis elevados de produtividade. A segunda, todavia, não conseguiu ter acesso às técnicas mais desenvolvidas e, consequentemente, faz uso de métodos primitivos, que demandam pouco capital e são caracterizados pela baixa produtividade. Dessa forma, a questão do pequeno produtor rural, que pratica a agricultura tradicional e integra a maior parte dos agropecuaristas da região, “se coloca de forma bastante complexa no conjunto da agricultura nordestina.” Segundo Guanziroli, Sabbato e Vidal (2014), a maioria dos produtores rurais nordestinos é formada por agricultores familiares. Apesar das diferentes definições adquiridas ao longo do tempo, a agricultura familiar é, geralmente, caracterizada pela pequena produção, comumente destinada à subsistência; enquanto a agricultura patronal é associada a níveis de produção elevados e alta integração no mercado. Tais aspectos, inerentes aos seus respectivos modos de produção, associados às próprias diferenças locacionais, fazem com que os produtores se comportem de formas distintas. Neste estudo, considera-se o conceito de agricultura familiar definido pela Lei n°11.326, no ano de 2006, que estabelece que os produtores familiares são aqueles que realizam suas atividades na zona rural e possuem, simultaneamente, quatro critérios: não possua propriedade com área superior a quatro módulos fiscais; utilize, predominantemente, mão de obra familiar nas atividades de seu estabelecimento; aufira um determinado percentual mínimo de renda familiar originada de sua unidade produtiva, a ser especificado pelo Executivo; e dirija esta juntamente com sua família. 19 A fim de observar como se dá a participação da agricultura familiar e não familiar no Nordeste, bem como eventuais diferenças entre esta, as demais regiões e o Brasil, o Quadro 1 apresenta o número total de estabelecimentos nas unidades federativas nordestinas, nas cinco grandes regiões e no Brasil, nos últimos dois Censos Agropecuários realizados. Como pode ser observado, tanto em 2006 como em 2017, a agricultura familiar se sobressaiu com a maior participação, não apenas no Nordeste, mas em todas as outras regiões do país, reafirmando a importância dos pequenos produtores para o setor como um todo. Ademais, quando observado o número de estabelecimentos familiares em relação ao total de estabelecimentos existentes em cada estado nordestino, verifica-se que, em 2006, Alagoas obteve a maior proporção de unidades familiares, com 90,14%; enquanto o Rio Grande do Norte registrou a menor, com 84,65%. Já em 2017, a maior participação foi alcançada por Maranhão, com 85,14%; enquanto a menor foi obtida pelo Ceará, com 75,54%. Quadro 1 - Números, total e por tipo de agricultura, de estabelecimentos agropecuários nos estados nordestinos, nas grandes regiões e no Brasil, em 2006 e 2017 Brasil, Região e Unidade da Federação Total Tipo de agricultura 2006 2017 Não Familiar Familiar 2006 2017 2006 2017 Maranhão 140.378 219.765 18.732 32.647 121.646 187.118 Piauí 142.885 245.601 16.649 48.355 126.236 197.246 Ceará 200.100 394.330 24.522 96.468 175.578 297.862 Rio Grande do Norte 64.179 63.452 9.850 12.772 54.329 50.680 Paraíba 121.351 163.218 14.748 37.729 106.603 125.489 Pernambuco 233.937 281.688 23.168 49.077 210.769 232.611 Alagoas 93.006 98.542 9.168 16.173 83.838 82.369 Sergipe 90.627 93.275 9.256 21.215 81.371 72.060 Bahia 682.899 762.848 87.101 169.437 595.798 593.411 Nordeste 1.769.362 2.322.719 213.194 483.873 1.556.168 1.838.846 Norte 400.767 580.613 58.461 100.038 342.306 480.575 Sudeste 809.965 969.415 202.549 280.470 607.416 688.945 Sul 862.059 853.314 135.128 187.547 726.931 665.767 Centro-Oeste 293.725 347.263 93.599 123.988 200.126 223.275 Brasil 4.135.878 5.073.324 702.931 1.175.916 3.432.947 3.897.408 Fonte: Elaboração própria com base nos Censos Agropecuários de 2006 e 2017. 20 Constata-se, ainda, que, em 2006, a agricultura familiar era praticada em 3.432.947 estabelecimentos agropecuários brasileiros, o que corresponde a 83% do total, enquanto, em 2017, esse número cresceu, em termos absolutos, atingindo 3.897.408 unidades, o equivalente a 76,82%, registrando, assim, um decréscimo em termos percentuais. Em nível regional, tem-se que, em 2006, o Nordeste foi a região com o maior percentual de estabelecimentos familiares, em relação ao seu total, com 87,95% (1.556.168 unidades); enquanto em 2017, não obstante seu crescimento em termos absolutos, alcançando 1.838.846 unidades produtivas, teve sua participação relativa reduzida para 79,17%, ficando abaixo da região Norte (82,77%). Em contrapartida, em ambos os anos, o Centro-Oeste registrou o menor percentual de estabelecimentos familiares, com 68,13% e 64,3%, respectivamente. 2.1 Breve Evolução do Setor Agropecuário Ao se observar a evolução da agropecuária brasileira, tem-se que, até a década de 1960, as técnicas de produção agropecuária eram, predominantemente, do tipo artesanal (PEREIRA, 2003). Esse fator, juntamente com outras características do setor, especialmente a concentração fundiária e o baixo nível de assalariamento dos trabalhadores da zona rural, dificultavam o seu desenvolvimento. Assim, a sociedade da época tinha como uma de suas principais preocupações as questões agrárias, sendo que o debate estava fundamentado por duas vertentes de pensamento, na qual, por um lado, tinha-se aqueles que defendiam uma reforma agrária que ampliasse o acesso dos trabalhadores rurais à terra; e por outro lado, havia os apoiadores da modernização agrícola, sob o argumento de que, dessa forma, o nível de produção seria elevado e os produtores teriam seu bem-estar melhorado, sem a necessidade da reforma agrária (MELO, 2011). Nesse sentido, Delgado (2005) explica que, após o início do regime militar, em 1964, as questões envolvendo essa discussão passam a ser o principal foco do governo, cuja prioridade passou a ser a busca por formas de fazer crescer a produção e a produtividade do setor agrícola, em razão das demandas urbana e do setor externo, que estavam em expansão. Para isso, a política agrícola e comercial do período é direcionada à promoção de um aprofundamento das relações técnicas da agricultura com a indústria e de ambos com o setor externo. 21 Dessa forma, nas duas décadas seguintes, teve-se o início de seu processo de modernização, ocorrido em decorrência da execução de várias políticas públicas, com destaque àquelas direcionadas à oferta de crédito subsidiado, ao estabelecimento de preços mínimos de garantia para os gêneros alimentícios e ao desenvolvimento na área de pesquisa e extensão rural. Todavia, ressalta-se que o crescimento agropecuário aconteceu de formas distintas nesses dois períodos, sendo que, nos anos de 1970, foi baseado na incorporação de novas terras e de mais mão-de-obra; e, nos anos de 1980, teve como pilar o aumento da produtividade desses fatores (VICENTE,2002), sendo também dependente de investimentos, que objetivavam difundir as tecnologias, recuperar o solo e aumentar a produção de alimentos agrícolas destinados ao mercado nacional (PINTOR; PIACENTI, 2016). No caso do suporte governamental via fornecimento de crédito, ao observar os anos de 1966-2000, Matos e Pessôa (2011) verificaram que, de 1966 até 1970, os produtores das regiões Sul e Sudeste obtiveram 77,4% do total disponibilizado e, nos anos seguintes, o equivalente a aproximadamente 65% do crédito nacional. Além disso, em 1966, os produtores da região Centro-Oeste não registraram nenhuma participação. Já em 1970, esta região conseguiu obter 6,5% do crédito do país e, desde então, tal percentual registrou elevações, alcançando seu máximo, 32,9%, em 1988/89, em virtude da implantação de programas públicos que estimulavam a ocupação do Cerrado. Por outro lado, juntas, as regiões Norte e Nordeste apresentaram em 1966, sua maior porcentagem, com 23%, de forma que, no restante do período essa proporção decresceu, variando entre 10% e 16%. Matos e Pessôa (2011) apontam, ainda, a existência de desigualdades na política de preços mínimos, que fornecia suporte para os agropecuaristas, reduzindo os danos econômicos ocorridos pelas modificações nas condições de mercado e por fatores naturais; e na política de seguro agrícola, em que quaisquer prejuízos obtidos nas plantações eram ressarcidos pelo poder público. Assim como o fornecimento de crédito, tais políticas também apresentaram caráter seletivo, tendo em vista que apenas determinados tipos de lavouras e produtores poderiam usufruir das mesmas. Os principais favorecidos por tal iniciativa foram os médios e grandes produtores, enquanto, em termos de commodities, a soja era um dos produtos mais beneficiados. Portanto, os pequenos produtores ficaram, novamente, excluídos. Essas transformações no setor agropecuário tiveram consequências positivas e negativas. Em relação às primeiras, Pereira (1999) destaca a diversificação da pauta de 22 produtos considerados economicamente relevantes. No caso das segundas, Pires e Ramos (2009) enfatizam o agravamento da heterogeneidade setorial nacional, em todos os aspectos, tendo em vista que os hiatos existentes entre os produtores rurais com disponibilidade de recursos suficientes para demandar as inovações tecnológicas e aqueles que conseguem produzir apenas em nível de subsistência foram expandidos. Assim, Delgado (2001) explica que, nesse período, houve uma modernização conservadora, uma vez que a integração técnica do setor secundário com o primário abrangeu somente as oligarquias rurais vinculadas ao capital comercial. Nesse contexto, tem-se, portanto, que o progresso técnico voltado à agricultura e pecuária brasileiras foi absorvido pelos empresários do ramo que dispunham dos grandes volumes de capital necessários para realizar os investimentos em suas firmas, localizadas, geralmente, no Centro-Sul do Brasil; e excluiu, assim, os demais, que, em geral, eram pequenos produtores, residentes, sobretudo, nas regiões Norte e Nordeste. Para se ter uma noção dessa realidade, em 1985, 93% dos produtores brasileiros não possuíam tratores, um percentual que correspondia a 4,5 milhões de pessoas. Logo, essa massa populacional rural dispunha em sua propriedade apenas de uma moradia para a família, não possuindo, individualmente, qualquer papel produtivo importante à nível nacional (SILVA, 1998). Tais condições sociais proporcionaram um forte estímulo ao êxodo rural. Assim, na tentativa de melhorar seu bem-estar, muitos produtores rurais migraram para os centros urbanos. Paralelamente, aqueles que se mantiveram no campo continuavam a enfrentar a pobreza e a tentar se adaptar às novas mudanças. Entretanto, dadas as difíceis circunstâncias nas quais estavam inseridos e em razão do caráter seletivo da modernização agropecuária, eventualmente, viam-se obrigados a vender suas propriedades e migrar para a cidade, renunciando, muitas vezes, o estabelecimento onde produziam os alimentos para sua subsistência (NEUMANN; FAJARDO; MARIN, 2017). Todavia, nem sempre as condições na zona urbana eram melhores. Assim, muitos produtores se submetiam a condições depreciadas de trabalho, enquanto outros sequer encontravam uma nova ocupação (MEYER; SILVA, 1998). Ferreira (2003) acrescenta que, além das desigualdades regionais durante o processo de modernização agropecuária, também houve disparidades intrarregionais, como ocorreu no Nordeste. Nessa parte do país, as modificações foram direcionadas para solucionar os problemas causados pela irregularidade das chuvas, por meio da construção de amplos perímetros irrigados públicos, acompanhados de projetos de assentamento, produção de gêneros alimentícios, colonização e incentivo à produção familiar. 23 Entretanto, tais transformações ocorreram de forma heterogênea e seletiva, tanto em relação ao espaço quanto aos bens produzidos. Fornazier e Vieira Filho (2012) ressaltam que, consequentemente, os produtores que foram excluídos desse processo tiveram suas condições de vida pioradas, mantendo-se na zona rural e praticando atividades pouco monetizadas, dependendo, muitas vezes, de outros recursos para assegurar sua sobrevivência, como as rendas de transferências governamentais. Posteriormente, durante os anos de 1990, o setor agropecuário brasileiro foi pressionado a passar por novas transformações, em virtude da abertura da economia ao mercado internacional. Além disso, retomou-se a preocupação com relação às disparidades entre as regiões, no que se refere à rapidez de incorporação e expansão do uso da terra3, à adoção de técnicas avançadas no processo produtivo e à utilização de assistência técnica. Sob essas novas circunstâncias, surgiram alguns desafios a serem superados pelo setor, como a necessidade de se elevar a eficiência e identificar potenciais ganhos de produtividade (MARINHO; CARVALHO, 2004). Dessa forma, o setor agropecuário deve buscar a eficiência máxima dos insumos empregados, sobretudo, nas regiões naturalmente menos produtivas e/ou com técnicas menos avançadas, a fim de reduzir esse hiato produtivo. Lira (2016) explica que o setor agropecuário tem como uma de suas principais características a heterogeneidade, aspecto que não se restringe somente a fatores geográficos e climáticos, mas engloba também aspectos econômicos, sociais e referentes à disponibilidade de recursos, o que, eventualmente, implica em diferenças entre os próprios agricultores, sendo refletidas em termos de potencialidades e restrições associadas aos recursos e habilidades de geração de renda, capacitação, aprendizado obtido por meio de seus antecedentes e/ou assistência técnica, localização etc. Sendo assim, cada estabelecimento produtivo acaba desenvolvendo suas próprias estratégias de sobrevivência e de produção, o que contribui para a complexidade e diversidade do setor. Considerando-se essas diferenças entre os agropecuaristas e na tentativa de compensar a não realização de uma reforma agrária, Neumann, Fajardo e Marin (2017) acrescentam que, a partir de então, o poder público modificou as orientações das políticas de desenvolvimento do meio rural, que passaram a compreender as especificidades de 3 Nesse período, Pintor e Piacenti (2016) explicam que a maioria das unidades federativas, principalmente aquelas localizadas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, teve seu processo de abertura agrícola esgotado, dada a impossibilidade de expansão em novas áreas. Em contrapartida, naquelas pertencentes às regiões Norte e Nordeste, caracterizadas pela abundância de terras, tal processo foi acentuado, de modo que se avançou sobre as áreas do Cerrado e pastagens naturais. 24 ambos os grupos de agricultores, perdendo, assim, seu caráter totalmente produtivista, que tendia a excluir ospequenos produtores; e enfatizando o papel dos atores sociais. Dessa forma, a partir da segunda metade da década de 1990, uma característica bastante notada do setor agropecuário é a sua forte dependência das políticas públicas, entre as quais se destacam a oferta de crédito rural subsidiado, a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e as políticas de proteção à produção familiar. Em relação à primeira, o programa de crédito mais importante para os produtores rurais é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). As duas últimas, por sua vez, estão relacionadas, pois, embora a PGPM tenha sido instituída durante o período de modernização conservadora, foi reforçada, a posteriori, por políticas auxiliares, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que determinam a aquisição de parte da produção proveniente dos agricultores familiares, por entes governamentais, a um preço fixado pelo governo (GUIMARÃES; PEREIRA, 2014). Apesar da tentativa de desenvolver a produção agropecuária nacional, as políticas agrícolas implementadas pelo governo, durante a década de 1990, acentuaram as desigualdades regionais, especialmente, na região Nordeste em relação às demais. Um exemplo disso é o PRONAF, cujos recursos são considerados escassos e caros e que foi relativamente pouco usufruído pelos produtores nordestinos. Esse Programa foi orientado aos agricultores e pecuaristas que já estavam razoavelmente integrados ao mercado e que, deste modo, apresentavam condições, na visão do governo, de empregar os recursos obtidos eficientemente. Entretanto, como mais de 80% dos agropecuaristas da região encontravam-se descapitalizados ou em processo de descapitalização, esses não constituíram o público do PRONAF (FREIRE, 1999). O acesso limitado ao crédito rural, por parte dos produtores nordestinos, não se restringiu aos anos iniciais da implementação desse tipo de programa. Baseado nos dados dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017, verifica-se que, na região Nordeste, apenas 325.399 estabelecimentos rurais tiveram acesso ao financiamento no primeiro ano, enquanto somente 284.728 unidades produtivas obtiveram crédito no segundo ano, o que equivale a aproximadamente 13% e 12% do total de estabelecimentos existentes na região, respectivamente (IBGE, 2007; IBGE, 2019). Nesse contexto, Nogueira (2005) explica que, em decorrência da assimetria de oportunidades, acentuada pela política agrícola discriminante, há, também, uma disparidade expressiva nos níveis de renda, de modo que, em algumas regiões do país, esses são muito inferiores, enquanto em outras, 25 são bastante elevados, o que é reflexo das divergências em relação à remuneração dos fatores de produção, sobretudo a mão de obra. Ademais, Araujo e Mancal (2015) explicam que, nas regiões menos desenvolvidas, é preciso que as políticas direcionadas ao desenvolvimento do setor sejam acompanhadas de investimentos complementares em infraestrutura. Como pode ser observado, ao longo de toda a história, o desenvolvimento da agropecuária brasileira ocorreu de forma desigual entre as regiões do país, particularmente, em detrimento do Nordeste (FERREIRA, 2003). Além disso, as disparidades também foram agravadas em nível intrarregional, sendo que os produtores que detinham algum capital puderam modernizar suas empresas e obter vantagens na comercialização de seus produtos, enquanto os pequenos agropecuaristas preservavam suas técnicas primitivas e continuavam a produzir para sua subsistência. Portanto, o cenário vigente é de uma região que, embora abrigue a maior parte dos produtores brasileiros, possui sua produção comprometida por fatores climáticos, políticos, sociais e econômicos. Diante de tantos obstáculos, a utilização eficiente de seus recursos produtivos se torna de extrema relevância, ao otimizar os recursos, que são escassos. Esse assunto será discutido de forma mais aprofundada no próximo capítulo. 26 3 EFICIÊNCIA: CONCEITOS E ABORDAGENS Na literatura econômica, a mensuração do nível de eficiência, no que se refere ao processo de produção, é realizada com base na comparação entre os valores observados e os valores considerados ótimos. Portanto, a noção de eficiência está conectada com o menor custo ou a maior produção possível em dado sistema produtivo (FREITAS, 2014). Dessa forma, um processo produtivo economicamente eficiente é aquele em que os custos são minimizados, empregando-se a melhor combinação possível dos insumos disponíveis, dados os seus respectivos preços, e, simultaneamente, o produto potencial é maximizado (ALMEIDA, 2012). Por vezes, o conceito de eficiência é confundido com o de produtividade, porém esses termos possuem significados diferentes. Enquanto a eficiência é focada em valores ótimos, a fim de evitar desperdícios, a produtividade está associada à razão entre produto e insumo, isto é, a quantidade produzida por cada unidade de insumo utilizado. Dessa forma, quando uma unidade produtiva corrige suas ineficiências, a produtividade aumenta, porém, não necessariamente a situação inversa será verdadeira (STUKER, 2003). O primeiro indicador de eficiência produtiva, denominado de Coeficiente de Utilização dos Recursos, foi desenvolvido por Debreu (1951) e se fundamentava na ideia de que os insumos produtivos estão alocados de forma eficiente quando, a partir de determinado ponto, se torna impossível decrescer sua quantidade e manter o mesmo nível de produção. Assim, após mensurar os coeficientes de cada firma, o autor analisou os níveis de ineficiência a partir das distâncias destas em relação à fronteira de produção ótima. Freitas (2014) acrescenta que, na mesma década, Koopmans (1951) e Shephard (1953) também forneceram contribuições importantes para a temática. Koopmans (1951) estabeleceu um conceito de eficiência segundo o qual essa é alcançada quando a produção de um bem não é passível de ser elevada sem que a de outro bem seja reduzida. Por outro lado, assim como Debreu (1951), Shephard (1953) baseou sua análise de eficiência a partir das distâncias entre as unidades produtivas ineficientes e a fronteira de eficiência. Apesar da relevância dessas contribuições, o conceito mais utilizado e difundido é o de Farrel (1957), que defende que uma unidade produtiva é eficiente quando produz a maior quantidade possível com os insumos disponíveis. Quintela (2011) explica que Farrel (1957) contribuiu para a literatura que trata da eficiência, ao elaborar técnicas de programação matemática direcionadas à sua mensuração. Assim, o autor criou uma 27 fronteira de eficiência, representada por uma isoquanta, tendo como base as diferentes combinações de insumos, tecnologias e produtos gerados. Posteriormente, Farrel e Fieldhouse (1962) contribuíram para essa temática, ao desenvolverem medidas de eficiência capazes de avaliar, simultaneamente, as relações entre vários insumos e produtos, a partir do cálculo de uma unidade tomadora de decisão (Decision Making Unit – DMU, em inglês) “virtual”, resultante de uma média ponderada de firmas eficientes, que seria utilizada como referência para as demais unidades (ALVIM; STULP, 2014). Na década de 1970, Charnes, Cooper e Rhodes (1978) aprimoraram os estudos de Farrel e criaram o método de Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis – DEA, em inglês), que produz resultados mais detalhados do que as medidas paramétricas, permitindo, assim, um melhor gerenciamento dos recursos produtivos disponíveis (SENA, 2005). Sendo assim, pode-se afirmar que a definição de eficiência econômica é constituída a partir da junção de dois conceitos: eficiência técnica e alocativa. A primeira analisa a razão entre o produto observado e o potencial máximo atingível, considerando-seum dado nível de insumos; enquanto a segunda avalia a razão entre o nível de insumos empregado e o mínimo necessário para se produzir determinada quantidade de produto (LOVELL, 1992), considerando os preços relativos e visando maximizar o lucro (REIS; RICHETTI; LIMA, 2005). Isso implica dizer que uma unidade ineficiente tem capacidade de produzir mais, com uma certa quantidade de insumos, ou de manter o nível de produção vigente, utilizando menos insumos (CGEE, 2018). Alvim e Stulp (2014) explicam que a eficiência técnica pode ser considerada global ou local. Quando é global, se observa a distância da unidade produtiva em relação à fronteira de eficiência com retornos constantes de escala (CCR, em referência às iniciais de seus fundadores, Charnes, Cooper e Rhodes). Quando é local, considera-se a possibilidade de a unidade em questão elevar sua razão produto/insumo, por meio de modificações da escala de produção, passando para uma situação de retornos crescentes ou decrescentes de escala (BCC, sigla que representa as iniciais de seus formuladores, Banker, Charnes e Cooper), isto é, apresentando retornos variáveis de escala. Por outro lado, na eficiência alocativa, as relações insumo e produto variam em função dos preços. Segundo Benício e Mello (2014), quando a variação do nível de insumos é menor (maior) do que a variação do produto, a unidade produtiva apresenta retornos crescentes (decrescentes) à escala. 28 A escolha adequada da escala de produção é relevante, pois muitas atividades podem mudar de acordo com o tipo de escala determinado e, por conseguinte, ocasionar modificações na fronteira de possibilidade de produção, que servirá como referência para as unidades localizadas em seu interior. Em outros termos, para cada tipo de escala, há uma fronteira específica (PEREIRA, 1999). A estimação dos escores de eficiência técnica, seguindo-se os modelos com retornos constantes e variáveis de escala, dá origem ao conceito de eficiência de escala. Essa é obtida a partir da razão entre ambos os escores, sendo que, se esses diferem, a firma apresentará ineficiência de escala. O contrário também é válido (NOGUEIRA, 2005). No que tange aos estudos realizados com foco nas atividades agropecuárias, é comum a mensuração da eficiência técnica, objetivando diagnosticar e identificar as ineficiências presentes no processo produtivo, suas causas e quais unidades podem servir de referência para as demais (BARBOSA; SOUSA, 2014). Nesse contexto, tem-se que, por exemplo, uma unidade produtiva que, dada uma certa quantidade de insumos, apresente um índice de eficiência técnica de 64%, está operando 36% abaixo de sua produção potencial. Logo, esse último percentual equivale à produção adicional que a mesma poderia alcançar, mantendo-se o nível de insumos empregados, caso melhorasse sua eficiência (VILLANO; BOSHRABADI; FLEMING, 2010). No caso deste estudo, adotou-se o modelo com retornos constantes de escala, a fim de se obter os escores de eficiência técnica, como empregado por Santos e Fernandes (2009), Blancard e Martin (2012), Musemwa et al. (2013) e Effendy et al. (2019). As medidas de eficiência são precedidas pela determinação do tipo de orientação, que pode ser baseada na redução dos insumos (orientação insumo) ou na maximização da produção (orientação produto) (COELLI et al., 1998). Sendo assim, do ponto de vista da orientação insumo, uma unidade produtiva é tecnicamente ineficiente quando um determinado nível de produto estiver sendo alcançado com mais insumos do que o necessário e alocativamente ineficiente quando os recursos disponíveis estiverem alocados de forma inadequada, considerando seus respectivos preços relativos. Já sob a ótica da orientação produto, a ineficiência técnica ocorre quando o conjunto de insumos utilizados corresponde a um nível de produto efetivo abaixo do produto potencial e alocativamente ineficiente quando o produto disponível não estiver alocado apropriadamente, tendo em vista seus respectivos preços relativos (QUINTELA, 2011). Neste trabalho, optou-se pela orientação produto, conforme proposto por Stuker (2003), Barbosa et al. (2013) e Effendy et al. (2019), uma vez que esta especificação 29 permite identificar a possibilidade de aumentos na produção com o montante de insumos que já se encontra à disposição dos agricultores, sendo, portanto, uma abordagem mais adequada, considerando-se que a população e, consequentemente, a demanda do setor agropecuário estão sempre crescendo. A Figura 1 representa graficamente o conceito de eficiência, tanto técnica como alocativa, sob a orientação produto e, a fim de simplificar a análise, adota-se o modelo com retornos constantes de escala. Considere-se uma unidade produtiva que produz dois bens (y1 e y2), fazendo uso de um único insumo (x), cuja curva de possibilidade de produção é denotada por ZZ’. Os pontos que estiverem abaixo desta curva, como é o caso do ponto A, são considerados ineficientes, pois neles o produto observado é menor que o produto potencial. Assim, tem-se que a distância AB corresponde ao nível de ineficiência técnica, permitindo inferir-se que, mantida a quantidade utilizada do insumo x, ainda é possível produzir mais. Figura 1 - Eficiências Técnica e Alocativa sob a Orientação Produto Fonte: Coelli (1996). Assim, a eficiência técnica (ET) é determinada conforme a equação (1): 𝐸𝑇 = 0𝐴 0𝐵 (1), em que o segmento de reta 0𝐴̅̅̅̅ representa a distância percorrida pelo nível de produção efetiva e o segmento de reta 0𝐵̅̅̅̅ corresponde à distância total necessária para que o nível produtivo atinja o máximo alcançável e, consequentemente, a firma opere não ociosamente, mas sim eficientemente. 30 Caso as informações acerca dos preços dos produtos estivessem disponíveis, seria possível definir a linha DD’, que corresponde à isoreceita. Dessa forma, poderia se identificar o ponto B’ como aquele em que a combinação de y1 e y2 maximiza a produção e a receita, dada a linha de isoreceita. Nesse mesmo ponto, nota-se que a Taxa Marginal de Transformação (TMT) se iguala à razão entre os preços. A eficiência alocativa (EA) corresponde, portanto, a equação (2): 𝐸𝐴 = 0𝐵 0𝐶 (2), em que o segmento de reta 0𝐵̅̅̅̅ representa a distância percorrida pelo nível de produção potencial e o segmento de reta 0𝐶̅̅̅̅ corresponde à distância entre a curva de possibilidade de produção e a isoreceita. Nesse sentido, tem-se que a eficiência econômica (EE) é expressa pelo produto das duas medidas (ET e EA), conforme ilustrado na equação (3): 𝐸𝐸 = 0𝐴 0𝐶 = 0𝐴 0𝐵 𝑋 0𝐵 0𝐶 = 𝐸𝑇 𝑋 𝐸𝐴 (3) Para fins de comparação, a mesma situação, mas desta vez sob a orientação insumo, é demonstrada, graficamente, pela Figura 2. Nesse caso, tem-se uma firma que utiliza dois insumos (x1 e x2) para produzir um único bem (y). Supondo-se que a isoquanta SS’, correspondente à firma eficiente, seja conhecida4, pode-se inferir que determinada firma, cujo nível de insumos adotados, para produzir uma unidade de produto, é representado pelo ponto P, possui ineficiência técnica equivalente à distância QP, que simula a quantidade de insumos que poderia ser reduzida sem que houvesse diminuição do produto vigente. 4 A função de produção da firma eficiente não é conhecida na prática e, dessa forma, deve ser estimada a partir das observações do setor analisado. No presente trabalho, tal mensuração foi feita a partir do método DEA. 31 Figura 2 - EficiênciasTécnica e Alocativa sob a Orientação Insumo Fonte: Coelli (1996). Logo, a eficiência técnica (ET) dessa empresa pode ser expressa pela equação (4): 𝐸𝑇 = 0𝑄 0𝑃 = 1 − 𝑄𝑃 0𝑃 (4), em que 0𝑄̅̅ ̅̅ representa o mínimo de insumos necessários para que se atinja a quantidade produzida no período vigente e 0𝑃̅̅̅̅ equivale ao total de insumos que estão sendo efetivamente empregados pela firma para alcançar seu nível de produção atual. Logo, o segmento 𝑄𝑃̅̅ ̅̅ evidencia o volume excedente de recursos que está sendo utilizado pela unidade produtiva, alertando, portanto, para a presença de ineficiência. A ET varia de 0 a 1, de modo que, quanto menor (maior) o valor registrado, menor (maior) o grau de eficiência técnica. Na Figura 2, por exemplo, o ponto de máxima eficiência técnica é dado por Q, pois esse se localiza na isoquanta eficiente. Se a razão entre os preços também for conhecida, pode-se estabelecer a linha AA’, possibilitando-se, assim, a mensuração da eficiência alocativa (EA), que, no caso de uma firma que opere no ponto P, é demonstrada pela equação (5): 𝐸𝐴 = 0𝑅 0𝑄 (5), em que 0𝑅̅̅̅̅ mostra o nível de custo do conjunto de insumos empregados no ponto P e 0𝑄̅̅ ̅̅ faz referência ao custo da quantidade de insumos a ser utilizada eficientemente no ponto Q. Dessa forma, a distância RQ corresponde ao valor dos custos que poderiam ser reduzidos, caso a produção ocorresse no ponto Q’, que apresenta eficiência econômica, 32 ao invés do ponto Q, que, embora seja eficiente sob o ponto de vista técnico, não o é sob a ótica alocativa. A eficiência econômica (EE) é, então, dada pela equação (6): 𝐸𝐸 = 0𝑅 0𝑃 = 0𝑄 0𝑃 𝑋 0𝑅 0𝑄 = 𝐸𝑇 𝑋 𝐸𝐴 (6) A Figura 3 apresenta algumas abordagens para se mensurar a eficiência. Segundo Guesmi et al. (2012), no caso da eficiência técnica, duas delas se destacam na literatura: as paramétricas, sendo que a Análise da Fronteira Estocástica (AFS) é mais conhecida; e as não paramétricas, em que a Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis, DEA) é a mais utilizada. A diferença entre elas é que a última fornece mais flexibilidade, pois sua execução não exige que se conheça a verdadeira especificação da forma funcional que caracteriza o processo produtivo nem a formulação de hipóteses sobre a distribuição dos erros. Todavia, possui como principal desvantagem a impossibilidade de se isolar os efeitos de ineficiência derivados de ruídos ou choques aleatórios. Stuker (2003) explica que conhecer a forma funcional de relação entre as variáveis dependente e independente e a admissão de hipóteses sobre a distribuição dos resíduos são requisitos obrigatórios para o emprego da abordagem paramétrica, que faz uso do método de regressão para avaliar o comportamento das observações em termos médios. Por outro lado, a abordagem não-paramétrica dispensa tais exigências, pois interpreta que quaisquer desvios em relação à fronteira de eficiência são resultantes de ineficiência produtiva e não de outros fatores. 33 Figura 3 - Organograma das Técnicas de Mensuração da Eficiência Fonte: Sarafidis (2002). A abordagem paramétrica se divide em dois tipos de métodos, os que formam fronteira e os que não a formam. No caso do primeiro tipo, destacam-se a Análise da Fronteira Determinista e a Análise da Fronteira Estocástica. Essa subclassificação teve seu surgimento na década de 1970, a partir dos estudos de Aigner e Chu (1968), Afriat (1972), Aigner et al. (1977) e Meesun e Van Den Broecker (1977), que explicaram os níveis de eficiência das unidades observadas, por meio de uma forma funcional. A principal diferença entre ambas as abordagens consiste na interpretação sobre os resíduos. A primeira é fundamentada na ideia de que toda ineficiência existente surge de eventos que estão sob o controle das instituições. Logo, o termo de erro possui distribuição unilateral não-simétrica. A segunda, por sua vez, surgiu na tentativa de aprimorar a primeira. Assim, além do termo de erro presente na fronteira determinista, denominado unilateral, pressupõe-se a existência de um erro simétrico, caracterizado por variação aleatória, que reflete eventos exógenos, isto é, que não estão sob o controle das instituições e são inerentes às relações empíricas, englobando, portanto, a heterogeneidade das firmas e o efeito de fatores externos ao modelo, como variáveis omitidas e erros de mensuração, sobre os níveis de eficiência calculados. Assim, quando o erro simétrico é nulo, as funções de ambos os métodos se tornam iguais (QUINTELA, 2011). 34 As equações (7) e (8) demonstram, respectivamente, os modelos da fronteira determinista e estocástica, conforme explicitado por Almeida (2012), em que Yi é a quantidade produzida da i-ésima unidade produtiva; xi é um vetor de insumos da i-ésima unidade produtiva; β é um vetor dos regressores a serem estimados; ui é uma variável aleatória não negativa associada aos elementos causadores da ineficiência técnica da i- ésima unidade produtiva; vi é um termo de erro aleatório com média zero, que está relacionado aos fatores fora do controle das instituições; e n é o número de unidades produtivas da amostra. 𝑌𝑖 = 𝑓(𝑥𝑖; 𝛽)𝑒 −𝑢𝑖, 𝑖 = 1, 2, … , 𝑛 (7) 𝑌𝑖 = 𝑓(𝑥𝑖; 𝛽)𝑒 (𝑣𝑖−𝑢𝑖) , 𝑖 = 1, 2, … , 𝑛 (8) Segundo Sarafidis (2002), a abordagem paramétrica de fronteira é mais indicada quando o pesquisador possui confiança de que a forma funcional da fronteira está bem especificada; variáveis omitidas podem alterar os resultados e o teste de hipóteses é relevante. Todavia, possui como deficiências: a vulnerabilidade à presença de informações discrepantes, pois estas podem fazer com que o modelo perceba, equivocadamente, uma forte presença de ruídos nos dados e, assim, não consiga detectar os níveis de ineficiência corretamente; a estimação por máxima verossimilhança, que pode fornecer estimadores ineficientes e inconsistentes; a pressuposição de que a maioria das unidades produtivas são eficientes, quando, na realidade, a situação oposta é mais comum, fazendo com que a distribuição atribua, erroneamente, igual importância a firmas eficientes e ineficientes, entre outros problemas. Já em relação ao segundo tipo de método, que não forma fronteira, destaca-se a análise de regressão simples, em que a eficiência é calculada a partir de dois passos. Segundo Sarafidis (2002), inicialmente, determina-se o modelo de regressão que se ajusta melhor aos dados utilizados, no sentido de estabelecer a melhor relação entre insumos e produto. Em seguida, o termo de erro do modelo estimado seria interpretado como uma medida de ineficiência, uma vez que representa os desvios em relação à média. Assim, a função de produção seria dada pela equação (9), em que ci corresponde ao custo total, yi equivale ao vetor de produtos, β representa o vetor dos regressores, f é a forma funcional que caracteriza a relação entre c e y, e ui é a ineficiência calculada para a firma i: 𝑐𝑖 = 𝑓(𝑦𝑖; 𝛽) + 𝑢𝑖 (9) 35 Entretanto, autores como Fare, Grosskopf e Lovell (1994) e Gomes e Baptista (2004) ressaltam que seus resultados podem ser viesados, pelo fato de a função de produção apresentar somente os resultados médios, desconsiderando as diferenças das unidades produtivas. Nesse sentido, a Figura4 apresenta a diferença entre os resultados obtidos pelo DEA e pelos mínimos quadrados ordinários. Como pode ser percebido, no caso do primeiro, as unidades eficientes se localizaram na fronteira e as demais serão avaliadas individualmente, de acordo com sua distância da fronteira. Por outro lado, no caso da regressão simples, existem pontos acima e abaixo da função estimada que serão desconsiderados. Logo, as análises realizadas por tal método deixam de captar os melhores e os piores desempenhos e, portanto, inviabilizam a identificação das unidades ineficientes e seus pontos de estrangulamento, bem como das eficientes, dificultando o seu processo de desenvolvimento, ao não fornecerem inferências personalizadas para cada situação observada. Figura 4 - Representação da função de produção Fonte: Gomes e Baptista (2004). Assim como a abordagem paramétrica, a não paramétrica também é subdividida em métodos que não formam e que formam fronteira. Em relação ao primeiro tipo, destaca-se a utilização de números índices, que, conforme Mariano, Almeida e Rebelatto (2009), tem a capacidade de comparar as relações outputs/inputs entre dois pontos, que podem se referir a uma mesma DMU em dois períodos de tempo ou a duas DMUs diferentes. Quanto à interpretação, tem-se que se a eficiência registrada for maior (menor) que um, a DMU avaliada possui maior (menor) eficiência em relação à unidade tomadora 36 de decisão considerada como referência. A expressão 10 apresenta o cálculo da eficiência produtiva quando se utiliza a técnica dos números índices, em que: E se refere ao escore de eficiência, P equivale à produtividade corrente da DMU analisada e 𝑃𝑏𝑎𝑠𝑒 corresponde à produtividade da DMU base: 𝐸 = 𝑃 𝑃𝑏𝑎𝑠𝑒 (10) Os principais números índices identificados na literatura são o Índice de Laspeyres, o Índice de Paasche, o Índice de Fischer, o Índice de Tornqvist e o Índice de Malmquist, conforme expressos na Figura 5. Nesse sentido, Costa (2017) explica que no que tange à utilização de índices de eficiência, tem-se que os índices de Paasche, Laspeyres, Fischer e Türquivist podem seguir a orientação insumo, produto ou serem avaliados com foco na produtividade. Entretanto, pelo fato de se constituírem como técnicas paramétricas, são suscetíveis a problemas relacionados à presença de informações discrepantes, a exemplo de distorções nos resultados obtidos. Ademais, no caso dos dois primeiros índices, é obrigatório que se conheça, a priori, os pesos a serem utilizados. Diferentemente destes, o índice de Malmquist pode ser empregado somente com a perspectiva da Análise Envoltória de Dados (DEA) ou Fronteira Estocástica. Tendo em vista que este trabalho empregou a Análise Envoltória de Dados e que uma mesma unidade tomadora de decisão tem seu comportamento avaliado em relação a dois anos (2006 e 2017), utilizou-se o Índice de Malmquist, que é abordado com mais detalhes no capítulo referente à metodologia. Figura 5 - Modelos e perspectivas da técnica de números índices direcionados à eficiência Fonte: Mariano, Almeida e Rebelatto (2009). 37 Em relação ao segundo tipo de método não-paramétrico que forma fronteira, destaca-se o DEA. Tal método é mais apropriado em situações que: as variáveis dependentes são altamente correlacionadas, influências aleatórias não repercutem de forma expressiva sobre as observações e é difícil justificar uma forma funcional específica para o componente de ineficiência (SARAFIDIS, 2002). Entre as vantagens em sua utilização, destacam-se a mensuração do nível de eficiência para cada uma das unidades produtivas consideradas e a não necessidade de se partir de um modelo matemático específico. Em contrapartida, sua principal limitação consiste na sensibilidade a dados discrepantes, visto que os resultados são obtidos pela comparação dos valores de todas as DMUs entre si para todas as variáveis selecionadas (SOUSA JÚNIOR, 2003). Todavia, tal problema metodológico pode ser contornado a partir de procedimentos para identificação de outliers e sua eventual remoção. Ressalta-se que todo método é passível de crítica, em razão dos seus respectivos problemas, tanto práticos como teóricos. Assim, independente de qual seja usado, os escores de eficiência não devem ser vistos como resultados conclusivos, mas como sinalizadores (SARAFIDIS, 2002). No caso do presente estudo, optou-se pela mensuração da eficiência por meio do método DEA, de acordo com a abordagem do Índice de Malmquist, que será abordado de forma mais detalhada no capítulo 5. O capítulo a seguir expõe diversos trabalhos empíricos com foco na eficiência das atividades agropecuárias, bem como na identificação de seus determinantes. 38 4 PANORAMA DA EFICIÊNCIA DO SETOR AGROPECUÁRIO: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS Considerando-se a relevância de se avaliar a eficiência do setor agropecuário e seus condicionantes, vários estudos direcionados à essa temática têm sido realizados ao longo dos anos. No caso da literatura internacional, podem ser mencionados Villano, Boshrabadi e Fleming (2010), Ayaz e Hussain (2011), Blancard e Martin (2012), Kourtesi, Witte e Polymeros (2016), Effendy et al. (2019) e Gaviglio et al. (2021). Dada a existência de diferentes níveis de eficiência técnica, apontadas pela literatura, entre os produtores de pistache na província de Carmânia, no Irã, Villano, Boshrabadi e Fleming (2010) tiveram como intuito analisar se, nos anos de 2003 e 2004, tais diferenças eram decorrentes somente de limitações técnicas ou se eram ocasionadas por distinções no desempenho entre as variedades cultivadas pelos produtores. Para tal, empregaram o método meta-fronteira estocástica, em que a quantidade produzida de pistache seco correspondeu a variável dependente, enquanto os regressores foram constituídos pela área total da plantação de pistache, quantidade de água utilizada, mão de obra empregada, despesas totais, idade da árvore, densidade de árvores por hectare e quatro variáveis do tipo dummy (uma referente ao ano de 2004 e três concernentes às regiões Norte, Central e Oeste, tendo como base a região Noroeste). Apesar de haver poucas diferenças entre os graus de eficiência técnica dos produtores das três variedades consideradas, concluíram que desconsiderar as restrições de produção impostas pela escolha da variedade pode resultar em superestimação da capacidade de aumento produtivo via adoção de melhores práticas agrícolas. Ayaz e Hussain (2011) propuseram avaliar o impacto do crédito na eficiência do setor agrícola, no distrito de Faisalabad, localizado na província paquistanesa Punjab. Para tal, utilizaram o método da análise de fronteira estocástica, a partir de dados levantados, de forma primária, no ano de 2009, referentes a uma amostra de 300 agricultores. O nível de produto correspondeu a variável resposta, enquanto os regressores foram constituídos pelo tamanho da área em que as atividades eram executadas, diárias de trabalho, quantidade de fertilizantes aplicados, uso de sistemas de irrigação, custos com insumos e gastos com o gado. Além disso, observaram o efeito das variáveis tamanho da área de operação, experiência, escolaridade, tamanho do rebanho, número total de práticas de cultivo, uso de medidas de proteção para as plantações e realização de financiamento sobre o produto. 39 Segundo os resultados encontrados, em média, os agricultores da amostra apresentaram um nível de ineficiência de 16%, sendo que os fatores que mais influenciaram tal resultado foram a experiência, a escolaridade, o tamanho do rebanho, o número total de práticas de cultivo e o acesso ao crédito. Ao final do estudo, concluíram que o fornecimento de linhas de crédito
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