Buscar

Memoriaimaginativalembrancas-Silva-2020

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 127 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 127 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 127 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
RAIMUNDO PAULINO DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
MEMÓRIA IMAGINATIVA NAS LEMBRANÇAS DE ERICO 
VERISSIMO: UMA LEITURA DE SOLO DE CLARINETA 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2020 
 
 
 
RAIMUNDO PAULINO DA SILVA 
 
 
 
 
 
MEMÓRIA IMAGINATIVA NAS LEMBRANÇAS DE ERICO VERISSIMO: 
UMA LEITURA DE SOLO DE CLARINETA 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado em Ciências 
Sociais apresentado ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais da UFRN 
como requisito parcial para obtenção do 
título de Mestre em Ciências Sociais. 
 
Orientador(a): Profa. Dra. Ana Laudelina 
Ferreira Gomes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL - RN 
2020 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA 
Silva, Raimundo Paulino da. 
 Memória imaginativa nas lembranças de Erico Veríssimo: uma 
leitura de Solo de Clarineta / Raimundo Paulino da Silva. - 
Natal, 2020. 
 125f.: il. color. 
 
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. 
 Orientadora: Profa. Dra. Ana Laudelina Ferreira Gomes. 
 
 
 1. Solo de Clarineta - Dissertação. 2. Erico Verissimo - 
Dissertação. 3. Memória imaginativa - Dissertação. 4. 
Autobiografia poética - Dissertação. 5. Poética memorial - 
Dissertação. I. Gomes, Ana Laudelina Ferreira. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 821.134.3(81).09 
 
 
 
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
 
 
 
RAIMUNDO PAULINO DA SILVA 
 
 
 
 
MEMÓRIA IMAGINATIVA NAS LEMBRANÇAS DE ERICO VERISSIMO: 
UMA LEITURA DE SOLO DE CLARINETA 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
_______________________________________________ 
Dra. Ana Laudelina Ferreira Gomes - PPGCS/UFRN (orientadora/presidente) 
_________________________________________________ 
Dr. Ozaías Antonio Batista – Universidade Federal do Piauí – UFPI (co-orientador) 
 
_________________________________________________ 
Dra. Karlla C. Araújo Sousa – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – 
UERN (Membro externo) 
 
_________________________________________________ 
Dr. Fagner Torres de França - PPGCS/UFRN - (Membro interno) 
 
_________________________________________________ 
Dr. Rodrigo Viana Sales - Secretaria Estadual de Educação - RN - Ensino Médio 
(Suplente) 
 
NATAL- RN 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Graça, Nícolas e Letícia 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
A Deus, por tudo. 
Ao meu pai João Daniel (in memorian) e a minha mãe Francisca (in memorian) 
por terem sido os responsáveis pela minha existência. 
A minha esposa Graça e aos meus filhos Nícolas Daniel e Natália Letícia pelo 
apoio incondicional em todos os momentos. 
Aos meus irmãos Francisco, Luiz, Sebastião, Maria, Dasneves e Lucinha pela 
força que me deram ao longo deste trabalho, extensivo a todos/as familiares. 
A Coordenação Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo 
apoio financeiro durante os dois ANOS de curso. 
A minha orientadora Doutora Ana Laudelina, por tudo e por todos os momentos 
em que esteve ao meu lado, com a sua paciência, sua sabedoria, sua preocupação, sua 
contribuição, sua lealdade, sua orientação através da leitura atenta e crítica, uma eterna 
gratidão. 
Ao professor/co-orientador Doutor Ozaías Antonio Batista, o meu profundo 
agradecimento pela leitura atenta e sua contribuição ao longo da produção desta 
dissertação. 
Aos professores que compõem a banca examinadora, Doutora Karlla C. Araújo 
Souza, Doutor Fagner Torres de França e Doutor Rodrigo Viana de Sales pela 
participação e contribuição que deram a este trabalho. 
Ao Doutor Alexsandro Galeno e ao professor Doutor Orivaldo Pimentel na 
condição de coordenador e vice-coordenador, respectivamente, do Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais (PPGCS-UFRN), o meu agradecimento. 
Aos meus professores e professoras do Programa de Pós-graduação em Ciências 
Sociais (PPGCS-UFRN) e em especial, aqueles de quem fui aluno. 
A todos os pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa Myhtos-Logos 
do PPGCS/UFRN, ao qual me integrei ao longo do percurso desse mestrado. 
A professora e pesquisadora Maria da Glória Bordini (PUC-RS) a quem recorri 
em busca de algumas informações precisas sobre Erico Verissimo. 
Aos funcionários da secretaria do PPGCS, Otânio, Nicolas e Daniel, que sempre 
me atenderam bem naquilo que precisei. 
 
 
Aos colegas da nossa turma de mestrado pela força nos momentos de 
dificuldades. 
A todos/as amigos/as que direta ou indiretamente contribuíram para a realização 
deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As relações entre ciência e o poético 
provocaram uma virada epistêmica que 
ultrapassa a dicotomia entre a visão material 
e a visão imaginária, sendo no século XX, a 
obra de Gastón Bachelard um dos marcos 
desses deslocamentos, como sabemos, 
transformando a imagem da ciência e o seu 
funcionamento, considerando que a 
imaginação do cientista está eivada de 
elementos poéticos e até ficcionais. 
 
Ilza Matias de Sousa 
 
 
RESUMO 
 
 
A presente pesquisa tem a finalidade de observar lembranças da autobiografia Solo de 
Clarineta do escritor brasileiro Erico Verissimo (1905-1975) buscando refletir sobre as 
articulações entre memória e imaginação criadora. Para dar conta da investigação, 
formulei a seguinte pergunta de partida: o que é possível dizer da memória autobiográfica 
de Erico Verissimo tendo Solo de Clarineta como balizador? Falar não do conteúdo das 
memórias somente, mas do modo como elas operam. Parti do pressuposto que se trata de 
uma poética memorial autobiográfica no sentido de que ela é um pouco ficcional pois 
também do imaginário poético do escritor memorialista. Quanto aos objetivos, o objetivo 
geral consistiu em refletir sobre as lembranças da autobiografia Solo de Clarineta 
buscando identificar as articulações entre memória e imaginação criadora. Como 
objetivos específicos, sublinhei: a) identificar em Solo de Clarineta elementos que possam 
visualizar Erico Verissimo em vida e obra, além de trazer alguns elementos históricos 
mínimos do tempo em que ele viveu e escreveu sua obra e essa autobiografia em especial; 
b) observar lembranças de Verissimo que remetem a conteúdos oníricos, articulando 
memória e imaginação criadora. O referencial teórico-metodológico para pensar as 
memórias de Erico Verissimo enquanto poética autobiográfica se amparou 
principalmente nos estudos da complexidadade, na filosofia estética de Gaston Bachelard 
em estudos do imaginário de Jean-Jacques Wunenburger, em estudos de Psicologia 
Arquetípica de James Hillman, além de comentadores e estudiosos da imaginação 
literária, nomeadamente de minha orientadora Ana Laudelina Ferreira Gomes, meu co-
orientador Ozaías Batista e da professora Karlla C. de Souza, todos com alguma 
vinculação ao Grupo de Pesquisa Mythos-Logos do PPGCS/UFRN, ao qual me integrei 
ao longo do percurso desse mestrado. Ademais, para chegar aos remates finais de um solo 
poético de clarineta, digo que é como Solo de Clarineta e como solo de chão que 
Verissimo é imaginado pelas imagens de sua autobiografia. De fato, mesmo 
acompanhado, o percurso de cada um na Terra ésempre solo, pois singular e com sua 
tônica própria. No caso de Verissimo, pelo título desse livro de memórias, sua tônica 
singular é musical. Isso é um pouco do que ele me ajuda a dizer através de sua poética de 
vida observada em suas memórias autobiográficas. 
 
 
Palavras-chave: Solo de Clarineta. Erico Veríssimo. Memória Imaginativa. 
Autobiografia Poética. Poética Memorial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
 
This research aims to observe memories from the autobiography Solo de Clarineta by the 
Brazillian author Erico Veríssimo (1905 - 1975), aiming to reflect upon the articulations 
between memory and creative imagination. In order to back up the investigation, the 
research formulated the following starting question: what is possible to say about Erico 
Verissimo’s autobiographical memory having Solo de Clarineta as a guide? To talk not 
only about the content of those memories, but about the way they operate. The research 
is based on the principle that the work is a poetic autobiographical memorial, in a sense 
that it is somewhat ficcional because it also comes from the memorialist author’s poetic 
imagery. About the objectives, the general one consists of reflecting upon the memories 
present in Solo de Clarineta, aiming to identify the articulations between memory and 
creative imagination. As specific objectives, the research highlighted: a) identify in Solo 
de Clarineta elements that are able to visualize Erico Veríssimo’s life and work, and also 
able to bring some minimal historical elements of the time when he lived and wrote his 
work, specially in this autobiography; b) observe Verissimo’s memories that have 
references to dream content, articulating memory and creative imagination. The 
theoretical/methodological references used to think about Erico Veríssimo’s memories as 
a poetic autobiography was mainly backed up by studies on complexity, Gaston 
Bachelard aesthetic philosophy, Jean Jacques Wunengurger’s studies of the imaginary, 
James Hillman’s archetypal psychology, and by commentators and scholars of the literary 
imagination, the study supervisor Ana Laudelina Ferreira Gomes, the co-supervisor 
Ozaías Batista, and professor Karla C. de Souza, all of them somehow linked to 
PPGCS/UFRN’s Grupo de Pesquisa Mythos-Logos, which has had the participation of 
the author of the research through his master’s degree journey. In addition, to arrive at 
the final finishing touches of a clarinet poetic solo, I say that it is like Solo de Clarineta 
and as a solo solo that Verissimo is imagined by the images of his autobiography. In fact, 
even if accompanied, each person's journey on Earth is always solo, since it is unique and 
with its own tonic. In the case of Verissimo, by the title of this memoir, its singular key 
is musical. This is a little of what he helps me to say through his poetics of life observed 
in his autobiographical memories. 
 
 
Key-words: Solo de Clarineta. Erico Verissimo. Imaginative Memory. 
Poetic Autobiography. Memorial Poetic. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Fotografia 1 – Pais de Erico Verissimo ...................................................................... 31 
Fotografia 2 – Casa onde Verissimo nasceu ............................................................... 31 
Fotografia 3 – Erico Verissimo na idade de 5 anos ..................................................... 32 
Fotografia 4 – Fachada do Colégio Cruzeiro do Sul em Porto Alegre ......................... 33 
Fotografia 5 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (1973) e II (1976) (1ª edição), 
Editora Globo ............................................................................................................. 33 
Fotografia 6 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (2005) e II (2005) (20ª edição), 
Editora Companhia das Letras ..................................................................................... 34 
Fotografia 7 – Capa de Fantoches, 1932 (1ª edição) ................................................... 35 
Fotografia 8 – Capa de Incidentes em Antares, 1971 (1ª edição) ................................ 36 
Fotografia 9 – Capa de Saga, 1940 (1ª edição) ........................................................... 37 
Fotografia 10 – Capa de O continente, 1949 (1ª edição) ............................................. 38 
Fotografia 11 – Capa de O continente, 1995 (33ª edição) ........................................... 39 
Fotografia 12 – Capa de O continente, versão em espanhol, 1953 .............................. 40 
Fotografia 13 – Capa Brazilian Literature – na Outline, 1945 ..................................... 41 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
Quadro 1 – Sumários dos dois volumes de Solo de Clarineta ..................................... 25 
Quadro 2 – Obras publicadas de Erico Verissimo....................................................... 26 
Quadro 3 – Erico Verissimo: obras traduzidas e respectivos anos de edição ............... 28 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13 
I – SOLO DE CLARINETA NA VIDA E OBRA DE ERICO VERISSIMO ......... 22 
II – TEMPO E ESPAÇO NOS SONHOS DE ERICO VERISSIMO: 
CONSIDERAÇÕES SOBRE INFÂNCIA E CASA ................................................. 42 
2.1 A relação tempo-espaço ................................................................................... 45 
2.2 Tempo/infância ................................................................................................ 47 
2.3 Recordações familiares .................................................................................... 51 
2.3.1 Os avós paternos ......................................................................................... 52 
2.3.2 Os avós maternos........................................................................................ 53 
2.3.3 Diferença entre os pais ............................................................................... 54 
2.3.4 Sua mãe ...................................................................................................... 55 
2.3.5 Seu pai ........................................................................................................ 55 
2.3.6 O único irmão ............................................................................................ 59 
2.3.7 Dois tios que recorda .................................................................................. 59 
2.4 1922: um ano para lembrar ou para esquecer? .............................................. 61 
2.5 O encontro com Mafalda ................................................................................. 62 
2.6 O amor pelas crianças ..................................................................................... 62 
2.7 O nascimento de Clarissa e Luís Fernando .................................................... 64 
2.8 A Nespereira do Japão ..................................................................................... 64 
2.9 O gosto pela leitura .......................................................................................... 66 
2.10 O gosto pelas artes – música, poesia, cinema ................................................ 67 
2.11 O gosto por lápis de cor ................................................................................. 69 
2.12 Gosto pelo circo .............................................................................................. 69 
2.13 As amizades .................................................................................................... 70 
2.14 Dois vizinhos ..................................................................................................71 
2.15 Sobre sexualidade e erotismo ........................................................................ 71 
2.16 As raparigas de Nazaré .................................................................................. 73 
2.17 Lembranças do Titanic .................................................................................. 74 
2.18 Casa-Sonho .................................................................................................... 75 
III – POÉTICA (S) DA MEMÓRIA EM SOLO DE CLARINETA: DO SONHO DE 
SER PINTOR (NÃO REALIZADO) AO ESCRITOR CONSAGRADO ............... 78 
3.1 O sonho de ser pintor (não realizado) ............................................................. 79 
3.2 Conflitos da imaginação .................................................................................. 81 
 
 
3.3 Primeira vez que viu o mar ............................................................................. 82 
3.4 O médico e amigo Eduardo Faraco ................................................................. 83 
3.5 Os problemas cardiovasculares e a memória-sonho ....................................... 84 
3.6 O fascínio pelo “demônio” das viagens ........................................................... 87 
3.6.1 Os viajantes imaginários ............................................................................ 87 
3.7 Primeira viagem a Portugal ............................................................................ 88 
3.8 Reflexão sobre cidades ..................................................................................... 92 
3.9 As estações do ano ............................................................................................ 94 
3.10 Entre a vida pessoal, acadêmica e profissional ............................................. 96 
3.11 Sobre o processo de criação romanesca ........................................................ 97 
3.12 Alguns personagens de seus romances ........................................................ 101 
3.13 Um escritor erótico/pornográfico? .............................................................. 102 
3.14 Entre ficção e realidade ............................................................................... 103 
3.15 Sobre escritores/literatos ............................................................................. 106 
3.16 Relação livro versus mídias audiovisuais .................................................... 106 
3.17 Relação de Verissimo com a natureza ......................................................... 107 
3.18 Os professores inesquecíveis do ginásio ...................................................... 108 
3.19 Algumas despedidas ..................................................................................... 110 
3.20 Despedida(s) da figura paterna ................................................................... 111 
3.21 A despedida da mãe ..................................................................................... 113 
3.22 Reflexões sobre a morte ............................................................................... 114 
 3.23 A procura do lar perdido................................................................................ 115 
CONCLUSÃO - ARREMATES FINAIS DE UM SOLO POÉTICO DE 
CLARINETA ......................................................................................................... 117 
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 123 
 
 
 
 
 
Nota explicativa: Optei por adotar, neste texto, o nome de Erico Verissimo sem acento gráfico, 
no “E” de Erico e no primeiro “i” de Verissimo. Segundo a professora Maria da Glória Bordini, 
em e-mail recebido dia 19 abr. 2019, “Erico não usava os dois acentos. Embora a ortografia oficial 
diga que se pode corrigir o que foge a ela nos nomes, eu sempre respeito à vontade do escritor.
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
O amor, como a arte, é uma das mais legítimas 
formas de conhecimento. 
Erico Verissimo 
 
No verão de 1998, em Natal, numa linda tarde de sol, conversava com um colega 
sobre os mais diversos assuntos do cotidiano. Por gostar muito de literatura e sempre 
andar com um livro em mãos, esse colega, que não gosta de ler, me perguntou se queria 
receber dele uns livros que tinha em sua casa, presenteados por seu irmão que mora no 
Rio de Janeiro. Logo respondi afirmativamente e, no dia seguinte, ele me entregou um 
pacote com seis livros. Entre eles, estava Solo de Clarineta, volume II, de Erico 
Verissimo. 
Não obstante ter o hábito de anotar meu nome e data em todo livro que adquiro, 
não é mais possível lembrar quais eram os autores dos cinco livros recebidos do colega, 
por ter priorizado o do escritor gaúcho. Até então não tinha lido qualquer um de seus 
livros, apenas dados biográficos em obras que tratam da história da literatura no Brasil. 
Embora soubesse que ele era o escritor de “O Tempo e o Vento” e de “Olhai os Lírios do 
Campo”, não sabia que, junto com Jorge Amado, eram os mais populares do Brasil. 
Ambas essas obras se evidenciavam em termos de popularidade, pela razão de 
terem sido adaptadas para a televisão: “O tempo e o vento”, na TV Excelsior, direção de 
Dionísio Azevedo, em 1967 e “Olhai os lírios do campo”, novela de Geraldo Vietri e 
Wilson Aguiar Filho, direção de Herval Rossano, TV Globo, em 1980. 
Na década de 1970, o crítico literário Otto Maria Carpeaux informava que o 
escritor brasileiro continuava sem poder sustentar-se apenas com as atividades literárias, 
havendo apenas duas: Jorge Amado e Erico Verissimo (CARPEAUX, 1972). Isso tornou 
Verissimo, não apenas um dos mais populares escritores brasileiros de seu tempo como 
também um dos poucos que teve a atividade literária como principal fonte de sustento 
econômico. 
Mesmo tendo gostado muito de ler o livro de Verissimo que me foi presenteado, 
a ideia de ingressar no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS-UFRN) 
só amadureceu em 2016, quando tentei a seleção de mestrado, com o projeto “Erico 
Verissimo e Solo de Clarineta: um estudo sociológico”, porém sem sucesso, tendo 
conseguido aprovação na seleção do ano seguinte. Como a linha de pesquisa para a qual 
14 
 
entrei não orientava na linha do projeto que apresentei, a banca consultou-me sobre a 
possibilidade de rever a abordagem caso fosse aprovado, e concordei prontamente. O 
mais importante para mim era trabalhar com o livro Solo de Clarineta, somente. E fui 
aprovado. 
De fato, para esta dissertação, do projeto inicial que entrei no Programa, resta 
muito pouco, somente Erico Verissimo e Solo de Clarineta. Hoje, ao olhar essa versão, 
penso que não tinha muito sentido o que propus àquela altura, é tanto que boa parte dos 
autores citados no projeto inicial saíram da lista de referências, a mudança em termos 
conceituais e em termos gerais foi muito positiva, ao meu ver. 
Enfim, nesta dissertação, busco pesquisar uma obra de memórias autobiográficas: 
o livro Solo de Clarineta do escritor gaúcho Erico Verissimo. 
Nascido em 17 de dezembro de 1905, na cidade de Cruz Alta, localizada na região 
Centro-Norte do Rio Grande do Sul, a 346 km de Porto Alegre, Erico Verissimo é o 
primogênito de uma família de apenas dois irmãos. Seus pais pertenciam a famílias ricas 
e tradicionais desse estado. Faleceu a 28 de novembro de 1975. 
Verissimo é autor de uma vasta obra, aproximadamente 40 livros; entre os vários 
gêneros contemplados, encontram-se literatura infantil, contos, narrativas de viagem, 
romances e suas memórias, sendo que grande parte desses livros foi traduzida para 
diversos idiomas (CHAVES, 1972), como por exemplo: “inglês, espanhol, alemão, 
italiano, holandês, norueguês, russo, etc.” (FRESNOT, 1977, p. 1). Do gênero 
autobiográfico, além de Solo de Clarineta, escreveu as seguintes narrativas de viagem: 
“Gato preto em campo de neve” de 1941, “A volta do gatopreto” de 1946, “México” de 
1957 e “Israel em abril” de 1969 (CHAVES, 1972). Além de escritor, foi tradutor de 
várias obras, pois dominava o inglês, o francês e o espanhol. 
Veríssimo afirmou ter escrito Solo de Clarineta para ter a chance de contar sua 
própria história, já que tantos o fizeram antes. A obra é composta de dois volumes, o 
primeiro foi publicado em 1973, aos 68 anos do autor, e o segundo em 1976, após seu 
falecimento há um mês antes de completar 70 anos. Ele deixara revisadas e impressas as 
primeiras 251 páginas desse segundo volume. Com o aval da família do escritor, a editora 
Globo organizou e transcreveu os originais restantes a fim de juntá-los ao que já estava 
pronto (CHAVES, 1976). Verissimo tinha planos de escrever um terceiro volume de 
memórias, já que pensava focar-se nas pessoas reais e personagens imaginários que 
marcaram a sua existência e a gênese de seus romances, mas não teve tempo, a morte 
chegou primeiro (VERISSIMO, 1999). 
15 
 
 O período quando escreveu essas suas memórias não está explicitado em qualquer 
momento dos dois livros. Antonio Hohlfeldt, professor e pesquisador da PUC-RS, em 
uma entrevista com o escritor gaúcho, no ano de 1971, chega a questioná-lo sobre isso, 
mas ele desvia o assunto: “acho que para fazer um trabalho sério, preciso muito tempo, e 
depois... francamente não ando interessado na personagem principal. A gente precisaria 
sangrar a gente mesmo e outras pessoas, para ser sério, e isso não está me interessando” 
(HOHLFELDT, 2003, p. 95). Não obstante a sua resistência a falar sobre a escrita dessa 
obra, dois anos após veio essa revelação, “numa carta a Autran Dourado, em 20 de julho 
de 1973, diz Verissimo: adoeci dum livro, desta vez de memórias” (HOHLFELDT, 2003, 
p. 95, grifos do autor). 
Um livro de memórias, onde se escreve lembranças da infância, da adolescência 
e da vida adulta, que narra aquilo que o memorialista quer e consegue se lembrar. Segundo 
os historiadores, é menos difícil escrever acontecimentos passados do que do presente 
(HOBSBAWM, 2002). Contrariamente, Veríssimo adoeceu de suas memórias, muito 
provavelmente por não tratar-se de sua própria história, ou daquilo que ele lembrava dela 
e também do que suas memórias ajudavam a inventar. 
 O escritor narrou suas memórias especialmente nos últimos cinco anos de vida. 
Em carta escrita à amiga e escritora Ligia Fagundes Telles, chega a dizer que sofreu da 
crise da página em branco mesmo depois de ter escrito sua vasta obra, entre contos, 
romances e memórias. 
 O intelectual que escreve suas narrativas memorialísticas tem seu estilo próprio, 
parece não haver normas muito rígidas para esse gênero literário. Li várias e não consegui 
identificar uma sequer que se assemelhasse com outra. Esse tipo de escrita, apesar de se 
parecer com o “diário”, é bem diferente dele. O memorialista narra sua vida, geralmente 
no final da carreira e o diarista escreve quase todos os dias ou regularmente reportando-
se a um dado dia, a exemplo do escritor maranhense Josué Montello (1917-2006) que 
publicou seus diários1. 
 Diferente de Verissimo, que assinala em Solo de Clarineta ter se arrependido de 
não ter escrito um diário quando estava escrevendo sua obra mais conhecida, “O tempo e 
 
1 Membro da Academia Brasileira de Letras. Escritor de diários. Publicou-os, primeiramente, em 
quatro volumes: “Diário da manhã”, “Diário da tarde”, “Diário do entardecer” e “Diário da noite 
iluminada”. Depois reuniu esses quatro volumes, adicionados a mais dois, em dois volumes, pela 
editora Nova Aguilar: no primeiro, “Diário da Manhã”, “Diário da Tarde” e do “Diário 
Entardecer”. No segundo, “Diário da Noite iluminada”, “Diário das minhas vigílias” e “Diário da 
madrugada”. 
16 
 
o vento”. Assim, Verissimo escreveu sua autobiografia até novembro de 1975, ano de sua 
morte, quando redigia o segundo volume de memórias e já pensava em escrever um 
terceiro. 
Um dos poucos escritores da geração de 1930 que não fez parte diretamente da 
Semana de Arte Moderna, Verissimo foi, segundo o crítico literário Wilson Martins 
(2002, p. 322), “[...] o mais popular de todos os romancistas modernos do Brasil e o mais 
injustiçado pela crítica”. Para Martins (2002), houve sempre por parte da crítica uma 
atitude de reserva em relação a Verissimo, ou até mesmo de hostilidade, por ele não viver 
no eixo Rio-São Paulo, de maior hegemonia intelectual no Brasil. 
Um desses críticos literários era Álvaro Lins, para quem o escritor Verissimo 
“piorava sucessivamente de um romance para outro” (LINS, 1963, p. 221), acrescentando 
ainda que seu estilo era “um elemento duvidoso e irregular em toda a obra” (LINS, 1963, 
p. 222). Por outro lado, Verissimo é visto por Wilson Martins, como o escritor “de 
maiores recursos técnicos, o de maior capacidade de renovação e aquele, afinal, a quem 
estava reservada a missão de revigorar o romance brasileiro, situando-o, num plano 
universal e literário incomparável” (MARTINS, 2002, p. 322). 
À parte as controversas da crítica literária especializada, trazer uma obra 
autobiográfica de um escritor ficcional para a pesquisa no campo das Ciências Sociais 
não requer, necessariamente, uma perspectiva de sociologização da obra, mesmo 
considerando os condicionamentos sócio-históricos de toda a escrita e de seu criador. 
É importante ressaltar que esta pesquisa parte de abordagens teórico-
metodológicas abrangidas pela linha de pesquisa Complexidade, Cultura e Pensamento 
Social, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte (PPGCS/UFRN). Uma das principais propostas dos Estudos da 
Complexidade é produzir conhecimento com base na religação de saberes fragmentados 
em disciplinas e que não conversam entre si; isso implica recusar a cisão entre as ciências 
e as humanidades, entre as ciências da natureza e a cultura. A reforma do pensamento que 
esses estudos propõem pretende “gerar intelectuais polivalentes, abertos, capazes de 
refletir sobre a cultura em sentido amplo” (CARVALHO, 2005, s/p.). Edgar Morin é um 
dos sociólogos contemporâneos mais eminentes nessa linha de pensamento. O estudioso 
critica a separação entre ciências e humanidades e, consequentemente, a 
separação/disjunção que se operou historicamente, entre dois estados do antropos, o 
prosaico e o poético (MORIN, 2006). Religar ou rejuntar essas duas dimensões do homem 
e da cultura seria um dos desafios da contemporaneidade para se chegar a um pensamento 
17 
 
complexo, ou seja, de um pensamento que entrelace essas esferas de conhecimento que 
historicamente tornaram-se disjuntas (GOMES, 2016b). 
O pensamento complexo busca conhecer melhor a condição humana e, para tal, 
investe no entrelaçamento da ciência com as humanidades, entre estas a literatura e sua 
linguagem poética, pois ela “nos leva diretamente ao caráter original da condição 
humana” (MORIN, 2006, p. 43). No romance, assim como no cinema, podemos acessar 
o que é invisível nas ciências humanas naquilo que “estas ocultam ou dissolvem os 
caracteres existenciais, subjetivos, afetivos do ser humano, que vive suas paixões, seus 
amores, seus ódios, seus envolvimentos, seus delírios, suas infelicidades [...]” (MORIN, 
2006, p. 43). Ambos, romance e cinema, “põem à mostra as relações do ser humano com 
o outro, com a sociedade, com o mundo” (MORIN, 2006, p. 43.). Enfim, “trata-se de 
demonstrar que, em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de 
pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana” (MORIN, 
2006, p. 45). 
Posso dizer que com essa proposta teórico-metodológica de religação das duas 
culturas (científica e das humanidades) e de outros saberes, “as ciências contemporâneas 
se abririam a uma reorganização da racionalidade científica incluindo modos de 
pensamento elógicas antes considerados não científicos” (WUNENBURGER, 2003, p. 
203). 
Jean-Jacques Wunenburger, baseado principalmente em estudos de Gilbert 
Durand, criador da Teoria do Imaginário, explica que a história da ciência moderna tendeu 
a exaltar os poderes da razão vendo-os ilustrados nas produções científicas, 
marginalizando a imaginação e colocando o imaginário num papel negativo de obstáculo, 
acabando por antagonizar imaginário e racionalidade. Mas, de fato, diz o pensador, essas 
esferas não são antagônicas pois “a inteligentibilidade do mundo não é sem dúvida 
redutível a uma pura atividade de conceptualização abstrata [... e as representações 
científicas] não rompem fundamentalmente com as estruturas intelectuais profundas, 
cujas imagens são as primeiras manifestações” (WUNENBURGER, 2003, p. 265). 
Ana Laudelina F. Gomes (2016a) relaciona a proposta de religação dos saberes de 
Edgar Morin para a reforma do pensamento a concepções de imaginário e imaginação 
simbólica presentes da filosofia estética de Gaston Bachelard, principalmente nas 
sinalizadas por Jean-Jacques Wunenburger, um dos mais importantes estudiosos e 
difusores das obras bachelardiana e de Gilbert Durand na atualidade. Segundo a 
pesquisadora, Gaston Bachelard fala-nos da complexidade do homem contemporâneo 
18 
 
cindido em duas esferas de representação opostas, o conceito e a imagem, a razão e a 
imaginação (GOMES, 2016a) e os estudos da complexidade viriam no sentido também 
de enfrentar e, quiçá, superar essa cisão, através de uma nova forma de fazer ciência que 
dê conta desse diálogo. 
Assim, minha pesquisa construiu um objeto de estudo que entrelaça saberes; no 
caso, as ciências sociais em dialogia com a literatura e com a filosofia. Erico Verissimo 
entra com seu Solo de Clarineta e Gaston Bachelard e outros teóricos do imaginário, da 
imagem e da imaginação, entram com a abordagem teórico-metodológica que usei para 
ler as imagens literárias do livro, principalmente em seu caráter de memória-imaginação 
ou memória imaginativa. Portanto, este estudo baseia-se numa perspectiva 
transdisciplinar que procura tecer em conjunto vários campos de conhecimento em torno 
um tema que é por natureza complexo, exigindo e justificando tal método. 
Aqui não se trata de pensar memórias no plural, mas da memória no singular, pois 
uma faculdade humana. 
 A presente pesquisa tem a finalidade observar lembranças presentes na 
autobiografia Solo de Clarineta, de Verissimo, buscando refletir sobre as articulações 
entre memória e imaginação criadora, resultando na compreensão de uma memória 
imaginativa. Em face disso, assim formulei a pergunta de partida: o que é possível dizer 
da memória autobiográfica de Erico Verissimo tendo Solo de Clarineta como balizador? 
A intenção é falar não somente dos conteúdos memoriais, mas do modo como sua 
memória opera. 
Quanto aos objetivos, o objetivo geral consistiu em refletir sobre as lembranças 
da autobiografia Solo de Clarineta buscando identificar as articulações entre memória e 
imaginação criadora. Como objetivos específicos, sublinhei: a) identificar em Solo de 
Clarineta elementos que possam mostrar Erico Verissimo em vida e obra, além de trazer 
passagens históricas do tempo em que ele viveu e escreveu sua obra como um todo e essa 
autobiografia em especial; b) observar lembranças de Verissimo que remetem a conteúdos 
oníricos. 
Além da filosofia estética de Gaston Bachelard, a pesquisa se ampara em estudos: 
a) da complexidade de Edgar Morin; b) do imaginário de Jean-Jacques Wunenburger; c) 
de Psicologia Arquetípica de James Hillman, d) de comentadores e outros estudiosos da 
imaginação literária, nomeadamente de minha orientadora Ana Laudelina Ferreira 
Gomes, meu co-orientador Ozaías Batista (UFPI) e da professora Karlla C. de Souza 
19 
 
(UERN), todos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Mythos-Logos do PPGCS/UFRN, 
ao qual me integrei ao longo do percurso desse mestrado. 
Com base na abordagem bachelardiana aberta em "A poética do devaneio" 
(BACHELARD, 2009) e seguida em "A poética do espaço" (BACHELARD, 2000), 
conhecida por abordagem fenomenológica bachelardiana, a leitura de imagens literárias 
implica no leitor perguntar-se o que elas lhe provocam a dizer (e não o que elas dizem), 
porque elas só “dizem” pela mediação de um leitor ele mesmo parte desse dizer. Essa 
afirmação está sustentada pelas noções bachelardianas de ressonância e repercussão 
(BACHELARD, 2000), as quais mostram que toda leitura de imagem poética é uma 
leitura daquilo que repercute e ressoa no leitor. Em síntese, nenhuma pretensão de 
objetividade ou objetivação é buscada, uma vez que isso não seria possível, mas é 
importante salientar que usar essa abordagem bachelardiana da imagem não implica em 
sua subjetivação absoluta (GOMES, 2016b), haja vista a comunicabilidade da imagem 
entre diferentes leitores, ao que Bachelard denomina por transubjetividade da imagem 
(BACHELARD, 2000). 
Do ponto de vista teórico, sigo a esteira de Ana Laudelina F. Gomes (2016b), 
quem, com base em Bachelard e Wunenburger, ao trata da relação entre ciência e 
imaginário defende que aprender a pensar por imagens subentende usar de métodos 
imaginativos para a leitura de imagens, e que não é possível ler imagens com métodos 
puramente racionais. Apesar disso, há sempre uma pretensão de articular o racional e o 
imaginário, o pensamento e o sonho. 
Becker (1999) lembra que na autobiografia o escritor não se preocupa em validar 
fatos, mas antes de tudo com o impacto emocional e dramático, com a forma e fantasia e, 
por fim, com a criação de um mundo simbólico e artisticamente unificado. Ao mesmo 
tempo, "o autor autobiográfico se propõe a explicar sua vida para nós, se comprometendo, 
assim, com a manutenção de uma estreita conexão entre a história que conta e aquilo que 
uma investigação objetiva poderia descobrir” (BECKER, 1999, p. 102). Nesse sentido, 
“os estudos autobiográficos consistem num tipo de investigação que visa captar, através 
de um relato ou narrativa, a interpretação que determinada pessoa faz do seu percurso de 
vida, com a sua respectiva diversidade de experiências e sentimentos pessoais que tiveram 
lugar ao longo do tempo” (AMADO; FERREIRA, 2013, p. 169). Meu estudo está mais 
próximo dessa segunda definição. A diferença é que não tive a pretensão de "analisar" as 
narrativas verissianas de Solo de Clarineta, mas muito mais realizar a leitura imaginativa 
de imagens, que é o caminho da filosofia poética bachelardiana. 
20 
 
Em seu livro clássico “O pacto autobiográfico”, Philippe Lejeune diz que 
autobiografia é uma “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua 
própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua 
personalidade” (LEJEUNE, 2014, p. 16). Levando essa definição em conta e agregando 
a abordagem bachelardiana, busquei explorar a poeticidade dessa narrativa do escritor 
sobre si, ao que chamei por poética memorial autobiográfica, apresentando a imaginação 
poética verissimiana articulada à memória autobiográfica. 
 A leitura de Simone Vierne (1994) me ajudou a compreender a estreita relação 
entre o imaginário e o científico. Para Vierne (1994, p. 9), o imaginário “também é 
considerado como um dos motores da pesquisa, nas ciências que já não ousam chamar-
se de ‘exatas’, se exato quer dizer ponto final, estado último e definitivo, verdade 
intangível”. Nessa obra ela reúne diversos autores e traz uma gama de discussões que 
relacionam a ciência e o imaginário. 
Bachelard aparece nessa obra, segundo Vierne, mostrando que existe o caminho 
que relaciona o saber cientifico e o saber nascido do imaginário (VIERNE, 1994). 
Também para Milner (1994, p. 27), “parece haver poucas dúvidas que a maneira como 
essa epistemologia foi estruturada levou Bachelard a contrapor os dois modos de 
conhecimento, o cientificoe o poético, a ponto de fazer do segundo objeto de uma 
esplendida reabilitação”. 
Em se tratando das artes, das visuais à literatura, costuma-se conceber que seus 
produtores sempre partem de uma dada realidade, de uma experiência, de uma observação 
e isso possibilitaria que suas obras sejam tomadas como expressões autobiográficas. Essa 
maneira de compreender as artes e a literatura é objeto da crítica que faz à psicanálise a 
qual tentaria explicar "a flor pelo estrume", tomando a imagem sempre como simulacro 
da realidade (GOMES, 2016b). Seguindo a trilha do método fenomenológico de 
Bachelard (2000; 2009), procurei fazer o contrário, sob a realidade (narrativa 
autobiográfica verissiana) buscar a poeticidade da imagem. Tal método não se propõe a 
descrever empiricamente fatos, tampouco analisar causalidades biográficas ou sócio-
históricas da obra literária, o que não significa ignorar essas dimensões enquanto 
contextos de produção da escrita autobiográfica (GOMES, 2016b). Mas a intenção 
principal de meu estudo foi a de ler a poética memorial autobiográfica de Verissimo 
através da imaginação criadora, ou seja, ler imagens através da memória-imaginação. 
Busquei deter-me na leitura de Solo de Clarineta de forma sistemática, ou seja, de 
início, fiz uma leitura de observação e posteriormente uma leitura imaginativa, tentando 
21 
 
alcançar meus próprios devaneios poéticos de leitor a partir dos devaneios poéticos do 
escritor. Devaneio poético e devaneio poético de leitor (ou de leitura) são noções 
bachelardianas, imprescindíveis à leitura imaginativa de imagens literárias 
(BACHELARD, 2009). 
Em síntese, tratou-se de uma pesquisa documental, que teve como campo de 
estudo a obra de memórias “Solo de Clarineta”, em seus dois volumes, e como principal 
sujeito da pesquisa, as imagens poéticas suscitadas por essa obra do escritor Erico 
Verissimo, já que se trata de sua autobiografia em sua dimensão poética. 
Em termos de organização do estudo, esta dissertação compreende três capítulos 
distintos, porém articulados. No primeiro, apresento Erico Verissimo em seu tempo e sua 
obra. 
O objetivo do segundo capítulo consistiu em identificar, a partir da leitura que fiz 
de Solo de Clarineta, as lembranças de infância que Verissimo narra, focando-me 
especialmente nos dilemas e dramas familiares por ele vividos, e na casa-sonho, outra 
noção bachelardiana adotada aqui (BACHELARD, 2000). 
No terceiro capítulo, realizo as leituras de imagens de Solo de Clarineta, 
articulando as memórias de Verissimo aos espaços poéticos e de imaginação, nos termos 
bachelardianos. Para dar conta dessa articulação, me utilizei da leitura imaginativa que 
fiz dessa obra, buscando mostrar que é possível chegar a uma poética memorial 
autobiográfica. Assim, exponho as memórias de Verissimo, nos mais diversos e diferentes 
temas, procurando mobilizar as teorias que me embasei e iluminar tais 
lembranças/memória a partir da minha própria imaginação, como requer a noção 
bachelardiana de devaneio de leitura/leitor (BACHELARD, 2000). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
22 
 
I – SOLO DE CLARINETA NA VIDA E OBRA DE ERICO VERISSIMO 
 
 
 A poética da criação literária, em Erico 
Verissimo, fiel a seu projeto comunicativo, não 
esconde seu compromisso com a existência 
prática dos homens, quer fazendo-lhe jus e 
tornando-a compreensível pela mimese, quer 
avaliando-a e lançando lhe luz pela 
racionalidade ética. 
 
Maria da Glória Bordini 
 
 Neste capítulo, apresento o escritor cruz-altense, seu tempo e sua obra, utilizando 
“Solo de Clarineta” como fonte primária e campo de estudo deste trabalho. 
Tal como ressaltei, mesmo sem saber exatamente quando começou a escrever o 
primeiro volume dessas suas memórias, uma vez que em nenhum momento da narrativa 
isso aparece, procurei em seus comentadores algo que pudesse fornecer essa informação. 
 Conforme já assinalei, o primeiro volume é publicado em 1973 e, por conseguinte, 
começa a escrever o segundo. Uma das minhas preocupações é saber em que período de 
sua vida iniciou a narrativa. Não encontrei, nem no primeiro, nem no segundo volumes, 
qualquer trecho que mostrasse em que ano começou a escrevê-los. Porém, uma das 
estudiosas de sua obra, Maria da Glória Bordini, professora da PUC-RS, em seu livro 
“Criação literária em Erico Verissimo”, diz que constava nos cadernos de notas de 
Verissimo, “anotações profusas e esparsas para suas memórias, [...]” (BORDINI, 1995, 
p. 164). Essa pesquisadora, para escrever esse livro, uma versão de sua tese de doutorado, 
teve acesso a todo acervo do escritor gaúcho, inclusive aos manuscritos e originais, com 
autorização expressa da esposa e filhos do escritor. 
Nesse trecho citado, fica claro que em 1970 Verissimo já tinha material de 
pesquisa para escrever suas memórias. É bom lembrar que este código era usado por 
Verissimo em suas anotações, conforme a referência trazida por Bordini (BORDINI, 
1995, p. 291): “04a0024-70 – Caderno de notas de capa xadrez verde, com o primeiro 
planejamento e profusão de dados para “Solo de Clarineta”, incluindo a ideia de Dança 
com máscaras. Citação de Giles goat- boy de John Barth e notas sobre palavras, semântica 
e mito”. 
 Convém ressaltar que a ideia de escrever “autobiografia”, nem sempre foi um dos 
objetivos de Verissimo. A propósito, em 1947, disse: “Creio que nunca escreverei 
23 
 
memórias pela simples razão de não ter sido uma vida novelesca nem excepcionalmente 
interessante” (VERISSIMO, 1999, p. 179). 
 Porém, em 1966, a convite da editora Aguilar, Verissimo escreve uma breve 
autobiografia, intitulada “O escritor diante do espelho”. Passados seis anos, muitos dos 
seus amigos não sabiam notícias desse texto autobiográfico. Um dia, seu editor, José 
Otávio Bertaso, depois de tê-lo lido, aconselhou Verissimo a publicá-lo em formato de 
livro (VERISSIMO, 1999). Outros amigos, escritores, tais como Fernando Sabino, Josué 
Guimarães, depois de terem tomado conhecimento desse texto, espantaram-se por tratar-
se de uma obra desconhecida. Nas palavras de Verissimo (1999, p. 180), “a propósito 
dum documentário cinematográfico que pretende fazer a meu respeito, meu amigo 
Fernando Sabino leu “O escritor diante do espelho” e espantou-se de ver que esse ensaio 
praticamente estava inédito, ou melhor, era muito pouco conhecido”. O romancista Josué 
Guimarães tinha a mesma opinião (VERISSIMO, 1999). 
 Em meio a tantos apelos, foi a partir do apelo de Maurício Rosemblatt, que 
Veríssimo decidiu ampliar e melhorar o texto que resultou em Solo de Clarineta 
(VERISSIMO, 1999). Numa das passagens da entrevista, fecha um bloco dizendo: 
“Espero terminar o trabalho até fins do próximo agosto” (VERISSIMO, 1999, p. 180). 
Assim, compreendo que, além dessa justificativa, ele aponta outra em Solo de 
Clarineta, em seu segundo volume: “[...] andam por aí tantas informações biográficas 
erradas a meu respeito, mesmo quando bem intencionadas, que me senti na obrigação e 
com o direito de contar eu mesmo a minha história” (VERISSIMO, 1976, p. 321). 
Diante dessas informações, posso supor que Verissimo começa a escrever o 
primeiro volume de Solo de Clarineta em 1970 e o termina em 1973, ano que foi publicada 
a primeira edição. 
Quanto ao segundo volume, por sua vez, foi publicado em 1976, um ano após a 
morte de Verissimo. Em uma carta que escreveu à escritora Lygia Fagundes Telles, em 
29 de outubro de 1974, alude ao momento de escrita do segundo volume: “Continuo burro 
e atrasado no segundo volume de SOLO. [...] Vou voltar ao SOLO. Estou empacado em 
Portugal. Feitiço de Salazar? Sei lá” (CLB, 2003, p. 25). Diante disso, posso imaginar as 
dificuldades que ele teve ao escrever essa obra, uma vez que se arrependeu de não ter 
escrito um diário, precisamente quando escrevia a trilogia “O Tempo e o Vento” 
(VERISSIMO, 1973), Ou seja, a escrita se desenvolvia à medida em que ia trazendoelementos da memória, fatos, acontecimentos, lembranças, episódios, sonhos, entre 
outros que deram corpo à obra autobiográfica. 
24 
 
Ainda a respeito desse segundo volume, em outra entrevista à revista Manchete, 
publicada em 8 de março de 1975, Verissimo fala em Solo de Clarineta: 
 
 Trabalho com método, nessas coisas sou conservador. Não costumo 
escrever pela manhã. Reservo essas horas para caminhar, ao lado de 
Mafalda. Depois das três, me sento à máquina. Nesse segundo volume 
de Solo de Clarineta, conto minhas andanças pelo mundo, sempre como 
homem livre, e me pronunciando como tal (VERISISMO, 1999, p. 
206). 
 
Verissimo, tal como escreve em Solo de Clarineta, volume II, sinaliza um dos 
propósitos do livro que era o de contar as suas impressões do mundo, das diversas viagens 
que fez, das muitas cidades e países por onde passou. 
Nessa mesma entrevista, Verissimo conta que ainda pretendia escrever o terceiro 
volume das suas memórias, conforme suas próprias palavras: “Preciso acabar as minhas 
memórias. Ainda não terminei o segundo volume. E preciso escrever o terceiro, em que 
faço uma espécie de autoanálise, algumas confissões... sempre como homem livre” 
(VERISSIMO, 1999, p. 208). 
Levando em conta o tempo em que Verissimo começou a escrever Solo de 
Clarineta, em 1970, aos 65 anos de idade, o período de tempo por ele narrado vai da 
origem de sua família (avós paternos) até o ano de 1965, já homem maduro, ano em que 
publica um de seus últimos romances, “O Senhor Embaixador”. 
Importante salientar é a relação de sua narrativa autobiográfica com o tempo. Não 
se trata de um tempo contínuo, encadeado, com começo, meio e fim. Sua narrativa 
acontece mais num tempo descontínuo, de vai e vem, onde há claramente uma seleção 
dos conteúdos narrados em face de suas predileções. 
Imagino que ele selecionou contar somente o que considerava relevante e o que 
seu leitor pudesse apreciar saber, porém não implica dizer que não possa ser lida e 
apreciada por um público leitor que não conhecesse a obra verissiana, tal como aconteceu 
comigo. 
No quadro abaixo trago o sumário de cada um dos dois volumes de Solo de 
Clarineta. 
 
 
25 
 
Quadro 1 – Sumários dos dois volumes de solo de clarineta 
Solo de Clarineta – Volume I Solo de Clarineta – Volume II 
Álbum de família O arquipélago das tormentas 
A primeira farmácia Sol e mel 
A ameixeira-do-Japão Entra o senhor Embaixador 
A segunda farmácia Mundo velho sem porteira 
Em busca da casa e do pai perdidos Espanha 
O mausoléu de mármore Holanda 
 O escritor e o espelho 
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dois volumes de Solo de Clarineta (VERISSIMO, 1973; 
1976). 
 
No primeiro volume, o tempo por ele narrado compreende a sua infância em Cruz 
Alta, os três anos passados no Colégio Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre (1920-1922), o 
regresso à cidade natal, onde viveu momentos de muitas dificuldades financeiras e 
emocionais. A falência da farmácia de seu pai foi um dos motivos para ele não mais voltar 
à capital gaúcha, deixando de concluir o último ano do antigo ginásio (correspondente 
hoje ao 9º ano do Ensino Fundamental). Associado a isso, um acontecimento que marcou 
indelevelmente sua vida foi a separação de seus pais, o que para ele implicou num 
momento inesquecivelmente ruim, embora, depois disso, tenha saído em busca do lar 
perdido (VERISSIMO, 1973). 
 Ainda nesse volume, destaco os momentos, quase sempre difíceis que viveu e 
escreveu seus primeiros livros, de “Fantoches” à “Saga”. Com este livro, encerra-se a 
primeira fase de sua obra romanesca. Para Verissimo (1973), este é considerado seu pior 
livro. A partir da publicação do primeiro volume da trilogia “O continente”, já vivia em 
condições de se sustentar economicamente sem precisar trabalhar em outras ocupações 
que não a de seu ofício de escritor, embora em 1938, com o estouro de venda, já podia 
dizer que daria certo viver dos direitos autorais. 
Há de se notar um dado curioso no tocante a esses dois livros. Para Verissimo 
(1973), “Saga” é considerado seu pior livro enquanto “O Continente” considerou como a 
sua obra prima. 
 Quanto à publicação da sua trilogia “O tempo e o vento”, Verissimo publica “O 
Continente” em 1949 e “O Retrato” em 1951. Porém, para publicar o terceiro e último 
26 
 
volume houve um espaço de onze anos entre este e o segundo. Ou seja, “O Arquipélago” 
foi publicado em 1962. Essa obra foi aquela que o consagrou como escritor. 
 Ainda nesse primeiro volume de Solo, escreve sobre o tempo em que ficou sem 
conseguir escrever, pelo fato de ter passado três anos trabalhando no Departamento de 
Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1953 a 1956 
(VERISSIMO, 1973). 
 No segundo volume, começa a narrar a chegada a Porto Alegre depois dos três 
anos em Washington (trabalhando como diretor de Assuntos Culturais da OEA), e em 
especial o casamento da sua filha Clarissa com um físico norte-americano. Conta de 
outros momentos de dificuldades, como quando sofre seu primeiro enfarte, em 1961, aos 
56 anos (VERISSIMO, 1976). Nesse período, foi impossível continuar a escrita do 
terceiro volume da trilogia, “O Arquipélago”. Além disso, muitos outros fatores o 
impediram de fechar o ciclo da trilogia, o que levou um longo período, mais de dez anos, 
conforme diz: “Em março de 1962 pinguei o ponto final em “O Arquipélago”, remeti 
imediatamente os originais ao meu editor e concluí que merecia umas férias 
mediterrâneas” (VERISSIMO, 1976, p. 39). 
 No quadro abaixo listo as obras publicadas do autor, segundo o gênero e o ano da 
1ª edição. 
 
Quadro 2 – Obras publicadas de Erico Verissimo 
Gênero literário Título/ano da 1ª edição 
Romance  Clarissa (1933) 
 Caminhos cruzados (1935) 
 Música ao longe (1936) 
 Um lugar ao sol (1936) 
 Olhai os lírios do campo (1938) 
 Saga (1940) 
 O resto é silêncio (1943) 
 O Continente, 2 volumes (1949) 
 O Retrato, 2 volumes (1951) 
 O Arquipélago 3 volumes: (vol. I e II, 
1961 – vol. III, 1962) 
 O Senhor Embaixador (1965) 
 O Prisioneiro (1967) 
 Incidentes em Antares (1971) 
Conto  Fantoches (1932) 
Novela  Noite (1954) 
Narrativa de viagem  Gato preto em campo de neve (1941) 
 A volta do gato preto (1946) 
27 
 
 México (1957) 
 Israel em abril (1969) 
Literatura infanto-juvenil  A vida de Joana d’Arc (1935) 
 As aventuras do avião vermelho 
(1936) 
 Os três porquinhos pobres (1936) 
 Rosa Maria no castelo encantado 
(1936) 
 Meu ABC (1936) 
 As aventuras de Tibicuera (1937) 
 O urso com música na barriga (1938) 
 A vida do elefante Basílio (1939) 
 Outra vez os três porquinhos (1939) 
 Viagem à aurora do mundo (1939) 
 Aventuras no mundo da higiene 
(1939) 
 Gente e bichos (1956) 
Artigos e crônicas  Reflexões sobre o romanceiro (1937) 
 O romance de um romance (1944) 
 Sol, mar e samba (1945) 
 Entre Deus e o Pobre Diabo (1946) 
 Viagem a Arizona (1946) 
 Língua e caráter (1947) 
 Acendamos nossos tocos de velas 
(1959) 
 Minhas lembranças de Aldous 
Huxley (1963) 
 Um escritor diante do espelho (1966) 
 Autocrítica de Erico Verissimo 
(1966) 
 Os caminhos cruzados de Porto 
Alegre (1967) 
 Quando eu era bancário (1975) 
 Em primeira mão, um Erico quase 
esquecido (1987) 
Ensaio  Brazilian Literature – an Outline 
2(1945) 
 Rio Grande do Sul (1973) 
Biografia  Um certo Henrique Bertaso (1972) 
Autobiografia  Solo de Clarineta (vol. I, 1973 – vol. 
II, 1976). 
 O escritor diante do espelho (1966) 
Fonte: Elaborado pelo autor3, a partir de dados extraídos de Cadernos de Literatura brasileira, 
Instituto Moreira Sales, 2003. 
 
2Único livro escrito por Verissimo em língua estrangeira. Com tradução de Maria da Glória 
Bordini, foi publicado pela Editora Globo, intitulado Breve história da literaturabrasileira 
(VERISSIMO, 1995). 
3 Para listar as obras, além de Solo de Clarineta, levei em conta duas fontes: “O contador de 
história”, livro organizado por Flávio Loureiro Chaves (1972), com a participação de vários 
colaboradores, publicado em 1972 e Cadernos de Literatura Brasileira, publicação organizada 
pelo Instituto Moreira Sales (2003). 
28 
 
 
 Como já disse, Verissimo escreveu em quase todos os gêneros literários, exceto 
poesia. Notabilizou-se como romancista, publicando treze romances, ou seja, 
aproximadamente 1/3 de sua produção. Foi nesse gênero, notadamente, que ficou 
conhecido no Brasil e no mundo (CHAVES, 1972). 
 Conforme já assinalei, além de Solo de Clarineta, Verissimo escreveu apenas um 
livro autobiográfico, intitulado “O escritor diante do espelho” (VERISSIMO, 1967). 
Porém, também escreveu biografia, “Um certo Henrique Bertaso”, seu único livro nesse 
gênero. De fato, ao ler esse livro, me deparei com relatos de convivência e amizade que 
teve com seu editor, Henrique Bertaso, vinculado à editora Globo em Porto Alegre. 
Conforme ele mesmo diz: “Mas afinal de contas estou tentando escrever minhas 
lembranças de Henrique Bertaso e não uma autobiografia” (VERISSIMO, 1996a, p. 11). 
 Verissimo, um dos escritores mais populares do Brasil, ao lado de Jorge Amado, 
teve sua obra traduzida para dezesseis idiomas, conforme mostrarei no quadro a seguir. 
 
Quadro 3 – Erico Verissimo: obras traduzidas e respectivos anos de edição 
Língua Títulos 
Alemão  Das Bildnis des Rodrigo Cambará 
[Um certo capitão Rodrigo] (1955) 
 Die Zeitund der Wind [O tempo e o 
vento] (1956) 
 Nacht [Noite] (1956) 
 Mexiko (1958) 
 SeineExzellenz der Botschafter [O 
senhor embaixador] (1967) 
 Die LilienaufdemFelde [Olhai os lírios 
do campo] (1974) 
 
Espanhol  Mirad los Liriosdel Campo [Olhai os 
lírios do campo] (1940) 
 Mirad los Liriosdel Campo [Olhai os 
lírios do campo] (1944) 
 Caminos Cruzados [Caminhos 
cruzados] (1944) 
 Mirad los Liriosdel Campo [Olhai os 
lírios do campo] (1947) 
 Lo Demás Es Silencio [O resto é 
silêncio] (1945) 
 Saga (1946) 
 Musica a los Lejos [Música ao longe] 
(1946) 
 
 
29 
 
 El Gato Preto em la Nieve [Gato preto 
em campo de neve] (1947) 
 Clarissa (1947) 
 Los Argonautas [A volta do gato 
preto] (1949) 
 Noche [Noite] (1957) 
 El Tiempo y elViento [O tempo e o 
vento] (1953) 
 México (1959) 
 El Prisionero [O prisioneiro] (1971) 
 Incidente en Antares (1975) 
 El Señor Embajador [O senhor 
embaixador] (1984) 
Finlandês  AntaresinValtiaat [Incidente em 
Antares] (1980) 
Francês  Le Temps et leVent [O tempo e o 
vento] (1955) 
 L’Inconnu [Noite] (1955) 
 Le Temps et le Vent (1996) 
 Le Portrait de Rodrigo Cambará [O 
retrato] (1997) 
Holandês  De Tijd em de Wind [O tempo e o 
vento] (sd) 
Húngaro  A Többi NémaCsend [O resto é 
silêncio] (1967) 
Indonésio  Ketika Hati HarusMemilih [Olhai os 
lírios do campo] (1990) 
Inglês  Crossroads [Caminho cruzados] 
(1943) 
 The Rest Is Silence [O resto é silêncio] 
(1946) 
 Consider the Lilies of the Field [Olhai 
os lírios do campo] (1946) 
 Time and the Wind [O tempo e o 
vento] (1951) 
 Mexico (1960) 
 Night [Noite] (1956) 
 His Excellency the Ambassador [O 
senhor embaixador] (1967) 
Italiano  Il Resto ÈSilenzio [O resto é silêncio] 
(1949) 
 Tempo Senza Volto [O tempo e o 
vento] (1953) 
 Messico [México] (1964) 
Japonês  No no Yuri wo Miyo [Olhai os lírios do 
campo] (1996) 
 Harukanaru Shirabe [Música ao longe] 
(1999) 
Norueguês  Natt [Noite] (sd) 
Polonês  Incidentla Antares [Incidente em 
Antares] (1982) 
30 
 
Romeno  Incidentla Antares [Incidente em 
Antares] (1975) 
 Domnul Ambasador [O senhor 
embaixador] (1981) 
 Um anume Cãpitan Rodrigo [Um certo 
campitão Rodrigo] (1993) 
 Ana Terra (1993) 
 Razboiul [O continente I] (1994) 
 Teiniaguá – Frumosa Luzia [O 
continente II] (1994) 
 Roza Vânturilor [O retrato I] (2000) 
 Chantecler [O retrato II] (2001) 
 Úmbria Îngerului [O retrato III] (2001) 
 Incidentla Antares [Incidente em 
Antares] (2002) 
Russo  O senhor embaixador (1969) 
Sueco  [Enxerto de O retrato] In Fran Urskog 
Till Megastad (Da mata virgem à 
metrópole; trata-se de uma coletânea de 
textos de autores brasileiros) (1994) 
Tcheco  Incident v Anterasu [Incidente em 
Antares] (1977) 
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados extraídos de Cadernos de Literatura Brasileira, 
Instituto Moreira Sales, 2003. 
 
 Como já disse, Verissimo escreveu em quase todos os gêneros literários, exceto 
poesia. Notabilizou-se como romancista, publicando treze romances, ou seja, 
aproximadamente 1/3 de sua produção. Foi nesse gênero, notadamente, que ficou 
conhecido no Brasil e no mundo (CHAVES, 1972). 
 Conforme já assinalei, além de Solo de Clarineta, Verissimo escreveu apenas um 
livro autobiográfico, intitulado “O escritor diante do espelho” (VERISSIMO, 1967). 
Porém, também escreveu biografia, “Um certo Henrique Bertaso”, seu único livro nesse 
gênero. De fato, ao ler esse livro, me deparei com relatos de convivência e amizade que 
teve com seu editor, Henrique Bertaso, vinculado à editora Globo em Porto Alegre. 
Conforme ele mesmo disse: “Mas afinal de contas estou tentando escrever minhas 
lembranças de Henrique Bertaso e não uma autobiografia” (VERISSIMO, 1996, p. 11). 
 Verissimo, um dos escritores mais populares do Brasil, ao lado de Jorge Amado, 
teve sua obra traduzida para dezesseis idiomas, conforme mostrarei no quadro a seguir. 
 Em suma, neste capítulo procurei identificar em Solo de Clarineta elementos que 
possam situar Verissimo em relação à sua vida e obra. 
 Abaixo, apresento fotografias de Verissimo e sua família, colégio onde estudou e 
capas de seus livros. 
31 
 
 
Fotografia 1 – Pais de Erico Verissimo 
 
Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira, Erico Verissimo, Instituto Moreira Sales, n. 16. nov. 
2003. 
Fotografia 2 - Casa onde Verissimo nasceu 
 
Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira, Erico Verissimo, Instituto Moreira Sales, n. 16. nov. 
2003. 
32 
 
Fotografia 3 – Erico Verissimo na idade de 4 anos 
 
Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira, Erico Verissimo, Instituto Moreira Sales, n. 16. nov. 
2003. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fotografia 4 – Fachada do Colégio Cruzeiro do Sul em Porto Alegre 
33 
 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019. 
 
 
Fotografia 5 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (1973) e II (1976) (1ª edição) Editora 
Globo 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
http://www.google.com.br/
34 
 
Fotografia 6 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (2005) e II (2005) (20ª edição), 
Editora Companhia das Letras 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
35 
 
Fotografia 7 – Capa de Fantoches, 1932 (1ª edição) 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
36 
 
Fotografia 8 – Capa de Incidentes em Antares, 1971 (1ª edição) 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
37 
 
Fotografia 9 – Capa de Saga, 1940 (1ª edição) 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
38 
 
Fotografia 10 – Capa de O continente, 1949 (1ª edição) 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019http://www.google.com.br/
39 
 
Fotografia 11 – Capa de O continente, 1995 (33ª edição) 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
40 
 
Fotografia 12 – Capa de O continente, versão em espanhol, 1953. 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
41 
 
Fotografia 13 – Capa de Brazilian Literature – na Outline, 1945. 
 
Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019 
 
 Todas essas fotografias, tanto dos pais de Verissimo, da casa onde nasceu, dele 
com 4 anos de idade e capas de livros, levam-me a ler, não apenas fisicamente, mas de 
modo imaginativo, ou seja, com a memória imaginativa, as lembranças de Verissimo em 
Solo de Clarineta. Isso para apresentar, no próximo capítulo, as lembranças do tempo e 
sonho de Verissimo na infância, através da leitura imaginativa. 
 
 
 
 
 
 
http://www.google.com.br/
42 
 
II – TEMPO E ESPAÇO NOS SONHOS DE ERICO VERISSIMO: 
CONSIDERAÇÕES SOBRE INFÂNCIA E CASA 
 
A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a 
gente recorda, e como recorda para contá-la. 
 
Gabriel Garcia Márquez 
 
 
Neste capítulo, me aproprio de ideias e noções de pensadores do imaginário, tais 
como Gaston Bachelard, James Hillman, Jean-Jacques Wunenburger e alguns de seus 
comentadores, os quais me dão suporte teórico que me permite realizar uma leitura 
imaginativa da poética memorial autobiográfica de Solo de Clarineta. 
 O objetivo deste capítulo é identificar, a partir da leitura que fiz de Solo de 
Clarineta, as lembranças que Verissimo narra de sua infância, focando especialmente nos 
dilemas e dramas familiares por ele vividos, e a casa sonho, noção bachelardiana da qual 
falarei logo mais. 
Gaston Bachelard, filósofo e ensaísta francês, é um dos autores que me ajuda a 
compreender as memórias-sonho de Verissimo, a partir da leitura de imagens que procurei 
fazer, precisamente do que propõe nos seus livros “A poética do espaço” (2000), “A 
poética do devaneio” (2009) e “Fragmentos de uma poética do fogo” (1990), livros que 
contemplam sua fenomenologia da imaginação. 
James Hillman é um psicoterapeuta analítico norte-americano, que teve como base 
os estudos de Carl Jung, com quem estudou e sucedeu na direção do Instituto Zurique, na 
Suíça, durante uma década. Fundador da abordagem de estudos da cultura contemporânea 
denominada Psicologia Arquetípica, baseada no pressuposto da base poética da mente, 
das imagens arquetípicas, e da personificação mítica do imaginário (HILLMAN, 1995). 
Desse autor, proponho demonstrar como a imaginação criadora (poética) funda a 
memória, como a imaginação criadora ligada ao desejo, à personificação de um mito 
pessoal cria os percursos, escolhe a modulação. Nesse sentido, Hillman me faz pensar a 
ideia de que nós nos construímos como personagens míticos. É desse modo que pretendo 
dizer desse personagem mítico que Erico Verissimo construiu em Solo de Clarineta, além 
das categorias de análise que eu identifico nessa autobiografia. 
Jean-Jacques Wunenburger é um filósofo francês contemporâneo, discípulo de 
Gaston Bachelard e de Gilbert Durand, uma das grandes autoridades atuais nos estudos 
43 
 
do imaginário. Especialista em Filosofia das Imagens, sua obra busca uma aproximação 
com a antropologia para analisar símbolos e mitos nas suas relações com o racionalismo 
no mundo contemporâneo. Desse pensador, busco compreender o imaginário em sua 
dimensão simbólica (GOMES, 2016a), uma vez que é através da leitura imaginativa de 
imagens que medito Solo de Clarineta. 
Gomes (2016a) defende que uma proposta de religação dos saberes, tal como 
propugnada por Edgar Morin (2006), pode ser pensada também com base na obra de 
Gaston Bachelard, e que ela está centrada na compreensão do imaginário em sua 
dimensão criadora (em oposição a uma dimensão meramente reprodutora). Mas o que 
isso significa exatamente? Significa que as imagens capazes de suscitar estados poéticos 
nos leitores, de fazê-los imaginar, ao serem lidas e trazidas para o campo acadêmico, não 
devem ser reduzidas à mera ilustração de conceitos e teorias científicas, uma vez que não 
podem ser entendidas numa perspectiva mimética, pois são criadoras de novas realidades, 
são instauradoras de inventividades (GOMES, 2013). Ou seja, o imaginário remete ao 
onírico, ao sonho, à imaginação. Buscar acessar a imaginação que dinamiza um 
imaginário seria o maior sentido da leitura imaginativa de imagens (GOMES, 2016a) 
Assim, observo as lembranças de Verissimo que remetem a conteúdos oníricos, 
articulando-as com narrativas de imaginação. O próprio Veríssimo demonstra consciência 
dessa possibilidade em seu primeiro volume, ao alertar o leitor que “não esperem que 
estas memórias formem um documento histórico [...]. São apenas uma história particular 
— uma história em tom de quase romance”. 4Esse trecho me traz à memória o romance 
de Carlos Heitor Cony intitulado “Quase Memória, Quase Romance” pois, como diz o 
autor, nele, “além da linguagem, os personagens reais e irreais se misturam, 
improvavelmente, e, para piorar, alguns deles com os próprios nomes do registro civil. 
Uns e outros são fictícios” (CONY, 1995, p. 7). Em todo livro, Cony mescla narrativas 
memoriais com ficção, ou seja, narra fatos de sua vida real (memórias de infância) com a 
poética romanesca autobiográfica. 
E se memória para Bachelard (2000) está intimamente relacionada com sua noção 
de espacialidade onírica, como trabalhar com as imagens do espaço onírico nessa 
abordagem? Como nos ensina Gomes (2013), no bachelardianismo não devemos encarar 
a imagem literária como um objeto, tampouco como um substituto de um objeto, mas 
 
4 No preambulo de Solo de Clarineta, vol. I, 1973. 
44 
 
buscar dialogar com sua realidade específica, pois ela é um produto da consciência 
criadora do escritor em articulação ao devaneio poético do leitor. 
 Em face disso, Bachelard (2000) nos apresenta seu método de leitura de imagens 
pelas imagens, podendo ser entendido também como leitura imaginativa de imagens 
(GOMES, 2013). Método por ele designado por fenomenológico, mas num sentido muito 
próprio, que pretende superar a descrição aderindo à função do habitar o espaço onírico 
do devaneio poético (GOMES, 2016a), procurando responder como o escritor habita seu 
espaço onírico vital, através das imagens literárias que cria. 
A princípio, com base nesses referenciais e nas leituras que fiz de Solo de 
Clarineta, já tenho condições de dizer que muitas de suas imagens literárias remetem à 
casa onírica e à infância onírica, noções bachelardianas que serão dois focos narrativos 
importantes em minhas leituras imaginativas da poética memorial de Érico Veríssimo 
nessa obra. No entanto, tenho clareza que outros centros de imagens aparecerão trazendo 
a necessidade de voltar a novas leituras, tanto da obra bachelardiana quanto da narrativa 
verissiana em foco. Fiz com que ambas se nutram mutuamente ao longo da pesquisa. 
No caso específico deste estudo, busco ler a imaginação que brota das lembranças 
do escritor Erico Verissimo em Solo de Clarineta, discutindo como essas lembranças 
podem ser lidas como imagens poéticas, tornando possível distinguir tanto os aspectos 
factuais como os oníricos (de sonho). A esse sonho do escritor, nessa obra de memórias, 
estou denominando de poética memorial autobiográfica, justamente por se tratar de 
memórias que são estudadas especialmente em sua dimensão de sonho, de onirismo, de 
imaginação, de inventividade, qualidades não exclusivas da escrita literária, mas também 
da escrita autobiográfica, principalmente em se tratando de memórias de um escritor deficção. 
Esse é nosso pressuposto teórico de pesquisa, ou hipótese de trabalho. Partimos 
também da ideia assegurada por Wunenburger (2007), segundo a qual, mais do que 
ferramentas para traduzir conceitos e teorias, as imagens são instrumentos de 
sensibilização estética do mundo e de seus criadores e leitores, sendo capazes de 
promover mudanças e reorganizações de comportamentos individuais e coletivos, sendo 
que, através delas, os sujeitos são capazes de se reinventar. 
Nesse sentido, para Hilmann (1995), as imagens são avaliadas numa perspectiva 
não de contribuições individuais, mas enquanto acontecimentos coletivos. Ainda para ele, 
uma imagem não pode ser compreendida simplesmente por aquilo que ela mostra, é 
preciso ir além, e perceber a “imaginação” que essa imagem desperta. 
45 
 
Nesse ponto cabe novamente acentuar o propósito de meu estudo, no que diz 
respeito à busca do sonho de Erico Verissimo em Solo de Clarineta, obra abordada nessa 
pesquisa enquanto uma poética memorial. Esse sonho do escritor supostamente promove 
mudanças e reorganizações em sua trajetória de vida, coisa que parece poder ser 
demonstrada pelas suas memórias. Tal sonho se liga a uma esfera imaginária que orienta 
escolhas do sujeito e estabelece para si compromissos éticos. É o que considero possível 
encontrar em outras leituras mais atentas da obra em estudo, pois, como diz Wunenburger, 
a imaginação participa da lógica pragmática e ética dos agentes e suas escolhas e 
compromissos éticos não se limitam à esfera das obrigações racionais, mas a uma esfera 
imaginária (GOMES, 2013). 
 
2.1 A relação tempo-espaço 
 
 Verissimo narra uma das lembranças de quando se encontrava enfermo (fase 
adulta) e faz uma reflexão que envolve tempo e espaço. 
 
[...] O tempo como que passou a ser função do espaço daquele quarto 
ou, melhor, do espaço de meu cérebro [...] (VERISSIMO, 1976, p. 28). 
 
Dessa lembrança, entendo que para Verissimo, o tempo é um elemento de 
reflexão. Em outro excerto, busco entender a relação entre escrever acerca do tempo 
longínquo e o recente. 
 
Coisa singular: é muito mais fácil a gente escrever sobre 
acontecimentos dum passado remoto do que sobre os mais recentes. O 
tempo como que faz as vezes de filtro, coando impurezas, ao mesmo 
tempo que nos dá uma mais nítida perspectiva do mundo, dos fatos e de 
nós mesmos (VERISSIMO, 1976, p. 57). 
 
 Esse “tempo” a que alude Verissimo, apesar de trazer uma conotação física, 
entendo que vai além disso, ou seja, esse tempo pode ser um tempo poético, face à leitura 
imaginativa que faço para alcançar uma poética memorial autobiográfica verissimiana. 
 Para Verissimo ainda, o tempo sempre marcou sua trajetória enquanto escritor, e 
também de intelectual, preocupado que era com as questões humanas. Não é por acaso 
46 
 
que sua obra romanesca mais conhecida denomina-se de “O tempo e o vento”. Em Solo 
de clarineta, Verissimo faz uma analogia entre o tempo real e o tempo “poético” ao dizer 
que 
 
[...] o tempo do calendário e o do relógio pouco e às vezes nada têm a 
ver com o tempo de nosso espírito (VERISSIMO, 1973, p. 51). 
 
 Desse relógio, ao qual refere Verissimo, extraio algo mais psicológico. Noutra 
perspectiva, Verissimo alude ao relógio físico, do tempo e das ordens parentais recebidas 
de seus pais. 
Muitas vezes, estendido num sofá, depois de passar várias horas na vã 
tentativa de entrar em Santa Fé e no Sobrado, eu ficava a pensar outra 
vez no tempo que se arrastava e se perdia para sempre, e chegava a 
senti-lo de forma concreta, como um peso sobre o peito. Era nesses 
momentos opacos que me vinha a impressão de ter passado a vida 
inteira à sombra ameaçadora dum relógio, símbolo talvez da autoridade 
paterna, a qual no meu caso particular fora exercida por minha mãe. 
(“Acorda, vadio, está na hora de ir pra escola!” – “Pula dessa cama, são 
oito horas, se chegas tarde ao banco podes perder o emprego!”) Meu 
superego fizera-se zelador do relógio, era o cronometrador implacável 
de minhas atividades. Marcava-me sempre tarefas dentro de prazos 
rígidos, incitava-me ao “cumprimento do dever” (VERISSIMO, 1976, 
p. 20-21). 
 
Não obstante essa referência ao tempo cronológico, conforme já mencionei, 
Verissimo não escreveu suas memórias de forma linear, vertical, embora comece 
narrando as lembranças das suas origens, de seus ancestrais. Num dado momento, ele faz 
um questionamento acerca de acontecimentos de sua vida que possivelmente poderia se 
lembrar, devido à distância temporal entre seus primeiros anos de vida e a idade de 
sessenta anos. 
 
Quais são as figuras humanas, os objetos, as sensações e os 
acontecimentos mais remotos de minha vida de que me posso lembrar 
47 
 
hoje? Sei, por ouvir dizer, que até à idade de dois anos usei e abusei de 
minha condição de mamífero, sugando o seio materno e outros seios 
emprestados ou alugados (VERISSIMO, 1973, p. 59). 
 
Em toda narrativa autobiográfica, penso também tratar-se de uma obra poética, 
por haver nela uma interface entre o real e o imaginado, entre memória e sonho (memória-
sonho). Na sua, Verissimo busca lembrar de fatos considerados indeléveis vivenciados 
em sua infância, mas deixa também resvalar a poeticidade da alma quando, já 
sexagenário, escreveu Solo de Clarineta. 
 
Recordando deste ângulo do tempo e do espaço as cenas a que assisti 
naquele pátio, não posso deixar de concluir que elas tinham muito dos 
quadros de Bosch, Bruegel e do Goya dos Caprichos e das pinturas da 
Quinta del Sordo. Lá estavam vários dos elementos com que jogaram 
esses três grandes pintores. O cômico alternava-se com o trágico, o 
pitoresco com o grotesco, o sonho com o pesadelo (VERISSIMO, 1973, 
p. 42, grifos do autor). 
 
Essas recordações, trazidas por Verissimo, me faz lê-las por meio de uma 
imaginação, levando-me a situá-las no tempo e no espaço de outrora, ou seja, em que ele 
viveu. Essa imaginação, segundo Bachelard (1990a), não se restringe à formação de 
imagens a partir da realidade, ela forma imagens que ultrapassam o real. 
 
2.2 Tempo/infância 
 
Articulando lembranças dos tempos de criança, Verissimo conta momentos de sua 
infância vividos e lembrados nos tempos em que escreveu essas memórias. No primeiro 
momento, rememora de que foi a vida de um mamífero, até a idade de dois anos. Mas 
chama a atenção para o caráter enganador da memória. No segundo momento, lembra-se 
de que foi a de um mamífero, até a idade de dois anos. Mas chama a atenção para o caráter 
enganador da memória: 
 
Uma vez que outra, imagens e sensações de meus tempos de criança de 
colo sobem do fundo do oceano em que jazem, aparecem por um átimo à 
superfície, mas envolta em tanta névoa, que mal lhes consigo distinguir 
48 
 
os contornos. Lanço rápido a minha rede nessas águas turvas, com o 
propósito de apanhar alguns dos ariscos espécimes de minha flora e fauna 
submarinas (VERISSIMO, 1973, p. 59). 
 
 
Segundo Hillman (1997, p. 14), “talvez toda nossa vida seja menos determinada 
pela infância do que pelo modo como aprendemos a imaginar nossa infância”. Nessa 
perspectiva, procurei articular as lembranças por meio de imagens. Estas, por sua vez, 
serão tratadas aqui não como “um quadro no sentido de um retrato fotográfico de uma 
pessoa. Ao invés disso, imagem é uma noção complexa de uma pessoa imaginada pela 
mente” que, por sua vez, tem base poética (HILLMAN, 2018, p. 69). 
Assim, começo por articular literatura e filosofia da imagem. No primeiro volume 
de Solo de Clarineta, no capítulo inicial, Verissimo (1973, p. 50) diz que “que o relógio 
psicológico do tempo da infância anda mais devagar que os dos adultos” e aproveita o 
momento para lembrar de certos episódios e pessoas de seu mundo de criança, refletindo 
sobre estes diferentes tempos e sobre a memória: 
 
Tenho a impressão de que minha vida entre os cinco e os dezoito anos 
ocupou

Continue navegando