Buscar

Miolo_ENTRE ASPAS_UFU

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2019
Todos os direitos reservados.
Autor
Lucas Limberti
Diretor geral
Herlan Fellini
Coordenador geral
Raphael de Souza Motta
Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica
Hexag Sistema de Ensino
Diretor editorial
Pedro Tadeu Batista
Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Bruno Alves Oliveira Cruz
Claudio Guilherme da Silva
Eder Carlos Bastos de Lima
Fernando Cruz Botelho de Souza
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva
Projeto gráfico e capa
Raphael Campos Silva
Foto da capa
pixabay (http://pixabay.com)
Impressão e acabamento
Meta Solutions
Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo o 
ensino. Caso exista algum texto, a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição 
para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre 
as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não representando qual-
quer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora.
2019
Todos os direitos reservados para Hexag Sistema de Ensino.
Rua Luís Góis, 853 – Mirandópolis – São Paulo – SP
CEP: 04043-300
Telefone: (11) 3259-5005
www.hexag.com.br
contato@hexag.com.br
PREFÁCIO
Lista de obras da UFU explora pluralidade de gêneros
Universidade Federal de Uberlândia cobra 
literatura internacional em seu vestibular
A Literatura ganha um peso especial no vestibular da Universidade Federal de Uberlândia com oito obras 
que vão da poesia ao romance passando pelo teatro e pelo conto. Esta pluralidade de gêneros requer uma atenção 
especial do vestibulando no que diz respeito a entender como cada tipo de texto se comporta esteticamente.
Um outro apontamento de atenção se dá no caráter internacional da escolha das obras, que vai de um 
escritor tcheco em língua alemã – Franz Kafka –, passando pelos clássicos de vários tempos da Literatura Brasileira 
– Machado de Assis e Clarice Lispector –, até chegar na literatura lusófona do moçambicano Mia Couto.
A discussão sobre a condição humana pormenorizada pelo meio e pelo sistema aparece em “A metamorfo-
se”, de Franz Kafka, em que o personagem principal, Gregor Samsa, acorda transformado em um inseto. Uma obra 
que revela o quão diminuta é a vida de grande parcela da população que vive a mercê da sociedade, sobretudo no 
que diz respeito ao lugar do trabalho.
Uma escolha interessante da UFU é a obra “Destino: poesia”, um conjunto de poemas dos chamados “mar-
ginais” que Italo Moriconi escolheu e dá um panorama interessante do que foi este momento transformador da 
poesia brasileira, com poetas como Wally Salomão, Cacaso, Ana Cristina César e Paulo Leminski.
Na sequência, surgem alguns dos contos da obra “Felicidade clandestina”, da misteriosa Clarice Lispector. 
Escritos recheados de um olhar crítico e singelo para a condição da mulher a partir de um revelador mergulho em 
sua geografia íntima.
Tal qual Clarice Lispector, surge na terceira geração modernista a figura do genial escritor João Cabral de 
Melo Neto, com uma das suas obras mais conhecidas, “Morte e vida severina”. Uma poesia rígida e forte na dicção 
existencial do sertão, na trajetória de Severino (“Severinos”), do interior ao litoral.
A literatura contemporânea também está representada na lista pela figura de Cristovão Tezza, com sua 
obra “O filho eterno”. O autor discute a relação com seu filho, que possui necessidades especiais. As dificuldades 
e belezas dessa biografia tem a peculiaridade de serem narradas em terceira pessoa.
“O santo e a porca”, de Ariano Suassuna, surge na lista da UFU com o gênero dramático, ou seja, um texto 
escrito para ser encenado no teatro, discutindo e ironizando a avareza humana.
Machado de Assis – o bruxo do Cosme Velho – não poderia ficar de fora da lista da UFU, aliás, qualquer lista 
de vestibular que se preze terá ali elencada alguma obra de um dos mais geniais escritores da literatura mundial. 
No caso, “Quincas Borba”, seu segundo romance realista, conta a história de Rubião, que irá vivenciar as premissas 
do famoso filósofo louco, Quincas Borba, que, como é de conhecimento de todos, aparece já na obra anterior de 
1881, “Memórias póstumas de Brás Cubas“.
Encerrando o conjunto de oito obras, surge “Terra sonâmbula”, que traz a figura de grande destaque da 
literatura lusófona africana, o moçambicano Mia Couto. Um escritor contemporâneo que se destaca por retratar 
as mazelas de seu povo, mesclando as lendas míticas e perspectivas culturais com uma linguagem inventiva, cheia 
de neologismos, bem ao estilo do brasileiro Guimarães Rosa. Como ele gosta de afirmar, é um leitor assíduo e 
assumidamente influenciado pela obra roseana.
Seguindo as orientações e as análises propostas neste volume especial do “Entre Aspas”, tenho certeza de 
que os estudantes darão conta de entender o processo constitutivo desta lista tão plural e potente.
Boas leitura e análise!
Lucas Limberti
SUMÁRIO
ANÁLISE DE OBRAS LITERÁRIAS
ENTRE ASPAS
Obra 1: A metamorfose 7
Obra 2: Destino: poesia 19
Obra 3: Felicidade clandestina 37
Obra 4: Morte e vida severina 51
Obra 5: O filho eterno 61
Obra 6: O santo e a Porca 71
Obra 7: Quincas Borba 79
Obra 8: Terra sonâmbula 91
0 1 A metamorfose
Franz Kafka
L C
ENTRE 
ASPAS
0 1 A metamorfose
Franz Kafka
L C
ENTRE 
ASPAS
9
Franz KaFKa
“Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós”
“Precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos angustiem profundamente, como a morte 
de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para florestas distantes de todos, como um 
suicídio. Um livro tem de ser o machado para o mar congelado dentro de nós.” (Franz Kafka)
Franz Kafka nasceu em Praga, na época do Império Austro-húngaro, atual República Tcheca, no dia 3 de 
julho de 1883. Filho de Hermann Kafka, rico comerciante, de família judia, e de Julie Kafka. Cresceu sob a influência 
das culturas judaica, tcheca e alemã. Já na adolescência, revela-se socialista e ateu. Estudou Direito, em Praga, 
concluindo o curso em 1906.
Trabalhou numa companhia de seguro e dedicou-se à literatura. Intimidado pela educação severa recebida 
do pai, constitui-se como um sujeito isolado e rebelde, comportamento característico que marcou profundamente 
sua obra. Fez parte da famigerada Escola de Praga e participou de reuniões com grupos anarquistas.
Em 1917, se viu obrigado a afastar-se do trabalho devido a uma tuberculose. Escreveu em alemão toda a 
sua obra, sendo que a maior parte foi publicada postumamente. Seu estilo é marcado pelo realismo, pela crueza 
e pelo detalhamento com que descreve situações incomuns, como na obra O processo (1925), cujo personagem 
principal é preso, julgado e executado por um crime que desconhece.
Em seus livros, é constante o confronto entre os personagens e o poder das instituições, demonstrando a 
impotência e a fragilidade do ser humano. Escreveu ainda A metamorfose (1916) e O castelo (1926). Engajou-se 
no movimento sionista.
A relação perturbada com seu pai rendeu inspiração para escrever Carta ao pai. O texto, postumamente 
publicado, reflete – às vezes de forma exagerada – a relação entre pai e filho, em que este assume uma posição 
de fracasso perante aquele.
10
Franz Kafka, gravura de Jan Hladík (1978)
Estátua de Kafka, em Praga
Kafka escreveu A metamorfose em 21 dias (en-
tre 17 de novembro e 7 de dezembro de 1912). Quan-
do apresentou o primeiro capítulo da obra aos seus 
amigos, sua leitura foi primeiramente recebida com 
chacota e risos. Porém, Max Brod enxergou a quali-
dade daobra e procurou alguém que pudesse editar 
a história
Por meio de imensa angústia, Kafka queria fa-
zer com que o leitor percebesse em suas obras o que 
estava se passando no mundo, queria fazê-lo “acordar 
com uma pancada na cabeça”, como diz em uma carta 
de 1904.
Franz Kafka morreu na Áustria, em Klosterneu-
burg, no dia 3 de junho de 1924.
a metamorFose
Estrutura em três partes
A obra A metamorfose é dividida em:
 § Primeira parte: acompanhamos um Gregor 
Samsa – o protagonista da história – recém-
-metamorfoseado e observamos a maneira como 
é recebido por sua família em sua nova forma.
 § Segunda parte: observamos o cotidiano de 
um Gregor rejeitado e isolado.
 § Terceira parte: acompanhamos o fim de um 
Gregor fraco e psicologicamente abalado.
Personagens
 § Gregor Samsa: um caixeiro-viajante que não 
tem muitos amigos e trabalha ininterrupta-
mente. Pressionado pelo emprego, apenas se 
11
mantém no cargo porque é o único que pode 
sustentar a família. No início, transforma-se 
num inseto monstruoso e, por conta disso, pas-
sa por diversos problemas, como rejeição de 
sua família, localização no mundo e perda do 
senso de humanidade.
 § Grete Samsa: é irmã de Gregor, uma jovem 
dócil e que não sofre por preconceitos. É a úni-
ca que tem uma relação direta com ele, mesmo 
após sua transformação. Adorava violino e toca-
va muito bem, mas a família não tinha dinheiro 
para pagar seus estudos. Durante a metamorfo-
se, tem um emprego de vendedora.
 § Sr. Samsa: pai de Gregor. Recusava e odiava 
seu filho em forma de inseto. Era muito precon-
ceituoso e não trabalhava, pois tinha problemas 
na coluna.
 § Sra. Ana: mãe de Gregor, tinha nojo de seu fi-
lho em forma de inseto, chegou a desmaiar, mas 
ainda o amava.
 § Os três inquilinos: alugam um quarto na casa 
dos Samsa, após a transformação de Gregor.
 § Gerente do escritório: chantageava Gregor 
por causa da dívida da família, obrigando-o a 
trabalhar desesperadamente.
Foco narrativo
A metamorfose é narrada por um narrador onis-
ciente (heterodiegético), a partir da perspectiva do per-
sonagem principal. Essa ligação do narrador ao prota-
gonista perdura até o momento da morte de Samsa.
Troca de instância – neste momento da mor-
te do personagem principal, vale uma atenção especial 
à mudança de instância, quando o narrador se des-
prende de Gregor Samsa e se projeta na descrição, cujo 
enfoque passa a ser sua família.
Tempo e espaço
O tempo da narrativa é cronológico, ou seja, os 
fatos estão dispostos em ordem de acontecimento. O 
quarto do protagonista é um espaço fundamental da 
narrativa, grande parte da história se passa neste espa-
ço, pois é lá, afinal, que ele passa a maior parte de seu 
tempo depois da metamorfose. Todavia, não é esclare-
cido em que época a história se passa, pois datas nun-
ca são especificadas no decorrer da obra. A transição 
do tempo é exposta ao leitor através de horas e dias.
12
Enredo
Gregor Samsa é um caixeiro-viajante que não 
gosta do seu trabalho e tão pouco de seu patrão. Po-
rém, uma dívida da família o obriga a manter o tra-
balho e sustentar seus pais e a sua irmã caçula. Até 
que um dia, numa manhã, Gregor acorda atrasado 
para pegar o trem e se vê metamorfoseado em um 
inseto gigante.
Estava deitado sobre o dorso, tão duro que pa-
recia revestido de metal. Suas diversas pernas, compa-
radas com o resto do corpo, eram miseravelmente finas, 
agitavam-se desesperadamente perante seus olhos.
Que me aconteceu? – pensou. Não era nenhum 
sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas 
bastante acanhado, ali estava, como de costume, en-
tre as quatro paredes que lhe eram familiares. Por cima 
da mesa, onde estava deitado, desembrulhada e em 
completa desordem, uma série de amostras de roupas: 
Samsa era caixeiro-viajante, estava pendurada a fotogra-
fia que recentemente recortara de uma revista ilustrada 
e colocara numa bonita moldura dourada. Mostrava 
uma senhora, de chapéu e estola de peles, rigidamente 
sentada, a estender ao espectador um enorme regalo 
de peles, onde o antebraço sumia! Gregório desviou 
então a vista para a janela e deu com o céu nublado 
– ouviam-se os pingos de chuva a baterem na calha da 
janela e isso o fez sentir-se bastante melancólico. Não 
seria melhor dormir um pouco e esquecer todo este de-
lírio? – cogitou. Mas era impossível, estava habituado a 
dormir para o lado direito e, na presente situação, não 
podia virar-se. Por mais que se esforçasse por inclinar o 
corpo para a direita, tornava sempre a rebolar, ficando 
de costas. Tentou, pelo menos, cem vezes, fechando os 
olhos, para evitar ver as pernas a debaterem-se, e só 
desistiu quando começou a sentir no flanco uma ligeira 
dor entorpecida que nunca antes experimentara.
Sua preocupação inicial não é o fato de ter se 
transformado em um inseto repugnante, mas sim de 
estar atrasado para o trabalho e não conseguir sair da 
cama devido a sua nova forma. A sua luta para levantar 
é angustiante e se torna ainda pior quando o gerente 
da firma dirige-se até a sua casa por conta do atraso.
Na sequência, ocorre a luta de Gregor para 
acalmar o gerente e a sua família, enquanto tenta le-
vantar da cama e abrir a porta do quarto. A preocupa-
ção de sua família mistura considerações e opiniões 
sobre a sua saúde e uma tensão com a ameaça de 
Gregor perder o emprego, uma vez que havia ali a pre-
sença do gerente.
O trágico e irônico da situação é que Gregor, 
mesmo na condição de um inseto gigante, não se pre-
ocupa tanto com o que se transformou, contudo queria 
convencer o gerente de que estava tudo bem, preocu-
pava-se com seu emprego. Ele tenta convencer a todos 
que aquilo era apenas um contratempo, mas que agora 
já está pronto para ir ao trabalho. Nesse ínterim, sua 
voz se transforma em ruídos.
Gregor Samsa fica sem comunicação, a família 
fica ainda mais preocupada e chama um médico e um 
marceneiro para destrancar o quarto. Antes mesmo 
da chegada da ajuda, Gregor consegue abrir a porta 
e vai logo de encontro ao gerente para dar uma expli-
cação sobre o seu atraso sem se importar com a sua 
estranha aparência.
A visão de Gregor se destaca e assusta a todos, 
sua mãe quase desmaia e o gerente foge vagarosa-
mente. O único que toma atitude é seu pai, que, por 
meio de uma bengala que sacudia, expulsa Gregor de 
volta para o quarto. A vida de Gregor passa a ser no 
quarto, sua irmã o alimenta e limpa o cômodo, pelo 
menos por algum tempo.
13
No início, fala sobre ele ou a situação financeira, 
tema este que o preocupa muito. Ele se acalma apenas 
quando descobre que o pai tem ainda alguma reserva 
de dinheiro. Toda a família que antes era sustentada 
por Gregor começa a trabalhar.
Passado o tempo, Gregor aprende a andar me-
lhor com as suas novas pernas e começa a ziguezague-
ar pelo quarto, andar pelas paredes e pelo teto (esta 
passa a ser uma de suas atividades prediletas). Sua 
irmã, Grete Samsa, percebe, pois, por mais que ele fi-
que escondido, quando ela entra no quarto, consegue 
perceber as andanças do irmão, por conta do rastro 
que ele deixa no caminho.
Grete resolve retirar os móveis do quarto para 
que ele possa andar mais livremente, porém, como os 
móveis são pesados, ela precisa do auxílio de sua mãe. 
Gregor fica ansioso com a movimentação no quarto, 
uma vez que a retirada dos móveis significava acabar 
com o que restava de humanidade em sua vida.
Quando Gregor tenta intervir, algo tenso se 
desenrola, a sua mãe fica chocada e desmaia com a 
visão, já que ainda não havia visto seu filho após a 
metamorfose. O pai de Gregor chega em casa e vai pra 
cima de Gregor para o fazer voltar ao quarto diante 
daquela cena.
Gregor retorna ao quarto, ferido com uma maçã 
alojada nas suas costas. Com poucos recursos financei-
ros, a família decide alugar um dos quartos. Três inqui-
linos começam a morar na casa e ocupar o ambiente. 
Certo dia, os inquilinos escutam a irmãde Gregor pra-
ticando violino na cozinha e pedem para ela tocar na 
sala de estar. Nesse mesmo dia, a porta do quarto de 
Gregor ficou aberta e, atraído pela música, ele caminha 
para a sala de estar, onde os inquilinos o avistam.
Os inquilinos rompem o contrato de aluguel e 
ameaçam processar a família. A irmã de Gregor, que 
até então tentava protegê-lo, passa também a atacá-
-lo e dá a entender que a família pensa em se livrar 
dele. Na sequência, confirma-se o trágico: Gregor 
morre de inanição.
O que aparentemente seria algo pesado na nar-
rativa, no que diz respeito à ideia do falecimento do 
personagem principal, a morte de Gregor representa 
uma libertação para todos, principalmente para ele 
mesmo, pois é esquecido. Todavia, uma outra perspec-
tiva pode ser adotada no sentido de que a verdadeira 
transformação ocorrerá não com ele, mas com os ou-
tros. O pai do narrador sai da completa apatia para 
a atividade, a irmã sai da solidão para o convívio, a 
família (pai, mãe e filha), antes presa ao escuro do lar, 
sai para o sol, para a vida, para um futuro que promete 
felicidade. Por mais que um sujeito imagine ser possível 
viver sozinho, mesmo que ele seja esquecido, seus atos 
produzirão efeitos nos outros. Essa transcendência do 
eu para o outro pode ganhar sentidos filosóficos, reli-
giosos e psicológicos.
Análise: o viés metamorfósico 
de Franz Kafka
A transformação da lagarta – uma criatura ras-
tejante – em borboleta – um ser que ganha os céus em 
liberdade – é representada alegoricamente pelo mito 
grego de Psique, cuja história representa a purificação 
da criatura que, após sofrer os mais penosos acintes, 
ganha a imortalidade da alma.
Nesta obra, Franz Kafka inverte o significado 
dessa transformação. O protagonista de seu conto, 
Gregor Samsa, é um trabalhador explorado que labuta 
por endividamento, portanto, um ser humilhado que 
certa manhã vê-se metamorfoseado num inseto raste-
jante e repugnante.
De uma vida mesquinha de caixeiro-viajante, 
Gregor Samsa passa a viver a angústia ante sua pró-
pria existência. Rejeitado pela família Samsa, leva a 
vida enclausurado no seu quarto, arrastando-se pelo 
chão; subindo pelas paredes; escondendo-se dos de-
mais embaixo do sofá; alimentando-se de comidas po-
dres e confundindo-se com o lixo despejado em seu 
14
recinto, e sempre a espreitar atrás da porta as lamúrias 
de seus familiares, o que o faz sentir-se culpado por 
sua nova aparência física, já que seus sentimentos con-
tinuam humanos a despeito de todo o resto.
O subjetivismo de A metamorfose tem aberto 
espaço para as mais variadas interpretações da obra 
kafikiana. Essa plurissignificância engloba desde leitu-
ras psicanalíticas a marxistas. Porém, o que mais chama 
atenção nesta obra é como Kafka, através do seu pro-
tagonista, considera a existência por si só um absurdo.
Na mídia
Apresentamos, a seguir, uma matéria publicada 
no jornal Folha de São Paulo, versão on-line, de 31 
de outubro de 2015, comemorando os cem anos da 
publicação de A metamorfose.
Um besouro?
Uma aula de Vladimir Nabokov sobre a anatomia de 
Gregor Samsa
O escritor russo Vladimir Nabokov (1899-
1977), célebre por Lolita, não passou incólume por A 
metamorfose. Ele estudou o livro a fundo, com uma 
série de rascunhos sobre o romance em que tentava 
desvendar, seguindo as pistas do texto kafkiano, em 
qual inseto Gregor Samsa havia se metamorfoseado, 
sem explicação alguma.
Sua análise para a novela de Franz Kafka inte-
gra o volume Lições de Literatura, publicado no Brasil 
pela editora Três Estrelas. Leia um trecho, abaixo:
Ora, em que tipo de “inseto“ foi transformado tão 
subitamente Gregor, o infeliz caixeiro-viajante? Sem dúvi-
da pertence à linhagem dos artrópodos (“de membros ar-
ticulados“) do qual fazem parte os insetos, as aranhas, os 
centípedes e os crustáceos. Se as “numerosas perninhas 
articuladas“ mencionadas no começo significam mais 
que seis, então Gregor não seria um inseto do ponto de 
vista zoológico. Mas acredito que um homem deitado de 
costas, ao acordar e descobrir que tem seis pernas vibran-
do no ar, pode considerar que seis é o bastante para ser 
chamado de “inúmeras“. Por isso, assumiremos que Gre-
gor tem seis pernas, que é um inseto. A pergunta seguinte 
é: que inseto? Alguns estudiosos dizem ser uma barata, o 
que obviamente não faz sentido. Uma barata é um inseto 
com formato chato e pernas grandes, e o corpo de Gregor 
nada tem de achatado: é convexo nos dois lados, ventre 
e dorso, e as pernas são pequenas. Sua única semelhança 
com uma barata está na cor marrom. Isso é tudo. Além do 
mais, ele tem uma barriga extremamente convexa, dividi-
da em segmentos, e costas duras e abauladas, sugerindo 
a existência dos estojos de asas. Nos besouros, esses esto-
jos escondem delicadas asinhas que podem se expandir e 
carregá-los ao longo de quilômetros em um voo bastante 
acidentado. Curiosamente, o besouro Gregor nunca per-
cebeu que tinha asas debaixo do duro invólucro de suas 
costas (essa é uma interessante observação minha que 
vocês devem guardar por toda a vida: alguns Gregors, 
alguns Joes e algumas Janes não sabem que têm asas). 
Ademais, ele possui fortes mandíbulas, que usa para fa-
zer girar a chave na fechadura enquanto se ampara nas 
pernas de trás, o terceiro e poderoso par de pernas. Daí se 
deduz que seu corpo mediria cerca de noventa centíme-
tros. No curso da história, ele gradualmente se acostuma 
a usar essas extremidades – pés e antenas. Esse besouro 
marrom, convexo e do tamanho de um cachorro é bem 
largo. Imagino que tenha a seguinte aparência:
Reprodução
Reprodução
15
No original em alemão, a velha arrumadeira o 
chama de “Mistkäfer“ – besouro rola-bosta. É óbvio 
que a boa senhora está lhe dando esse nome só para 
ser simpática. Tecnicamente, ele não é um besouro 
rola-bosta. É simplesmente um besouro (devo acres-
centar que nem Gregor nem Kafka viram esse besouro 
com total clareza).
Examinemos mais de perto a transformação. A 
mudança, embora chocante e notável, não é tão estra-
nha quanto possa parecer à primeira vista. Um obser-
vador de bom senso (Paul L. Landsberg, em “The Kafka 
Problem“. Ed. Angel Flores, 1946) comenta: “Quando 
vamos para a cama em um local desconhecido, é co-
mum termos um momento de pasmo ao acordar, uma 
repentina sensação de irrealidade, e essa experiência 
deve ocorrer muitas e muitas vezes na vida de um cai-
xeiro-viajante, um modo de vida que torna impossível 
qualquer senso de continuidade“. O senso de realida-
de depende da continuidade, da duração. Afinal, acor-
dar como um inseto não é muito diferente de acordar 
como Napoleão ou George Washington (conheci um 
homem que acordou como imperador do Brasil). Por 
outro lado, o isolamento e o afastamento da chamada 
realidade são aquilo que, em última análise, caracteri-
za constantemente o artista, o gênio, o descobridor. A 
família Samsa em torno do fantástico inseto nada mais 
é do que a mediocridade circundando o gênio.
Fonte: <http://temas.folha.uol.com.br/metamor-
fose/um-besouro/uma-aula-de-vladimir-nabokov-
-sobre-a-anatomia-de-gregor-samsa.shtml>.
Nos quadrinhos
Adaptações geralmente perdem qualidade na 
mudança de linguagem, mais ainda quando se trata de 
um clássico da literatura universal. Raras são as exce-
ções em que essas adaptações viram verdadeiras obras 
de arte e tornam-se referência naquilo que se propõe. 
O caso em si é o livro A metamorfose, de Franz Kafka, 
que virou graphic novel ilustrada por Peter Kuper. Na 
verdade, este quadrinhista, que publicava a série Spy 
vs. Spy na revista Mad, já fez outras adaptações de 
Kafka para os quadrinhos. Contudo, essa foi a única 
(até o momento) publicada no Brasil.
Quem conhece a história sabe que se trata de 
um drama pesado com forte psicologia que provoca 
identificação em muitas pessoas que vivem a agonia 
familiar (muitas mesmo). O convíviocom personali-
dades problemáticas, que tem de ser toleradas por 
fazerem parte da família; a rejeição ou discriminação 
familiar em conter um indivíduo componente de uma 
minoria, e até mesmo racismo, são aspectos visíveis 
no enredo que mostra o personagem principal meta-
morfoseado, num simples amanhecer, em um inseto 
gigante. Seu quarto passa a ser o seu confinamento, 
onde seus parentes passam a enojá-lo e procuram es-
condê-lo do restante do mundo. Incrível como Kafka 
consegue ter sua literatura sempre atual, apesar de 
ter sido escrita mais de cem anos atrás. Num mundo 
que se encontra cada dia mais individualista e vemos 
barbáries de filhos matarem pais e vice versa, não há 
dúvidas de que é um escrito profético de atualização 
constantemente natural, dentro da morbidez humana 
em suas crises sociais.
Quanto à arte de Peter Kuper nesta graphic novel, 
é grandiosa. Se na Mad ele conseguia o humor negro, 
aqui ele alcança o drama doentio psiquiátrico. O denso 
contraste do preto e branco torna o conto mais sombrio, 
mais dramático, misterioso e incrivelmente perturbador. 
16
A miscigenação de estilos é explícita. Alguns quadros remetem os desenhos ao cubismo, sem deixar de ser detalhista 
com trabalhosas hachuras. O texto em si já é surrealista (chamado mais comumente de “literatura fantástica”). O ex-
pressionismo se faz presente também com o clima noturno, uma vez que muitos quadrinhos são desenhos de branco 
sobre o fundo preto. Impressionante a ponto de levantar o sentimento de piedade no leitor para com Gregor Samsa.
Este é o tipo de obra que deveria ser usada como didática no ensino médio e no superior. Na qual se 
abre um leque de questionamentos e reflexões do ser humano para com seu próximo, para com as minorias e 
para com seu parentesco. Tanto o livro quanto esta adaptação pra quadrinhos é de rápido leitura. Contudo, a 
imensidão da abordagem é gigantesca por tocar o íntimo de cada um de nós (adoro essas frases ambíguas).
Conrad Editora do Brasil, São Paulo, Tradução de: Cris Siqueira, Letras de: Lilian Mitsunaga, 85 páginas, 2004. Fon-
te: <http://marioorestes.blogspot.com.br/2010/12/metamorfose.html>. Acesso em: 04 maio 2018.
17
 1. Do ponto de vista estrutural, assinale a al-
ternativa correta sobre como é dividida a 
obra “A metamorfose” de Franz Kafka.
a) Dividida em 23 capítulos curtos.
b) A obra possui 5 longos capítulos.
c) A metamorfose segue fluxo continuou até a 
morte do narrador, quando assim começa a 
segunda parte da obra.
d) Três são as partes da obra: transformação, 
cotidiano e abalo.
e) Duas grande partes: transformação e morte.
 2. ”Quando vamos para a cama em um local des-
conhecido, é comum termos um momento de 
pasmo ao acordar, uma repentina sensação de 
irrealidade, e essa experiência deve ocorrer 
muitas e muitas vezes na vida de um caixei-
ro-viajante, um modo de vida que torna im-
possível qualquer senso de continuidade.”
Paul L. Landsberg. In: The Kafka Problem. 
Ed. Angel Flores, 1946.
Assinale a alternativa que se aproxima da 
intenção do texto.
a) A obra constrói um universo mágico onde 
a transformação literal é comum nos meios 
urbanos.
b) A transformação do personagem Gregor 
Samsa é uma metáfora de seus constrangi-
mentos existenciais, relações humanas isola-
das e principalmente na questão profissional.
c) Um apelo aos que reivindicam melhores con-
dições na proteção dos animais, Gregor seria 
uma bandeira desta luta.
d) A ideia de que dormir fora de casa seria uma 
espécie de deslocamento da existência rumo 
ao desconhecido e ao pesadelo do chamado 
“ninho vazio”.
 3. Assinale a alternativa correta sobre Grete 
Samsa.
a) Era a irmã de Gregor que no ínterim da nar-
rativa também se transforma em um inseto.
b) No papel de mãe do protagonista, desmaia 
sempre que o vê.
c) Em visitas recorrente ao primo Gregor, Grete 
revela seu amor pueril.
d) Grete é irmã de Gregor e por mais que cui-
dasse de seu irmão, sua morte a alivia.
e) Grete representa o interesse financeiro e a 
preocupação única e exclusiva com o empre-
go do marido metamorfoseado.
 4. Em A metamorfose, podemos afirmar que 
Franz Kafka considera a existência:
a) ingênua.
b) fantasiosa.
c) absurda.
d) fantasmagórica.
e) antropomórfica.
 5. “Gregório desviou então a vista para a ja-
nela e deu com o céu nublado – ouviam-se 
os pingos de chuva a baterem na calha da 
janela e isso o fez sentir-se bastante melan-
cólico. Não seria melhor dormir um pouco e 
esquecer todo este delírio? – cogitou. Mas 
era impossível, estava habituado a dormir 
para o lado direito e, na presente situação, 
não podia virar-se.”
Assinale a alternativa que explica a situação 
descrita.
a) O reumatismo oriundo do clima frio e das 
intensas chuvas faziam o sujeito metamor-
foseado estático.
b) A melancolia é uma espécie de fator de es-
tagnação do sujeito, aspecto psicológico am-
plamente trabalhado por Kafka.
c) A presente situação de estagnação refere-se 
ao recém sujeito transformado em um inseto.
d) A situação aparentemente normal revela um 
sujeito imerso em experiência extraterrenas, 
o que marca o forte subjetivismo de Kafka.
Gabarito
1. D 2. B 3. D 4. C 5. C
aproFunde seus conhecimentos
Destino:
POESIA Seja marginalseja HERÓI
0 2 Destino: poesia
Ítalo Moriconi
L C
ENTRE 
ASPAS
21
Ítalo Moriconi
Foto: Renato Velasco
No Brasil contemporâneo, Ítalo Moriconi é um dos grandes estudiosos de literatura e poesia. Mesmo publi-
cando pouco, é um grande movimentador das artes em nosso país, como ele mesmo diz. Afirma que, provavelmen-
te, foi da última geração que teve uma boemia artística e política, misturada também com a vida acadêmica. Ele 
reúne poemas dos grandes nomes da poesia brasileira da segunda metade do século XX, como Ana Cristina Cesar, 
Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto em sua obra Destino: poesia, lançada pela José Olympio em 2016. Esse 
livro vem também com um prefácio que inicia os leitores nas obras e das características dos poemas destes artistas. 
Destino: poesia
Escrita nos anos 1970, no Brasil, a antologia reúne os cinco maiores nomes da poesia marginal. Italo Mori-
coni escolheu textos representativos da obra de cada um dos poetas para compor essa edição, dando a dimensão 
criativa e estética de uma época única e original em nossa literatura. Uma coletânea de poemas irreverentes, me-
lódicos e contestadores, que já entraram para a história da poesia brasileira.
Contexto
Nos tristes e repressivos anos 1970, a poesia rompeu o compromisso com a realidade, com o intelectualis-
mo e com o hermetismo modernista e partiu para ser marginal, diluidora, anticultural, pós-modernista.
Sem constituir um movimento unificado, poetas jovens se declararam marginais e surgiram de norte a sul 
no país, espalhando que a poesia perdera a pompa e a solenidade e decretando o fim da modernidade – e o início 
da pós-modernidade, nome empregado inicialmente para denominar uma literatura cuja marca traz a resistência à 
ditadura militar como emblema.
22
Observe e leia este poema elaborado por um 
desses poetas ditos marginais.
Eu assino, de Paulo Leminski
“Negros verdes anos 70”
O título acima é um verso do poeta Cacaso e 
se refere a uma década iniciada à sombra do terrível 
Ato Institucional nº 5 (AI-5, editado a 13 de dezem-
bro de 1968), anunciador de um tempo nebuloso, 
que abalaria a história política brasileira. Aqueles 
que viveram o grande sonho dos anos 1960 agora 
estavam exilados, silenciados, desencantados.
Poeta Cacaso
A poesia desenvolvida sob a mira da polícia e 
da política nos anos 1970 foi uma manifestação de 
denúncia e de protesto, uma exploração de literatu-
ra geradora de poemas espontâneos, aparentemente 
mal-acabados, irônicos, coloquiais, que falam do mun-
do imediato do próprio poeta, zombam da cultura, es-
carnecem da própria literatura.
A profusão de grupos e movimentos poéticos, 
jogando para o ar padrões estéticos, estabelecidos, 
mostra um poeta cujo perfilpode ser mais ou menos 
assim delineado: ele é jovem, seu campo é a banali-
dade cotidiana, aparentemente não tem nem gran-
des paixões nem grandes imagens e faz questão de 
ser marginal.
Primeira página do Jornal do Brasil, de 14 de dezembro de 1968, 
informando sobre a promulgação do AI-5 no dia anterior, que 
inaugurou um triste tempo de mordaças.
Corpo a corpo com a censura
A censura atingiu a grande imprensa, provocan-
do alguns protestos em jornais e revistas de grande 
circulação, que passaram a utilizar estratagemas para 
denunciar as “tesouradas”. A revista Veja, por exem-
plo, preenchia os espaços censurados das edições com 
logotipos da Editora Abril; o jornal O Estado de S.Paulo, 
com trechos de Os lusíadas.
23
A censura foi também implacável com a cha-
mada “imprensa alternativa”, objeto de permanente 
perseguição. Jornais como O Pasquim e Opinião trata-
vam verdadeiramente corpo a corpo com os censores 
e tiveram várias de suas edições retiradas das bancas; 
seus editores, jornalistas e colaboradores foram vítimas 
constantes de prisões.
O tabloide O Pasquim abrigou um jornalismo irreverente, que se tornou 
símbolo da resistência à ditadura.
Características da poesia marginal
Cumpre ressaltar, de início, que o adjetivo “mar-
ginal” refere-se exclusivamente à opção dos poetas de 
não se integrarem ao sistema estabelecido. É, portanto, 
uma exclusão voluntária.
Explorando todas as possibilidades do papel – 
folhetos, jornais, zines etc. –, foi às praças, aliou-se à 
música, organizou exposições.
Poesia mutante
A poesia que floresceu nos anos 1970 é inquie-
ta, anárquica: não se filia a nenhuma estética literária 
em particular, embora se possam encontrar nela traços 
de algumas vanguardas que a precederam, tais como 
o Concretismo dos anos 1950 a 1960 ou o poema-
-processo.
Os poetas jovens foram, principalmente, contra. 
Contra as portas fechadas da ditadura, contra o discur-
so organizado, contra o discurso culto, contra a poesia 
tradicional e/ou universal.
A poesia saiu da página impressa do livro e ga-
nhou as ruas. Ela podia ser lida nos muros, nos banhei-
ros públicos, nas margens de outros textos em forma 
de uma carona literária. Ela estava em folhetos mime-
ografados, distribuídos de mão em mão, nos bares, nas 
praias, nas feiras, em qualquer parte.
Recuperaram-se alguns laços com a produção 
do primeiro Modernismo (1922) – poemas-minuto, 
poema-piada; experimentaram-se técnicas, como a 
colagem e a desmontagem dadaísta; praticaram-se 
formas consagradas, como o soneto ou o haicai (poe-
ma de origem japonesa em três versos, com 17 sílabas 
ao todo): tudo foi possível dentro do território livre da 
poesia marginal, até mesmo escrevê-los em outro idio-
ma, como bem atestam os poemas de Paulo Leminski 
à moda de um grafite:
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras 
noches
poemas
Proximidade com as artes visuais
A proximidade com as artes visuais e plásti-
cas provoca um diálogo entre os poetas concretos e 
os poetas marginais. Técnicas próprias de outras artes 
passam a ser usadas para compor o poema – colagens, 
desenhos, grafismos, fotografias – provocando uma 
linguagem visual fragmentária, de que é exemplo este 
poema, de Nei Leandro de Castro:
[1822. Poema/processo de Nei Leandro de Castro]. A colagem feita em 
cima da data da independência do Brasil aproxima o poema de uma 
composição-código ou poema-processo. Quer mostrar a profunda de-
pendência do País, invadido pelo capital estrangeiro [Ford, Telefunken, 
Nestlé etc.].
24
Uma poesia de domínio público
A opção por ser marginal, isto é, por estar fora 
dos circuitos comerciais do livro, circular de mão em 
mão, estar pichada nos muros, impressa em folhetos 
jogados do alto de edifícios, faz dessa poesia um tra-
balho coloquial e lúdico, que se volta para a realidade 
mais imediata.
A descontração é a sua marca registrada. Com 
ela, há certa alegria, uma forma de enfrentar a dureza 
dos dias em que “falar de flores é quase um crime”, 
como diz Bertold Brecht.
Anos 1970: a poesia marginal
Os poetas marginais não se preocupavam com 
formalismos, sendo diretos em seus versos, repletos de 
coloquialismos, despojo e ideologia. Indicavam locali-
zações políticas e comportamentais.
Temas
Repressão militar
Censura
Tortura
Exílio
25
Liberdade sexual / Feminismo
Ficou conhecida como poesia marginal a pro-
duzida no começo dos anos 1970, durante a ditadura 
militar brasileira. O nome que define esta geração de 
poetas se aplica a autores que se colocavam à mar-
gem do sistema editorial ou tinham dificuldade para 
publicar suas obras em editoras de grande porte. Por 
esse mesmo motivo, também ficaram conhecidos pela 
expressão geração do mimeógrafo, uma vez que se va-
liam de tal máquina para levar ao público consumidor, 
de forma ágil e barata, livros de pequena tiragem, fi-
nanciados e distribuídos por conta própria.
Influências
 § Primeira fase modernista (Oswald de An-
drade) – do Modernismo vanguardista de 1922, 
a poesia marginal herda o gosto pelo prosaico, 
o caráter anti-intelectual, a paródia, o humor, 
a irreverência/poema-piada, a oralidade da 
linguagem, a concisão/poema-pílula. Como a 
poesia marginal se desenvolveu nos anos de 
chumbo, rir foi a saída para contestar o regime 
de opressão.
 § Geração beat estadunidense (Allen Gins-
berg, William S. Burroughs, Jack Kerouac) – a 
beat generation foi um movimento literário 
originado em meados dos anos 1950 por um 
grupo de jovens intelectuais cansados do mo-
delo quadradinho de ordem estabelecido nos 
EUA, após a Segunda Guerra Mundial. Com o 
objetivo de se expressarem livremente e conta-
rem sua visão do mundo e suas histórias, esses 
escritores começaram a produzir desenfreada-
mente, muitas vezes movidos a drogas, álcool, 
sexo livre e jazz – o gênero musical que mais 
inspirou os beats. As principais características 
do movimento são: intensidade em tudo, escrita 
compulsiva, fluxo de pensamento desordenado, 
por vezes caótico, linguagem informal, cheia de 
gírias e palavrões, apoio à igualdade étnica, ao 
multiculturalismo.
Autores
Ana Cristina César
Ana Cristina Cesar ou Ana C., como era conhe-
cida, nasceu em 1952, no Rio de Janeiro. Após 1968, 
26
passou um ano em Londres, fez algumas viagens pelos 
arredores e, na volta ao Brasil, com livros de Emily Di-
ckinson e Katherine Mansfield nas malas, dedicou-se 
a escrever e a traduzir, entrando para a Faculdade de 
Letras da PUC-RJ, aos 19 anos. Deu aulas, traduziu, 
fez letras, escreveu para revistas e jornais alternativos, 
fez mestrado em comunicação, lançou seus primeiros 
livros em edições independentes. Depois voltou à In-
glaterra, graduou-se em tradução literária, escreveu 
muitas cartas. Trabalhou em jornalismo e televisão. 
Suicidou-se no dia 29 de outubro de 1983.
A teus pés
Trilha sonora ao fundo: piano no bordel, vozes barga-
nhando uma informação difícil. Agora silêncio; silêncio 
eletrônico, produzido no sintetizador que antes cons-
truiu a ameaça das asas batendo freneticamente.
Apuro técnico.
Os canais que só existem no mapa.
O aspecto moral da experiência.
Primeiro ato da imaginação.
Suborno no bordel.
Eu tenho uma ideia.
Eu não tenho a menor ideia.
Uma frase em cada linha. Um golpe de exercício.
Memórias de Copacabana. Santa Clara às 3 da tarde.
 Autobiografia. Não, biografia.
Mulher.
Papai Noel e os marcianos.
Billy the Kid versus Drácula.
Drácula versus Billy the Kid.
Muito sentimental.
Agora pouco sentimental.
Pensa no seu amor de hoje que sempre dura menos 
que o seu amor de ontem.
Gertrude: estas são ideias bem comuns.
Apresenta a jazz-band.
Não, toca blues com ela.
Esta é a minha vida.
Atravessa a ponte.
É sempre um pouco tarde.
Não presta atenção em mim.
Olha aqueles três barcos colados imóveis no meio do 
grande rio.
Estamos em cima da hora.
Daydream.
Quem caça mais o olho um do outro?
Sou eu que admito vitória.
Ela que moraconosco então nem se fala.
Caça, caça.
E faz passos pesados subindo a escada correndo.
Outra cena da minha vida.
Um amigo velho vive em táxis.
Dentro de um táxi é que ele me diz que quer chorar 
mas não chora.
Não esqueço mais.
E a última, eu já te contei?
É assim.
Estamos parados.
Você lê sem parar, eu ouço uma canção.
Agora estamos em movimento.
Atravessando a grande ponte olhando o grande rio e 
os três barcos colados imóveis no meio.
Você anda um pouco na frente.
Penso que sou mais nova do que sou.
Bem nova.
Estamos deitados.
Você acorda correndo.
Sonhei outra vez com a mesma coisa.
Estamos pensando.
Na mesma ordem de coisas.
Não, não na mesma ordem de coisas.
É domingo de manhã (não é dia útil às três da tarde).
Quando a memória está útil.
Usa.
Agora é a sua vez.
Do you believe in love...?
Então está.
Não insisto mais.
Inverno europeu
Daqui é mais difícil: país estrangeiro, onde o creme de 
leite é desconjunturado e a subjetividade se parece 
com um roubo inicial. Recomendo cautela. Não sou 
personagem do seu livro e nem que você queira não 
me recorta no horizonte teórico da década passada. Os 
militantes sensuais passam a bola: depressão legítima 
ou charme diante das mulheres inquietas que só elas? 
Manifesto: segura a bola; eu de conviva não digo nada 
e indiscretíssima descalço as luvas (no máximo), à di-
reita de quem entra.
27
Noite carioca
Diálogo de surdos, não: amistoso no frio. Atravanco 
na contra-mão. Suspiros no contrafluxo. Te apresento 
a mulher mais discreta do mundo: essa que não tem 
nenhum segredo.
Conversa de senhoras
Não preciso nem casar
Tiro dele tudo que preciso
Não saio mais daqui
Duvido muito
Esse assunto de mulher já terminou
O gato comeu e regalou-se
Ele dança que nem um realejo
Escritor não existe mais
Mas também não precisa virar deus
Tem alguém na casa
Você acha que ele aguenta?
Sr. ternura está batendo
Eu não estava nem aí
Conchavando: eu faço a tréplica
Armadilha: louca pra saber
Ela é esquisita
Também você mente demais
Ele está me patrulhando
Para quem você vendeu seu tempo?
Não sei dizer: fiquei com o gauche
Não tem a menor lógica
Mas e o trampo?
Ele está bonzinho
Acho que é mentira
Não começa
Olho muito tempo o corpo de um poema
olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
Jornal íntimo
à Clara
30 de junho
Acho uma citação que me preocupa: “Não basta pro-
duzir contradições, é preciso explicá-las”. De leve re-
cito o poema até sabê-lo de cor. Célia aparece e me 
encara com um muxoxo inexplicável.
29 de junho
Voltei a fazer anos. Leio para os convidados trechos 
do antigo diário. Trocam olhares. Que bela alegriazinha 
adolescente, exclama o diplomata. Me deitei no chão 
sem calças. Ouvi a palavra dissipação nos gordos den-
tes de Célia.
27 de junho
Célia sonhou que eu a espancava até quebrar seus 
dentes. Passei a tarde toda obnublada. Datilografei até 
sentir câimbras. Seriam culpas suaves. Binder diz que o 
diário é um artifício, que não sou sincera porque desejo 
secretamente que o leiam. Tomo banho de lua.
27 de junho
Nossa primeira relação sexual. Estávamos sóbrios. O 
obscurecimento me perseguiu outra vez. Não consegui 
fazer as reclamações devidas. Me sinto em Marienbad 
junto dele. Perdi meu pente. Recitei a propósito fanta-
sias capilares, descabelos, pelos subindo pelo pescoço. 
Quando Binder perguntou do banheiro o que eu dizia 
respondi “Nada” funebremente.
26 de junho
Célia também deu de criticar meu estilo nas reuniões. 
Ambíguo e sobrecarregado. Os excessos seriam gra-
tuitos. Binder prefere a hipótese da sedução. Os dois 
discutem como gatos enquanto rumbas me sacolejam.
25 de junho
Quando acabei O jardim de caminhos que se bifurcam 
uma urticária me atacou o corpo. Comemos pato no 
almoço. Binder me afaga sempre no lugar errado.
27 de junho
O prurido só passou com a datilografia. Copiei trinta 
páginas de Escola de mulheres no original sem errar. 
Célia irrompeu pela sala batendo com a língua nos 
dentes. Célia é uma obsessiva.
28 de junho
Cantei e dancei na chuva. Tivemos uma briga. Binder 
se recusava a alimentar os corvos. Voltou a mexericar 
o diário. Escreveu algumas palavras. Recurso mofado e 
bolorento! Me chama de vadia para baixo. Me levanto 
com dignidade, subo na pia, faço um escândalo, entu-
po o ralo com fatias de goiabada.
28
30 de junho
Célia desceu as escadas de quatro. Insisti no despropó-
sito do ato. Comemos outra vez aquela ave no almoço. 
Fungo e suspiro antes de deitar. Voltei ao
Houve um poema
que guiava a própria ambulância
e dizia: não lembro
de nenhum céu que me console,
nenhum,
e saía,
sirenes baixas,
recolhendo os restos das conversas,
das senhoras,
“para que nada se perca
ou se esqueça”,
proverbial,
mesmo se ferido,
houve um poema
ambulante,
cruz vermelha
sonâmbula
que escapou-se
e foi-se
inesquecível,
irremediável,
ralo abaixo.
Cacaso
O poeta, compositor e ensaísta Antonio Car-
los de Brito (1944-1988) assinou seus poemas e suas 
músicas com o pseudônimo Cacaso. Professor da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, fez sua estreia li-
terária em 1967, com o volume de poemas A palavra 
cerzida, em que ainda se notam influências de Carlos 
Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, 
Cecília Meireles, entre outros poetas da modernidade.
Com Grupo escolar, publicado em 1970, mu-
dam-se os eixos de sua poesia, agora mais marcada 
pela presença de Manuel Bandeira e, principalmente, 
Oswald de Andrade.
Cacaso caminhou para uma grande indepen-
dência literária como Beijo na boca e Segunda classe 
(este em coautoria com Luís Olavo Fontes), ambos de 
1975, integrantes da coleção Vida de Artista. 
Agudo crítico literário, foi dos primeiros ensa-
ístas a analisar a poesia marginal em Tudo da minha 
terra – Bate-papo sobre poesia marginal, de 1975, en-
saio com que participou de um debate promovido pelo 
Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro.
Postal
Há uma gota de sangue no cartão postal
eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata
sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando
[na beira de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido de medo e de amor
Antonio Carlos de Brito (Cacaso). Beijo na boca. 
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000, p. 12.
O fazendeiro do mar
Mar de mineiro é garoa
Mar de mineiro é baião
Mar de mineiro é lagoa
Mar de mineiro é balão
Mar de mineiro é não
Mar de mineiro é viagem
Mar de mineiro é arte
Mar de mineiro é margem
Mar de mineiro é parte
Mar de mineiro é Marte
Mineiro tem mar de menos
Mineiro tem mar demais
Mineiro tem mar de Vênus
29
Mineiro tem cais
Mineiro tem mar de paz
Mar de mineiro é tudo
Mar de mineiro é fase
Mar de mineiro é mudo
Mar de mineiro é quase
Mar de mineiro é frase
Mineiro tem mar de cio
Mineiro tem mar de fonte
Mineiro tem mar de rio
Mineiro tem mar de monte
Mar de mineiro é horizonte
Mar de mineiro é Gerais
Mar de mineiro é Campinas
Mar de mineiro é Goiás
Mar de mineiro é Colinas
Mar de mineiro é Minas
Paulo Leminski
O curitibano Paulo Leminski (1944-1989) foi 
professor de história e redação em cursos pré-vestibu-
lares, diretor de criação e redator de publicidade. Seus 
primeiros textos foram publicados em revistas alterna-
tivas, antologias do tempo marginal: Qorpo estranho, 
Muda, Código.
Segundo ele mesmo, foram “publicações 
que consagraram grande parte da produção dos 
anos 1970, pequenas revistas, atípicas, prototípi-
cas, não típicas, coletivas, antológicas, represen-
tando um grupo ou tendências (formalistas, pornô, 
marginais) no qual predominou a faixa etária dos 
20 aos 30 anos”.
Leminski incluiu-se entre os poetas que pratica-
ram a autoedição (samizdat): “todo mundo juntando 
grana para comprar a droga da poesia”, declarou.
Precocemente falecido, viveu em Curitiba com 
a poetisaAlice Ruiz, que vem organizando toda a obra 
dele. Entre outros livros de poesia, todos editados nos 
anos 1980, há: Caprichos e relaxos. La vie em close. Não 
fosse isso e era menos/ Não fosse tanto e era quase.
Das coisas
das coisas
que eu fiz a metro
todos saberão
quantos quilômetros
são
aquelas em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos
não?
o inseto no papel
de som a som
de som a som
ensino o silêncio
a ser sibilino
de sino a sino
o silêncio ao som
ensino
Aviso aos náufragos
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
30
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?
Torquato Neto
A maioria dos estudiosos da produção margi-
nal dos anos 1970 aponta para o nome de Torquato 
Pereira de Araújo Neto (1944-1972) como um dos 
que melhor representam as múltiplas tendências da-
quele tempo: verdadeiro pai fundador do que seria 
essa vanguarda.
Torquato Neto foi poeta e letrista de música po-
pular, além de jornalista. Dono de um tom polêmico e 
iconoclasta, seu livro Últimos dias de paupéria é uma 
publicação póstuma, organizada por Waly Salomão.
Cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos segredos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim..
Waly Salomão
Waly Salomão (1944-2003) é baiano de Je-
quié e esteve ligado aos tropicalistas Caetano Veloso, 
Torquato Neto, Gilberto Gil e Gal Costa, mas não se 
considerava do grupo. Além de poeta, Waly Salomão 
também era letrista e produtor cultural. Como letrista, 
colaborou com muitos artistas, como Caetano Veloso 
(Talismã) e Lulu Santos (Assaltaram a Gramática) su-
cesso com os Paralamas do Sucesso.
Olho de lince
quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
31
é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão
Análise
Ser marginal, como muito bem definiu Leminski, 
“é quem escreve à margem, deixando branca a página 
para que a paisagem passe e deixe tudo claro à sua 
passagem”. É exatamente essa poesia marginal que 
Destino: Poesia faz um retrato. Na obra, encontramos 
textos de cinco autores prestigiados do período: Ana 
Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto 
e Waly Salomão. Essa multiplicidade dá uma ideia bem 
clara da perspectiva de poesia que eles defendiam e 
que tanto encantavam – e encantam – os seus leitores.
Para compreender bem a poesia dos já men-
cionados autores, é preciso conhecer um pouco mais 
das características do movimento marginal. Para tal, a 
obra conta com um excelente prefácio que faz todas 
as considerações necessárias, falando sobre os autores, 
os principais aspectos da poética e também sobre o 
relacionamento que este movimento literário tem com 
a música brasileira.
Diferente das outras escolas literárias – roman-
tismo, realismo, simbolistas e outras – que tiveram 
uma relação interessante com cânones literários ante-
riores, a poesia marginal se relaciona muito mais com 
a música. Nesse estilo, a poesia tem uma musicalidade 
toda especial, sendo muitas delas realmente gravadas 
por cantores famosos. Isso faz com que os textos sejam 
muito mais próximos do leitor médio do que uma poe-
sia parnasiana, por exemplo.
Outro fator que é possível perceber na obra e 
também na escola literária é a quebra dos valores lite-
rários já canonizados. Desta forma, você não encontrará 
nas poesias a métrica perfeita, obrigação de rimas ricas 
e palavras pouco conhecidas. A poesia, mesmo quan-
do intimista, é muito mais direta, muito mais dinâmica, 
tudo sem perder o encanto. Muitas vezes, a linguagem 
toca o coloquial, com gírias, com a cara do Brasil.
Além disso, a ousadia faz parte da escrita dos po-
etas. Em muitos momentos, a poesia ganha aspectos de 
imagem; em outros, aproxima-se da prosa. Em outros, 
o texto é todo composto em apenas três versos. Porém, 
também pode ser bem extensa, atingindo mais de uma 
página. A brincadeira com as palavras também é mar-
cante; então se pode esperar muitos trocadilhos, metá-
foras e demais figuras de linguagem. Todos os textos são 
muito ricos, mesmo quando transparecem simplicidade.
Além dos excelentes textos, o livro ainda conta 
com uma ótima parte física. A capa é belíssima e en-
canta o leitor. A brincadeira com as letras, já na capa, 
indica o que esperar da poesia contida no livro. A re-
visão do texto está impecável e a seleção das poesias 
foi excelente, compondo uma obra bem interessante.
Em suma, Destino: poesia é uma obra perfeita 
para apresentar a poesia marginal. Não é um livro que 
se aprofunda na escrita de nenhum dos autores, mas 
que deixa um gostinho de quero mais. Para quem está 
começando a ler a poesia mais moderna, esse livro é 
uma excelente porta de entrada. Para quem já conhece 
o estilo, é uma leitura boa e revigorante.
Vejamos alguns trechos:
Vacilo da vocação (Ana Cristina Cesar, p. 30)
Precisaria trabalhar – afundar –
– como você – saudades loucas –
nesta arte – ininterrupta –
de pintar –
A poesia não – telegráfica – ocasional –
me deixa sola – solta –
à mercê do impossível –
– do real.
Lar doce lar (Cacaso, p. 60)
Minha pátria é minha infância:
Por isso vivo no exílio
Reflexo condicionado (Cacaso, p. 70)
pense rápido:
Produto Interno Bruto
ou
brutal produto interno?
Jogos florais (Cacaso, p. 71)
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre
a água já não vira vinho
vira direto vinagre
32
poema sem título (Poema Leminski, p. 87)
morreu o periquito
a gaiola vazia
esconde um grito
Literato Cantabile (Torquato Neto, p. 100)
a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. Não é permitido
mudar de ideia. É proibido.
Confeitaria Marseillaise - doces e rocamboles 
(Waly Salomão, p. 116)
O aéreo esmaga folhas de eucalipto de encontro ao 
nariz enquanto de noite sonhei com um batalhão poli-
cial me exigindo identificação/ revistaram a maloca do 
fundo do meu bolso/ mostrei babilaques/ me entreguei 
descontento pero calmamente/ nada foi encontrado 
que incriminasse o detido no boletim de averiguações 
depois de batido telex para todas as delegacias.
Vadiagem.
Na mídia
Para quem gosta de acompanhar o olhar da 
mídia para as obras estudadas, segue uma crítica que 
saiu na seção Ilustrada da Folha de S.Paulo, em 2010, 
que acha que a antologia é “artificial” em relação à 
poesia marginal da década de 1970.
Artificialismo marca antologia de poesia
Noemi Jaffe
colaboração para a Folha 
No ar, antes de mergulhar, é o tempo comum 
em que respira a poesia de Ana Cristina César, de 
Cacaso, de Paulo Leminski, de Torquato Neto e de 
Waly Salomão, agora reunidos na antologia Destino: 
poesia, selecionada e prefaciada por Italo Moriconi. 
Fora com o passado, refúgio sagrado da poesia de 
todosos tempos, e mesmo com o futuro, outro gan-
cho escapista.
O não lugar dessa poesia é o agora – e nem 
mesmo o agora do presente, mas algum outro ainda 
mais inagarrável: o agora-já, a véspera do salto do tra-
pezista, quando o risco e o prazer estão tão juntos que 
é impossível identificá-los.
O manifesto de Ana Cristina resume-se a um se-
gura a bola. O coração de Cacaso segue cego e feliz 
como uma carta extraviada, na alegria insegura da de-
sorientação. Em vez dos percalços, terreno difícil, mas de 
certa forma confortável, Leminski prefere os espasmos. 
Na mesma tocada, Torquato Neto pede a quem 
perdeu a guerra, que agradeça aos vitoriosos. Perder, 
para quem habita esse tempo nodal, é certamente me-
lhor do que ganhar, pois o tempo da vitória é calcado 
no futuro, em planejamentos e em progressões lineares. 
E Waly Salomão não dá sopa, orgulha-se de ser 
preso por vadiagem, ama a algazarra – essa amante da 
balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro e 
odeia a saudade, uma palavra a ser banida do uso cor-
rente. Realmente, há um repertório comum na poesia 
entregue destes cinco poetas.
Embora os cinco tenham mesmo vivido poeti-
camente, no sentido de dedicarem-se de forma vital à 
poesia e também porque viveram do lado de fora do 
esquema utilitarista e mercantil da vida “normal“, e 
embora todos eles tenham morrido precocemente, há 
algum artificialismo nesta reunião. 
A utopia de suas vidas e de sua poesia e seu 
destino poético não são suficientes para agregar lingua-
gens tão diferenciadas. Como comparar Ana Cristina, 
tão possuída pelo que vive e escreve, e Waly Salomão, 
tão lúcido do teatro de ser o outro de si? E o poema 
breve de Leminski, precioso e nipônico, ao poema breve 
de Cacaso, brincadeira à la Oswald de Andrade? 
Da mesma forma, os poemas selecionados, 
além de chamarem atenção para o que é a poesia 
destes cinco poetas, acabam também por gritar pelo 
que ficou de fora. A palavra antologia, na verdade, tem 
uma derivação do ramo da botânica e referia-se, origi-
nalmente, ao gesto de colher flores. E até hoje, quando 
já não se refere mais às flores, fica a pergunta: como 
não escolher só as mais bonitas ou aquelas que servem 
ao arranjo desejado? Destino: poesia caminha nesse 
fio de navalha.
Fonte: <www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/
fq1302201010.htm>. Acesso em: 26 mar. 2018.
33
Leia o texto a seguir para responder às ques-
tões 1 a 3.
POSTAL
Há uma gota de sangue no cartão postal
eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata
sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando
[na beira de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido de medo e de amor
Antonio Carlos de Brito (Cacaso). Beijo na boca. 
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000, p. 12.
 1. Este poema de Cacaso (1944-1987) dialoga 
com várias vozes que falaram sobre a paisa-
gem e o homem brasileiros. Justifique a re-
ferência ao “cartão postal” do título, através 
de expressões usadas na primeira estrofe.
 2. O poema se constrói sobre uma imagem su-
posta de brasileiro. Qual é essa imagem?
 3. Quais as expressões poéticas que desmentem 
a felicidade obrigatória do eu do poema?
 4. Acerca da poesia marginal dos anos 1970, é 
incorreto afirmar que:
a) ela se desenvolveu em pleno regime militar, 
porém não ousou contestar quaisquer valo-
res impostos pela ditadura.
b) nasceu do interesse de jovens escritores pela 
poesia justamente após o AI-5 que, dentre 
outros procedimentos, impôs uma censura se-
vera aos textos escritos, falados ou cantados.
c) Ana Cristina César, Chacal, Antônio Carlos 
Brito, Paulo Leminski são alguns de seus re-
presentantes.
d) foi considerada “marginal“, dentre outros 
motivos, pela forma como os textos eram 
distribuídos, ou seja, à margem da política 
editorial vigente.
e) alguns textos eram mimeografados, outros 
xerocopiados ou impressos em antigas tipo-
grafias suburbanas.
 5. LOGIA E MITOLOGIA
Meu coração
de mil e novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
que há cabras malignas que há
cardumes de hienas infiltradas
no vão da unha na alma
um porco belicoso de radar
e que sangra e ri
e que sangra e ri
a vida anoitece provisória
centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chuí.
Cacaso. Lero-lero. Rio de Janeiro: 7 Letras; 
São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
O título do poema explora a expressivida-
de de termos que representam o conflito 
do momento histórico vivido pelo poeta na 
década de 1970. Nesse contexto, é correto 
afirmar que:
a) o poeta utiliza uma série de metáforas zoo-
lógicas com significado impreciso.
b) “morcegos”, “cabras” e “hienas” metafori-
zam as vítimas do regime militar vigente.
c) o “porco”, animal difícil de domesticar, re-
presenta os movimentos de resistência.
d) o poeta caracteriza o momento de opressão 
através de alegorias de forte poder de impacto.
e) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os 
agentes que garantem a paz social experi-
mentada.
 6. Sobre a poesia marginal, é incorreto afirmar:
a) Poesia marginal foi uma designação dada à 
poesia produzida pela chamada “geração mi-
meógrafo”, incluindo poetas desconhecidos 
cuja produção literária estava fora do eixo 
Rio-São Paulo.
b) A poesia marginal ficou conhecida por esse 
nome porque seus poetas abandonaram os 
meios tradicionais de circulação das obras, 
comercializando seus livros (que eram mi-
meografados) a baixo custo e vendendo-os 
de mão e mão, dispensando assim o trabalho 
das grandes editoras.
c) Entre suas principais temáticas estava a 
preocupação com a forma e com a pesqui-
sa poética. Nota-se um cuidado extremo em 
atender aos princípios da norma-padrão da 
língua, produzindo assim uma literatura ca-
nonicamente aceita pela Academia.
d) A tradição marginal estendeu-se pelos anos 
de 1980, quando outros recursos foram 
adotados, tais como a fotocópia e a produ-
ção de fanzines.
e) Nos Estados Unidos, o termo “poesia margi-
nal” é usado para designar a poesia produ-
zida pelos poetas chamados de beats, como 
Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
 7. AS APARÊNCIAS REVELAM
Afirma uma Firma que o Brasil 
confirma: “Vamos substituir o 
aprofunDe seus conheciMentos
34
Café pelo Aço”.
Vai ser duríssimo descondicionar 
o paladar
Não há na violência 
que a linguagem imita 
algo da violência 
propriamente dita?
Cacaso. As aparências revelam. In: WEINTRAUB, 
Fabio (Org.). Poesia marginal. São Paulo: Ática, 
2004, p. 61. Para gostar de ler 39.
Com base na leitura do poema, assinale a(s) 
proposição(ões) correta(s) acerca da poesia 
marginal.
I. Entre as temáticas das quais se ocupou 
a poesia marginal da década de 1970, 
havia espaço para painéis sociais, para 
a memória afetiva e a pesquisa poética 
e para o registro literário da intimidade. 
Sem grandes exageros, a única regra era 
atender aos princípios da norma padrão 
da língua.
II. Os versos “Vai ser duríssimo descondi-
cionar/ o paladar” podem ser entendi-
dos metaforicamente como uma referên-
cia a sacrifícios impostos à população, 
obrigada a acomodar-se a uma nova or-
dem econômica.
III. Nos poemas reunidos em Poesia margi-
nal, os autores enfocam a denúncia e a 
crítica social de uma maneira sisuda, sem 
apelar para o humor, pois visam conferir 
credibilidade ao que é dito.
IV. A frase “Vamos substituir o Café pelo 
Aço” pode ser interpretada como uma 
referência à abertura do país para a 
exportação de minérios, defendida por 
empresários e pelo governo à época da 
ditadura militar.
V. No primeiro e segundo versos, no jogo de 
palavras “Afirma”, “Firma” e “confirma”, 
repete-se o segmento firma; isso pode ser 
interpretado como uma referência à in-
fluência das grandes empresas nas políti-
cas estatais.
VI. Na estrofe final, observa-se como Cacaso 
procura desvincular a linguagem das prá-
ticas sociais, ao propor que não há vio-
lência nas palavras em si, mas apenas na 
realidadea que elas se referem.
a) II, IV e V.
b) I, III e V.
c) II, V e VI.
d) I, II e IV.
e) Apenas VI.
 8. “Os anos de 70 exigiriam um discurso à par-
te sobre a poesia mais nova que vem sendo 
escrita. De um modo geral as chamadas van-
guardas mais pragmáticas de 1950-60 vivem 
a sua estação outonal de recolha das antigas 
riquezas [...] Outras parecem ser as tendên-
cias que ora prevalecem e sensibilizam os 
poetas. Limito-me a mencionar três delas:
 § Ressurge o discurso poético e, com ele, o 
verso, livre ou metrificado;
 § Dá-se nova e grande margem à fala au-
tobiográfica, com toda a sua ênfase na 
livre, se não anárquica, expressão do de-
sejo e da memória;
 § Repropõe-se com ardor o caráter público 
e político da fala poética [...]
Dois poetas que, desaparecidos em plena ju-
ventude, se converteram em emblemas dessa 
geração: Ana Cristina Cesar e Cacaso, pseudô-
nimo de Antônio Carlos Brito. Em ambos, o 
lirismo do cotidiano e a garra crítica, a con-
fissão e a metalinguagem se cruzavam em zo-
nas de convívio em que a dissonância vinha 
a ser um efeito inerente ao gesto da escrita”.
(Alfredo Bosi)
Analise as proposições e marque a alterna-
tiva correta: 
I. A poesia de Ana Cristina Cesar traduz o 
pensamento de renovação da escrita li-
terária, em seu tempo, porque se propõe 
a condensar várias características desta 
nova vertente de pensamento, pois a au-
tobiografia, o cotidiano, o verso prosaico 
e outros expedientes poéticos são incor-
porados à linguagem de suas obras, espe-
cificamente de A teus pés. 
II. A poesia de Ana Cristina Cesar traduz o 
pensamento de renovação da escrita lite-
rária, em seu tempo, porque se propõe a 
condensar características desta nova ver-
tente de pensamento, pois a autobiogra-
fia, o cotidiano, o verso prosaico e outros 
expedientes poéticos não são incorpora-
dos à linguagem de suas obras, especifi-
camente de A teus pés. 
III. A poesia de Ana Cristina Cesar traduz o 
pensamento de renovação da escrita lite-
rária, em seu tempo, porque se propõe a 
condensar características desta nova ver-
tente de pensamento, pois a autobiogra-
fia, o cotidiano, o verso prosaico e outros 
expedientes poéticos são incorporados à 
linguagem de suas obras como acidente 
político, ou seja, o momento em que vive 
exige da poeta uma certa resistência no 
âmbito da linguagem; logo, a sua poesia 
só é assim caracterizada porque locali-
zada, porque restrita a apenas atitudes 
políticas momentâneas, especificamente 
em A teus pés. 
a) Todas as proposições estão corretas.
b) Somente a proposição II está correta.
c) Somente a proposição III está correta.
d) Somente a proposição I está correta.
e) Nenhuma proposição está correta.
35
 9. SAMBA-CANÇÃO
Tantos poemas que perdi. Tantos que ouvi, 
de graça, pelo telefone – taí, eu fiz tudo pra 
você gostar, fui mulher vulgar, meia-bruxa, 
meia-fera, risinho modernista arranhado 
na garganta, malandra, bicha, bem via-
da, vândala, talvez maquiavélica, e um dia 
emburrei-me, vali-me de mesuras (era uma 
estratégia), fiz comércio, avara, embora um 
pouco burra, porque inteligente me punha 
logo rubra, ou ao contrário, cara pálida que 
desconhece o próprio cor-de-rosa, e tantas 
fiz, talvez querendo a glória, a outra cena à 
luz de spots, talvez apenas teu carinho, mas 
tantas, tantas fiz...
Se a poesia de Ana Cristina Cesar está inserida 
na chamada literatura marginal, talvez por-
que a linguagem de que se apropria para fa-
lar da natureza do sujeito humano tenha sido 
não convencional, no poema SAMBA-CANÇÃO, 
de A teus pés, a imagem do ser marginal pode 
ser vista como duplamente inscrita:
a) porque a imagem a que o poema faz refe-
rência é de uma mulher “vulgar/meia-bruxa, 
meia-fera/risinho modernista/ arranhado 
na garganta/malandra, bicha/bem viada, 
vândala” e a forma do texto se distancia ti-
pologicamente da linguagem poética aproxi-
mando-se mais da prosa coloquial.
b) porque o texto remete o leitor a um diálogo 
com uma escrita não-autorizada, à escrita 
“chula” ou do palavrão, e esta linguagem é 
típica de pessoas de índole má, como a que 
é aludida no poema: uma bruxa.
c) porque os termos vulgar, bicha, viada situ-
am na sociedade certos sujeitos marginais e 
a fala enunciada pela “personagem” do texto 
denuncia a sua condição quando ela mesma 
marginaliza a sua condição de mulher em 
um texto cujo título remete o leitor a inter-
pretá-la a partir de um espaço físico também 
marginalizado: aquele onde “nasceu” o sam-
ba canção. 
d) porque a “personagem” do poema, através de 
uma linguagem não-autorizada, a linguagem 
poética, ri da sua condição de “inferior”: por 
ser mulher e por ser vulgar, concentrando 
em si aspectos negativos. 
e) porque a “personagem” do poema, em uma 
linguagem moderna e típica de jovens ades-
trados socialmente, canta o seu caso de amor 
não completado, instrumentalizando-se de 
estratégias discursivas capazes de enganar 
o outro e chamar a atenção para si e para o 
poema - duas instâncias marginais
Gabarito
 1. O cartão postal fornece, normalmente, uma 
visão positiva da realidade retratada, muitas 
vezes, reforça visões tradicionais e estereó-
tipos dessa realidade. Cacaso, por um com-
plexo jogo de intertextualidades, retoma, na 
primeira estrofe, imagens consagradas sobre 
tudo pela música e pela literatura (“luar do 
sertão“, “a verde mata“, “olhos verdes da 
mulata“).
 2. Trata-se da imagem do homem cheio de ma-
nhas, “malandro“ (“finjo que vou mas não 
vou“), sonhador e avesso ao trabalho (“fico 
cismando na beira de um rio“) e que, no ge-
ral, acredita-se feliz. 
 3. Expressões como “lívido“ (pálido) e “medo“ 
opõem-se à imagem de um "eu" feliz, pois 
sugerem ao leitor momentos de dor e angús-
tia. Pode-se também interpretar que a antí-
tese entre os versos “(...) cismando na beira 
de um rio“ (que sugere algo prazeroso) e “na 
imensa solidão de latidos e araras“ (que su-
gere um momento que contradiz o anterior) 
remete para este desmentido.
4. A 5. D 6. C 7. A 8. D
9. A
0 3 Felicidade clandestina
Clarice Lispector
L C
ENTRE 
ASPAS
39
ClariCe lispeCtor
O mundo intimista e o apelo social de Clarice Lispector
“Os sonhos são a expressão de um desejo” (Freud)
Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920. Chegou ao Brasil em 
março de 1922, passou a infância na cidade do Recife e em 1937 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou 
em Direito. Estreou na literatura ainda muito jovem com o romance Perto do coração selvagem (1943), que teve 
calorosa acolhida da crítica e recebeu o Prêmio Graça Aranha.
Em 1944, recém-casada com um diplomata, viajou para Nápoles, onde serviu num hospital durante os 
últimos meses da Segunda Guerra. Depois de uma longa estada na Suíça e Estados Unidos, voltou a morar no Rio 
de Janeiro.
Clarice Lispector começou a colaborar na imprensa em 1942 e, ao longo de toda a vida, nunca se desvincu-
lou totalmente do jornalismo. Trabalhou na Agência Nacional e nos jornais A Noite e Diário da Noite. Foi colunista 
40
do Correio da Manhã e realizou diversas entrevistas 
para a revista Manchete. Foi cronista do Jornal do Bra-
sil, e os textos, produzidos entre 1967 e 1973, estão 
reunidos no volume A descoberta do mundo.
Entre suas obras mais importantes estão a reu-
nião de contos em A legião estrangeira (1964) e Laços 
de família (1972) e os romances A paixão segundo 
G.H. (1964) e A hora da estrela (1977).
Clarice foi internada logo depois do lançamen-
to da obra A hora da estrela, por causa de câncer no 
ovário. Faleceu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia 
antes de completar 57 anos e menos de dois meses 
depois de lançar um dos seus livros mais famosos.
Contexto
 A partir do ano de 1930, o Modernismo ga-
nhou uma nova nomenclatura, passou a ser chamado 
de Neorrealismo, uma vez que retomava alguns as-
pectos do Realismo-Naturalismo, porém com algumas 
peculiaridades, como a questão do Nordeste brasileiro 
e suas mazelas, bem como a questão do mergulho no 
intimismopsicológico do sujeito. A implementação do 
Estado Novo do governo Vargas e da Primeira Guerra 
Mundial influenciaram violentamente sobre a produ-
ção literária em questão.
A realidade brasileira foi descrita e observada 
com os olhos atentos e críticos dos escritores brasilei-
ros, em que as relações entre o homem e a sociedade 
foram atreladas ao lado emocional das personagens, 
sobretudo os aspectos psicológicos.
A década de 1930 trouxe três situações diferen-
tes: a fase regionalista; a fase urbana; e a fase intimista. 
Três fases internas ao momento histórico, ligadas pela 
lógica modernista de consolidação e aproximação do 
sujeito e da literatura. Das três fases, podemos enqua-
drar o conto “Amor”, de Clarice Lispector, no momento 
intimista no qual os autores buscaram as reverbera-
ções psicológicas do sujeito, no sentido em que elas 
reverberam a real situação do homem de seu tempo.
Logo, a fase intimista tem por consequência 
a influência das teorias psicanalíticas de Freud, bem 
como de outras correntes da Psicologia, ou seja, a in-
fluência do escritor se dá em função do mundo interior, 
também chamado de sondagem psicológica.
Escola literária
Terceira fase modernista: 
ficção experimental
As experimentações que acrescentaram dire-
ções novas ao cursor literário no Brasil ganharam cor-
po com a publicação, em 1943, do romance Perto do 
coração selvagem, de Clarice Lispector. Nessa obra, a 
escritora esmiúça o interior do ser humano, dando à 
luz a grandeza da vida e do significado das experiên-
cias dos seres.
Três anos mais tarde, em 1946, Guimarães Rosa 
publicou o livro de contos Sagarana, no qual as regi-
ões brasileiras dos sertões indefinidos transcendiam o 
âmbito da realidade histórica e transformavam-se em 
espaços de seres míticos.
Clarice Lispector aproximou da palavra escrita 
o ato de pensar e de narrar com grande criatividade, 
enquanto Guimarães Rosa realizou uma verdadeira 
alquimia verbal ao fundir na palavra sua experiência 
pessoal à experiência coletiva. Os escritos de Clarice 
revelaram uma ficcionista de aguda sensibilidade, o 
que levaria a crítica literária ao espanto diante de sua 
obra. Perplexos também ficaram os críticos diante de 
Guimarães Rosa, cujas ousadias mórficas estabelece-
ram uma completa transformação linguística na litera-
tura ao recriar o mundo sertanejo.
Características de ficção do 
terceiro tempo modernista
 § Narrativas interiorizadas: fluxo da cons-
ciência: uma das marcas mais flagrantes da 
ficção experimental é a interiorização do narrar 
– o chamado fluxo da consciência. Geralmen-
te, as narrativas são centradas em momentos 
de vivência interior dos personagens. Aconteci-
mentos exteriores provocaram a interiorização. 
É assim em A hora da estrela, onde o narrador-
-personagem Rodrigo S. M. conduz a narrativa 
entremeando os fatos narrados com o instante 
da sua própria história, sobretudo seus pensa-
mentos e dramas psicológicos de ordem exis-
tencial, social e afetiva.
41
 § Da consciência para o inconsciente: a 
consciência de um ou mais personagens é fla-
grada e relatada numa época qualquer em lugar 
qualquer. Assim se dá também nos romances e 
contos de Clarice Lispector: um acontecimento 
pode liberar ideais que vão até o inconsciente 
do personagem.
 § Narrativas em primeira pessoa: a narração 
em primeira pessoa não é um mero acaso na fic-
ção desse tempo. A narração em primeira pessoa 
proporciona ao relato um intimismo inigualável, 
assim como lhe outorga verossimilhança. O nar-
rador funciona como uma pessoa que confessa e 
o leitor ou ouvinte, como confidente. Revelando-
-se uma “sentidora”, uma “intuitiva, ressaltou em 
alguns depoimentos que seus livros, mais do que 
histórias, continham “impressões”, pois “não se 
preocupam com os fatos em si, porque o impor-
tante é a repercussão do fato no indivíduo”.
FeliCidade Clandestina
Felicidade clandestina nasceu de um convite 
feito a Clarice Lispector, em 1967, para escrever sema-
nalmente no Jornal do Brasil. Seriam crônicas, porém 
ela mesma declarou – “Vamos falar a verdade: isto 
aqui não é crônica coisa nenhuma. Isto é apenas. Não 
entra em gêneros. Gêneros não me interessam mais.”.
Gênero
A obra é considerada como livro de contos, nes-
te que poderia ser considerado um dos livros de cunho 
mais autobiográfico da autora, como é o caso das re-
cordações da infância – a filha do livreiro de Felicidade 
clandestina existiu; o professor de Desastres de Sofia 
percebeu o tesouro da futura escritora.
Foco narrativo
Como foco narrativo em primeira pessoa, as 
narrativas resgatam em caráter memorialista uma mu-
lher adulta, porém ingenuidade em seus pensamentos 
e sentimentos. Esse material, buscado a uma época 
tenra de sua história pessoal, é utilizado para suas re-
flexões sobre a vida, a atividade literária e o exercício 
de um feminismo místico que se torna a marca de seu 
estilo. Remontando a época que era moradora da cida-
de do Recife, por cujas ruas perambulava, aos saltos, 
enchendo-as da memória da sua passagem.
Estrutura
Esta obra reúne 25 contos que tematizam a 
adolescência, a infância e a família, sem deixar, em 
momento algum, de se referir às angústias da alma, tal 
como é próprio da autora.
Psicologia, epifania e metafísica
Os textos não diferem da orientação geral da 
ficção de Clarice Lispector, em que ela faz um mergu-
lho na geografia íntima das personagens, refletindo 
o momento interior delas, a ponto de a própria sub-
jetividade entrar em crise ou momento epifânico por 
excelência. O percurso sempre tende ao encaminha-
mento da autoanálise, apesar de não se tratar apenas 
de sondagens psicológicas sentimentais egocêntricas, 
mas de uma inquietação íntima das personagens, que 
se concentra na busca da própria identificação num 
cotidiano vazio, igual e, por que não, monótono. As 
mais aprofundadas camadas da consciência humana 
são removidas pela autora, em busca do significado da 
existência. Há, portanto, o encontro da psicologia com 
a metafísica: conhecer-se para ser.
Clarice Lispector emprega o processo narrativo 
do fluxo da consciência, que é o rompimento dos limi-
tes de espaço e de tempo. O pensamento fica solto. 
Pequenos fatos exteriores provocam uma longa via-
gem abstrata das ideias, sem se basear numa estrutura 
sequencial da narração.
Ela faz as personagens viverem revelações, o 
que configura o processo de “epifania”. O que signifi-
ca dizer que diante de pequenas situações, singelezas 
do cotidiano, a personagem se descobre e vê revelada 
uma realidade mais profunda, em que, por vezes, o 
próprio personagem não consegue perceber com cons-
ciência qual realidade é essa, no entanto sua vida, bem 
como sua visão se transforma.
42
Pensando propriamente na obra, podemos 
buscar exemplos dessas situações epifânicas: a me-
nina que se torna “amante” do livro; os dois amigos 
que se separam para avivarem a amizade sincera; 
o menino míope que descobre a paixão no amor; a 
menina que se sente valorizada quando o folião lhe 
entorna confete na cabeça; a mulher que percebe 
sua real situação pisando num rato morto; a meni-
na ruiva que sente o peso da solidão quando o ca-
chorro se vai; a contemplação de um ovo que faz a 
narrador refletir sobre o mistério profundo da vida; 
a menina formal que se vê criança diante de um pin-
tinho e reage matando-o; a mulher que, olhando o 
dente quebrado, confirma a falta de sentido da vida; 
a visão do inseto esperança que leva a mulher a se 
questionar sobre o nada; a macaquinha que induz o 
filho a perceber seu amor pela mãe; a menina que 
faz o professor sorrir e, assim, descobre sua falta 
de importância; a criada que é oportunidade de a 
patroa entender um ser humano; os adolescentes 
que diante da casa velha concluem não serem pes-
soas especiais; o menino que se descobre homem ao 
“beijar” a estátua da mulher-chafariz.
A característica metafísica

Outros materiais