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MemoriasdeumaMoAaMalcomportada-Andrade-2022

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Prévia do material em texto

MEMÓRIAS DE UMA MOÇA 
MALCOMPORTADA: 
uma vida inesperada
Reitor
José Daniel Diniz Melo
Vice-Reitor
Henio Ferreira de Miranda
Diretoria Administrativa da EDUFRN
Maria da Penha Casado Alves (Diretora)
Helton Rubiano de Macedo (Diretor Adjunto)
Bruno Francisco Xavier (Secretário)
Conselho Editorial
Maria da Penha Casado Alves (Presidente)
Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária)
Adriana Rosa Carvalho
Alexandro Teixeira Gomes
Elaine Cristina Gavioli
Everton Rodrigues Barbosa
Fabrício Germano Alves
Francisco Wildson Confessor
Gilberto Corso
Gleydson Pinheiro Albano
Gustavo Zampier dos Santos Lima
Izabel Souza do Nascimento
Josenildo Soares Bezerra
Ligia Rejane Siqueira Garcia
Lucélio Dantas de Aquino
Marcelo de Sousa da Silva
Márcia Maria de Cruz Castro
Márcio Dias Pereira
Martin Pablo Cammarota
Nereida Soares Martins
Roberval Edson Pinheiro de Lima
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Tercia Maria Souza de Moura Marques
Secretária de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo
Secretária Adjunta de Educação a Distância
Ione Rodrigues Diniz Morais
Coordenadora de Produção de Materiais Didáticos
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo
Coordenadora de Revisão
Aline Pinho Dias
Coordenador Editorial
Kaline Sampaio
Gestão do Fluxo de Revisão
Edineide Marques
Gestão do Fluxo de Editoração
Rosilene Paiva
Conselho Técnico-Científico – SEDIS
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo – SEDIS (Presidente)
Aline de Pinho Dias – SEDIS
André Morais Gurgel – CCSA
Antônio de Pádua dos Santos – CS
Célia Maria de Araújo – SEDIS
Eugênia Maria Dantas – CCHLA
Ione Rodrigues Diniz Morais – SEDIS
Isabel Dillmann Nunes – IMD
Ivan Max Freire de Lacerda – EAJ
Jefferson Fernandes Alves – SEDIS
José Querginaldo Bezerra – CCET
Lilian Giotto Zaros – CB
Marcos Aurélio Felipe – SEDIS
Maria Cristina Leandro de Paiva – CE
Maria da Penha Casado Alves – SEDIS
Nedja Suely Fernandes – CCET
Ricardo Alexsandro de Medeiros Valentim – SEDIS
Sulemi Fabiano Campos – CCHLA
Wicliffe de Andrade Costa – CCHLA
Revisão Linguístico-textual
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Revisão de ABNT
Edineide da Silva Marques
Cristiane Severo da Silva
Revisão Tipográfica
José Correia Torres Neto
Diagramação
Dickson Tavares
Capa
Dickson Tavares
Centro de Educação
Diretor: Jefferson Fernandes Alves
Vice-Diretora: Cynara Teixeira Ribeiro
Programa de Pós-Graduação em Educação
Coordenadora: Claudianny Amorim Noronha
Vice-coordenadora: Luciane Terra dos Santos Garcia
Comissão editorial responsável pela avaliação dos 
correspondentes à Chamada nº.03/2020 – PPGEd/UFRN
Adir Luiz Ferreira (UFRN)
André Augusto Diniz Lira (ad hoc - UFCG)
Carla Mary da Silva Oliveira (ad hoc - UFPb)
Claudianny Amorim Noronha (UFRN)
Cristiane Soares de Santana (ad hoc - UNESB)
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (ad hoc - UFC)
Gessica Fabiely Fonseca (UFRN)
Giliard da Silva Prado (ad hoc – UFU)
José Hélder Pinheiro Alves (ad hoc – UFCG)
Laêda Bezerra Machado (ad hoc - UFPE)
Marcilio De Souza Vieira (UFRN)
Maria Aparecida de Queiroz (UFRN)
Maria da Paz Cavalcante (ad hoc – UERN)
Maria Ines Sucupira Stamatto (UFRN)
Mariangela Momo (UFRN)
Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti (ad hoc – IFPa)
Patrícia Ignácio (ad hoc - FURG)
Rosa Aparecida Pinheiro (ad hoc - UFSCar)
Rossana Carla Rameh de Albuquerque (ad hoc – FPS)
Tatyana Mabel Nobre Barbosa (UFRN)
Apoio 
Esta publicação contou com o financiamento do Programa de Pós-Graduação em Educação 
(PPGEd) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a partir da Chamada 03/2020 
– PPGEd, contemplada após análise pela Comissão Editorial do PPGEd. Também são apoiadores: 
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Pro-Reitoria de Pós-
Graduação (PPG/UFRN) e a Secretaria de Educação a Distância (SEDIS/UFRN).
Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN
Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário
Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil
e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br
Telefone: 84 3342 2221
Coordenadoria de Processos Técnicos 
Catalogação da Publicação na Fonte.UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Fundada em 1962, a EDUFRN permanece dedicada à 
sua principal missão: produzir livros com qualidade 
editorial, a fim de promover o conhecimento gerado na 
Universidade, além de divulgar expressões culturais do 
Rio Grande do Norte.
Publicação financiada com recursos do Fundo de Pós-graduação (PPg-UFRN). A seleção 
da obra foi realizada pela Comissão de Pós-graduação, com decisão homologada pelo 
conselho Editorial da UDFRN, confrome Edital no 2/2019-PPG/EDUFRN/SEDIS, para a 
linha editorial Técnico-científica.
Andrade, Erika dos Reis Gusmão.
 Memórias de uma moça malcomportada : uma vida inesperada
[recurso eletrônico] / Erika dos Reis Gusmão Andrade. – 1. ed. – Natal:
EDUFRN, 2022.
 182 p. : il., PDF ; 3,36Mb
 ISBN nº 978-65-5569-211-2
 
1. Memorial. 2. Autobiografia. 3. Educação. I. Título. 
 
 
 CDU 92
 A553m
Elaborada por Edineide da Silva Marques CRB-15/488.
Natal, 2022
MEMÓRIAS DE UMA MOÇA 
MALCOMPORTADA: 
uma vida inesperada
MEMÓRIAS DE UMA MOÇA 
MALCOMPORTADA: 
uma vida inesperada
Erika dos Reis Gusmão Andrade
Natal, 2022
Dedico a minha mãe, a meu pai e a meu povo.
Minha mãe, meu pai, meu 
povo
Eis aqui tudo de novo
A mesma grande saudade
A mesma grande vontade
Minha mãe, meu pai, meu 
povo
Minha mãe me deu ao 
mundo
De maneira singular
Me dizendo a sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar
Meu pai me mandou pra 
vida
Num momento de amor
E o bem daquele segundo
Grande como a dor do 
mundo
Me acompanha onde eu vou
Meu povo, sofremos tanto
Mas sabemos o que é bom
Vamos fazer uma festa
Noites assim, como essa
Podem nos levar pra o tom
Letra de Tudo de novo © Uns Produções Artísticas Ltda
Compositores: Caetano Emmanuel Viana Teles Veloso
Canta Maria Betânia, Álbum Ao Vivo, 1985.
AGRADECIMENTOS
Ser grata é um exercício de humildade e reconhecimento da 
participação das pessoas em nossas vidas e da colaboração 
que elas deram nos diversos aspectos do constituir-se. Tive 
muita sorte em minha caminhada, encontrei muitas almas 
do bem. As do mal, eu esqueci!
Na minha infância e início da puberdade, tive a honra de 
ser acompanhada por dois seres humanos de luz, que mesmo 
tendo ficado pouco tempo em minha vida, me ensinaram 
coisas fundantes para meu ser: minha mãe, Senise, mulher 
sábia, que trazia em si a alegria de viver, o gosto pela leitura 
(que me deixou de herança e que me salvou em muitos momen-
tos), o cuidado com o outro, o sentido de amor incondicional 
(que briga quando precisa) e a consideração pelos demais 
seres humanos que fazem parte de nosso cotidiano; meu 
pai, Lourival, homem sisudo e compenetrado (acho que foi 
isso que o levou tão cedo), mas que me ensinou o valor da 
honestidade, da ética, e principalmente o sentido de família 
(de espírito e não de sangue) que guardo até hoje.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
9
 
Na minha adolescência, tive meus avós paternos e mater-
nos, que marcaram de forma emotiva meu olhar sobre o que 
é afeto e como ele se constrói; alguns professores do Ensino 
Médio (os do Ensino Fundamental não lembro), Zé Carlos, 
professor de história, que me marcou indelevelmente, me mos-
trando a realidade de nosso país, Michelli, um italiano ruivo, 
professor de física, que mesmo sabendo das minhas enormes 
dificuldades com a disciplina nunca duvidou de meu esforço 
e Conceição, professora de português, que me apresentou o 
mundo da literatura brasileira de um modo maravilhoso. 
Também tive meus três grandes amigos:Roberto, uma pessoa 
muito leve, que me apresentou um pouco da MPB da época 
e fez me apaixonar; Mário, amigo que perdura até hoje (de 
nossa forma) que me deu muitas aulas de química e física, 
mas principalmente de amizade; e Iúri, que me apresentou 
o mundo de outro ângulo e mais tarde veio a se tornar meu 
marido, primeiro companheiro. 
Não posso deixar de falar de minhas amigas Ana Amélia, 
Ingrid e Tereza, companheiras de tantas agruras que infeliz-
mente atingem o universo feminino, em que só uma mulher 
consegue consolar a outra, mas de muitas alegrias também. 
Elas continuaram amigas na minha entrada no mundo adulto, 
onde eu era mãe, solteira e estudante do noturno para traba-
lhar durante o dia. Nessa época me mudei para Natal e novos 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
10
 
seres de luz apareceram: meus sogros Iracy e Arnon, bem 
como a família Mascarenhas, que me recebeu em sua casa e 
vidas com dois pacotinhos a mais, minhas filhas. 
A elas, Sarah e Sofia, agradeço especialmente, por me 
salvarem a vida com suas vindas e me fazerem buscar a 
construção de nossas vidas. Mais ainda, por serem as acom-
panhantes mais fiéis, mais amorosas e com quem tenho 
aprendido mais na vida... a trajetória de ser mãe merece um 
outro texto memorial!
Ao meu segundo companheiro, Eugênio, pelas discussões 
teóricas, filosóficas, educacionais e, principalmente, amorosas. 
Quem me ajudou a entender os textos complexos do início 
do mestrado e me embrenhar nesse mundo da academia e a 
entender muito da construção cotidiana de uma vida conjunta, 
além de ter se disposto a cuidar de minhas filhas no período 
que passei em Uberlândia. Grata sempre.
No meu ingresso na UFRN como estudante do mestrado 
e depois como professora efetiva, muitos foram os que fize-
ram a diferença em minha trajetória. Agradeço a todos de 
coração. À Laíse, secretária do Departamento de Educação, 
meu eterno anjo da guarda. Milton José, eterno secretário da 
Pós-graduação, ao seu jeito único de nos ajudar. À querida 
e carinhosa Gleide (in memorium), funcionária do DEPED, 
sempre presente com um carinho e à Graça, secretária da 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
11
 
Coordenação do Curso de Pedagogia, foram muitas “brigas” 
e aprendizagens.
Aos colegas de mestrado e doutorado, hoje colegas pro-
fessores, pelo apoio, companheirismo, carinho e afeto: Maria 
Carmem Rego, Daniela Medeiros, Cyntia Medeiros, Terezinha 
Petrúcia, Laêda Machado, Maria José, Alda Duarte, Gilmar 
Guedes, Luzia Guacira, Andréia Quintanilha, Otávio Tavares, 
Helena Freitas, Ana Aguiar, Marluce e outros tantos que 
estiveram em minha caminhada.
Aos colegas da UFRN que muito me ensinaram sobre o 
mundo acadêmico e me ajudaram a caminhar em meio aos 
caminhos universitários: Jomária Alloufa, Margot e Vicente 
Madeira, Rosário Carvalho, orientadores de meus trabalhos 
de mestrado e doutorado; Moisés Sobrinho, colega do grupo 
de pesquisa; Elda Melo e André Diniz (UFCG) parceiros de 
estudos, orientações e muito trabalho, queridos também; 
Rosália Silva, mais que colega, uma amiga de todo dia, até 
nas discordâncias; Márcia Gurgel, Marcos Lopes, Ricardo 
Lins, João Valença, João Emanuel, Mirian Dantas, Arlete 
Duarte, Conceição Almeida, que me marcaram indelevel-
mente pelas posturas, ética e sabedoria com a coisa pública 
e com o conhecimento; referências para sempre. Em espe-
cial, Marta Pernambuco (in memorium), ariana como eu, 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
12
 
autêntica, de coração enorme e muito coerente acadêmica e 
afetivamente... saudade.
Outros tantos colegas fizeram parte de minha vida de 
trabalho e aprendizagem. Não vou nomeá-los aqui, pois no 
corpo do memorial aparecem como colaboradores na minha 
trajetória.
Enquanto estive como Pró-Reitora Adjunta de Graduação, 
encontrei pessoas comprometidas, solidárias, amorosas, éticas 
e exemplos de servidores públicos; a todos os servidores que 
lá estavam no período de junho de 2015 a março de 2019, 
serei sempre agradecida. Peço licença para agradecer a alguns 
especialmente: à Vanessa, Lorena, Elisa (hoje do PPGEd), 
Camila e Tâmara, às meninas da assessoria e secretaria, pelo 
cuidado, carinho, bons papos e risadas, e pela segurança e 
seriedade com que me ajudaram a fazer o meu trabalho; à 
Eliane, Juliana, Elizama e Carminha (já aposentada), cada 
uma ao seu modo pensando em como melhor conduzir os pro-
cessos de avaliação, regulação e acompanhamento dos cursos 
de graduação. Muito pouco teria feito sem vocês. A Ricelle, 
companheiro de coordenação dos programas e projetos da 
PROGRAD, agradeço o pensar junto, a preocupação com a 
lisura e a solidariedade; ao povo da DDPEd, cada um com 
seu modo de ser, muito me ensinaram e me deram suporte 
para acompanhar os projetos dos cursos de graduação da 
UFRN; à Neijeme, Ana Rita, Victor, Marconi, José Carlos 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
13
 
e Luana, mas em especial à Anne e Elda, companheiras em 
todos os momentos.
Na DACA, a todos que fizeram do trabalho técnico difí-
cil uma ponte para o sucesso dos estudantes, em especial a 
Vicente, Wendell, Fabíola, Francisquinho, Gracinha, Andressa 
e Renan pela lisura na condução dos processos e apoio nos 
momentos necessários; à Fernanda, colega com quem tive 
alguns embates por pontos de vista diferentes, agradeço o 
cuidado com a coisa pública e com o metiê burocrático, mas 
necessário para segurança jurídica. Não poderia esquecer 
de Arthur, Jussara e Nathália, sempre na linha de frente da 
PROGRAD, mediando os atendimentos e nos preparando 
para eles.
Em Uberlândia, no período que passei na UNIT (Centro 
Universitário do Triângulo), à professora Regina Feltran, que 
além de colega com quem compartilhava as preocupações com 
a formação de professores no ensino superior, foi um anjo da 
guarda ajudando na minha melhor adaptação ao novo espaço 
de moradia. Assim como a Mauro e Cirley, amigos que fiz 
e que muito me acolheram com café quente e pão de queijo, 
ambos feitos na hora, para acalentar a saudade de casa.
Às amigas que herdei do meu primeiro casamento, Claudia 
Frederico e Gorete Menezes. Minhas queridas e combativas 
militantes, a história de vocês também me fortalece!
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
14
 
Algumas pessoas participaram de minha trajetória em 
tempos e lugares diferentes e continuam participando, como 
colegas e amigos. Mesmo correndo alguns riscos de esqueci-
mento, sou profundamente grata à Elda Silva Nascimento Melo, 
Danielle Oliveira da Nóbrega e André Augusto Diniz Lira, 
pelas conversas, confidências, brigas, carinhos e confiança.
A todos os estudantes que passaram por minhas salas de 
aula ou orientações, da Educação Básica ao Ensino Superior, 
por manterem vivos em mim a chama da aprendizagem, a 
alegria da troca e a humildade da incompletude.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
15
 
PREFÁCIO: 
Memorial de jovens titulares: um 
olhar acadêmico prospectivo
A “história de vida” não é a 
história da vida, mas a ficção 
apropriada pela qual o sujeito se 
produz como projeto dele mesmo. 
Só pode haver sujeito de uma 
história a ser feita, e é, à emer-
gência desse sujeito, que intenta 
sua história e que se experimenta 
como projeto, que responde o 
movimento da biografização. 
Christine Delory-Momberger 
(grifos da autora)1
Li com encantamento este Memorial acadêmico, agora publi-
cado como livro autoral, Memórias de uma moça malcompor-
tada: uma vida inesperada. E é com igual encantamento que 
1 Christine Delory-Momberger. Biografia e Educação. Figuras do indivíduo-
-projeto. Trad. Maria da Conceição Passeggi; João Gomes da Silva Neto; Luis 
Passeggi. São Paulo, Natal; Paulus-Edufrn, 2008, p. 65.
tenho a honra de acrescentar aqui alguns comentários com a 
pretensão de falar das múltiplas leituras que ele me inspirou. 
Precisei objetivar primeiramente esse encantamento e a honra 
desta escrita,antes de agradecer à Professora Erika dos Reis 
Gusmão Andrade2 seu generoso convite para prefaciá-lo. 
Há de fato um tríplice encantamento. O primeiro é o de ler 
o memorial de uma jovem professora titular, que acompanhei 
de longe desde seu ingresso como aluna do doutorado em 
Educação, do qual participei como parte da banca examinadora 
de sua Tese, em 2003. Segui acompanhando seu percurso como 
professora da Pós-Graduação em Educação e seus sucessivos 
trabalhos na gestão universitária. Em suma, uma trajetória 
exitosa que lhe garantiu, em 2020, a promoção ao cargo de 
professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte (UFRN). O segundo encantamento deve-se à maneira 
como a autora, “ filha de Iansã” 3, nos envolve, gradativamente, 
em seu percurso pessoal, intelectual, militante, profissional, 
ecumênico, decantando as viradas biográficas em cinco gran-
des Inesperados. O terceiro encantamento decorre, certamente, 
da curiosidade científica que me desperta o memorial como 
2 Tomo a liberdade de substituir no restante do texto o nome completo da 
autora por Erika.
3 Como o prefácio é escrito antes da diagramação e paginação do livro, 
não posso inserir as páginas correspondentes às citações, que ficarão aqui 
entre aspas.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
17
 
gênero discursivo e que persigo, sem tréguas, há mais de 
vinte anos, em busca de melhor compreendê-lo. Percebo 
neste memorial uma ruptura e uma inovação discursiva, 
que se encontram em sintonia com as mudanças históricas 
da carreira docente no ensino superior e sobretudo nas uni-
versidades federais. Nada que Mikhail Bakhtin (1992) já não 
tenha comentado: 
A riqueza e a variedade de gêneros do discurso são infi-
nitas, pois a variedade virtual da atividade humana é 
inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um 
repertório de gênero de discursos que vai diferenciando-se 
e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve 
e fica mais complexa (BAKHTIN, 1992, p.279).4 
Os memoriais autobiográficos5 constituem parte desse 
repertório de gênero discursivo criado na universidade e 
para a universidade, cuja institucionalização6 tem origem 
4 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução Maria Ermantina 
Galvão Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
5 Recorro a denominações do memorial que se tornaram usuais nos estudos e 
pesquisas sobre esse gênero (cf.) PASSEGGI, M.C. Memorial de formação. 
In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. DICIONÁRIO: 
trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade 
de Educação, 2010. Acesso em 7/11/2020. Disponível em: https://gestrado.
net.br/verbetes/memorial-de-formacao/ 
6 Cf. CÂMARA, Sandra. O memorial autobiográfico. Uma tradição acadêmica 
do ensino superior no Brasil. Tese de doutorado. PPGED-UFRN, 2012. 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
18
 
na Universidade de São Paulo para provimento do cargo de 
professor catedrático, nos anos 19307. Ao longo de quase um 
século, ele vai “diferenciando-se e ampliando-se à medida 
que” a universidade “se desenvolve e fica mais complexa”. Em 
1980, o memorial acadêmico passa a ser um instrumento de 
promoção ao cargo de Professor Adjunto, cujo acesso se dava 
mediante concurso público de provas e títulos. Nos anos 1990, 
este gênero se amplia e se democratiza, sob a denominação 
de memorial de formação, como trabalho final do curso de 
graduação para a educação básica. A partir de 20128, ele é 
proposto como requisito parcial para a promoção à Classe 
E, de Professor Titular, à qual também se acedia mediante 
concurso público.
Erika opta por escrever seu memorial apoiando-se nas 
normas estabelecidas pela Resolução no. 067/2017-CONSEPE, 
de13/06/2017, que segue estritamente a recomendação da 
Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, Art. 27, § 3º, c, 
segundo a qual o candidato deve ser aprovado na defesa de 
um memorial ou de uma tese acadêmica inédita, nesse sen-
tido, o memorial “deverá considerar as atividades de ensino, 
7 Decreto no 7.204, de 11 de junho de 1935. (Regulamento da Faculdade de 
Medicina Veterinária de São Paulo, Art.115 – “O memorial [...] dirá respeito 
a tudo que se relacione com a formação intelectual do candidato e com sua 
vida e atividade profissionais ou cientifica [...])”. 
8   Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012,  alterada pela Lei 
Lei nº 12.863, de 24 de setembro de 2013.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
19
 
pesquisa, extensão, gestão acadêmica e produção profissional 
relevante”. Convém observar que as Resoluções normativas 
da UFRN, anteriores9 a 2012, que regulamentavam as normas 
de progressão, promoção e/ou concursos exigiam como parte 
do Memorial um Projeto de Atuação Profissional (MPAP). A 
Resolução de 2017 mantém a opção entre o memorial ou tese 
inédita, mas também apaga o Projeto de Atuação Profissional 
que não consta das orientações do MEC. É inegável que nos 
últimos anos, a promoção à titular foi essencialmente pleiteada 
por professores que permaneceram por muitos anos à espera 
de uma vaga ao cargo de titular, de modo que, em geral, eles 
retraçam longos percursos no magistério superior. É nesse 
sentido que Erika, ao acrescentar o Plano de Ação, não exigido 
pela Resolução de 2017, afirma essa mirada prospectiva que me 
parece ser representativa de novos tempos para os memoriais 
de jovens titulares, com um bom caminho ainda a percorrer. 
Admito com Delory-Momberger, na epígrafe acima, que “Só 
pode haver sujeito de uma história a ser feita”. E é no processo 
de autobiografar nossa história que nos experimentamos como 
trajeto e como projeto, enquanto ser-em-devir. 
9 Cf. a título de exemplo a Resolução no 006/05-CONSEPE, de 19 de abril de 
2005, sobre as normas para os cargos de Auxiliar, Assistente e Adjunto e a 
Resolução 013/2008-CONSEPE, de 04 de março de 2008, sobre normas para 
a classe de Titular.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
20
 
O memorial acadêmico de Erika, contrariamente a 
tantos outros por mim analisados, traz duas inovações. 
Primeiramente, é marcado pela recentidade da experiên-
cia vivida como professora. Em segundo lugar, pelo olhar, 
primordialmente prospectivo, que ocupa uma larga parte 
de sua reflexão crítica. Para Erika, esses dois movimentos, 
prospectivo e retrospectivo, são desafios cruciais para a 
escrita. O primeiro, retrospectivo, é o de “olhar como fui me 
constituindo acadêmica das ciências humanas na trajetória 
construtiva de mim mesma, sendo quem não sou mais, aquela 
pessoa naqueles diferentes momentos”, do percurso de 16 anos 
(2004 a 2020), no magistério superior, na UFRN. O segundo, 
prospectivo, é o de se projetar em devir: “preciso pensar em 
um planejamento de carreira para os próximos 10 anos de 
exercício da docência universitária”, embora considere ser 
“difícil projetar um futuro”, uma vez que “planejar o futuro 
é igualmente duvidoso”, sobretudo porque considera que 
sua vida “foi feita de inesperados, de ventanias e raios, em 
todos os seus aspectos”. Mas, pelo que pude ver, Erika está 
sempre pronta a aceitar novos desafios e encontrar uma razão 
plausível e digna para enfrentá-los, como é o caso de planejar 
o futuro: “talvez a vida esteja se apresentando de forma mais 
calma com a chegada da maturidade, então aceito o desafio 
e nessa parte do texto tentei fazer esse exercício”. 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
21
 
É esse o pacto autobiográfico, noção pinçada nos estudos 
de Philippe Lejeune (2008)10, que ela faz como narradora-au-
tora-candidata e que imagino se delinear como procedimento 
possível em memoriais de jovens titulares. É nesse sentido que 
seu memorial me parece representativo de um novo momento 
na história da carreira docente nas universidades federais e, 
consequentemente, na história desse gênero discursivo que 
se modifica em função das modificações da esfera social na 
qual e para qual ele éelaborado como demanda institucional. 
É essencialmente sobre essa “feitura do memorial” que desejo 
centrar minha leitura. 
O memorial acadêmico, como narrativa autobiográfica, 
é uma prática autorreferencial, no sentido em que o processo 
de autoria se fundamenta em tomar a si mesmo a própria 
experiência e o projeto de vida como objeto de reflexão para 
interrogar-se e interpretar, de modo objetivo e crítico as 
atividades elencadas na Resolução. Mas, o memorial é antes 
de tudo um espaço institucional de autotematização, autoin-
terpretação no processo hermenêutico de narração. Por essa 
razão, Erika entrelaça no seu memorial um eu que permanece 
ao longo a vida, “a filha de Iansã”, a pessoa curiosa, militante, 
solidária, que marca sua identidade (mesmidade), e um eu 
10 LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico. De Rousseau à Internet. Trad. Jovita 
Noronha, Maria Inês Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
22
 
refletido (ipseidade), resultando análise crítica da experi-
ência vivida na experiência narrada: “Hoje reflito que essa 
busca pelo religioso e sagrado, se deu como forma de manter 
viva a memória de minha mãe, mas também foi tentativa de 
achar respostas para tantas perdas e fraturas...”. Mesmidade 
e ipseidade se articulam no que propõe Paul Ricœur (2010)11 
como identidade narrativa, seja ela profissional ou pessoal. 
Por essa razão é que o memorial permite observar o que e 
como a pessoa que narra seleciona, articula os acontecimentos, 
valora, nega, transgride, inova, propõe, em suma, como ela 
associa, experiências, aprendizagens e conhecimentos. É isso 
o que finalmente se avalia. Como os candidatos decidem, 
tomam iniciativa, reproduzem atitudes, rompem, inovam, 
propõem, apresentam suas filiações científicas, como se veem 
diante das experiências e de alternativas que enclausuram ou 
que liberam? Finalmente ele é totalidade sintética pela qual 
narradores e o narrado vão se construindo na e pela atividade 
de linguagem, escrita, crítica e reflexiva. Esse esforço é reali-
zado e apreendido a que preço? Ao longo de minhas pesquisas 
analisei em muitos memoriais uma travessia provocada pela 
própria escrita que opera a passagem da resistência à sedução 
11 RICŒUR, P. Tempo e narrativa, tomos 1, 2, 3. Trad. Claudia Berliner, Marcia 
Aguiar, São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
23
 
autobiográfica12. A hipótese é que na reflexividade narrativa 
emergem a consciência da própria agência e da capacidade de 
emancipação. O que me parece próprio da escrita de Erika 
é que, na universidade, ela navega num mar sem tormentas. 
Sua opção de escrita do memorial é a da ordem cronoló-
gica. O que me faz lembrar Simone de Beauvoir (1908-1986), 
em quem se inspira para parafrasear o título do seu memorial, 
substituindo “moça bem-comportada” por “moça malcom-
portada”. Em sua obra memorialística, publicada entre 1958 
(Mémoires d’une jeune-fille rangée) e 1981 (Cérémonie des 
adieux), Beauvoir também opta pela linearidade do tempo, 
que certamente se impõe como força inexorável para narrar a 
experiência vivida desde a juventude até a morte de Jean-Paul 
Sartre. Por que “malcomportada”? Queria rastrear na leitura 
esse mal comportamento, não consegui encontrar. Há uma 
porta aberta para uma outra leitura? A que criaria frestas 
no jogo de palavras, deixando passar um juízo moral? Um 
pensamento feminista? Um relutar pela vida, que não consegui 
captar? O trabalho de reflexividade biográfica leva em conta, 
consciente ou inconscientemente, as relações que estabelece-
mos em nossas vidas com as narrativas canônicas, sejam elas 
literárias, populares, místicas, míticas, cotidianas e que vamos 
12 PASSEGGI, Maria. Memoriais: injunção institucional e sedução autobiográ-
fica. In Passeggi, M. Souza, E. (Org.) (Auto)Biografia: formação, território e 
saberes. São Paulo, Natal: Paulus-Edufrn, 2008, p. 103-131.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
24
 
incorporando, desde a mais tenra infância, num processo de 
heterobiografização, pois as histórias ouvidas nos formam, 
como constata Erika em suas leituras de Beauvoir (1987), 
Galeano (1978) e Viezzer (1981). Permanece a indagação. O 
mal comportamento é um enigma? Faz parte do imaginário 
e das narrativas ouvidas? De representações sociais, definidas 
por Erika como “uma forma de conhecimento utilizada como 
norteador de comunicações e de condutas”?
O que mais me encanta no título e na estrutura do memo-
rial são os cinco Inesperados que segmentam sua trajetória e 
que ela deseja marcar por cinco movimentos do “ir-se-tor-
nando”: 1) trabalhadora da educação; 2) pesquisadora da 
Teoria das Representações Sociais; 3) professora da UFRN; 
4) Pró-Reitora Adjunta de Graduação; 5) professora titular. 
Movimentos que se concluem numa nova fase, o ingresso 
no pós-doutorado e “mais 10 anos de carreira pela frente”. 
As experiências vividas e narradas por Erika seguem a line-
aridade do tempo e ela vai costurando vozes e ecos sempre 
na direção de um devir. A experiência narrada não é nem 
uma “ilusão biográfica”, como afirmava Bourdieu (1986)13, 
nem uma ficção, nem tampouco uma prática terapêutica. A 
13 BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.M.; AMADO, J.(Org.) 
Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998. p. 183-191. 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
25
 
reflexividade autobiográfica, que Dilthey (2010)14 colocou 
no centro das Ciências Humanas, está na base da consciên-
cia história e de nossa própria historicidade. Marcada por 
incertezas e ambiguidades, a busca de sentido é em suma 
a busca de coerência entre acontecimentos e sentido, entre 
presente, passado e devir. Mas é importante dizer que Erika 
narra um percurso de êxitos acadêmicos, que se iniciam com 
seu ingresso no Mestrado em Educação, em 1993. Dez anos 
depois, junho de 2003, ela defende sua tese de doutorado. 
Nos dez anos seguintes, entre 2004 e 2015, ela faz uma longa 
travessia de forma acelerada na gestão universitária e que ela 
considera como inesperados e de “vida inesperada”. Mas essa 
trajetória improvável não deixa passar por entre as linhas 
acontecimentos que se aproximem do esperado, resultante de 
um constante investimento na vida e na educação pública?
Nunca imaginei que a moça que chegou ao Rio Grande do 
Norte no final de 1991, sem nem saber o que era mestrado, 
chegaria, 24 anos depois, a ser Pró-Reitora Adjunta de 
Graduação de uma universidade que se tornou referên-
cia no Norte e Nordeste do país, pela sua capacidade de 
produção do conhecimento e colaboração na formação 
de professores para todo o sistema federal, estadual e 
14 DILTHEY, W. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. 
Trad. Marco Antônio Casanova. Brasil: Unesp Editora, 2010. 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
26
 
municipal de ensino dessa região, bem como por sua capa-
cidade extensionista. Para mim, um misto de emoção, 
responsabilidade e compromisso com a educação pública 
do meu país.
A noção de inesperado que afirma ter encontrado na obra 
de “Marcelo Gleiser (2016) - A simples beleza do inesperado: 
um filósofo natural em busca de trutas e do sentido da vida” 
- por recomendação da Professora Conceição Almeida, me 
fala muito da Erika com quem pude partilhar, nos anos 2000, 
os trabalhos do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação 
e Representações Sociais, liderado pelos professores Jomária 
Mata de Lima Alloufa, Margot Madeira e Moisés Domingo 
Sobrinho. Para Erika, os inesperados não são jamais “infortú-
nios”, eles trazem a beleza simples do acontecer no limiar de 
um estatuto anterior e um novo estatuto, conquistado ou a ser 
conquistado, com desafios que não a intimidam. Curiosa, fui 
ler Marcelo Gleiser (2016) e concordo com a recomendação da 
Professora Ceiça Almeida. Gleiser (2016, p. 13), ao conjugar 
filosofia e ciênciasconta que era adolescente quando surge 
seu interesse pela imensidão cósmica e se deixa seduzir “pelo 
poder da mente e por sua capacidade de ponderar assuntos 
que, aparentemente, eram imponderáveis”. 
O “que importa, continua Gleiser, é participar do pro-
cesso de descoberta, da busca pelo conhecimento. É nossa 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
27
 
curiosidade que nos ergue acima da banalidade do igual, 
da rotina de todos os dias; é nossa curiosidade que nos 
define enquanto criaturas pensantes”.
A leitura do memorial de Erika me sugere que ela vai 
tecendo sua história, na vida pública e na vida privada, com 
uma disposição semelhante, interrogando-se, mas com fé na 
vida, confiante em sua curiosidade e em seu protagonismo, 
espantando-se diante dela mesma: “Onde eu estava que nada 
disso vi? Na bolha!”. Torna-se militante, feminista. E quando 
“tudo se descontrolou. Ventania de novo”, ela decide: “Mas 
agora eu queria ser protagonista”. Ao longo do memorial, ela 
faz emergir sua percepção da condição feminina nos encontros 
com as representações de si como “mãe solo”, mãe casada, 
mãe separada, mãe com um companheiro, mãe viúva. 
É claro que tenho noção que tudo começou bem antes de 
minha chegada à Natal, talvez quando minha mãe se foi. 
Talvez quando mudei de curso. Talvez quando engravidei 
de Sarah e decidi tê-la só. Talvez quando decidi tomar 
o rumo de minha vida e de Sarah e Sofia, desacompa-
nhada. Talvez quando me deparei com a minha condição 
de mulher trabalhadora. Talvez quando autorizei a mim 
mesma a dominar o conhecimento. Não sei. Essa cons-
trução do feminino independente e de autoconhecimento 
é uma estrada complexa e múltipla. Lembro do texto de 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
28
 
Clarissa Estés15, e seu estudo sobre o mito do arquétipo 
da mulher selvagem, a quem fui apresentada, mais ou 
menos, nessa época. Me ajudou a entender as diferentes 
dinâmicas do feminino (Grifos meus).
Os encontros com a ciência na academia, mediados pela 
teoria das representações sociais, e os convites para assumir 
cargos de direção, coordenação de cursos de formação de 
professores da educação básica ao ensino superior, coorde-
nação de projetos de grande impacto acadêmico e social, 
entre tantos outros, são desafios e realizações serenamente 
analisados. Gleiser (2016), que compara a atitude do cientista 
à do pescador, considera que ambos aprendem a lidar com 
frustrações e fracassos constantes, e o que os mantêm na 
mesma atitude perseverante é a possibilidade, ainda que 
remota, de fisgar um peixe ou descobrir algo novo. É ela que, 
contrariando os fracassos, ensina a paciência, a humildade, 
a insistência, necessárias no cotidiano, na vida profissional 
e nas ciências. 
Também é assim que me parece caminhar Erika, agora 
na direção de mais dez anos de vida na universidade como 
titular, iniciados pelo pós-doutorado na Federal de São Carlos, 
no campus de Sorocaba, com um projeto de pesquisa: “Ser 
15 ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias 
do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
29
 
professor no Ensino Superior: Representações Sociais sobre o 
ensinar e seu campo científico”. Seu objeto de estudo retoma as 
inquietações experienciadas na UFRN ao longo dos dezesseis 
como professora, pesquisadora, gestora. Sua escolha toma 
como desafio 
“avançar na compreensão sobre a formação do professor 
universitário, tendo como objetivo geral compreender quais 
as representações sociais sobre o ensinar e sobre seu campo 
científico de ensino para docentes do ensino superior”. 
É inegável que nós, professores universitários, estivemos 
sempre voltados, em nossos estudos, para a formação de 
professores da Educação Básica, cujos avanços são inegáveis, 
mas me parece que ainda não investimos suficientemente na 
formação de formadores, que é o que nos caracteriza enquanto 
professores e pesquisadores das licenciaturas. O que ainda não 
sabemos sobre as condições do ser e do fazer docente, hoje, da 
Educação Infantil ao Ensino Superior? Como os professores 
têm vivido, no cotidiano, as condições de trabalho que se 
deterioram a cada dia e se tornam cada vez mais precárias 
com a “pejotização” do magistério, os empregos temporários, 
intermitentes? Como, em igual condições, os professores 
enfrentam consequências da vulnerabilidade social, vividas 
pela imensa maioria de estudantes da educação básica, e 
que se tornam ainda mais evidentes no Ensino Médio? A 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
30
 
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 
(PNAD Contínua, 2019) revela que a taxa de analfabetismo 
das pessoas de 15 anos de idade, ou mais, no Brasil em 2019, 
é estimada em 6,6%, correspondendo a 11 milhões de anal-
fabetos, concentrados prioritariamente no Nordeste. Ainda 
segundo a Pnad, quase 30% dos jovens entre 15 e 17 anos de 
idade, no país, estão fora do ensino médio, 40% na região 
Norte. A desigualdade aumenta quando se trata de pretos e 
pardos. A gravidade dessas condições, como lembra Erika, 
cresce diante da “ultradireita e o recrudescimento de um 
pensamento ultraliberal como proposta econômica para o 
país, embasado em teorias criacionistas e anticientíficas”. Por 
outro lado, o legado da “era Lula” permitiu uma mudança 
importante no perfil de professores das escolas públicas. Em 
201516, a grande maioria se constituía de professores que eram 
os primeiros da família a ter acesso ao ensino superior; 51% 
de negros; 61,2% com renda de até três salários mínimos. 
Como formamos esses jovens? Em padrões anteriores à “era 
Lula”? Quais os desafios atuais para as políticas públicas 
16 Conferência da Professora Patrícia Cristina Albieri de Almeida, da Fundação 
Carlos Chagas, em que destacou a mudança de perfil dos professores em 
2015, com base na pesquisa coordenada pela Professora Bernadete Gatti 
(Cf. GATTI, B.A.; BARRETTO, Elba Siqueira de Sá’ ANDRÉ, Marli Eliza 
Dalmazo Afonso; ALMEIDA, Patrícia Cristina Albieri de. Professores do 
Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019). 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
31
 
na formação de professores? Quais os mais prementes na 
formação de formadores? Erika aponta o seu caminho:
Entender que os entraves no ingresso de grupos populares 
no ensino superior, vão além da qualidade do ensino a 
que estão submetidos, mas tem muito mais razões nas 
questões de autoestima, pertencimento, sentir-se adequado 
ao contexto da academia e compreensão do ethos e héxis 
acadêmica (BOURDIEU, 2007), me permitiu aproximar 
mais do universo de nossos estudantes universitários 
e compreender como as nossas dinâmicas internas de 
funcionamento desfavorecem seu ingresso, permanência 
e êxito nas instituições. 
É com o olhar voltado para essas premências, alicerçado no 
capital biográfico construído no “chão da universidade”, que 
Erika vislumbra os próximos anos na UFRN. O balanço que 
ela faz de sua gestão na Pró-Reitoria de Graduação (Quarto 
inesperado) mostra que os avanços resultam de sua atuação 
anterior como gestora e pesquisadora, que “sempre [teve] o 
espaço escolar público como contexto de práticas”. Por essa 
razão, entende “ser este, um lugar de interlocução genuína 
e constante com a comunidade e com a diversidade social, 
além de ser um difusor de ideias e debates sobre o cotidiano 
da vida das pessoas”.
Esses encadeamentos se projetam igualmente nas 
ações previstas em seu Plano de Atuação Docente para os 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
32
 
próximos dez anos. Alegra-me que tenha reativado, junto à 
Pró-Reitoria de Pesquisa, o Grupo de Estudos em Educação 
e Representações Sociais, antigo NEPERS, pelo trabalho 
pioneiro de seus líderes, incluindo a realização, em Natal, na 
UFRN, da I Jornada Internacional de Representações Sociais 
(I JIRS), hoje,em sua XI edição, realizada em 2019, na UFRGS. 
Há muito ainda o que dizer sobre as múltiplas leituras 
do memorial da Professora Erika dos Reis Gusmão Andrade, 
mas devo concluir. Sabemos que um dos grandes avanços 
do memorial em termos de instrumento de avaliação é o de 
permitir uma avaliação qualitativa e processual das ações e 
percepções de quem narra, diferentemente da avaliação do 
Curriculum Vitae, eminentemente quantitativa e pontual. 
Numa perspectiva didática, o memorial ajuda a compreender 
a caminhada humana: existencial, intelectual, espiritual, 
profissional de professores universitários. Do ponto de vista 
político, é a singularidade do percurso que é valorizada. 
Para os pesquisadores da nova geração de titulares, não 
seria a perspectiva adotada por Erika, que retoma no seu 
Memorial o Plano de Atuação Docente (MPAD), previsto nas 
Resoluções anteriores a 2012, a mais adequada? O fato de os 
jovens titulares acederem ao último nível da carreira em plena 
marcha me parece levar a dividir a escrita do memorial nestes 
dois movimentos, retrospectivo e prospectivo, entre os quais 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
33
 
o humano vive sua vida, no seu aqui-agora. Por essa razão, 
apagar o Plano de Ação seria negligenciar a grande riqueza 
crítica e reflexiva sobre o hoje e o amanhã. Admito que não 
narramos nossa história para nos enclausurarmos no passado, 
mas para projetar nosso vir-a-ser. É o que afirma Delory-
Momberger (2008) na epígrafe que abre este prefácio, para 
quem “Só pode haver sujeito de uma história a ser feita”. Para 
um olhar menos avisado, o memorial, como toda narrativa 
autobiográfica, tende a ocultar essa visão prospectiva que 
lhe dá vida, corpo, sangue e espírito. Esse gênero discursivo 
se conclui quando o ponto final coincide com o presente de 
quem narra, deixando aberto o horizonte para novas histórias 
a serem narradas. A vida é uma história a ser narrada. Ou 
como diria Ricœur (2010, p. 197)17, quando interroga a relação 
entre a vida e a narração: “A vida: uma narrativa em busca 
de narrador”. É isso que faz o encantamento dos memoriais 
para mim. Com Delory-Momberger (2008, p.65), admito que 
é “nessa direção primeira de um ser-a-vir e de um ser-para 
que o eu se constrói como tendo-sido”. E acrescentaria, como 
ser-sendo-e-estando-aqui-e-agora, na incessante e complexa 
permanência efêmera do ser.
17 Ricœur, Paul. Escritos e conferência I. Em torno da psicanálise. Trad. Catherine 
Goldenstein; Jean-Louis Schlegel. São Paulo: Loyola, 2010. 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
34
 
Devo finalizar. Para isso, retomo a figuração que Erika 
faz dela mesma como “filha de Iansã”, que “sobre os abismos, 
passa e vai em frente. Ela não busca a rocha, o cabo, o cais. 
Mas faz da insegurança a sua força e do risco de morrer, seu 
alimento”. Iansã anda na direção do futuro, como faz Erika 
na direção de um futuro próximo e que desejo cada vez mais 
pleno: 
É com essas propostas de trabalho para a continuidade 
de minha atuação profissional que finalizo este texto 
memorial, tendo ciência das inúmeras lacunas que possa 
ter deixado ao longo de sua construção; circunscrita à 
possibilidade temporal de escrita em dois meses, tendo 
em vista à eminência de meu afastamento para o estágio 
pós-doutoral e o contexto político/administrativo que 
ronda o serviço público federal; mas convencida de que 
valeu cada passo e aprendizagem inesperada, nessa tra-
jetória de uma moça malcomportada. 
Natal, primavera de 2020.
Maria da Conceição Passeggi
Professora Titular
Universidade Federal do rio Grande do Norte
Universidade Cidade de São Paulo
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
35
 
SUMÁRIO
1 A feitura do memorial, um grande desafio de reflexão sobre o 
inesperado. ...................................................................................36
2 Primeiro inesperado: de classe média burguesa à trabalhadora 
da educação ................................................................................ 44
3 Segundo inesperado: a mudança de estado e realidade 
sociocultural e o encontro com a academia e com a Teoria das 
Representações Sociais ................................................................65
4 Terceiro inesperado: ser professora concursada numa universi-
dade federal ................................................................................ 94
5 Quarto inesperado: a Pró-Reitoria de Graduação – ser adjunta 
de uma pasta complexa ............................................................. 126
6 Quinto inesperado: Ser professora titular no contexto atual, 
uma proposta de trabalho para mais 10 anos de carreira .........151
7 Referências ..............................................................................166
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
36
 
A feitura do memorial, 
um grande desafio de reflexão 
sobre o inesperado
A memória é um resto. Um resto 
do que já não é mais: esta é sua 
própria condição. [...] o memorial 
provém de duas dinâmicas apa-
rentemente contraditórias, mas na 
realidade, complementares, uma 
sendo feita da memória provedora 
de configurações identitárias, 
ao passo que a segunda as cons-
titui em receptáculo. (p. 267)
Véronique Marie Braun Dahlet18
Este texto tem como objetivo descrever minha trajetória 
acadêmica na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 
18 DAHLET, Véronique Marie Braun. Memorial e a formação da memória. IN 
PASSEGGI, Maria da Conceição; BARBOSA, Tatyana Mabel Nobre. (orgs.) 
Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal, EDURFN; São 
Paulo: Paulus, 2008. P. 267-275.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
37
 
como parte dos requisitos para a progressão vertical para 
Professora Titular, tendo em vista o que dispõe o Plano de 
Carreira (Portaria MEC número 982, de 07 de outubro de 
2013) e também as normas da UFRN (Resolução número 
067/2017- CONSEPE, 13 de junho de 2017). Nesse sentido, 
apresento as atividades desenvolvidas desde a minha inserção 
profissional na Universidade, no âmbito do ensino, da pesquisa 
e da extensão, bem como meu percurso pela minha formação 
acadêmica e de vida, que me fizeram chegar até aqui.
Conforme a resolução número 067/2017- CONSEPE, de 
13 de junho de 2017, Art. 28, o memorial deverá, de forma 
discursiva e circunstanciada, demonstrar excelência e especial 
distinção nos seguintes aspectos:
I. descrição e análise das atividades de ensino, pesquisa 
e/ou extensão desenvolvidas pelo docente, incluindo 
sua produção científica;
II. descrição de outras atividades, individuais ou em 
equipe, relacionadas à sua área de conhecimento;
III. descrição de outras atividades acadêmicas e 
institucionais complementares, incluindo atividades 
administrativas e/ou representações institucionais 
de cunho acadêmico, dentro ou fora da UFRN.
Assim, me é posto o desafio de fazer uma reflexão sobre 
como chego, hoje, a ser uma professora na UFRN, mas só posso 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
38
 
fazê-lo olhando a trajetória que trilhei para chegar até aqui. 
Eis um desafio ainda maior: olhar como fui me constituindo 
acadêmica das ciências humanas na trajetória construtiva de 
mim mesma, sendo que não sou mais aquela pessoa naqueles 
diferentes momentos; olhar para um eu que já não existe, pois 
se transformou no que sou hoje. Como afirma a professora 
Passeggi (colega que fez parte de minha trajetória), em seu 
texto Memoriais auto-bio-gráficas: a arte profissional de 
tecer uma figura pública de si, construir esse documento 
“é aparar a si mesmo com suas próprias mãos [...], aparar é 
ajudar a nascer” (PASSEGGI, 2008, p. 27). 
Costumo brincar com os estudantes que frequentam meus 
componentes ou são meus orientandos de iniciação científica, 
mestrado ou doutorado: digo que tive muitas vidas e muitas 
histórias. Algumas delas não caberiam em um memorial dessa 
natureza, claro, masoutras sim, pois só por elas pude chegar 
a minha vida atual. Por isso, o meu percurso reflexivo fará 
um esforço de, com meus olhos atuais, com as possibilidades 
que a Teoria das Representações Socias (referente teórico ao 
qual me filio e construo minha atuação acadêmica) pôde me 
dar, retomar a minha trajetória de formação articulando as 
vivências, aprendizagens de vida e acadêmicas.
Como defende Severino (2001, p.175), 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
39
 
[o memorial] é uma autobiografia configurando-se como 
narrativa, simultaneamente histórica e reflexiva. Deve 
então ser composto sob a forma de relato histórico, ana-
lítico e crítico, que dê conta dos fatos e acontecimentos 
que constituíram a trajetória acadêmico-profissional de 
seu autor. 
Outro grande desafio que se me apresenta é fazer tal 
reflexão em momento tão difícil para quem trabalha com 
educação básica e superior, no nosso país. Desde 2016, mas 
mais acirradamente desde o final de 2018, o campo da edu-
cação no Brasil tem sido desqualificado e perseguido pelos 
defensores da política ultraneoliberal e contrária à ciência e 
academia. Movimento esse que atinge a todos, professores 
e professoras, acadêmicos e acadêmicas, cientistas, que são 
comprometidos com a construção e democratização dos 
conhecimentos nas diferentes áreas e que colaboram para 
que a população possa ter acesso ao conhecimento e por meio 
dele possa se posicionar socialmente.
Sendo assim, já assumo o meu lugar epistemológico, mas 
também social e político, de me colocar ao lado das concepções 
formativas que propõem a defesa da educação pública, laica, 
de qualidade e sócio referenciada para todos os brasileiros, 
em especial, para aqueles que, em suas trajetórias históricas 
nesse país, foram excluídos do acesso ao conhecimento, ao 
trabalho digno e à saúde de qualidade.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
40
 
Ao estruturar o texto do memorial me deparei, ao pensar 
em minha trajetória, com a sua constituição em vários ines-
perados. Não acredito que existe um ser escrevendo nossos 
caminhos, alheio ao que fazemos, por isso, falo de inesperados. 
Tenho a certeza de que foram as respostas que pude dar, em 
cada momento, a cada um deles, que me fizeram chegar aqui. 
Tomo esse termo “inesperado” de empréstimo do título do 
livro de Marcelo Gleiser (2016), A simples beleza do inespe-
rado: um filósofo natural em busca de trutas e do sentido 
da vida, que me foi recomendado pela professora Conceição 
Almeida, muito importante para minha aprendizagem de ser 
mulher acadêmica, quando soube que ingressaria nesta tarefa 
de escrever meu memorial. Esse termo me caiu muito bem.
Outro texto que foi de grande impacto em minha vida foi 
de Simone de Beauvoir, sua biografia, que li pela primeira vez 
em 1987, logo que entrei no curso de Pedagogia, por indicação 
de uma colega feminista (eu ainda sabia muito pouco sobre 
isso) num exemplar impresso pelo Clube do Livro. Entender 
a trajetória de uma grande mulher e pensadora do século XX 
foi impactante. Muita coisa só compreendi muito mais tarde, 
depois de outras tantas leituras, mas o título Memórias de 
uma moça bem-comportada me inquietava. Sempre pensei, 
se eu, um dia, fosse escrever algo sobre mim, seriam memórias 
de uma moça mal comportada.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
41
 
É com a articulação dessas duas influências que titulei 
este memorial: Memórias de uma moça mal comportada: 
uma vida inesperada. Divido o texto em cinco inesperados 
que foram determinantes em minha trajetória formativa, mais 
ainda para a construção da acadêmica que sou hoje na UFRN. 
Em o Primeiro inesperado: de classe média burguesa 
à trabalhadora da educação, trato sobre uma menina que, 
nascida na classe média burguesa em 1966, neta de um coronel 
da polícia militar, pelo lado de mãe e de uma matriarca batista, 
pelo lado do pai, chega à trabalhadora da educação e mãe 
solo aos 21 anos de idade. Experiências e marcadores que 
transformam o meu olhar sobre a educação brasileira e suas 
formas de exclusão, o universo feminino, e principalmente, 
o país onde eu estava vivendo.
No Segundo inesperado: a mudança de estado e de 
realidade sociocultural e o encontro com a academia e 
com a Teoria das Representações Sociais, trato de como a 
mudança de estado e o contato com a universidade pública, 
mais especificamente com a Teoria das Representações Sociais 
e os programas de formação de professores, me ajudaram a 
qualificar o meu pensar, com isso as minhas propostas de 
investigação e a minha compreensão crítica do fenômeno 
educativo, em especial no Nordeste brasileiro.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
42
 
Em o Terceiro inesperado: ser professora concursada 
numa universidade federal, procuro fazer uma reflexão crítica 
sobre a finalização de meu doutoramento e o desemprego que 
assola tão alta formação, a busca de oportunidade no sudeste 
do país, o confronto com a realidade do ensino superior 
privado e o retorno ao universo público, possível devido às 
mudanças de perspectivas políticas do novo governo, a partir 
de 2003. A partir de 2004, já como professora concursada 
do quadro efetivo da UFRN, na área de Fundamentos da 
Educação e Didática, circunstancio a minha consolidação 
como professora, pesquisadora e gestora no Departamento de 
Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFRN 
e, em seguida, no Departamento de Fundamentos e Políticas 
da Educação do Centro de Educação.
O Quarto inesperado: a Pró-reitoria de Graduação – ser 
adjunta de uma pasta complexa me remete a uma experiência 
mais recente (2015-2019), mas profundamente impactante 
para pensar a universidade pública como um todo, mais 
especificamente a UFRN, suas decisões e encaminhamentos 
no que se refere ao ensino de graduação, aos seus dilemas, 
dificuldades, desafios e busca de soluções. Essa experiência 
mais profundamente me possibilitou uma reflexão sobre a 
formação do professor e seu impacto na formação geral e 
profissional dos graduandos, bem como sobre as diferentes 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
43
 
concepções formativas que povoam as práticas pedagógicas 
dentro da universidade pública.
Para finalizar, busco em o Quinto inesperado: Ser pro-
fessora titular no contexto atual, uma proposta de trabalho 
para mais 10 anos de carreira fazer uma reflexão sobre como, 
a partir de agora, sendo aprovada ou não como professora 
titular, pretendo configurar as linhas de continuidade na 
construção da minha trajetória como professora universitária 
em uma universidade pública diante do contexto sociopolítico 
no qual estamos inseridos, que deverá durar no mínimo 
mais três anos. Desta forma, atendo também ao proposto 
na legislação, anunciada no início desta introdução como 
Plano de Trabalho.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
44
 
Primeiro inesperado: de classe média 
burguesa à trabalhadora da educação
É vista quando há vento e grande 
vaga. Ela faz um ninho no enrolar 
da fúria e voa firme e certa como 
bala. As suas asas empresta à 
tempestade. Quando os leões do 
mar rugem nas grutas. Sobre os 
abismos, passa e vai em frente. 
Ela não busca a rocha, o cabo, 
o cais. Mas faz da insegurança 
a sua força e do risco de morrer, 
seu alimento. Por isso me parece 
imagem e justa. Para quem vive 
e canta num mau tempo.
Paulo Cézar Pinheiro e Pedro 
Caminha e Dorival Cayme 19
Nasci em 10 de abril de 1966, outono no Brasil. Estávamos 
no começo da ditadura militar, mas já tínhamos editados 
19 Música O Vento - Procelaria - A Dona do raio e do vento, cantada/recitada 
por Maria Bethânia em seu disco Carta de Amor – Ato I. 2006.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
45
 
os Atos Constitucionais 1, 2 e 3. Só vim a saber o que isso 
significava muitos anos depois. Primeira filha de um casal, 
para época já balzaquiano, minha mãe tinha 30 e meu pai35 anos; depois de mim vieram minha irmã e meu irmão. 
Nasci em tempos de ventania! Fui batizada aos três meses, em 
nome de Nossa Senhora das Graças, aquela que pisa em uma 
serpente e emana raios de graças pelas mãos. Era um costume 
na época, mas se deu devido a um encontro entre ela (uma 
pequena imagem que tenho até hoje) e minha mãe, na praia 
do Rio Vermelho, no dia de Yemanjá, quando ainda grávida 
de mim. Só em 2015, ao arrumar caixas de fotografias para 
mais uma mudança, foi que me dei conta que era esperado um 
menino, pelas roupas azuis das primeiras fotos. Engraçado, 
isso nunca me foi uma questão problemática.
Família de classe média, ambos migrantes do interior 
do estado da Bahia para a capital. Minha mãe era dona de 
casa, ‘do lar’, como se dizia. Era apaixonada por livros e por 
estudos, mas fez apenas até o início do secundário, pois meu 
avô, coronel da polícia militar, entendia que mulheres não 
precisavam de estudos. Meu avô era um caboclo, filho de 
índia com mestiço, que ascendeu socialmente graças à entrada 
precoce na Polícia Militar ainda na região de Itabuna (Velha 
Boipeba) e seu tino para negociações. Casou-se com minha vó, 
uma branca loura, filha de portugueses. Produto das relações 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
46
 
mestiças, elitistas e paradoxais do Brasil. Minha mãe nasceu 
em Ilhéus, penso que devido ao trabalho de meu avô no 
quartel; foi a segunda filha (o primeiro foi homem). Vieram 
para Salvador depois que meu avô entrou para reforma.
Meu pai, filho de uma batista ortodoxa e comerciante de 
secos e molhados (como se dizia), da cidade de Vitória da 
Conquista, arrimo da família desde muito jovem, veio para 
Salvador quando seus irmãos mais novos precisaram fazer 
faculdade. Meu pai não fez, se tornou um administrador por 
intuição e foi cuidar de uma empresa de construção civil da 
família, pois seu irmão caçula se formou em engenheiro civil.
Não sei bem como se conheceram. Alguns familiares 
dizem que foi em uma festa de clube, na qual minha mãe foi 
escondida de meu avô, sob a proteção de uma madrinha. Aí 
começou uma desavença entre as famílias. O casamento foi 
muito tenso. Só quando eu nasci (10 meses após a cerimô-
nia) as coisas se acalmaram. Cresci nesse ambiente familiar 
onde parecia estar tudo perfeito. Apesar de sempre termos 
morado de aluguel, tínhamos conforto, colégio particular, 
frequentávamos clubes, meus pais faziam parte do Lions 
Club. Só muito mais tarde, eu descobri que não tínhamos casa 
própria porque meu pai pagava os desfalques que seu irmão 
engenheiro dava na empresa e nada dizia para não perturbar 
minha vó; que meu avô praticou por muito tempo agiotagem 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
47
 
e quase foi expulso da corporação correndo o risco de perder 
os rendimentos. Uma família perfeita de classe média em 
plena ditadura.
O período mais difícil para mim foi o final da década 
de 1970 e início de 1980. Em 1978, descobrimos que minha 
mãe tinha câncer e toda a economia possível da família foi 
empregada em seu tratamento, mas com a morte de meu pai, 
em junho de 1979 (no dia de seu aniversário de casamento), de 
um enfarte fulminante, a doença se agravou e ela também se 
foi, em dezembro de 1980. Penso que o sofrimento com o com-
portamento do irmão e o fato de ser um fumante contumaz 
desde os 13 anos o levou ao infarto, e isso abalou fortemente 
a minha mãe, fragilizando-a. Era um casal extremamente 
unido. É aqui que tudo muda!
Eu com 14 anos, quase 15, agora em 1981, junto com 
minha irmã, morávamos com minha vó paterna batista. Eu, 
católica, criada por minha mãe muito próxima do ecumenismo 
religioso, como dizíamos na Bahia. Meu pai não se metia 
nessa questão, acho que não se indisporia nem com minha 
mãe, nem como minha vó. Esta, por sua vez, muito ferida 
por ter perdido o filho mais velho, seu companheiro de vida 
(é uma leitura que faço hoje depois de muita terapia). Ela 
própria enviuvou aos 27 anos e nunca se casou de novo. Eu e 
minha irmã mudamos de escola. Já havíamos saído do Colégio 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
48
 
Antônio Vieira, confessional jesuíta, no qual estudamos desde 
o ensino fundamental; naquela época chamava-se ensino 
primário, devido a um aborrecimento entre o padre diretor e 
minha mãe, pois ele não aceitava nossa queda de rendimento 
mesmo com a morte de meu pai e a doença materna.
Fomos para escolas de bairro, com baixa qualidade20, mas 
era o possível naquele momento, além de que havia muita 
confusão familiar devido ao tratamento difícil a que minha 
mãe se submetia, indo e voltando de São Paulo para cirurgias e 
orientações. Até então, vivíamos em um mundo extremamente 
cercado, sem nenhuma agrura e desfrutando de fazer parte de 
um grupo privilegiado em nosso país. Apesar de não sermos 
ricos, hoje entendo, fazíamos parte de um grupo de classe 
média que se sentia em ascensão por desfrutar de algumas 
benesses das elites, mas que vivia do seu trabalho e sem ele, 
não se adequava mais à vida da classe média (SOUZA, 2019). 
Ao entrar nessa nova escola, Nossa Senhora de Lourdes, o 
Lourdinha, que nada tinha de católico a não ser o nome, tive 
o primeiro impacto desse abismo social. Agora eu já estava 
no Ensino Médio, naquela época ainda Segundo Grau.
20 Mesmo entendendo que esse termo, qualidade, seja polissêmico, o usamos 
aqui para nos referir a uma escola com pouca atenção aos processos de 
aprendizagem dos estudantes, muito mais preocupada com o lucro que eles 
davam. Infelizmente ainda temos essa realidade no país.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
49
 
Era uma escola privada, de certo, mas apenas voltada 
para a certificação dos que ali ingressavam. Praticamente não 
tínhamos aulas de verdade. Pessoalmente, foi uma experiência 
bastante interessante. Ninguém controlava nossa frequência 
e é claro que ganhávamos a rua. Foi um ano improdutivo 
escolarmente, mas absolutamente rico de aprendizagens. 
Sempre fui uma criança calma, mas não tímida, sempre fui 
ousada, mas nunca me meti em nada sem avaliar os riscos. 
Tendo ido morar com minha vó, não poderia mais ficar 
nessa escola, era demais para ela. Ela nos queria sob seu olhar 
atento. Então fomos para outra escola, Colégio São Paulo, cujo 
dono/diretor era um reverendo da Igreja Presbiteriana. Era 
uma escola mais laica, é verdade. Melhor conceituada que o 
Lourdinha e não era católica, além de ser na mesma rua em 
que morávamos. Acho que isso atendia aos requisitos. 
Esse ano de 1981 foi riquíssimo em descobertas! Além 
das desconfianças de que o que estávamos passando não era 
apenas um infortúnio familiar, embora também o fosse, ao 
entrar na nova escola conheci um novo mundo de amizades. 
Aquelas do Lourdinha não perduraram. As amizades da 
infância, com tantas altercações socioeconômicas, não vin-
garam. Embora fossem todos estranhos, fiz queridos amigos, 
relevantes para minha vida até hoje. Nunca fui de muitos, é 
verdade, acho que sempre pude contar como amigos próximos, 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
50
 
um número que cabe numa mão. Mas nunca fui inibida ou 
fechada. Apenas era assim. Um desses amigos, Iúri, se tornará 
mais tarde meu marido, um pequeno inesperado.
Também nesse momento conheço alguém fundamental 
para minha formação. Nem sei se um dia ele soube do impacto 
que teve em mim. O professor Zé Carlos, de história. Militante 
contra a ditadura militar, participou de diversos movimentos, 
foi preso e torturado. Sinceramente, acho que ele conseguiu 
aquela vaga de professor com ajuda de alguém que o queria 
proteger. Acho que minha vó também não conhecia muito 
bem o Reverendo, diretor da escola. Em suas aulas ele nos falou 
de uma história que nunca havíamos escutado, e de forma 
lúdica e verdadeira, mas sem se expor demais. Ele nos falava 
do que de fato havia acontecido em nosso país nessas duas 
décadas; que a ditadura era uma constante em nossahistória 
e a defesa da democracia era muito difícil, pois, no Brasil, 
ela tinha uma marca muito forte da tradição escravocrata.
Zé Carlos foi responsável pela leitura de dois livros que 
me fizeram mudar a forma de ver o mundo: As veias abertas 
da América Latina (GALEANO, 1978) e Se me deixam 
falar... Domitilla: depoimento de uma mineira boliviana 
(VIEZZER, 1981). O primeiro desvelou a realidade da América 
Latina, incluindo o Brasil, na dolorida história de violên-
cias a que seu povo foi submetido e o segundo, através do 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
51
 
depoimento dessa corajosa boliviana, me apresentou não só 
a dimensão da luta de classes, mas o lugar assumido pelas 
mulheres e imposto a elas, principalmente trabalhadoras, 
nesse contexto. Foi como se uma bomba caísse em minha 
frente e tudo se tornasse outra coisa. Onde eu estava que 
nada disso vi? Na bolha!
Eu, que sempre fui uma criança gordinha e de óculos, 
agora já enfrentava uma obesidade mais severa. Juntando as 
turbulências e novas aprendizagens desses anos, as mudanças 
hormonais decorrentes da puberdade e adolescência, tudo 
se descontrolou. Ventania de novo. Mas agora eu queria ser 
protagonista. Nesse período, comecei a buscar alternativas 
de como ajudar as pessoas. Conheci alguns colegas católicos 
que faziam parte de grupos de jovens e comecei a participar 
de alguns eventos, muito mais de louvação que de ação e isso 
me incomodava. Até que conheci um grupo que se reunia na 
casa pastoral da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, na qual fui 
batizada, para reflexões sobre a bíblia, mais especificamente 
sobre o novo testamento e organização de ações comunitárias, 
como atendimento médico/odontológico por voluntários para 
as comunidades carentes em torno. Me entusiasmou.
Quem conhece Salvador sabe que sua organização urbana 
é muito peculiar. Embora a Vitória seja um bairro de classe 
média/alta, em seus entremeios se configuram comunidades 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
52
 
carentes, e em bairros circundantes também. Essa é uma 
configuração comum em Salvador. Embora esse trabalho e 
o conhecimento mais aprofundado da Bíblia tenham sido 
importantes para minha formação e compreensão do papel 
da religião na vida das pessoas, por si só, esse assistencia-
lismo não me parecia ajudar muito, serviam como unguento 
num momento de emergência, mas não resolvia. Ainda não 
sabia nada sobre a Teologia da Libertação e suas ações nas 
comunidades.
Salvador é uma cidade cheia de credos que vão se ema-
ranhando uns nos outros. Naquela época, não tínhamos 
ainda o movimento negro tão sistematizado e forte, então 
as religiões de origem africana existiam meio que submer-
sas, mas vibrantes na cidade. Também não tínhamos ainda 
a ascendência das religiões pentecostais e neopentecostais 
como hoje, nem os movimentos católicos carismáticos eram 
tão fortes. Chamo a atenção sobre esse aspecto, pois com 
o contato com as comunidades mais carentes, de maioria 
negra e com muitas referências no candomblé ou umbanda, 
passei a me interessar em conhecê-las melhor. Por outro 
lado, minha mãe, de certa forma, já havia nos aproximado 
do sincretismo, com seu pequeno altar doméstico, onde era 
possível encontrar as imagens católicas de São Francisco, 
Sagrada Família e Santa Bárbara (no sincretismo, Iansã) e 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
53
 
os cordões e guias de proteção preparados por algum pai ou 
mãe de santo, os búzios e incensos. Herdei a maioria, aliás 
essa foi minha herança física, junto com algumas xícaras e 
pratos de seu enxoval de casamento.
Hoje reflito que essa busca pelo religioso e sagrado, se deu 
como forma de manter viva a memória de minha mãe, mas 
também foi tentativa de achar respostas para tantas perdas e 
fraturas dessa época. Não me tornei uma religiosa, mas uma 
pessoa que entende que existem muitos mistérios na vida 
e que, enquanto a ciência não dá conta de respondê-los, a 
religiosidade e a fé podem ajudar as pessoas. Não só elas, mas 
as ideologias, os valores e os afetos, junto com a religiosidade 
e a fé, se tornam um amálgama simbólico que nos ajuda a 
compreender o mundo, andar por ele e pertencer a alguns 
grupos, e não a outros (MOSCOVICI, 1978; 2012); criamos, 
assim, as Representações Sociais. Essa forma de conhecimento 
cotidiana, que constrói e é construída na comunicação entre as 
pessoas pertencentes a determinados grupos, lhes possibilita 
uma forma de engendrar seu mundo (JODELET, 2001), mais 
ainda, sentir-se pertencentes.
Foi nesse ano, com a aproximação com o candomblé, 
que descobri, num jogo de búzio com um pai de santo, que 
sou filha de Iansã, aquela que “Sobre os abismos, passa e vai 
em frente. Ela não busca a rocha, o cabo, o cais. Mas faz da 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
54
 
insegurança a sua força e do risco de morrer, seu alimento”, 
como anunciei na epígrafe dessa parte. “Non creo el las brujas, 
mas que las hai, las hai”. A descoberta de Iansã me inspira na 
vida, Ela parece comigo, ou eu com Ela... Passei a ter como 
hobby a leitura sobre religiões, em especial o candomblé.
Em 1984, termino o segundo grau (reprovei no primeiro 
ano e tive que repetir) e no final desse ano, fiz meu primeiro 
vestibular, sendo aprovada para a Faculdade de Ciências 
Sociais da Universidade Federal da Bahia e, paralelamente, 
para a Faculdade de Jornalismo da Universidade Católica 
do Salvador. 
Passei a frequentar ambos os cursos no ano de 1985. A 
partir daí a inquietação começou a tomar conta de minha 
vida intelectual. O curso de Ciências Sociais se distribuía ao 
longo de toda a semana nos três turnos, configuração comum 
nos cursos das universidades federais na época, impossí-
vel para quem, como eu, precisava trabalhar. O Curso de 
Jornalismo, embora fosse em turno único, era muito caro 
e não vinha me dando as respostas que eu vinha buscando 
para a vida. Hoje, orientando tese de doutoramento que trata 
sobre mudança de curso por estudantes e as Representações 
Sociais de universidade, da doutoranda Telma Elita da Silva, 
reflito com ela sobre os dilemas do ingresso na universidade, 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
55
 
as questões socioeconômicas e identitárias que se articulam 
nesse importante momento, decisório para a vida.
Em 1986, a minha relação com meu corpo devido à obe-
sidade, já era bem difícil. Meu avô, que tinha falecido nesse 
ano, havia me deixado uma poupança e, novidade na época, 
se consolidavam modelos de tratamento da obesidade por 
internamento e redução drástica da ingestão de calorias. No 
entanto, essas clínicas não existiam em todo lugar, como 
acontece hoje, mas principalmente a partir do final da década 
de 1990, se concentravam no sudeste. Resolvi que entre o 
anúncio da aprovação no vestibular, final de novembro e o 
começo das aulas em março, me internaria em uma clínica 
conceituada que funcionava em Sorocaba. Funcionou, perdi 
32 kg entre dezembro e fevereiro, mas voltei grávida. Não 
havia restrições de relacionamentos e com alterações no 
metabolismo devido ao modelo de emagrecimento e aos 20 
anos de idade, aconteceu. O único problema, porém, era que 
o pai não queria ser pai. Então, voltei para Salvador, para a 
casa da minha vó batista, mãe, solo e magra.
Um misto de insatisfação e idealismo se efetivou no final 
desse mesmo ano com a inscrição em novo concurso de 
vestibular, desta vez para a Faculdade de Educação da Bahia - 
FEBA (hoje mais conhecida como Faculdades Olga Mettig). A 
opção por um curso de Pedagogia veio por idealismo, achava 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
56
 
que poderia mudar algo numa sociedade tão desigual, que me 
foi apresentada pelas disciplinas de fundamentos do curso de 
Ciências Sociais, mas também para encorajar uma amiga que 
tinha medo de fazer o vestibular. Me preocupava em fazer um 
curso que me possibilitasse mudar essa organizaçãosocial. 
Uma visão ingênua, no mínimo, mas era minha reflexão 
sobre o meu papel enquanto sujeito nessa história.
Escolher uma faculdade isolada21, numa fundação, na qual 
o curso era pago, se deveu à necessidade, já premente, agora 
mais que nunca, de sobrevivência. Precisava trabalhar para 
viver, coisa que não era possível na Federal pela característica 
organizacional do curso, nem na Católica, em função dos 
valores cobrados. Ingressei no curso de Pedagogia em 1987 
e, não tenho medo de dizer que me apaixonei pela área, mas, 
como em toda paixão, os medos também surgiram: medo de 
não ser boa professora, medo de não dar conta da amplitude 
de conhecimentos para a atuação profissional. O ano de 1987 
foi de gestação de Sarah e da Pedagogia. A primeira, nasceu 
em agosto e a segunda tem nascido em/de mim de formas 
diferentes ao longo desses anos.
21 Chama-se faculdade isolada aquelas instituições que não se integram 
a nenhum sistema universitário e que têm como missão a formação 
de profissionais em áreas específicas para atuação no mercado de 
trabalho. No caso da FEBA, na época, oferecia os cursos de Pedagogia 
e Administração. Não há estrutura acadêmica de extensão e pesquisa.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
57
 
A partir do contato com as colegas de curso, comecei 
a conhecer o universo dos professores de redes públicas e 
privadas, pois a maioria já atuava profissionalmente, como 
era comum na época; a maioria já tinha o curso de magistério, 
de nível médio/profissionalizante. Conforme mais tarde, 
estudamos na disciplina de História da Educação, a partir 
da análise feita por um texto das professoras Ribeiro (1989) 
e Romanelli (1991), o curso de magistério é uma evolução 
das escolas normais, criadas em alguns estados entre 1890 
e 1893, que visava à formação para o magistério primário 
e que vai passar por diferentes configurações ao longo da 
história legislativa educacional do país. Nesse momento, se 
configurava em um curso de nível médio profissionalizante, 
com o objetivo de inserção no mercado de trabalho das jovens, 
em sua maioria das camadas populares, que queriam ter 
uma formação que lhes permitisse uma profissão com renda. 
Lembremos que, embora a década de 1980, seja reconhecida 
como de abertura política, ainda estamos sobre a influência 
do pensamento ditatorial, conservador e militar, no caso da 
educação, sob a égide da LDB 562/71.
Me iniciei nas aprendizagens sobre maternidade (coisa 
que nunca havia me passado antes pela cabeça) através da 
leitura. Minha vó ainda não aceitava a ideia, então me tratava 
como se não estivesse grávida; não tinha primas ou irmãs com 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
58
 
filhos, nem nenhuma tia próxima. Mais uma vez a influência 
do gosto por ler e por buscar soluções nos livros, deixada por 
minha mãe, me salvou. Então, além dos textos das discipli-
nas introdutórias da pedagogia, me apeguei à revista Pais 
& Filhos e a um livro antigo sobre puericultura, Meu filho, 
Meu tesouro22. A revista, mais atualizada, salvou Sarah de 
ser afogada na banheira ou superalimentada com farináceos, 
além de me tranquilizar nesse desafio.
Foi em 1988 que consegui meu primeiro trabalho em 
educação, como professora de segunda série numa escola de 
subúrbio de Salvador, no Centro Educacional Santa Rita no 
bairro de Roma, graças à confiança de minha tia Magna, que 
me indicou para sua irmã, dona da escola. Essa escola tinha 
uma característica interessante: apesar de ser privada, era 
conveniada com uma fábrica de chocolates, Chadler, instalada 
em suas vizinhanças23. Sua clientela era, na maioria, filhos de 
funcionários desta empresa, pobres e negros, como é comum 
na periferia de Salvador. 
22 Perdi meu exemplar em alguma das mudanças ou foi devorado pelas batalhas 
que tive com os cupins de Natal. Recuperei, pela internet, o ano de sua 
publicação, 1946, e sua autoria, Dr. Benjamim Spock, pela Editora Record.
23 Como em grande parte da periferia de Salvador e não diferente das grandes 
cidades do país, a população era negra e pobre. As colegas professoras não 
eram brancas. Não foi fácil, para mim, que herdei o biotipo de minha vó 
paterna de origem espano/portuguesa, branca e de cabelos lisos, fazer com 
que o estranhamento de lugar não ocorresse.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
59
 
Será no desempenho prático que novas inquietações vão 
tomando o lugar dos medos do início do curso. Também 
podia levar Sarah e deixá-la na sala de educação infantil 
enquanto trabalhava, realidade de muitas professoras. Roseli 
Fontana (2003) faz uma discussão bastante aprofundada 
sobre o imbricamento das dimensões da vida feminina com 
a docência, a partir da feminização da profissão, quando 
reflete sobre como nos tornamos professoras. Também sobre 
a condição do feminino e a profissionalização da docência, 
acatamos as discussões feitas por Paulo Freire em diversos 
textos, mas em especial em seu Professora sim, tia não: 
cartas a quem ousa ensinar (FREIRE, 1993).
Atendendo a uma camada social de poucos recursos 
financeiros e baixa formação educacional, comecei a visu-
alizar a articulação prática entre os problemas sociais e a 
efetivação da educação na sala de aula. Problemas como 
violência doméstica, desestruturação familiar, alcoolismo dos 
pais, analfabetismo, indisciplina, falta de atenção, problemas 
de aprendizagem graves, abandono, entraram em ‘minha’ 
sala de aula muitas vezes me levando a pensar em desistir, a 
pensar na minha impotência diante de algo tão grandioso. 
Através das leituras e discussões provocadas pelos professores 
na faculdade, fui entendendo melhor a relação entre tais 
problemas e as condições estruturais de vida das pessoas, 
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
60
 
como condição de moradia, acesso ao trabalho, a transporte e 
saúde com dignidade, ou seja, a políticas públicas estruturais 
que possibilitem uma vida digna.
Autores como Paulo Freire (1979), Demerval Saviani (1991; 
2001), Bárbara Freitag (1980), Jean Piaget (1986; 1975), Lev 
Vygotsky (1998), Lev Vygotsky, Luria e Leontiev (1998), Karl 
Marx (1974), Emília Ferreiro e Ana Teberovsky (1984), Libâneo 
(1994; 2001), Carlos Luckesi (1994), Aníbal Ponce (1989)24 
e outros, nos permitiam pensar sobre a função social da 
educação, sobre a formação e estruturação do pensamento, 
sobre a relação conhecimento e constituição do sujeito, sobre 
as implicações sociais da prática educativa, sobre para que e 
para quem pode estar a serviço a educação e como, enquanto 
educadores, contribuíamos para a constituição de sujeitos 
críticos e participativos. Inicio, aqui, o meu desvencilhar 
de uma visão ingênua da educação através de uma reflexão 
que começa a se fazer crítica, embora com tropeços, a partir 
de uma inter-relação efetiva com a minha prática enquanto 
professora.
No decorrer do curso, me aproximei mais das áreas de 
alfabetização e aquisição da escrita, fazendo mini estágios 
em metodologia da alfabetização e da língua portuguesa. 
24 Muitos desses textos eu acessei usando a biblioteca da faculdade ou tirando 
cópias de colegas e só posteriormente pude adquirir os exemplares.
Memórias de uma moça malcomportada: uma vida inesperada
61
 
Foi nesse período que comecei a definir melhor minha área 
de interesse dentro da Educação, preocupada sobre como as 
crianças desenvolvem o processo de aprendizagem, sobre as 
dificuldades que muitas vezes encontram para efetivar essa 
aprendizagem, e como se estabelecem, na escola, as relações 
entre esse sujeito que aprende e o conhecimento. Fui desco-
brindo a afinidade com a Psicologia da Educação. 
Aqui entra a contribuição do professor Rodrigues que nos 
ensinava essa disciplina e já me fascinava com a compreensão 
dos fenômenos subjetivos e simbólicos e suas articulações 
com o aprender. Outra questão que começou a me inquie-
tar foi como a identidade dos sujeitos se constitui, e qual a 
interferência

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