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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL MÉRCIA SILVA BRITO DOS SANTOS O TRABALHO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO ÂMBITO DE UNIDADES DE EMERGÊNCIA: O CASO UPA SUL – DR. LEÔNIDAS FERREIRA EM NATAL/RN NATAL/RN 2020 Mércia Silva Brito dos Santos O trabalho profissional dos Assistentes Sociais no âmbito de unidades de emergência: o caso upa sul – Dr. Leônidas Ferreira Monografia submetida à coordenação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Dr. Roberto Marinho. NATAL/RN 2020 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Santos, Mercia Silva Brito Dos. O trabalho profissional dos assistentes sociais no âmbito de unidades de emergência: o caso UPA Sul - Dr. Leônidas Ferreira em Natal/RN / Mercia Silva Brito Dos Santos. - 2020. 73f.: il. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social, Natal, RN, 2020. Orientador: Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva. 1. Sistema único de saúde - Monografia. 2. Unidade de pronto atendimento - Monografia. 3. Serviço Social - Monografia. 4. Saúde - Monografia. I. Silva, Roberto Marinho Alves da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 364:61 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 Mércia Silva Brito dos Santos O trabalho profissional dos Assistentes Sociais no âmbito de unidades de emergência: o caso upa sul – Dr. Leônidas Ferreira Monografia submetida à coordenação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Aprovada em: ___/___/____ BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva (Orientador) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Prof.ª Dr.ª Eliana Andrade da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Laíz Cristina de Oliveira – CRESS: 4603/RN Assistente Social da UPA Sul - Dr. Leônidas Ferreira NATAL/RN 2020 Dedico este trabalho exclusivamente à Deus, por ter me sustentado durante toda esta caminhada, por ter fortalecido a minha fé quando pensei que não iria ter mais força para caminhar. A Ele à Honra, à Glória e todo Louvor. AGRADECIMENTOS Hoje estou imensamente feliz por estar se fechando um ciclo tão significativo na minha vida, a minha tão sonhada graduação. Porém, tem um detalhe, não conseguiria chegar até aqui sozinha, nesta intensa jornada de estudos encontrei muitos braços que me apoiaram para que eu chegasse até aqui e hoje em mim aflora o sentimento de gratidão por todos vocês. Em primeiro lugar agradeço a Deus por ter acreditado em mim, por ser meu maior incentivador, o meu amigo de todas as horas, e principalmente, daquelas que eu precisei literalmente de um milagre. Agradeço a meu Deus pelo trabalho em equipe, por todas as pessoas formidáveis que colocou em minha vida nessa trajetória acadêmica. Agradeço aos meus pais por todo esforço empenhado ao longo da vida por mim, uma família de oito filhos, mas sempre se empenharam para nos oferecer o melhor que podiam. Ao meu pai José Garcia de Brito (in memoriam), hoje só queria poder te dar um abraço e te entregar esse certificado, como prêmio de todos os seus anos de duro e árduo trabalho. A você Severina Brito, minha mãezinha querida, toda minha gratidão, a senhora que nunca mediu esforços pra me ajudar, te agradeço por todas as suas renúncias para me proporcionar sempre o melhor, por suas orações e sua dedicação em puro amor. Em especial à minha Família, ao meu esposo Alex, por abrir mão dos seus próprios sonhos para me fazer sonhar. Obrigada, meu amor, quando decidiu que deveríamos nos mudar para próximo da UFRN para facilitar meu trajeto casa/universidade por causa de uma gravidez de risco, por todas as vezes que precisou exercer o papel de pai e mãe ao mesmo tempo, da destreza de levar Laurinha nas horas do intervalo para amamentar. Desculpa, pelos momentos que tanto precisou de mim e não pude te ajudar e não compreendia que eram necessárias tantas horas/dias de empenho aos estudos, mas mesmo assim, nunca deixou de me apoiar e me proporcionar momentos à sós para estudar, sem você esse sonho não se tornaria realidade. A você Stefanny, minha primogênita, que deu o primeiro passo para tudo isso acontecer, quando fez nossas inscrições juntas no Enem, nem eu mesma acreditava na minha capacidade, mas fui fazer a prova para te agradar, daí veio a grande surpresa “Aprovadas na Federal”. Deus realiza sonhos, foi maravilhoso compartilhar da mesma vida acadêmica com você, essa experiência me ressignificou em muitas áreas, me tornando um ser humano muito melhor. A nossa caçulinha Laura Helena, filha enfrentamos tantos desafios juntas, você ainda no meu ventre, este certificado também é seu, você compartilhou esse sonho com a mamãe desde suas primeiras sete semanas de vida, e hoje me alegro de te ver tão linda e esperta com quase quatro anos de idade. Minha gratidão família, amo vocês. Quero agradecer a pessoas tão especiais que tiveram todo amor em cuidar da minha família e em especial da Laurinha, obrigada Luzia Silva e Luciana Silva, jamais vou esquecer de tudo que fizeram por nós. A você Cláudia Amaro, muito obrigada por todo amor e cuidado com minha família, você também foi uma peça muito importante nesse processo, com certeza Deus não deixaria você faltar nessa equipe, com suas manobras engenhosas, se dividindo em várias para chegar na nossa casa. Minha gratidão vai para uma pessoa muito especial que fez toda diferença na minha vida acadêmica, uma amizade que irei levar para vida. Rosinete Linhares, palavras me faltam para te dizer muito obrigada, sou grata a Deus pela sua vida, por todo apoio acadêmico, pelo incentivo até mesmo quando lhe faltava forças para prosseguir. No meu processo de construção acadêmica você foi muito importante, e quero dividir meu certificado com você amiga, por toda sua cumplicidade, por guerrear a minha causa e conhecer o propósito desta graduação na minha vida, obrigada por não desistir de mim e hoje me alegro em saber que conseguimos juntas concluir essa etapa, nenhuma de nós duas foi deixada para traz. Agradeço também a essa pequena menina, que se tornou gente grande tão rápido, minha ovelhinha e parceira de universidade. Camila Amaro, você não ficaria de fora dessa equipe, nossos laços se fortaleceram ainda mais nessa trajetória, ou melhor nossa trajetória. Obrigada Camila, pude dividir mais um sonho ao seu lado, mais uma vitória para nossa conta de muitas outras vitórias que virão. Ao meu orientador Dr. Roberto Marinho, obrigada por acreditar em mim, por me lembrar sempre que sou capaz de ir mais longe, sua tranquilidade e sua paciência me ajudaram nas horas mais angustiantes da pandemia do Covid-19, quando não tive concentração para ler e muito medo de não conseguir escrever. Te agradeço pelas suas orientações, por me ajudar finalmente a decidir meu tema me proporcionando chegar até aqui, você é um exemplo de profissional e ser humano.Agradeço aos membros da minha congregação Assembleia de Deus Ministério Sudoeste em Natal, a todos que me apoiaram, me relembrando que Deus sempre estaria comigo, uma vez que Ele tinha permitido essa etapa em minha vida. “Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível.” Mateus 19:26b RESUMO Este trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo analisar criticamente a atuação de Assistentes Sociais no âmbito da rede de urgência e emergência, especificamente no Serviço Social da Unidade de Pronto Atendimento do Distrito Sul de Natal/RN, a UPA Sul Dr. Leônidas Ferreira. Esta pesquisa apoia-se no método crítico dialético tendo em vista que este possibilita a apreensão da totalidade, historicidade e contradições do objeto estudado. Para fins metodológicos foi realizada revisão bibliográfica e documental, além dos cadernos de campo e relatórios da vivência do estágio supervisionado obrigatório I e II do Curso de Serviço Social da UFRN no período de 2019.1 e 2019.2, realizado na UPA-Sul de Natal/RN. Os resultados mostram que, mesmo havendo contradições referente ao desenvolvimento das práticas socioeducativas e de controle social no trabalho dos Assistente Sociais em virtude das particularidades impostas na correlação de forças de uma Unidade de Pronto Atendimento de Urgência e Emergência, é imprescindível buscar estratégias críticas e dinâmicas comprometida com o Projeto Ético Político da Profissão. Palavras-chave: Sistema Único de Saúde; Unidade de Pronto Atendimento; Serviço Social; Saúde. ABSTRACT This final paper aims to critically analyze the performance of Social Workers in the context of health emergency units, specifically Social Work of the Urgent/Emergency and Intensive Care Unit of the Southern District of Natal/RN, emergency care unit (as known as Unidade de Pronto Atendimento - UPA) Dr. Leônidas Ferreira. This research is based on the dialectical critical method since it allows the apprehension of the totality, historicity and contradictions of the object studied. For methodological purposes, a bibliographic and documentary review was carried out, further fieldwork registers and reports experiences of the mandatory supervised practice I and II of the Social Work Course in the period 2019.1 and 2019.2, realized in UPA of the Southern District of Natal/RN. The results show that, even though there are contradictions regarding the development of socio-educational practices and social control in the intervention of Social Workers due to the particularities imposed in the correlation of forces of an Urgent/Emergency Care Units, it is essential to seek critical and dynamic strategies committed to the Political Ethical Project of the Profession. Keywords: Unified Health System; Emergency Care Units; Social Work; Health. LISTA DE SIGLAS ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CAPES Caixas de Aposentadorias e Pensões CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde CF Constituição Federal de 1988 CFESS Conselho Federal de Serviço Social CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CNS Conferência Nacional de Saúde CNS Conselho Nacional de Saúde DENURE Departamento Nacional de Endemias Rurais DSS Determinantes Sociais da Saúde EIR Exército Industrial de Reserva HCP Hospitais Especializados em Cuidados Prolongados IAPS Instituto de Aposentadorias e Pensões INPS Instituto Nacional da Previdência Social OMS Organização Mundial da Saúde PAC Programa de Aceleração do Crescimento PEPSS Projeto Ético Político do Serviço Social PNAU Política Nacional de Atenção ás Urgência PRAE Programa de Acessibilidade Especial - Porta a Porta RAS Rede de Atenção de Saúde RBS Reforma Sanitária Brasileira RUE Rede de Atenção às Urgências e Emergências SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SISREG Sistema de Regulação SUDES Sistema Único Descentralizado de Saúde SUS Sistema Único de Saúde SVO Serviço de Verificação de Óbito UBS Unidade Básica de Saúde UCP Unidades de Internação em Cuidados Prolongados UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UPA Unidade de Pronto Atendimento LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Estrutura de Pessoal da UPA Sul – Natal/RN ........................................... 37 Figura 2 - Fachada da UPA Sul ................................................................................. 38 Figura 3 - Leito da Sala Amarela ............................................................................... 39 Figura 4 - Sala de Sutura .......................................................................................... 40 Figura 5 - Protocolo de Manchester - classificação de risco dos pacientes .............. 42 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Funcionários da Unidade de Pronto Atendimento UPA Sul .................... 40 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14 2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: AS PARTICULARIDADES DO PRONTO ATENDIMENTO ........................................................................................................ 19 2.1 AS POLÍTICAS SOCIAIS NO CAPITALISMO: BREVES NOTAS HISTÓRICAS E TEÓRICAS SOBRE PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA .................................................................................................................................. 19 2.2 POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS E DESAFIOS NA ATUALIDADE ............................................................................................................ 25 2.3 A REDE DE ATENÇÃO À URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ...................................................................................................................... 33 2.3.1 A Unidade de Pronto Atendimento UPA Sul - Natal/RN ............................... 36 3 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: PARTICULARIDADES DO TRABALHO PROFISSIONAL NAS UNIDADES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA ..................... 43 3.1. INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE ......................... 44 3.2 PARTICULARIDADES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA REDE DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NAS UPAS ................................................................. 47 3.3 AVANÇOS E DESAFIOS DA ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NAS ATIVIDADES SOCIOEDUCATIVAS E DE CONTROLE SOCIAL: O CASO UPA SUL .................... 57 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 68 14 1 INTRODUÇÃO Este é um Trabalho de Conclusão de Curso que tem por objetivo analisar criticamente a atuação dos Assistentes Sociais no âmbito da rede de urgência e emergência em saúde, especificamente, o fazer profissional do Serviço Social da Unidade de Pronto Atendimento do Distrito Sul de Natal/RN, a UPA Sul Dr. Leônidas Ferreira. O Serviço Social compreende uma profissão que está presente em vários espaços sócio-ocupacionais tendo em vista a sua especificidade na divisão sociotécnica do trabalho, de forma que a política de saúde compreende um desses espaços de atuação do Assistente Social, cuja profissão é regulamentada pela lei nº 8.662, de 1993. A inserção dos Assistentes Sociais nos serviços de Saúde se deu no reconhecimento social da profissão, materializada através da Resolução do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) nº 383/99,antecedida pela resolução nº 218/97, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que caracteriza o Assistente Social como profissional da saúde, entendendo que seu trabalho profissional contribui para promover direitos e reforçar a necessidade de consolidação dos princípios do SUS, através de sua atuação pautada no Código de Ética, buscando a efetivação da política de saúde de forma democrática em consonância com a proposta da Reforma Sanitária. Em um contexto de perda de direitos já adquiridos pela classe trabalhadora e assegurados pelo Constituição Federal de 1988, lidar com o Projeto Privatista e o Projeto da Reforma Sanitária são os grandes desafios postos ao Serviço Social na política de saúde. O Assistente Social contribui de forma relevante, para a viabilização e garantia de direitos dos usuários que solicitam os diferentes serviços dentro desses espaços. Por isso, se faz necessária a compreensão dos limites, desafios e possibilidades vivenciados pelo Serviço Social na UPA Sul, o qual experimenta o reflexo de um contexto mais geral, cuja essência é a progressiva perda de direitos sociais na atualidade brasileira que repercute na área da saúde. O cotidiano do Serviço Social é marcado pelos desafios advindos das ofensivas neoliberais implantadas no Brasil no início da década de 1990, confrontando com as garantias dos direitos adquiridos na Constituição Federal de 1988, o que tem sido obstáculo para a efetivação do Projeto da Reforma Sanitária e que favorece a 15 consolidação ideológica de um SUS destinado às pessoas que não podem pagar por um serviço de saúde privado. Contudo, o Projeto da Reforma Sanitária não se finda na instituição do Sistema Único de Saúde - SUS, pois ele possui um caráter ideológico transformador que vai além do setor da saúde e aponta para mudanças societárias revolucionárias, o que o articula ao projeto ético profissional do Serviço Social na defesa dos direitos da classe trabalhadora. A busca pela democratização, proposta tanto no Código de Ética Profissional do Serviço Social quanto no Projeto da Reforma sanitária, se faz sob a perspectiva de eliminar as formas autoritárias e tradicionais de gestão das Políticas Sociais, de modo que passe a haver uma maior transparência das informações e que elas sejam repassadas com maior clareza para a população de modo que possibilite uma maior participação da sociedade nos processos decisórios. É sob esta preocupação que a categoria dos Assistentes Sociais vem cada vez mais entendendo a informação em saúde articulada à necessidade de ações educativas realizadas pelos profissionais que atuam no campo da saúde. Ressaltamos, que essa atuação em torno da defesa dos direitos dos usuários é de suma importância, na perspectiva de contribuir para a construção e consciência dos usuários enquanto cidadãos capazes de refletir criticamente e transformar a realidade concreta ocupando os espaços democráticos em defesa do SUS constitucional. É partindo dessa concepção, que o objetivo geral desse trabalho pretende analisar as particularidades do trabalho dos profissionais no âmbito de unidades de Atendimento de Urgência e Emergência em Saúde, tendo por referência o caso da UPA Sul, em Natal/RN. Foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: 1) Fazer articulação entre a formação histórica brasileira, as tendências, os traços e as expressões, no Estado, nas políticas sociais, no SUS e na profissão. 2) Caracterizar o trabalho profissional do Assistente Social na Saúde e suas particularidades nas Unidades de Urgência e Emergência; e 2) Verificar as condições do trabalho profissional no Serviço Social na UPA Sul para desenvolvimento de atividades sócio- educativas e de controle social. A escolha desta temática se deu a partir da experiência de estágio supervisionado do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, nos dois semestres letivos de 2019, na Unidade de Pronto Atendimento – UPA Sul – Dr. Leônidas Ferreira. A realidade vivenciada durante este período me 16 fez pensar sobre a importância do trabalho do Serviço Social na política de saúde, considerando as particularidades e a complexidades dos diferentes tipos de unidades de atendimento, de forma que esta preocupação fundamentou a escolha deste objeto de estudo. Através desta experiência, verifica-se que as assistentes Sociais realizam atividades de acolhimento aos recém-internados e seus acompanhantes, orientam sobre os direitos ofertados pela seguridade social, socializa informações sobre os demais serviços da rede de saúde, como também da assistência e o sócio-jurídico. Da mesma forma, fazem visitas aos leitos para acompanhamento da evolução social dos pacientes internados, orienta os familiares em caso de óbito dentre outras atividades importantes na rede de urgência e emergência para garantia do direito à saúde da população. A Rede de Urgência e Emergência é o conjunto de serviços que envolve a atenção à saúde em todos os níveis de complexidade do SUS. Junto com os demais componentes constitutivos das Redes de Atenção à Saúde, a RUE busca promover e assegurar a universalidade e integralidade da atenção, a equidade do acesso, além da transparência na alocação de recursos. (Brasil, 2013) Conforme a portaria 1.600 de 2011 “A organização da Rede de Atenção às Urgências tem a finalidade de articular e integrar todos os equipamentos de saúde, objetivando ampliar e qualificar o acesso humanizado e integral aos usuários em situação de urgência e emergência nos serviços de saúde, de forma ágil e oportuna.” Tal rede deve ser implantada, gradativamente, em todo território nacional, respeitando-se critérios epidemiológicos e de densidade populacional. O acolhimento com classificação do risco, a qualidade e a resolutividade na atenção constituem a base do processo e dos fluxos assistenciais de toda Rede de Atenção às Urgências e devem ser requisitos de todos os pontos de atenção e fundamentais para a sua organização. Uma das diretrizes desta rede, é a atuação multiprofissional, no qual o fazer profissional do Serviço Social é indispensável tendo em vista à garantia da saúde ampliada e como direito. As Unidades de Pronto Atendimento (UPA) são um serviço essencial no que tange esta rede. Uma das diretrizes desta rede é o atendimento multiprofissional, onde o Serviço Social está inserido e tem um papel de extrema relevância. O projeto profissional do Serviço Social é produto de um movimento de luta pela redemocratização do nosso país. Iamamoto (2009b), afirma que nesse cenário 17 se amplia a organização social, onde os assistentes sociais participam das lutas democráticas e avaliam seu papel social. Com isso há um novo redirecionamento para o Serviço Social, que tem um viés ideológico mais crítico fundamentado nas dimensões ético-política, teórico-metodológico e técnico-operativa, que nos permite ver além da aparência, descortinar a realidade nessa arena de disputa por interesses na atual conjuntura do país, onde os interesses da classe hegemônica no sistema capitalista dominam a classe trabalhadora. Portanto, a delimitação do objeto de análise sobre o trabalho do Serviço Social na UPA Sul de Natal/RN, discorre particularmente em torno de suas atribuições, competências e desafios profissionais. Implica em resgatar os processos históricos, os avanços e limites das lutas pela redemocratização do Brasil na década de 1980, resultando em importantes conquistas sociais, até os dias atuais quando verificamos a restrição e eliminação desses direitos. Também é necessário considerar a importância da intervenção socioeducativa de Assistentes Sociais para o resgate dessa memória, visando a construção da consciência dos sujeitos, mobilizando-os para defesa dos seus direitos e para transformar a realidade em que vivem, proporcionada através deuma formação política e uma reflexão crítica, ocupando os espaços democráticos em defesa do SUS constitucional, particularmente nos conselhos e nas conferências de saúde. É nesse contexto que problematizamos teoricamente o objeto de estudo, considerando as contradições do trabalho profissional na saúde a partir de uma perspectiva de totalidade da realidade social. Ou seja, de como os processos de ajuste fiscal estrutural e das contrarreformas do Estado, precarizam os direitos sociais e as políticas sociais que os concretizam, impactam o exercício do serviço social na saúde, particularmente naqueles espaços de atendimento de urgência e emergência. A partir disso, compreendemos a importância do método materialista histórico dialético de Marx que consiste na prática de uma pesquisa sob um objeto, compreendendo como total, complexo e em movimento, uma vez que o exercício de análise não está embasado nas teorias prévias do pesquisador, e sim, no próprio objeto e suas nuances. É uma prática de estudo da realidade pela realidade concreta, não por expirações de terceiros, porém a reprodução do movimento fundamentado do que está sendo analisado (NETTO, 2011). É papel do pesquisador absorver essa dinâmica de forma crítica e completa, analisando as bases, a historicidade dos fatores 18 e resultados das problemáticas que por si só existem, identificá-las, e assim compreender como ela se estabelece no cotidiano mutável, mas real. Desta forma se estabelece o material do presente trabalho acadêmico, tendo como escolha a metodologia que envolve a análise bibliográfica e documental, realizada de forma qualitativa, não havendo uma preocupação em quantificar. Utilizamos a revisão de literatura referente à temática através de livros, legislações, pesquisa aos documentos como o relatório do estágio supervisionado da autora na UPA Sul em 2019 e seu diário de campo. Na fundamentação teórico-metodológica e aprofundamentos das principais categorias de análise, sobre a determinação social da saúde e o Movimento da Reforma Sanitária, o trabalho do Assistente Social na Saúde, e as contrarreformas nas políticas sociais expressas nos desmontes dos direitos na atualidade, buscou-se revisar a produção bibliográfica do Serviço Social com destaque para Behring & Boschetti (2011); Bravo (2001, 2012, 2013); Iamamoto (2015); Motta (2009) e Matos (2017), entre outros. Com base na análise realizada, este trabalho está estruturado em quatro partes considerando esta introdução e as considerações finais. Os dois capítulos que sistematizam os conteúdos e resultados do estudo, foram organizados considerando os elementos de contextualização e de análise específica do objeto. O primeiro capítulo trata da questão da saúde na formação social brasileira, destacando, de forma breve, as trajetórias da política de saúde, seus aspectos históricos e os desafios na atualidade, destacando os movimentos e determinações que marcaram a trajetória dessas políticas. Já o segundo capítulo aborda a inserção do Serviço Social na política de saúde e as características ou particularidades do trabalho profissional de Assistentes Sociais nas Unidades de Pronto Atendimento de Urgência, contribuindo para desvendar as possibilidades e desafios nas ações socioeducativas e da participação popular para a apropriação e garantia de direitos. 19 2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: AS PARTICULARIDADES DO PRONTO ATENDIMENTO A Constituição Federal de 1988 alterou o padrão da Seguridade Social no Brasil, enquanto “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988). Fruto do processo de mobilização pela redemocratização da sociedade brasileira, particularmente do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, foi conquistado o Sistema Único de Saúde (SUS), com uma política de acesso universal e livre de contribuição. Desde a sua institucionalização, o SUS vem tentando se efetivar em um contexto desfavorável de imposição neoliberal de estratégias privatizantes e de desmonte do Estado e das suas políticas sociais para ajustar a economia brasileira aos interesses da reestruturação produtiva do capital, implicando em medidas restritivas de ampliação e acesso a direitos sociais, sobretudo nos anos 1990, marcado pela crise social e econômica, com elevado desemprego e aumento das desigualdades. Mesmo assim, o SUS tornou-se um símbolo de resistência, sendo defendido pelos movimentos sociais e forças políticas democráticas no Brasil, diante da limitação de recursos e do consequente sucateamento dos serviços públicos, das constantes medidas de privatização dos serviços de saúde, entre outras mazelas neoliberais. No contexto de disputas e contradições, nos primeiros anos deste século XXI, buscou-se aperfeiçoar a política de atenção à saúde com a organização de processos e estruturas de atendimento às urgências, expressos na implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e posteriormente nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), que prestam serviços de natureza pública de urgência e emergência. O presente capítulo tratará dos fundamentos e trajetória recente da política de saúde no Brasil, destacando as particularidades de atendimento às urgências de saúde no âmbito das UPAs, constituindo uma base de contextualização histórica e teórica para a análise do trabalho profissional do Serviço Social nesses espaços. 2.1 AS POLÍTICAS SOCIAIS NO CAPITALISMO: BREVES NOTAS HISTÓRICAS E 20 TEÓRICAS SOBRE PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA No início do século XX o Brasil vivenciou uma importante fase de transição, no que tange os aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. Para compreender com maior nitidez tais mudanças, é importante observá-las no contexto das grandes transformações globais ocorridas a partir da primeira guerra mundial (1914-1918) e da profunda crise do capitalismo nas décadas seguintes de 1920 e 1930. Segundo Behring e Boschetti (2011), o enfraquecimento do liberalismo clássico resultou de vários processos políticos e econômicos ocorridos na Europa a partir da metade do século XIX e início do século XX, por causa do crescimento do movimento operário, das mudanças no mundo da produção, com o surgimento do fordismo e do taylorismo, e a consequente concentração e monopolização do capital. A crise global trouxe consigo a falência de muitas empresas que não conseguiam competir em pé de igualdade com os grandes monopólios e oligopólios internacionais, aumentando o desemprego e a miséria, agravando a questão social. No caso brasileiro, um país caracterizado pela economia colonial e dependente (FERNANDES, 1976), a crise global atingiu fortemente o setor agrário exportador, provocando crises econômicas, políticas e sociais, abrindo espaços para o processo de industrialização. Neste contexto, de acordo com Bizerra (2016), a partir do processo de industrialização, constata-se que a cisão entre a concentração e acumulação da riqueza e o aumento da pobreza, se intensifica contraditoriamente em todo o processo de reprodução capitalista movido pela busca constante por lucro. Assim, a Lei Geral da Acumulação Capitalista desvela seu caráter antagônico na medida em que se gera riqueza no polo dominante, e miséria na classe trabalhadora. O que importa, portanto, na superação das crises, é que o capitalismo continue a se expandir e a se reproduzir como sistema dominante em todos os espaços. Se por um lado, proporcionou uma expectativa de melhorias para parcelas da humanidade, por causa do desenvolvimento técnico-científico, por outro lado, culminou, de maneira exorbitante, na ampliação das desigualdades sociais e econômicas em âmbito mundial. No caso dos países de capitalismo tardio,o processo de expansão capitalista se dá com base na máxima e abusiva exploração da mão de obra, infelizmente, gerando uma situação de sobrevivência sub-humana. Enfim, com a globalização capitalista, obrigatoriamente se instalou a contradição entre classes 21 sociais decorrentes da acumulação do capital decorrente da exploração e expropriação do trabalho humano. As mudanças econômicas ocorridas no cenário brasileiro no século XX ocorreram, então, em duas direções: de um lado, observa-se um decréscimo na expansão da economia baseada na expansão da produção de bens primários destinados à exportação, em especial o café, e de outro, o processo de industrialização intensificado a partir da primeira guerra. Sobre esse processo, Iamamoto (2015) afirma que não houve rupturas com as heranças coloniais, de acordo com a configuração agrária brasileira, permanecendo a submissão dos produtos primários aos interesses dos exportadores. A autora também deixa claro que houve uma subordinação dos demais componentes da economia, ligados às formas tradicionais de produção e da propriedade, à expansão do capital. Não restam dúvidas de que os acontecimentos ocasionaram uma importante transição no Brasil, mas as desigualdades expressam as particularidades da nossa formação histórica como retrata Fernandes (1976) ao refletir sobre "A revolução burguesa no Brasil", traçando um pano de fundo entre a abolição da escravatura e a proclamação da república, revelando as características do nosso modelo econômico dependente. Da mesma forma, para Iamamoto (2015), o Brasil não apresentou as mesmas mudanças econômicas e sociais ocorridas nos países centrais. "[...] o 'moderno' se constrói por meio do 'arcaico', recriando elementos de nossa herança histórica colonial e patrimonialista [...] e, ao mesmo tempo, transformá-las, no contexto de mundialização do capital sob hegemonia financeira." (IAMAMOTO, 2015, p.128). Porém, na expansão capitalista, independente dos espaços que ocupa, permanecem seus traços essenciais. O modo de produção capitalista se funda na divisão social do trabalho e se diferencia dos outros meios de produção pelo fato da propriedade privada não pertencer aos produtores e sim ao capitalista. Dessa forma, a produção de riquezas no capitalismo se fundamenta na exploração da força de trabalho que é comprada mediante o salário. Então, é preciso assumir que a maior parte do valor gerado na produção de mercadorias é calculada em cima do tempo socialmente gasto na sua produção e apropriado pelo capitalista. Apenas parte do valor gerado é pago ao trabalhador através do seu salário, mas a maior parte do valor 22 gerado na produção, a mais valia1, é apropriada pelo capitalista, pelo burguês que detém os meios de produção. É na esfera da produção que o lucro capitalista é gerado. Portanto, ao pôr em operação estes dois polos - trabalho e capital - na produção tipicamente capitalista é o que gera riqueza nova. Ao extrair da força de trabalho a mais-valia, realizar a mercadoria, aumentando o capital investido inicialmente, o capitalista obtém o lucro, finalidade última que move todo sistema. O produto dessa relação pode ser tudo que se corporifica materialmente em riqueza, portanto, a fonte da riqueza não é a entidade material, a propriedade privada. (SANTOS, 2016, p. 47- 48, grifos da autora). Verifica-se, então, que o foco do sistema capitalista é o lucro e não as necessidades humanas. Esse é um ponto importante: a produção é coletiva, mas é o detentor do capital que vai se apropriar do lucro. Na medida em que o capitalismo se expande, se agrava a pauperização da classe trabalhadora e as expressões da questão social se modificam, materializando o conflito entre capital e trabalho. Torna-se evidente que diante do quadro de mundialização do capital, as transformações ocorridas não se restringem aos avanços técnico-científicos, com a modernização dos processos produtivos com as máquinas e equipamentos nas indústrias, com os processos de urbanização e as demais mudanças nas formas de consumo na sociedade, mas vem acompanhada do aprofundamento de mazelas sociais, como a pobreza extrema e a violência, decorrentes das desigualdades sociais. Isso porque, além da exploração da força de trabalho ocupada, o capitalismo requer também massas de trabalhadores desempregados, constituindo o chamado Exército Industrial de Reserva (EIR), conforme Marx (1996, p.266): "[...] o sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e a submissão aos ditames do capital". Ou seja, a mundialização do capital na cena contemporânea brasileira, sob as novas mediações sócio-históricas, configura novas expressões da questão social. 1 A Mais -valia se refere ao cerne do processo de exploração da mão de obra assalariada utilizada na produção de mercadorias, com a apropriação, pelo capitalista, do trabalho excedente e não pago. (MARX, 1996) 23 Nessa perspectiva, as modificações implantadas na esfera do trabalho, desde a expansão do modo de produção capitalista, promovem uma super população de trabalhadores desempregados (EIR), que aumenta ou diminui em concordância com a imposição da reprodução do capital. No caso brasileiro, devido às peculiaridades já citadas nos parágrafos anteriores, "Além de impactar fortemente os trabalhadores e suas famílias com o desemprego, a acumulação capitalista incide-os ainda mediante os processos de pauperização que assolam suas condições de reprodução social". (BIZERRA, 2016, p.127). Porém, é possível compreender que essas condições de trabalho e sua reprodução também contribuíram para que a classe trabalhadora se organizasse politicamente. De acordo com Bizerra (2016), foi fundamental aos trabalhadores perceberem que unidos e organizados podiam constituir uma força política para lutar contra o processo de exploração, por melhores condições de trabalho e de remuneração, defendendo os seus interesses como classe trabalhadora. Porém, foi em meio a essas condições que o operariado industrial com o passar dos tempos adquiriu consciência da violência direcionada contra a natureza humana. [...] isso porque a organização da produção industrial intensificou os antagonismos de classes criando novas condições de opressão, bem como novas formas de luta entre opressores e oprimidos. As precárias condições de reprodução social retroagiram sobre os trabalhadores e contribuíram para que despertassem para a formação da consciência de classe, canalizando suas energias contra a dominação burguesa (BIZERRA, 2016, p.129). Conforme citado acima pelo autor, é necessário afirmar que a mobilização dos trabalhadores é de extrema relevância para importantes conquistas dos direitos políticos e sociais, mas há um fato que se sobrepõe mesmo mediante algumas conquistas, que é o de não conseguir romper com o sistema capitalista. É sob este prisma que podemos conceber a natureza das políticas sociais: como conquista de direitos de cidadania e, ao mesmo tempo, formas ou instrumentos que contribuem para legitimação e reprodução do sistema de dominação do capital. Sobre esta contradição, Behring e Boschetti (2011) destacam que o surgimento das políticas sociais foi gradativo e desigual entre os países, porque depende da pressão e organização política da classe trabalhadora. Sendo assim, percebemos que a construção das políticas sociais no contexto da formação sócio-histórica brasileira é bem diferente dos outros países, por manter características de um desenvolvimento 24 econômico dependente e tardio que se desenvolve entre o arcaico e o moderno. Podemos perceber, conforme já citado, que a política social no Brasil se remete à um desenvolvimento ditado pela economiamundial adaptada a um país de “economia colonial” (FERNANDES, 1976). Como refletido anteriormente, a pobreza da classe trabalhadora, é uma das primeiras expressões da questão social2 na cena brasileira de expansão capitalista. É nesse cenário de desenvolvimento acelerado das forças produtivas, que a velha questão social passa por transformações vulgarizando a vida humana: "[...] a pobreza não é apenas compreendida como resultado da distribuição de renda, mas refere-se à própria produção [...] atingindo a totalidade da vida dos indivíduos sociais [...] tanto na órbita material quanto espiritual.” (IAMAMOTO, 2015, p.160). Porém, desde os primeiros anos do século XX, com a livre organização sindical, que a classe operária luta por melhores condições de vida e trabalho, através das primeiras greves. É desta forma, que o país recém saído da escravatura, enfrenta as expressões da nova roupagem da questão social. Para Pimentel (2012), por exemplo, desde o período em que as expressões da questão social e a luta dos operários por condições de sobrevivência mais satisfatória, passaram a ser uma intimidação para a ordem burguesa vigente, as manifestações se tornaram objeto da intervenção Estatal, ainda que, de forma mínima e pontual. [...] a intervenção estatal sobre a 'questão social' se realiza, com as características que já anotamos, fragmentando-a e parcializando-a. E não pode ser de outro modo: tomar a 'questão social' como problemática configuradora de uma totalidade processual especifica é remetê-la concretamente à relação capital/trabalho - o que significa, liminarmente, colocar em xeque a ordem burguesa. Enquanto intervenção do Estado burguês no capitalismo monopolista, política social deve constituir-se necessariamente em políticas sociais: as sequelas da 'questão social' são recortadas como problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a incapacidade física etc.) e assim enfrentadas (NETTO, 1996, p.28, grifos do autor) José Paulo Netto esclarece que a intervenção estatal através das políticas sociais não se destina a eliminar os problemas sociais, até porque, além de ser 2 Questão social é o resultado concreto da contradição capital e trabalho, a partir do processo de industrialização no sistema capitalista, onde se tem o pauperismo exacerbado da classe trabalhadora, o que resulta na consciência da classe trabalhadora numa luta política contra a classe dominante (NETTO, 1996; Iamamoto e Carvalho, 2014). 25 realizada de forma fragmentada e parcial, se faz necessário que estas expressões da questão social se mantenham vivas para a reprodução da sociedade capitalista. Compreende-se, então, que o Estado não promove mudanças estruturais, apenas há um enfrentamento raso e aparente de problemáticas particulares: "O Estado procura administrar conflitos para assegurar a reprodução da classe trabalhadora e a superpopulação relativa, essenciais para a sobrevivência do capitalismo." (SANTOS, 2016, p.91). Torna-se evidente, dentro de uma crítica marxiana, que o Estado principalmente a partir do capitalismo monopolista, articula suas funções políticas e econômicas a serviço dos grandes monopólios para a garantia de grandes lucros, assumindo dessa forma, o papel de “comitê executivo da burguesia” (MARX, 1996), assegurando a reprodução do capital e a manutenção da força de trabalho. Vê-se, pois, que são nessas condições que as múltiplas expressões da questão social se tornam alvo da intervenção Estatal através das políticas sociais, de forma que as mesmas atendem também as demandas do capital para garantia do seu desenvolvimento, considerando demandas das classes subalternas para manter a ordem vigente. Mesmo assim, a aplicação das políticas sociais no capitalismo depende da mobilização e articulação da classe trabalhadora, não sendo uma benesse ou concessão gratuita do capital ou dos governos que o representam. Compreende-se, então, porque as primeiras políticas sociais no Brasil se deram a partir dos anos 1930, com as regulamentações das relações trabalhistas e os primeiros ensaios de políticas de saúde e de educação pública. No caso da política de saúde, é importante ressaltar sua trajetória marcada por contradições, conforme discutiremos a seguir. 2.2 POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS E DESAFIOS NA ATUALIDADE Para se entender a Política de Saúde no Brasil, é necessária uma breve contextualização histórica da questão da saúde pública no país desde o final do século XIX, antes das intervenções estatais, até a constituição do SUS no final do Século XX e chegando nos dias atuais. Ou seja, precisamos conhecer como se deu a organização sanitária brasileira, seus avanços, desafios e conquistas na política de saúde até a atualidade. 26 Nos primeiros anos de República, os serviços de saúde ainda eram muito desorganizados e pouco foi feito para se melhorar a saúde pública. Nesse período os grandes centros urbanos foram acometidos de vários surtos epidêmicos de varíola, febre amarela, peste bubônica, cólera, febre tifóide, dentre outros, o que levou milhões de brasileiros à morte. Percebe-se que o pouco avanço ocorreido à época foi o investimento na criação da Junta de Higiene Pública para o combate às epidemias. Os médicos higienistas atuavam nos locais indicado pelas autoridades públicas: "[...] a atuação desses médicos eram a fiscalização sanitária dos habitantes das cidades, a retificação dos rios que causavam enchentes, drenagem de pântanos, destruição de viveiros de ratos [...] reforma urbanística das grandes cidades." (FILHO, 2000, p.13- 14) Enquanto as elites podiam pagar pelos serviços privados de saúde, no Brasil e no exterior, o tratamento das doenças das pessoas empobrecidas era baseado na filantropia, nos curandeiros, nas benzedeiras, de forma que cada pessoa buscava o que fosse mais viável financeiramente ou de acordo com suas tradições religiosas. Segundo Paim (2009, p.27), essa era a mesma realidade que existia desde o final do Império, com as poucas iniciativas e serviços de saúde pública incapazes de assegurar assistências aos doentes. Torna-se evidente que a atenção à saúde não era apenas inexistente, mas discriminatória e reprodutora das desigualdades sociais: os que disponibilizam de recursos financeiros pagavam os serviços médicos particulares, enquanto os indigentes ficavam à mercê das casas de caridade e filantropia. Nas primeiras décadas do século XX, com o início da industrialização brasileira, a saúde passou a ser concebida como uma expressão da questão social, considerando as primeiras reivindicações da classe operária: "As revoltas populares, os movimentos anarquistas e comunistas pressionavam por ações mais efetivas do Estado na atenção à saúde." (REBOUÇAS, 2019, p.16). isso porque, naquela época aconteceram fatos importantes, a exemplo das epidemias que dificultavam o processo migratório, atrapalhando a manutenção da economia agroexportadora do café e a expansão das indústrias. O contexto histórico aponta algumas pessoas envolvidas na busca de soluções aos problemas sanitários de ordem pública, como o sanitarista Oswaldo Cruz, com estratégias de combate às epidemias através de campanhas de vacinação obrigatória, juntamente com atuação da polícia sanitária, o que resultou no 27 movimento da população da cidade do Rio de janeiro, denominado de Revolta da Vacina3. Foi a partir desses movimentos que Eloy Chaves propôs uma lei que regulamentava a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS). Essas caixas eram organizadas pelos empregados e pelas empresas e o Estado não tinha nenhuma responsabilidade sobre as mesmas, ficando notório que só as grandes empresas tinham condições de mantê-las. As primeiras empresas que tiveram seus trabalhadores vinculadosàs CAPS, foram do setor ferroviário, marítimo e dos estivadores, isso porque, “Os trabalhadores vinculados ao setor urbano do complexo exportador, foram os mais combativos politicamente e que primeiro lutaram pela organização das Caixas nas suas empresas.” (BRAVO, 2009a, p.90). Os benefícios das Caixas eram proporcionais às contribuições, disponibilizando assistência médico curativa, fornecimento de medicamentos, aposentadorias e pensões aos dependentes, além de auxílio-funeral. Rebouças (2019, p.17) destaca que "[...] foi a partir de 1930 que o Estado assumiu o papel regulador e controlador da economia, baseado em um projeto de crescimento da industrialização onde se absorvia a mão de obra o campo para melhoria da economia nacional." Quando o Presidente Getúlio Vargas assumiu o governo no âmbito da chamada “Revolução de 1930”, passando pela ditadura do “Estado Novo” até 1945, quando foi deposto, ele marcou sua gestão com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), regulamentando a jornada de trabalho de oito horas diárias, férias remuneradas, indenização por acidentes, contratação através da carteira de trabalho e garantia de salário-mínimo, licença a gestante etc. Com a implantação da legislação trabalhista, Vargas ganhou a fama populista de “Pai dos Pobres”, mas ao mesmo tempo tinha um governo centralizador que beneficiava os interesses capitalistas. As políticas sociais legitimavam o braço de um governo ditador como afirma Filho (2000, p.32): A necessidade de obter apoio social e político e conferir alguma legitimidade ao Estado ditatorial exigiu uma legislação social que garantisse maiores direitos aos trabalhadores urbanos, afinal, já não era possível que o governo tratasse a chamada questão social, na qual se incluíam os reclamos populares referentes à saúde, como uma 3 Sobre este assunto, ver Bertolli Filho (2000). 28 simples questão de polícia, como ocorreu no decorrer da república velha. (Grifos do autor) Essa nova estrutura nas relações econômicas e de organização do poder possibilitou o surgimento de políticas sociais por parte do aparato estatal, como a criação do Ministério da Saúde, junto com o Ministério da Educação, para que dessem respostas à nova questão social que estava surgindo, inclusive no campo da saúde pública. Para Filho (2000), a política de saúde utilizada para o enfrentamento da questão social decorrente do crescimento da população urbana, com a expansão da massa trabalhadora que se encontrava sob condições precárias de higiene, habitação e saúde, foi a porta aberta para estruturar um padrão de proteção social no Brasil. É importante ressaltar que nesse período as CAPS foram substituídas pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões (IAPS), como propósito de ampliar para todas as categorias trabalhistas, mas, em compensação, o Estado passou a controlar e administrar o sistema, além de Co financiar os benefícios com a finalidade de investir na expansão industrial. Os IAPS passaram a beneficiar somente os trabalhadores formalizados, contratados regularmente, através de suas contribuições. Logo os desempregados e os trabalhadores informais estavam excluídos da proteção social. Nesse sentido, o Estado se antecipou a movimentos por parte da classe trabalhadora com reivindicações por direitos mais amplos. Essa versão não é a única pela qual cabe dizer que “[...] a previdência preocupou-se mais efetivamente com a acumulação de reservas financeiras do que com a ampla prestação de serviços.” (BRAVO, 2009a, p.92). A melhor maneira de compreender esse processo é considerando que até esse período, o país tinha uma economia baseada na agricultura, mas com o aceleramento dos polos industriais nas grandes cidades, houve um grande aumento da massa operária para ser atendida na área da saúde. Julgo pertinente trazer à tona que este aumento na massa trabalhadora, conduziu para que o modelo previdenciário, entre a década de 1930 até meados da década de 1940, tivesse a tendência de contenção de gastos. Bravo (2009a) explica que a legislação separou a previdência da assistência, delimitando um "teto" para despesas médico-hospitalar e remédios. Alguns eventos marcaram a política de saúde a partir de 1950: ● A criação do Ministério da saúde em 1953, como um grande salto na política de saúde. 29 ● Reformulação em 1956 dos serviços de saúde do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENURE). ● Implantação em 1966 do Instituto Nacional da Previdência Social - INPS, como a primeira ação no sistema previdenciário do IAPS, com a inclusão dos empregados rurais, empregadas domésticas e autônomos, o que aumentava a demanda por serviços e gastos no sistema de saúde, consolidando um modelo de saúde assistencial na aquisição de serviços ao setor privado. ● Criação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), um sistema político de saúde que constituía as três esferas do governo. ● Em 1977, nasce o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), e incorporado ao SINPAS, o Instituto de Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), como administrador de todas as ações médico assistencial. Contraditoriamente, verifica-se que foi no período de 1964 a 1974, primeira década do regime ditatorial civil e militar, que os serviços básicos de saúde mais se expandiram. No entanto, apesar do desenvolvimento socioeconômico, a intervenção Estatal oscilava entre a repressão e a assistência, já que os determinantes sociais devido a série de problemas estruturais, cada vez mais se aprofundavam. Por isso, debate-se que as corporações de saúde associadas ao capital pressionavam a máquina Estatal para financiar cada vez mais o crescimento do complexo hospitalar privado e, nesse sentido, houve um decréscimo na saúde pública e um avanço na medicina previdenciária. O que pode ser considerado é que, a finalidade da intervenção do Estado no regime militar não privilegiava os direitos sociais e sim o desenvolvimento econômico priorizando a acumulação para o capital. A década de 1980 trouxe rebatimentos incontestáveis para a política de saúde brasileira. A movimentação de diversos setores em prol de uma saúde pública e universal proporcionando a possibilidade de rompimento com o modelo de saúde fragmentado, higienista, moralizador, privatista e de valorização do saber médico hospitalar que marca a forma que a saúde pública foi tratada desde o Brasil colônia. As propostas de reforma da saúde no país também buscavam mudar a maneira como o Estado estava concebido desde sua formação patrimonialista, clientelista e com políticas centralizadoras e classistas: "[...] através da Reforma Sanitária exigia uma 30 revisão de como o Estado precisava ser operado, participando ativamente da construção de um novo Estado com intenções democráticas." (REBOUÇAS, 2019, p.19, grifos da autora). O movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RBS) ocorre no contexto de redemocratização do país, buscando a superação do regime ditatorial em um contexto de profunda crise política, econômica e social. Neste contexto em meio a um processo de efervescência dos movimentos sociais, fica claro que a RBS se expandia com propostas trazendo um conceito de saúde ampliada para além de uma questão curativa e paliativa. O mais preocupante, contudo, é constatar o aumento do conflito de interesses entre a previdência social e setor de natureza privada, de modo que o movimento sanitarista vai propor a organização da política de saúde pública como um Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDES). Destaca-se também que a RBS não era um movimento classista do tipo sindical, tendo contado com a participação de diversos atores sociais, com destaque para os usuários do serviço de saúde, os profissionais da saúde, intelectuais, sindicalistas, dentre outros segmentos e movimentos sociais. Conforme citado,o movimento RBS trás conceitos ampliados acerca da saúde e suas principais propostas são de universalização do acesso, tendo uma concepção de saúde como direito de cidadania, sendo dever do Estado com a descentralização para esferas estaduais e municipais, articulação entre os serviços e participação democrática através dos mecanismos de controle social. Mas há um fato que se sobrepõe na discussão da saúde, a realização em 1986, da VIII Conferência Nacional de saúde (CNS). Após duas décadas de um governo repressor, se conquistava o direito de participar de um processo de transformação sanitária. A VIII conferência aprovou em seu relatório final um conceito de saúde conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirma a saúde como um estado de completo bem estar, físico, mental e social e não somente a ausência de doença: Em seu sentido mais abrangente, a saúde é o resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de 31 determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. (BRASIL, 1987, p.382) Sendo assim, a VIII Conferência Nacional de Saúde, representou um marco fundamental para reestruturação do setor da saúde no país, não apenas sugerindo a criação do Sistema Único de Saúde, mas uma Reforma Sanitária. Podemos perceber, conforme citado acima, que o novo conceito de saúde remete a busca da causalidade para as condições ligadas aos Determinantes Sociais da Saúde (DSS), que estão diretamente atrelados ao modo de produção capitalista. Não é despropósito afirmar, que esse tema, sobretudo, é pautado nas condições de desigualdade e pauperização das massas que vai fluir no processo de adoecimento da população. Paim (2009) caracteriza a promoção, proteção e recuperação da saúde com o desenvolvimento de critérios que atuem sobre os DSS e cultive a qualidade de vida, e reduza ou diminua os riscos de doenças. Torna-se evidente, então, que as propostas da VIII CNS resultaram no direito à saúde aprovado no artigo 196 da constituição federal de 1988 (CF-1988), que cita a saúde como direito de todos e dever do Estado, como também, que no cenário de debate da saúde haja a participação da sociedade. O Sistema Único de Saúde se constitui como uma política de Estado e a saúde um direito social, uma conquista político-social fruto de intensa mobilização e resistência da população. O SUS apresenta e garante princípios da universalidade, equidade e integralidade, bem como assegura a descentralização, a regionalização, a hierarquização e a participação social, valorizando a prevenção e promoção da saúde. Em todo esse processo, somente em 1990, foi promulgada a lei orgânica da saúde nº 8.080/90 e a lei nº 8.142/90 que regulamenta e detalha o SUS. A Lei nº 8.080, de 1990, dispõe sobre a promoção, proteção e recuperação da saúde, em todo território brasileiro, e organiza todas as ações de saúde. Já a Lei nº 8.142, de 1990, regulamenta a participação da sociedade civil no SUS, constituindo as conferências e conselhos de saúde em cada esfera governamental e estabelece critérios sobre o financiamento do Sistema, inclusive sobre os percentuais de transferências de recursos financeiros. No entanto, para melhorar efetivamente as condições de saúde da população, seria preciso alterar a estrutura econômica e política, tendo em vista, que o que está regulamentada na CF-1988 não é suficiente, sendo necessária uma 32 intervenção decisiva dos movimentos sociais, além de uma alteração na correlação de forças e nos padrões de gestão nas três esferas governamental. Apesar das importantes conquistas na CF-1988, dentre essas a criação do SUS, a democratização do Estado brasileiro foi paulatinamente sendo obstaculizada pela contrarreforma do Estado, tendo por base o ideário econômico, social e político do neoliberalismo. Num contexto de crise econômica, o Estado se remodela para atender a demanda do Capital trazendo impactos para saúde afetando diretamente o SUS. O neoliberalismo traz uma flexibilização das relações de trabalho, um movimento de focalização e mercantilização da política social, gerando o mínimo para o social e o máximo para capital, marcado pela expropriação dos direitos e uma ruptura das conquistas sociais. A reforma do Estado ou Contra-Reforma é uma estratégia e parte do suposto de que o Estado desviou-se de suas funções básicas ao ampliar sua presença no setor produtivo, colocando em cheque o modelo econômico vigente. [...] a afirmação da hegemonia neoliberal no Brasil, tem sido responsável pela redução de direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência e sucateamento da saúde [...] A saúde fica vinculada ao mercado, enfatizando-se as parcerias com a sociedade civil, responsabilizando a mesma para assumir os custos da crise." (BRAVO, 2009a, p.100). O fato é que a implantação do SUS trouxe expansão para as políticas sociais com um modelo de proteção social universal, e pela primeira vez na história do país, houve uma ruptura com o modelo de saúde excludente enraizado desde a colonização. Mas, em cima disso, vem sendo enfatizadas propostas que impedem que o SUS seja totalmente efetivado, causando uma tensão entre o projeto da Reforma Sanitária e o Projeto Privatista, que é pautado na contenção de gastos e isenção de responsabilidade por parte do Estado. Por isso, o cenário que o SUS vem tentando se efetivar passa por um processo de sucateamento e nesse modelo de desmonte neoliberal, a sociedade tem os direitos sociais adquiridos reduzidos ao mínimo ou a nada. No entanto, percebemos o SUS como um espaço de resistência, sendo defendido pelos movimentos sociais e forças políticas democráticas no Brasil, diante da limitação de recursos e do consequente sucateamento dos serviços públicos, das constantes medidas de privatização dos serviços de saúde, entre outras mazelas 33 neoliberais. É a partir dessa constatação que podemos perceber alguns avanços e as particularidades da expansão da rede de atendimento de urgências e emergências de saúde. 2.3 A REDE DE ATENÇÃO À URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Para estruturar uma rede que atenda aos principais problemas de saúde dos usuários na área de urgência e emergência, o Ministério da Saúde, a partir dos anos 2000 começou um processo de organização da Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) no SUS, com a instituição da Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU), conforme as portarias nº 1.863 e 1.864, de 29 de setembro de 2003, atualizadas pela portaria nº 1.600, de 07 de julho de 2011. A portaria nº 1.864, de 2003, rege a implantação dos Serviços de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), nos municípios brasileiros “[...] como estratégia fundamental para consolidação do SUS de modo a promover e assegurar a universalidade e integralidade da atenção, a equidade do acesso, além da transparência na alocação de recursos”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p.7) Conforme o Manual Instrutivo do Ministério da Saúde (2013), as principais diretrizes que regulam a Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) no SUS são as seguintes: ● Universalidade, equidade e integralidade da atenção a toda as situações de urgência e emergência, incluindo as clínicas, gineco-obstétricas, psiquiátricas, pediátricas, e as relacionadas às causas externas (traumatismos, violências e acidentes); ● Ampliação do acesso, com acolhimento, aos casos agudos e emtodos os pontos de atenção; ● Formação de relações horizontais, articulação e integração entre os pontos de atenção básica como centro de comunicação; ● Classificação de risco; ● Regionalização da saúde e atuação territorial; ● Regulação do acesso aos serviços de saúde; ● Humanização da atenção, garantindo a efetivação de um modelo centrado no usuário e baseado nas suas necessidades de saúde; 34 ● Organização do processo de trabalho por intermédio de equipes multidisciplinares; ● Práticas clínicas cuidadoras e baseadas na gestão de linhas de cuidados e estratégias prioritárias; ● Centralidade nas necessidades de saúde da população; ● Qualificação da atenção e da gestão por meio de desenvolvimento de ações coordenadas e contínuas que busquem a integralidade e longitudinalidade do cuidado em saúde; ● Institucionalização da prática de monitoramento e avaliação, por intermédio de indicadores de processo, desempenho e resultado que permitam avaliar e qualificar a atenção prestada; ● Articulação interfederativa; ● Participação e controle social; ● Fomento, coordenação e execução de projetos estratégicos de atendimento às necessidades coletivas em saúde, de caráter urgente e transitório, decorrentes de situação de perigo iminente, de calamidades públicas e de acidentes com múltiplas vítimas; e ● Qualificação da assistência por meio da educação permanente em saúde para gestores e trabalhadores. Dessa forma, a RUE, tem como finalidade reorganizar a atenção à saúde nas situações de urgência e emergência de forma articulada com a atenção básica, e mais importante do que a expansão da rede de serviço, é o desenvolvimento de ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos, de diagnóstico, de tratamento e reabilitação e cuidados paliativos com resolução e qualidade. Ainda segundo o Manual Instrutivo da RUE (2013), verifica-se que suas principais estratégias estão relacionadas à qualificação das portas hospitalares de urgência e emergência; a qualificação da atenção ao paciente crítico ou grave por meio do aperfeiçoamento das unidades de terapia intensiva; a organização e ampliação dos leitos de retaguarda clínicos; a criação das unidades de internação em cuidados prolongados (UCP) e de hospitais especializados em cuidados prolongados (HCP). Já a implantação das UPAS teve início com a emissão da Portaria nº 2.922, de 2 de dezembro de 2008, atualizada pela Portaria nº 1.020, de 13 de maio de 2009, e 35 posteriormente pela Portaria nº 1.601, de 07 de julho de 2011, do Ministério da Saúde, que estabelece diretrizes para a implantação do componente Unidades de Pronto Atendimento (UPA - 24h) e do conjunto de serviços de urgência 24 horas da Rede de Atenção às Urgências, em conformidade com a Política Nacional de Atenção às Urgências. As Unidades de Pronto Atendimento - 24h são estruturas de complexidade intermediária entre as unidades básicas de saúde, unidades de saúde da família e a rede hospitalar, devendo funcionar 24h por dia, todos os dias da semana, e compor uma rede organizada de atenção às urgências e emergências, com pactos e fluxos previamente definidos, com o objetivo de garantir o acolhimento aos pacientes, intervir em sua condição clínica e contra referenciá-los para os demais pontos de atenção da Rede de Atenção de Saúde (RAS), para os serviços da atenção básica ou especializada ou para internação hospitalar, proporcionando a continuidade do tratamento com impacto positivo no quadro de saúde individual e coletivo da população. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p.37) A primeira UPA no Brasil foi implementada no estado do Rio de Janeiro em 2007, antes mesmo da regulação federal: “[...] nesse estado, a UPA foi priorizada na agenda governamental por uma confluência de fatores histórico-estruturais, político- institucionais e conjunturais, que possibilitou a implantação antes dos incentivos federais. (O’DWYER, KONDER, et al., 2017, p. 4). Entre 2011 e 2016 foi o período de maior expansão das UPAs no país, sendo esse período caracterizado pelo início da indução federal pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O objetivo era concentrar os atendimentos de saúde de complexidade intermediária, compondo uma rede organizada em conjunto com a atenção básica, atenção hospitalar, atenção domiciliar e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU. As normativas do SUS preveem três portes de Unidades de Pronto Atendimento, considerando a população a ser atendida e os cuidados disponibilizados: ● Porte I: tem o mínimo de 7 leitos de observação, capacidade de atendimento médio de 150 pacientes por dia em uma população na área de abrangência de 50 mil a 100 mil habitantes. ● Porte II: tem o mínimo de 11 leitos de observação, capacidade de atendimento médio de 250 pacientes por dia em uma população na área de abrangência de 100 mil a 200 mil habitantes. 36 ● Porte III: tem o mínimo de 15 leitos de observação com capacidade de atendimento médio de 350 pacientes por dia em uma população na área de abrangência de 200 mil a 300 mil habitantes. A Cidade de Natal conta com 04 UPAs, sendo uma em cada distrito sanitário do município: no bairro Pajuçara, no bairro Potengi, no bairro da Cidade da Esperança e outra no bairro Pitimbu. Dentre essas, somente a da Cidade da Esperança é de porte III, as demais são de porte II. 2.3.1 A Unidade de Pronto Atendimento UPA Sul - Natal/RN A Unidade de Pronto atendimento Dr. Leônidas Ferreira - UPA Sul, presta um serviço de atendimento de urgência e emergência, de natureza pública, e está diretamente ligada à Secretária Municipal de Saúde do Natal, estando localizada na Av. xavantes 1228/1306, bairro Pitimbu, Natal – RN. Diante da reorganização da Rede de Atendimento à Urgência (RAU) no município de Natal, viu-se a possibilidade de ampliação do serviço prestado na comunidade, ainda então, Unidade Mista do conjunto Cidade Satélite. A referida instituição foi inaugurada em 29 de agosto de 2017, e faz parte do Distrito Sanitário Sul, abrangendo cerca de 300 mil habitantes residentes na área de Ponta Negra, Nova Descoberta, Candelária. Mirassol, Pirangi, Jequi, Pitimbu, Planalto e Cidade Satélite, do município da cidade do Natal, no Estado do Rio grande do Norte, região Nordeste do Brasil. A UPA sul, funciona 24hs por dia, sete dias por semana, com um total de 12 leitos, divididos entre 03 leitos para UTI e 09 leitos para clínica médica, sua capacidade operacional é de realizar 300 atendimentos diários, entre consultas de emergência, exames laboratoriais e exames de diagnóstico chegando a estimativa de 42.187 mil procedimentos ao mês. Embora que, durante os meses de fevereiro a maio haja um aumento considerável na demanda por atendimento, causado pelas arboviroses,4 devido aas mudanças climáticas, pelo aumento das chuvas cidade. 4Arboviroses são as doenças causadas pelos chamados arbovírus, que incluem o vírus da dengue, Zika vírus, febre chikungunya e febre amarela. A classificação "arbovírus" engloba todos https://www.minhavida.com.br/saude/temas/dengue https://www.minhavida.com.br/saude/temas/zika-virus https://www.minhavida.com.br/temas/febre-chikungunya https://www.minhavida.com.br/saude/temas/febre-amarela 37 A UPA-Sul é uma instituição de natureza pública, não possui convênio com a iniciativa privada, faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS), tem financiamento tripartite, sendo de responsabilidade da União, através do Ministério da Saúde, do Estado e do município, conforme os instrumentos normativos legais que regulam o financiamento do SUS, como a Lei nº 8.080/90 e a Lei nº 8.142/90. O organograma da instituição se apresenta conforme a imagem abaixo: Figura 1 - Estrutura de Pessoal da UPA Sul – Natal/RN Fonte: Relatório Quadrimestral da UPA – maio/agosto 2018. O Planejamento estratégicoUPA Sul (2018) –ressalta que o objetivo desta unidade é ajudar a desafogar os prontos socorros, ampliando e melhorando o acesso da população aos serviços de urgência e emergência no Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Natal. A instituição também possui um Plano de Ação Institucional Quadrimestral produzido coletivamente a partir do qual é discutido durante as reuniões com o colegiado (responsável técnico de cada setor) e posteriormente discutido com as demais UPAS do município: aqueles transmitidos por artrópodes, ou seja, insetos e aracnídeos (como aranhas e carrapatos) (MINHA VIDA, s/d). 38 • Missão: Dar pronto atendimento em regime de 24 horas, aos casos de pequenas e médias urgências e emergências. Ser observatório do sistema para contribuir com planejamento da atenção integral a saúde. • Visão: Ser reconhecido como modelo de qualidade e eficiência do pronto atendimento ao cidadão, contribuindo para diminuir a demanda dos serviços hospitalares. • Valores: Ética e motivação, Humanização, Transparência e comprometimento, Relacionamento e trabalho em equipe, Busca contínua pela excelência em serviço. • A infraestrutura da Unidade de Pronto Atendimento – UPA Sul segue a regulamentação estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e as normas específicas para construções das estruturas físicas dos estabelecimentos que prestam assistência à saúde, a exemplo da Portaria nº 10, de 3 de janeiro de 2017, do Ministério da Saúde que dispõe sobre as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA - 24 horas, assim como o modelo de padronização visual das mesmas. Sua área física, do ponto de vista organizacional, é dividida em blocos de Pronto Atendimento; de Apoio ao Diagnóstico; de Procedimentos; de Urgência; de Apoio Logístico; e de Apoio Administrativo. Figura 2- Fachada da UPA Sul Fonte: Relatório Quadrimestral da UPA – maio/agosto 2018. 39 O Bloco de Pronto Atendimento é composto pela sala de recepção e espera (com sanitários para usuários), sala de arquivo de prontuário médico, sala de triagem classificatória de risco, consultórios médicos, sala do Serviço Social. O Bloco de Apoio Diagnóstico é composto pela sala de radiologia, laboratório de Patologia Clínica, sala de coleta de material para exames. O Bloco de Procedimentos: Sala para suturas/pequenas cirurgias, sala para nebulização, sala de medicação. O Bloco de Urgência: Sala de reanimação e estabilização, sala de observação/internação (leitos), sala de isolamento (com sanitário e chuveiro exclusivos). O Bloco de Apoio Logístico: Farmácia (exclusiva para dispensação interna), almoxarifado, expurgo/lavagem de material, central de material esterilizado. O Bloco de Apoio Administrativo: Salas de Administração, sala de reunião, sala de descanso para funcionários (com sanitários e chuveiros), vestiários para funcionários, copa/refeitório, depósito de material de limpeza, local de acondicionamento de lixo e estacionamento (ambulâncias e funcionários). Todos os espaços da Unidade de Pronto Atendimento estão mobiliados e equipados adequadamente, abastecido de insumos, e conta com uma equipe multidisciplinar de profissionais qualificados, portanto, tanto a os recursos humanos quanto os recursos materiais proporcionam totalmente a realização dos objetivos da instituição. Figura 3 - Leito da Sala Amarela Fonte: Relatório Quadrimestral da UPA – maio/agosto 2018. 40 Figura 4 - Sala de Sutura Fonte: Relatório Quadrimestral da UPA – maio/agosto 2018. O corpo multiprofissional da instituição é formado, conforme o Quadro 1, uma equipe comprometida em prestar um serviço de saúde de qualidade, universal e gratuito, na perspectiva do direito dos usuários. Quadro 1 - Funcionários da Unidade de Pronto Atendimento UPA Sul Quantidade/Categoria Profissional Forma De Contratação Clínico Geral 10% Estatutário e 90% Coopmed Nutricionista Estatutário Enfermeiro/a 85% Estatutário E 15% Contrato Temporário Técnico De Enfermagem 80% Estatutário E 20% Contrato Temporário Assistente Social 80% Estatutário E 20% Contrato Temporário Bioquímico 80% Estatutário E 20% Contrato Temporário Técnico de Laboratório 85% Estatutário E 15% Contrato Temporário Farmacêuticos 80% Estatutário E 20% Contrato Temporário Auxiliar de Farmácia Estatutário Direção Geral Estatutário Direção Médica Coopmed 41 Administração Hospitalar Estatutário Técnico De Radiologia Estatutário Faturamento Estatutário Agente Administrativo Estatutário Recepcionista Terceirizado Auxiliar de Serviços Gerais Terceirizado Maqueiro Terceirizado Copeiro Terceirizado Vigilante Terceirizado Manutenção Terceirizado Motorista Estatutário Fonte: Relatório Quadrimestral da UPA – maio/agosto 2018. Embora que, no período mais crítico das arboviroses, haja um aumento nos atendimentos, não há expectativa de ampliação da UPA, pois, a situação ainda é considerada uma excepcionalidade. Outro dado que merece relevância é que o setor de pediatria ainda não funcionava em 2019, devido ao impasse, de espera de contratação de profissionais e aumento no repasse financeiro. Conforme as anotações de Caderno de Campo de Estágio desta autora do TCC, a população usuária da UPA Sul é composta de adultos, em sua grande maioria, idosos acometidos por doenças crônicas como o diabetes, hipertensão, cardiopatia, que geralmente já são acompanhados pela Unidade Básica de Saúde (UBS), são aposentados, possuem renda entre um e dois salários mínimos, cerca de 90% possui plano funerário privado, moram em casa própria, possui saneamento básico, com escolaridade fundamental/médio, natural da capital potiguar. A classificação de atendimento dos usuários é feita pelo Protocolo de Manchester5, um processo de classificação de pacientes através do uso de cores em pulseiras de identificação, para definir a situação de cada paciente conforme imagem abaixo, sendo que a cor laranja não faz parte da classificação de risco das UPAS do município de Natal, sendo então vermelho, amarelo, verde e azul. 5 Define claramente tempos de espera limite para atendimento médico. (http://www.ans.gov.br/) https://passevip.com.br/pulseiras-identificacao/pulseiras-hospitalares/ 42 Figura 5 - Protocolo de Manchester - classificação de risco dos pacientes Fonte: portaldaenfermagem.com.br Os critérios que definem o acesso ao serviço prestado pela instituição são: ter carteira do SUS do município, portar documento de identificação com foto, porém, em caso de emergência se o paciente for identificado com a pulseira amarela ou vermelha a UPA presta o atendimento imediato independente de sua localidade, inclusive à estrangeiros. Faz parte do protocolo da UPA, que esse usuário passe pela sala de classificação como critério de identificar o risco a saúde, partindo da análise dos sinais vitais. Essa triagem é realizada por um profissional da enfermagem e define a ordem de atendimento conforme a gravidade de cada caso, os pacientes mais graves serão a prioridade. Na próxima seção trataremos da inserção do Assistente Social no âmbito da saúde e especificamente do seu trabalho nas Unidades de Pronto Atendimento no caso Upa Sul, por mais usual que possa parecer as atividades do Serviço Social, apresentaremos o contexto, para revelar a importância deste profissional para viabilização de direitos e consolidação do Sistema Único de Saúde. 43 3 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: PARTICULARIDADES DO TRABALHO PROFISSIONAL NAS UNIDADES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA Este capítulo aborda a inserção do Serviço Social no campo da saúde, vinculando o trabalho profissional aos princípios da Reforma Sanitária e ao projeto ético político do Serviço Social. Para Iamamoto (2000), a transição de prática para trabalho do Assistente Social
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