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No país do futebol, uma das figuras centrais dentro do campo é frequentemente 
colocada de escanteio dos holofotes. 
Inclusive, muitos preferem que assim 
seja. Como diz o ditado, “árbitro 
bom é aquele que não aparece”. No 
Rio Grande do Norte, apenas três 
mulheres fazem parte do quadro 
de arbitragem da Federação Norte-
Rio-Grandense de Futebol (FNF), 
fundada em 1918. Conversamos 
com três dessas profissionais sobre 
as trajetórias de vida que levaram 
a esse caminho. Em 2019, o trio 
entrou para a história no futebol 
potig uar, ao fazer parte do primeiro 
jogo apitado apenas por mulheres 
no Campeonato Estadual.
Atualmente, no Brasil, uma média 
de 824 árbitros estão cadastrados no 
quadro de trabalho da Confederação 
Brasileira de Futebol (CBF). Desses, 
cerca de 692 são homens. As 
mulheres correspondem a 132 
profissionais, valor que representa 
apenas 16% do total. No Rio Grande 
do Norte, 29 árbitros passaram pelos 
constantes testes físicos e teóricos 
exigidos pela CBF, estando aptos 
a trabalhar em jogos de exposição 
nacional. Novamente, as estatísticas 
são reveladoras: há apenas três 
mulheres.
Segundo o árbitro e professor 
de Educação Física Caio Max, 
diferenças entre a fisiologia de 
homens e mulheres não são, e nunca 
serão, argumento para desqualificar 
a presença feminina na arbitragem. 
Ele explica que a preparação para 
o ramo não é diferente por serem 
mulheres, mas por respeito à 
individualidade biológica de cada 
pessoa. Inclusive, destaca que há 
“árbitras com preparo e desempenho 
superiores a árbitros homens”. 
Portanto, não existe impedimento 
quanto à parte física.
“O que existe é um preconceito 
estrutural que dificulta que as 
mulheres tenham seu espaço. Elas 
precisam remar muito mais para 
ter oportunidade, mas, quanto à 
preparação e à capacidade, não 
existe nenhuma diferença, exceto 
a questão da potência muscular, 
que é contornada com dedicação 
e compromisso no treinamento”, 
pontua o educador físico.
A árbitra central Edina Alves e a 
assistente Neuza Back continuam 
provando que, de fato, não há 
impedimentos para as mulheres 
atuarem nesse campo, mostrando 
sua competência e colhendo frutos 
pelo trabalho desenvolvido. A 
paranaense Edina é a única mulher 
que, atualmente, apita jogos na 
Série A do Campeonato Brasileiro, 
competição na qual já comandou 
19 partidas desde 2019. Neuza, 
catarinense, já celebra mais de 100 
jogos como árbitra assistente na 
primeira divisão do futebol brasileiro. 
Ambas são inspiração e atuaram na 
Copa do Mundo Feminina de 2019. 
Além disso, fizeram parte do primeiro 
quarteto técnico totalmente feminino 
em jogo pelo Mundial de Clubes da 
Federação Internacional de Futebol 
(FIFA) em 2020, na modalidade 
masculina. Neuza também foi 
convocada para atuar no Mundial do 
Qatar em 2022.
Mas, em um mundo e país ainda 
permeados pelo machismo estrutural, 
o ambiente profissional do futebol 
apresenta uma certa resistência a 
mulheres no comando. O que leva 
essas mulheres a insistir e trilhar 
esse caminho árduo? Procuramos 
investigar a força e as motivações 
daquelas que permanecem em 
busca de seus sonhos, apesar das 
dificuldades encontradas. Esta 
reportagem vai contar a história de 
três dessas mulheres, que fazem 
parte do quadro de arbitragem da 
FNF, como forma de dar espaço para 
cada uma delas, passeando pela 
infância, adolescência e vida adulta 
de Luciana da Silva, Mariana de Paiva 
e Edlene Freire. 
mulheres no 
comando
Os desafios de ser árbitra 
no futebol potiguar
Juliana Lima e Letícia Medeiros
Nascida em Natal em 1984, Lu-ciana da Silva gosta de co-mentar que aproveitou sua in-
fância da forma “antiga” e longe da 
tecnologia. Cresceu brincando de 
esconde-esconde, pula corda e am-
arelinha com seus amigos no bair-
ro Rosa dos Ventos em Parnamirim, 
zona metropolitana da capital. “Hoje 
é todo mundo no celular, mas eu ain-
da aproveitei bastante”, diz. Filha de 
dona Maria das Dores e seu Fran-
cisco André, uma doméstica e um 
pintor, entrou para o curso de arbi-
tragem em 2005, após convite de 
uma amiga. 
O interesse pelo futebol não veio 
por apego a um time de paixão ou 
admiração por alguma jogadora ou 
jogador, mas graças ao trabalho de-
senvolvido pelo árbitro assistente 
Milton Otaviano, primeiro potiguar a 
integrar o quadro da Federação In-
ternacional de Futebol (FIFA). “Veio 
quando comecei a assistir aos jog-
os de Milton, nosso FIFA aqui do RN, 
que já se foi, por ser o único nesse 
patamar e o melhor que nós tínham-
os. Para ser igual a Milton, acho que 
está para nascer ainda. Eu era ado-
lescente e, com 21 anos, minha ami-
ga me convidou para o curso. Na 
época só pensei ‘vamos fazer né?’”.
Seu curso de formação, inicial-
mente feito só como experiência 
para adicionar ao currículo, virou o 
começo de uma longa caminhada. 
Na sala, apenas cinco mulheres em 
um ambiente 90% masculino. De lá 
para cá, já são 17 anos na profissão. 
“Hoje sou a árbitra mais experiente 
em atuação no estado. Algumas 
pessoas entram dessa forma, mas 
é como eu digo, quando está no 
sangue, não tem para onde fugir. 
Quando é para ser, a gente tem que 
se espelhar em algo e, para mim, foi 
ele”, relata, referindo-se a Milton.
Entre a teoria e a prática de futebol, 
Luciana se encontrou na profissão. 
O primeiro jogo de que participou, 
segundo ela, foi suficiente para selar 
esse destino. Antes disso, trabalhou 
como supervisora de uma fábrica em 
Parnamirim por cinco anos, no bairro 
Parque Industrial. “Eu não tinha nem 
ideia de como era realmente! Você, 
quando é torcedor, só olha para o 
jogo. Quem olha para juiz é só para 
esculhambar! Mas, eu já acompan-
hava Milton, então foi mais fácil”, co-
menta. A atenção dela, no entanto, 
era no apito e na bandeira, na de-
cisão, no controle do jogo. Foi assim 
que verdadeiramente aprendeu o 
ofício.
“Comecei a observar e já fui pegan-
do. Só em saber o que olhar, ficou 
mais fácil para mim. Milton foi meu 
professor, e me lembro até hoje das 
aulas no estádio Juvenal Lamartine, 
ele atrás de mim gritando ‘vai Lucia-
na!’, em exercícios sobre impedimen-
to”, recorda. Nessa nova empreitada, 
não precisou ir longe para conseguir 
apoio: veio de dentro de casa. Com 
63 anos, seu Francisco é, e sempre 
foi, o fã número um da árbitra as-
sistente. 
Quando a filha está trabalhando, 
pode ter certeza de que o pai acom-
panha a transmissão do jogo pelo 
rádio, atento para menções sobre a 
arbitragem. A próxima conversa en-
tre os dois se assemelha a um pro-
cesso de debriefing, em que Fran-
cisco repassa comentários e revisa o 
desempenho de Luciana com aquele 
entusiasmo característico de fã. “Ele 
é meu número um, não tem proble-
ma não. Minhas irmãs sempre me 
deram apoio, meus amigos também. 
Meu esposo, quanto eu estava com 
ele, sempre me acompanhava nos 
treinos e ia fazer teste físico comi-
go. Ninguém nunca me desamparou. 
Até hoje, minha família sempre está 
comigo”, destaca.
Para sua irmã Luciene, ver essa 
trajetória percorrida só traz orgul-
ho e felicidade. “A reação inicial de 
quando ela decidiu ser árbitra de fu-
tebol foi assim: ‘Será que Luciana 
vai até o final e conseguir mesmo? 
Será que é isso que ela quer?’. De-
pois, não só eu como toda a família 
percebeu que estávamos errados. 
Como ela jogava futebol e gostava 
muito, apoiamos e incentivamos em 
tudo. Ela conseguiu, terminou, está 
fazendo o que gosta de fazer. Hoje, 
por tudo que conquistou e continua 
conquistando, sentimos muito orgul-
ho do que ela representa”, explana.
O curso de arbitragem, responsab-
ilidade das federações de futebol es-
taduais, tem uma duração média de 
12 meses. Para iniciar, o candidato 
precisa ter o ensino médio completo 
e idade mínima de 18 anos. Durante 
a formação, aprendem sobre as re-
gras da modalidade e os regulamen-
tos de competições. Também entram 
em contato com a mecânica da arbi-
tragem e suas sinalizações no cam-
po, bem como outros procedimentos 
relacionados à prática dentro das 
linhas e fora delas.
vocação
no sangue
Lucianada Silva. Foto: arquivo pessoal
Os alunos passam por um estágio 
supervisionado na “base” - expressão 
que se refere às categorias de atle-
tas menores de 18 anos -, recebem 
o diploma e, só assim, tornam-se ár-
bitros. Também escolhem a função 
almejada durante a realização do 
curso: árbitro central ou árbitro as-
sistente, mesmo sendo capacitados 
da mesma forma.
A central, conhecida como juíza, 
controla o jogo e é responsável pela 
disciplina dos jogadores, sendo apta 
a começar, interromper e suspend-
er a partida, além de marcar faltas 
e distribuir cartões. As assistentes, 
comumente chamadas de “bandeir-
inhas”, auxiliam na linha do campo 
para determinar o impedimento de 
jogadas conforme as regras, além de 
sinalizar escanteios, faltas e tiros de 
meta. 
“A arbitragem me 
resgatou”
Em 30 de março de 2017, o então 
esposo de Luciana faleceu em decor-
rência de um acidente de moto. Ele 
estava a caminho do trabalho, quan-
do um carro perdeu o controle na 
pista ao tentar uma ultrapassagem, 
capotou e o atingiu. Aquela mad-
rugada tinha sido de chuva e não 
houve como desviar a tempo. Sobre 
o assunto, Luciana diz que o seu tra-
balho como árbitra a resgatou de um 
luto profundo. “Foi isso e a corrida. 
Fiquei viúva e foi no esporte que me 
reencontrei. Na época, passei uns 
dois meses inerte, sem querer nada 
com nada. Foi na corrida e na arbi-
tragem que eu reagi. Me lembro até 
hoje da retomada depois do ocorri-
do, desse primeiro jogo”, conta.
A atividade física, tão presente no 
cotidiano da profissão, foi uma vira-
da de chave necessária nesse mo-
mento doloroso. Nas suas próprias 
palavras, Luciana explica que “fez de 
tudo”. “Corrida de rua, acampamen-
to, trilha, qualquer aventura. Minha 
família me ajudou muito nesse pro-
cesso, por isso digo que eles são 
minha base. Sou muito grata.” 
Morando em uma casa próxima à 
de seus pais, uma das irmãs ficava 
com ela porque Luciana não con-
seguia dormir. Foram muitas noites 
sem adormecer, situação que já foi 
amenizada, mas ainda permanece. 
“Ainda choro muito, entende? É uma 
coisa que não vou esquecer. Ele só 
tinha 27 anos”, desabafa. 
Desafios
Após o curso de formação, Lucia-
na começou a atuar em jogos de cat-
egoria sub-15 e a vivenciar experiên-
cias de jogo como árbitra assistente. 
A progressão de carreira vinha a par-
tir do conhecimento adquirido. Em 
2006, fez o teste da Confederação 
Brasileira de Futebol (CBF) por indi-
cação da comissão técnica e passou 
a integrar o quadro de arbitragem da 
instituição para jogos da modalidade 
feminina, o que não foi nada fácil. O 
treino físico é rotina diária. “Tem vez-
es que treino três vezes por dia. Ger-
almente, faço academia de manhã, 
corro durante no período da tarde e 
vou para o funcional à noite.”
Entre os principais desafios no ex-
ercício da profissão, o preconceito é 
apontado logo de cara. No entanto, 
destaca um avanço desde o tempo 
em que começou a trabalhar para 
os dias atuais. “Passamos por situ-
ações complicadas com torcedores, 
mas faz parte. Durante a pandemia, 
trabalhamos em jogos sem público 
e foi uma diferença grande. Pensei, 
‘Cadê os xingamentos?’. Hoje é mais 
tranquilo. A pressão do momento faz 
parte, sem pressão não vai. Você tem 
que preparar o seu psicológico, não 
é todo dia que você está bem, mas 
tem um preparo”, descreve.
Ela já chegou a presenciar mo-
mentos em que seus colegas de tra-
balho foram agredidos fisicamente 
em jogos de bairro na cidade, oca-
siões utilizadas para treino profis-
sional e complementação de renda, 
quando não há campeonato ofi-
cial acontecendo. “Em certos jogos, 
principalmente entre jogadores e 
torcida, tem hora que começam bri-
gas que não tem mais como separar. 
Tem jogos em que trabalhei que acho 
que devem estar brigando até agora 
por algum lugar, mas você acaba se 
acostumando. É aquela situação que 
não te abala, só precisa amenizar. 
Tem que ir atrás da pessoa que esti-
ver mais brava e tirar dali, não pode 
deixar em contato”, avalia.
zando corrida de 40 metros, com al-
ternância de direção a cada 20 met-
ros; já o segundo, verifica agilidade. 
Quem é árbitro assistente realiza o 
teste “Ariet”, trabalhando resistência 
e alternando seções de corrida com 
mudança de direção, sentido e de-
slocamento lateral, além do exame 
“Coda”, que avalia resistência.
O tempo mínimo para aprovação 
nos testes é estabelecido pela FIFA, 
que diferencia a categoria dos ár-
bitros, sejam eles do quadro FIFA, 
nacional ou regional. As mulheres 
devem alcançar os mesmos índi-
ces que os homens para estarem 
aptas a atuarem e, caso reprovem, 
podem perder toda a temporada. 
Mesmo aprovadas, dependem das 
comissões técnicas vigentes para 
serem escaladas em jogos.
Marco histórico
Em 2020, Luciana fez história no 
Rio Grande do Norte ao trabalhar em 
jogo da segunda rodada do Campe-
onato Potiguar, entre os times Assu 
e Potiguar de Mossoró, no estádio 
Edgar Borges Montenegro, conheci-
do como Edgarzão, em Assu. A parti-
da foi conduzida pelas três mulheres 
presentes nesta reportagem. “Eu 
não sabia que a gente ia entrar para 
a história do RN. Quando saiu a esca-
la, ave maria, foi muito emocionante. 
A felicidade foi a mil. Demorou muito 
para acontecer, mas, quando você 
tem uma comissão técnica que con-
fia em você, eles reconhecem o seu 
trabalho. Sou muito grata a Deus por 
isso. É incentivo para sempre treinar 
e estudar mais um pouco”, declara.
Sobre o futuro, revela que tem o 
objetivo de trabalhar nas séries C ou 
D do Campeonato Brasileiro de Fu-
tebol. “Antes eu dizia que aonde eu 
cheguei já estava bom, mas, hoje, 
tenho um pensamento diferente. Se 
eu trabalhar na série C, já estou feita 
na vida. Para chegar lá, é teste físico, 
prova teórica e oportunidade”, diz. 
Desde 2021, a CBF acabou com a 
exigência de estar cursando ou ter 
completado curso de nível superi-
or para composição do quadro de 
arbitragem nacional, situação que 
a favoreceu. Luciana cursava Edu-
cação Física e precisou interromper 
o curso durante a pandemia. “Agora, 
tudo depende de mim, continuar tre-
inando e estudando. Recebo mensa-
gens de pessoas que me têm como 
referência, até pela minha história 
de vida, e é uma responsabilidade”, 
conta.
Preparação
No dia anterior a um jogo, Luciana 
dorme cedo e acorda tranquilamente. 
É também necessário revisar as infor-
mações dos times envolvidos; por ex-
emplo, quem são os capitães e como 
a equipe tende a operar taticamente. 
Todo esse preparo ajuda para que 
o momento da partida seja encara-
do com mais calma. Para se manter 
nesse nível e ter a oportunidade de 
arbitrar jogos de competições CBF, 
é necessário passar por constantes 
testes. Em 2020, Luciana conseguiu 
a habilitação para trabalhar em jog-
os da modalidade masculina.
Anualmente, a Confederação exige 
que seu quadro de arbitragem passe 
por dois exames teóricos com alto 
nível de exigência. Para que sejam 
aceitos novos integrantes, alguém 
tem que sair. Geralmente, os testes 
são conduzidos antes do início e no 
fim do calendário das competições 
nacionais. 
A parte física é cobrada a cada 
três meses e tem por objetivo me-
dir a força de cada participante, 
com muitas atividades de potencial 
e resistência, mesclando exercícios 
anaeróbios, relacionados à força e 
potência, e exercícios aeróbios, que 
tratam da resistência. A parte teóri-
ca cobra os candidatos quanto às 
regras do futebol estabelecidas pela 
FIFA e presentes no Código Brasilei-
ro de Justiça Desportiva (CBJD).
Segundo a CBF, os árbitros centrais 
são submetidos aos testes conheci-
dos como “Yo-yo Dinâmico” e “7x7x7”. 
O primeiro avalia a resistência, utili-
Luciana da Silva. Foto: arquivo pessoal
Mariana Regina de Paiva, 31 anos, cresceu em Monte Alegre, região metropolitana 
de Natal. Embora nascida na capital, 
aos três anos foi morar com sua avó 
materna na cidade que tem pouco 
mais de 20 mil habitantes. A família 
é grande, ao todo são 12 irmãos, e 
boa parte vivia com sua mãe, Maria 
da Soledade, após a separaçãodos 
pais. Ela brinca que formou um time 
de futebol em casa. Do total, dois 
deles tinham sido colocados para 
adoção. Seu pai Manoel lidou por 
anos com o alcoolismo e cometeu 
suicídio quando ela tinha seis anos. 
Mariana não tem muitas lembranças 
dele. 
A vida não era fácil. Mesmo com 
sua mãe e irmãos vindo morar em 
Monte Alegre, passaram por muitas 
dificuldades. A avó, Maria Regina, era 
agricultora e, desde cedo, Mariana 
aprendeu a ajudar na colheita e 
vender verduras na feira da cidade 
aos sábados. “Hoje, minha vida está 
perfeita, mas aquele tempo de criança 
foram os melhores momentos”, diz, 
apesar das dificuldades da infância. 
“Eu fico um pouco emocionada, 
porque minha avó sempre foi a minha 
vida. É a mulher que eu mais amo 
neste mundo. Se hoje eu sou quem 
eu sou, devo a ela, que Deus a tenha. 
Foi quem me criou e me ensinou a 
sempre ter o pé no chão. Nunca vou 
esquecer a minha raiz, por mais que 
a vida me leve nas alturas”, comenta.
Mari, como é chamada, sempre 
foi uma criança muito ativa, amava 
brincadeiras e qualquer coisa 
relacionada a esportes. A avó 
costumava dizer que ela era a peste 
da escola. “Eu gostava de brincar de 
tudo, era a única jogando futebol no 
meio dos meninos, porque você não 
via mulher jogando naquele tempo. 
Fui nessa fase até os 15 anos. Quando 
eu tinha 14, veio um treinador de 
Parnamirim e perguntou no centro 
de Monte Alegre se tinha alguma 
menina que jogava futebol por aqui. 
Todo mundo me indicou”, lembra.
Com isso, recebeu o convite para 
treinar com a equipe feminina do 
Sport Club Parnamirim, mas as 
dificuldades financeiras pesavam na 
decisão. Além de vender os produtos 
na feira, também precisavam plantar 
para ter o que comer em casa. “A 
gente já ajudava na roça desde 
pequeno, porque senão não tinha. 
Acredito que para estar aqui hoje, 
tive que passar por tudo aquilo para 
realmente valorizar a vida que a 
gente tem, entende? Se tem uma 
coisa que eu aprendi é que nada vem 
fácil”, avalia
Mesmo assim, fez esforço 
para continuar jogando, com o 
sonho de seguir nesse caminho 
profissionalmente. Já trabalhava 
desde os nove anos de idade, tanto 
na roça, quanto como babá para 
crianças da região. Mariana conta 
que nunca dependeu de seus 
familiares, por exemplo, para comprar 
material escolar. Por ser desenrolada 
e simpática, era a melhor vendedora 
da feira de Monte Alegre e nunca 
deixou de trabalhar desde então. 
Foi com essa renda que pagou as 
passagens de ônibus para começar 
sua carreira no time de Parnamirim.
Seu espelho era o irmão mais velho, 
André, que também jogava futebol. 
Quando o via em ação, pensava 
em fazer aquilo da mesma forma. O 
apoio da família, inclusive de primos 
e conhecidos, fortaleceu esse 
desejo. Ela brinca que, dos 12 irmãos, 
dez jogavam bola e os outros dois 
só não o faziam porque não tinham 
coordenação para isso. “Eu jogava 
em qualquer posição, mas sempre 
fui ‘fominha’ de não tocar a bola para 
ninguém, aquela craque. Por isso, 
acredito que nasci com o dom do 
futebol, na minha família também só 
tem jogador bom”, diz.
Esse novo sonho se fortaleceu 
quando, aos 15 anos, foi descoberta 
por um profissional do ABC Futebol 
Clube e recebeu um convite para 
jogar pela equipe principal, na qual 
obteve bom desempenho. Por lá, 
conseguiu auxílio para custear as 
passagens de ida e volta para sua 
cidade. No entanto, a experiência 
não foi livre de frustações. A jovem 
recebeu propostas para jogar em 
times fora do estado, mas nunca 
teve a liberação necessária de seus 
treinadores, o que a prendeu aqui. 
Mariana Regina de Paiva. Foto: arquivo pessoal
da roça aos 
campos
de professores da área. A transição 
aconteceu de forma natural, por já 
apitar jogos de maneira informal 
entre suas jogadoras. “Eu já tinha 
uma noção de regras. Tenho um 
amigo árbitro chamado Nildo, lá de 
Arez [município a 59 km de Natal], 
que me incentivou muito nessa 
jornada. Ele me viu apitando futsal 
e disse que eu tinha postura para 
aquilo. De primeira, nem levei a sério. 
Eu falava que só queria jogar bola 
mesmo, mas foi uma coisa que ficou 
na minha cabeça”, recorda.
Mesmo sendo árbitra central, fez o 
curso inteiro para ser assistente. Ao 
completar a formação, entrou para 
o sindicato de árbitros amadores e 
passou a atuar nesse tipo de jogos. 
Foi em uma experiência negativa que 
veio a mudança de chave necessária. 
“Trabalhei com um árbitro que 
era péssimo. Quando levantava a 
bandeira para marcar falta, ele não 
seguia minhas indicações. Fiquei 
pensando se ele tinha algo contra mim 
ou só queria que eu me resumisse a 
marcar impedimento. Ao entrar em 
um trio de arbitragem, ali você é um 
só e precisa de todos para fazer um 
bom trabalho. Isso me incomodou 
dentro do campo”, relembra.
Depois disso, pediu para não ser 
escalada com tal profissional e 
começou a perguntar o que seria 
necessário para apitar. Começou 
no futebol amador. O primeiro jogo 
foi um clássico no bairro Dix-Sept 
Rosado, em Natal. Escalada para o 
confronto, Mariana conta que aplicou 
pelo menos nove cartões amarelos 
no primeiro tempo. 
“Senti que os jogadores estavam 
me testando e já coloquei moral, mas 
foi um inferno. No segundo tempo, 
eles já passaram a me respeitar, 
parecia que eram outras equipes. Eu 
sabia me impor nas decisões difíceis 
e não demonstrava que estava 
intimidada, mas só Deus sabe. Por 
fim, terminamos tudo em paz e recebi 
elogios da comissão. Foi ali que eu 
decidi. Não tive curso, a minha escola 
foi no futebol amador”, diz.
A FNF tomou conhecimento 
desse desenvolvimento e de sua 
vontade. A partir disso, passou a ter 
oportunidades oficiais nas categorias 
de base com aval da Federação. 
Todo seu trabalho árduo culminou 
em 2020, quando apitou o clássico 
entre Assu e Potiguar de Mossoró 
pelo Campeonato Estadual, tendo 
sua estreia profissional ao lado de 
Luciana e Edlene, e entrando para a 
história da arbitragem no Rio Grande 
do Norte.
Para o quadro de arbitragem 
local, os candidatos passam por um 
teste anual. Uma avaliação teórica, 
composta por 20 questões sobre as 
regras de futebol, e um teste físico, 
o qual envolve atividades de corrida 
que variam para árbitros centrais e 
assistentes. A composição corporal 
é aferida por meio de exames. Depois 
disso, passam pelo chamado FIFA 
TEST - 40 tiros de 75 metros por 25 
metros de descanso, que tem um 
índice básico de 15 segundos por tiro 
e 22 segundos de descanso entre 
um tiro e outro.
“Quando assistente, eu sentia que 
faltava algo em mim. Não sou uma 
pessoa autoritária, mas eu queria 
me impor mais, mandar mais no 
jogo com decisões. Sempre gostei 
de lidar com as pressões da vida e, 
Saiu do ABC para jogar na equipe 
do América Futebol Clube, onde 
trabalhou ao lado de Miraildes Maciel, 
a Formiga, lendária volante da seleção 
brasileira, e foi campeã estadual 
em 2012. Apesar disso, teve mais 
decepções quanto à liberação para 
jogar fora do estado, em São Paulo, 
e até uma oportunidade na Itália. 
Também tinha a responsabilidade de 
ser cuidadora de seus bisavós em 
Monte Alegre e parou de jogar logo 
após o campeonato, mesmo com 
passagens posteriores no Ateneu 
União Esporte e no Cruzeiro de 
Macaíba, onde lesionou o joelho.
Técnica e árbitra
Com o fim de sua carreira 
profissional, a rotina voltou a envolver 
apenas o trabalho como babá, as 
atividades na roça e como cuidadora 
de idosos no final de semana. Ao 
voltar definitivamente para Monte 
Alegre, teve a iniciativa de montar 
um time feminino na região e assumir 
o papel da treinadora da equipe. 
Hoje, Mariana é funcionária 
pública da Prefeitura no cargo 
de subcoordenadora de esporte. 
“Começamos com só três atletas, 
mas apareceram mais meninas e 
chegamos a 30 integrantes. Tive, 
então, uma chance na área do 
esporte e trabalhei em escolas 
como assistente dos professores de 
Educação Física. O esporte sempre 
foi minha vida e tudo que me foi 
passado no profissional, eu passava 
para os meus alunos”, destaca.
O curso de formação de árbitraveio 
em 2017, quando recebeu orientação 
Segundo Manoela, o apoio da 
família esteve presente com palavras 
de apoio. Todos acreditaram que se 
alguém conseguiria quebrar todas as 
barreiras desse árduo caminho, seria 
ela. “Hoje, sei que ela é inspiração 
para tantas outras mulheres que, 
assim como Mari, buscam seu espaço 
no mundo do futebol. O sentimento é 
de gratidão, porque ela conquistou o 
respeito dos jogadores e da própria 
classe de árbitros, e por saber que 
ela continua buscando seu espaço, 
dando voz e sendo voz para todas”, 
comenta.
Em sua fala, descreve uma 
grande satisfação em saber que 
Mariana chegou lá, perseverando, 
apesar de todos os desafios que 
precisou enfrentar. “Uma vez ela 
me disse que ia desistir porque 
não tinha como continuar pagando 
o curso. Mas, quando é para ser, o 
universo conspira a favor. Foi isso 
que aconteceu. Olhando para trás, 
dividindo esse peso com ela, posso 
dizer que, apesar de ter sido testada 
de todas as formas, ela perseverou e 
mostrou que lugar de mulher é onde 
ela quiser e que podemos tudo”, 
reforça a irmã.
Segundo o árbitro assistente da 
FNF, Matheus Lacerda, o último curso 
realizado pela Federação teve o valor 
de R$ 1.000. Quanto à remuneração 
dos árbitros centrais, explica que, 
tendo por índice o estadual sub-
17, a taxa é de R$ 103 por partida 
arbitrada. No Campeonato Potiguar, 
podem variar de R$ 851 a R$ 1.114, 
a depender do jogo, com acréscimo 
no valor em fase de semifinais e 
finais. Para aqueles que também 
pertencem ao quadro da CBF, essas 
taxas podem subir. Em geral, os 
assistentes recebem 60% do valor 
pago aos centrais. Nacionalmente, 
a remuneração varia de acordo com 
a série do campeonato, com um 
profissional de Brasileirão A podendo 
receber até R$ 4.000. 
principalmente, de desafios. Vi que, 
para ser uma central, o desafio era 
maior”, diz. Hoje, Mariana trabalha 
15 jogos por semana em média. “A 
rotina é uma loucura, mas é uma 
grande realização. Meu único dia 
de descanso é a segunda-feira, não 
atendo ligação nem se for do Papa”, 
brinca.
Atualmente, Mariana se afastou 
de jogos oficiais e pretende retornar 
o trabalho pela FNF no ano que 
vem. Um dos maiores desafios que 
enfrenta, além da falta de apoio da 
classe, é a própria desvalorização 
do trabalho por outras mulheres. 
Muitas foram as vezes em que 
chegou em casa chorando, devido 
ao desrespeito que sofria vindo da 
torcida nas arquibancadas. 
“O que me mais me doía era escutar 
isso de mulheres. Um cara, quando 
fala alguma coisa, entra por um 
ouvido e sai pelo outro. Mas, quando 
é uma mulher, fico pensando, ‘poxa, 
estou aqui nos representando, 
dando meu máximo’. Como é que 
uma mulher é capaz de dizer que eu 
devia estar lavando louça? O mundo 
já está contra a gente, temos que 
nos apoiar”, reflete.
Sua irmã Manoela a tem como 
exemplo e inspiração. Quando soube 
dos planos para o curso de formação, 
sua reação inicial foi de surpresa. 
Apesar de sempre ter imaginado 
que Mariana seguiria no caminho 
do esporte, não imaginou que seria 
na arbitragem. Ao acompanhar essa 
jornada, afirma que foi difícil chegar 
ao patamar atual em uma área 
dominada por homens, começando 
pela turma que só teve sua irmã de 
formada. 
Mariana Regina de Paiva. Foto: arquivo pessoal
Natural de Arez, cidade potiguar com pouco mais de 14 mil habitantes, Edlene Freire 
tem 40 anos e faz parte do quadro 
de árbitras assistentes da FNF e 
CBF. Criada e registrada pelos seus 
avós maternos, teve uma infância 
tranquila, apesar das dificuldades da 
época. Seu Clóvis Batista e dona Elita 
Freire eram agricultores e ambos já 
faleceram, mas seus ensinamentos 
permanecem com Edlene e seus três 
irmãos, Edileide, Aline e Alison.
A criação foi pautada pelos 
ensinamentos da Assembleia de 
Deus, da qual eram adeptos. Por 
isso, em alguns momentos, as 
posturas eram um pouco rígidas, em 
acordo com os preceitos religiosos 
professados pela família. “Eles foram 
casados por mais de 60 anos e, às 
vezes, pegavam no meu pé”, conta. 
Edlene gostava muito de correr 
e futebol nunca foi o seu esporte 
escolhido. “Não sabia nem chutar 
uma bola direito. Era muito magrela, 
pesava 52 kg na época e minha vida 
era jogar voleibol”, diz. Com 13 anos, 
a adolescente jogava escondido 
do avô, porque a religião praticada 
pela família não permitia que ela 
praticasse esportes. “Minha avó, por 
muitas vezes, teve que me buscar no 
campo de areia com um chicote e 
eu tendo que correr. Meu avô era do 
Ministério e tinha que dar exemplo. 
E em relação a isso, sofri um pouco. 
Hoje, já está muito diferente”, diz.
Esse amor pelo vôlei era tão grande 
que Edlene sonhava em ser atleta 
profissional. Aos 18 anos, veio para 
a capital do estado cursar Geologia 
e Mineração no Instituto Federal do 
Rio Grande do Norte (IFRN), então 
conhecido como Cefet (Centro 
Federal de Educação Tecnológica). 
No entanto, seu primeiro vestibular 
foi para Radialismo e a área da 
Comunicação ainda é um ponto 
de interesse para ela. Quando 
adolescente, por influência de 
seu irmão caçula, Alison, acabou 
voltando o seu olhar para o futebol. 
Anteriormente, não frequentava 
estádios, nem apoiava qualquer time.
“Foi algo que nunca passou pela 
minha cabeça até por volta dos 15 
anos, quando ele veio para Natal 
participar de um teste e começou a 
jogar pelo Alecrim Futebol Clube na 
categoria de base. Eu já virei fã dele 
e torcedora do Alecrim”, explica. O 
irmão foi, então, emprestado para o 
ABC e viajou a São Paulo para jogar 
a Copa SP de Futebol Júnior, onde 
se destacou por lá e, quando voltou, 
subiu para o time profissional do 
Alecrim. “Até então, eu acompanhava 
na torcida, xingava arbitragem e todo 
mundo porque eu só via meu irmão 
como a estrela. Eu tinha ele como 
referência”, comenta.
Paixão inesperada
Em um sábado qualquer, morando 
em Natal com Alison, Edlene lembra 
de assistir a um programa esportivo, 
que apresentou uma matéria sobre 
mulheres na arbitragem. Aquilo 
imediatamente lhe chamou a 
atenção. “Sou uma pessoa que 
sempre gostou muito de desafios. 
Olhei assim e disse: ‘Que legal, essas 
mulheres superempolgadas dando 
entrevista e se destacando. Vou fazer 
esse curso’”. O irmão, inicialmente, 
foi contra. Disse que não ia dar em 
nada, que era um ambiente de muito 
assédio. “Eu já conhecia uma pessoa 
que era assistente de futebol da 
Federação aqui em Natal e rodava 
o país também. Falei com ele que 
queria entrar na área para ser árbitra 
central e que me avisasse quando 
abrissem as inscrições”, recorda.
Em 2011, entrou no curso de 
formação sem muita perspectiva 
profissional, pois sua ideia inicial era 
chegar à arbitragem para ter contato 
com empresários do ramo e membros 
da imprensa, no intuito de fazer seu 
irmão crescer profissionalmente. A 
sala só contava com três mulheres 
e, dentre elas, foi a única que seguiu 
na área. Também nesse momento, 
a situação de Alison no futebol já 
estava bem complicada, com seus 
altos e baixos, devido à falta de 
oportunidade e incentivo. 
Alison explica que ficou com medo. 
Por ser jogador, sabia os tipos de 
piadas e comentários que eram 
feitos nos bastidores desse universo 
majoritariamente masculino. “Na 
época que ela começou o curso, 
achei um pouco estranho. Atuava 
profissionalmente e não era comum 
Edlene Freire. Foto: arquivo pessoal
Escolha do 
destino
ver mulheres na arbitragem. Logo no 
início, até pedi para ela não continuar, 
porque era algo raro mesmo, mas vi 
que era o foco e objetivo dela. Hoje, 
tenho a certeza de que é uma das 
melhores do nosso estado. Tenho 
orgulho do que ela se tornou”, 
comenta.
O começo das atividades foi 
tranquilo. Desde os 16 anos, 
Edlene faz musculação e seu porte 
físico ajudou na parte prática do 
curso. A teoria foi uma dificuldade, 
precisando redobrar o estudo das 
regras do futebol. Na hora de decidir 
sua posição, as experiências com 
o apito mostraram que se sentia 
mais confortável na linha. Dessa 
forma, optou por focar na “bandeira”, 
expressãoque comumente se refere 
aos assistentes de arbitragem. Sobre 
essa fase, Edlene é bem sincera: 
ainda não gostava muito do curso e 
estava fazendo “por fazer”.
Quando terminou a formação em 
2012 e passou a estagiar, as dúvidas 
continuavam presentes. Ainda 
insegura sobre a atuação, os jogos 
no Juvenal Lamartine e a presença 
da torcida mexeram com Edlene. 
Até então, revela que ninguém, além 
do seu avô, a apoiava nessa nova 
empreitada. “Ele sempre ficava na 
dele, calado, mas eu sentia que 
ele tinha orgulho de mim. Mesmo 
em jogos de base, ele já conseguia 
escutar o meu nome no rádio”, diz. O 
irmão continuava falando que não ia 
dar certo. “Comecei a achar que ele 
tinha razão. Se você me perguntar 
como foi que eu não larguei mais, 
não vou saber te responder. Acho 
que foi uma paixão que veio sem 
perceber. Quando me liguei, já estava 
encantada”, explica. 
Seu primeiro jogo profissional foi 
na cidade de Goianinha, no estádio 
José Nazareno do Nascimento, mais 
conhecido como Nazarenão, entre 
Palmeira e Corinthians de Caicó. 
“Foi uma noite tensa, um desastre. 
Quando saiu a escala, três dias antes, 
já não conseguia mais dormir. Quando 
eu estava na linha de impedimento, 
o professor que foi me avaliar ficava 
por trás dizendo, ‘Edlene, pelo amor 
de Deus, você está errada’, e eu me 
tremia todinha pensando ‘O que eu 
estou fazendo aqui?’”, conta. A tensão 
foi tanta que Edlene teve câimbra na 
perna, mas conseguiu finalizar. “Não 
teve nenhum erro que prejudicasse 
alguma equipe, só que fiquei bem 
nervosa mesmo”, relembra.
Em 2014, foi convocada para fazer 
o teste da CBF, inicialmente para 
trabalhar no quadro feminino. No ano 
de 2017, depois de um longo preparo, 
passou a integrar também o quadro 
de arbitragem para a modalidade 
masculina, podendo atuar em mais 
campeonatos promovidos pela 
Confederação. Desde então, não 
parou mais. “Foguete não tem ré”, 
brinca. Como forma de se manter 
nesse nível, Edlene treina todos 
os dias em preparação para os 
constantes testes exigidos pelas 
entidades. 
Doação
Depois de tantas incertezas e 
desafio, hoje, Edlene diz aos quatro 
ventos o quanto ama sua profissão. 
Porém, é muita responsabilidade, e 
um bom preparo físico e psicológico 
é primordial para lidar com todas 
as influências no momento do jogo. 
Essas exigências são testadas por 
um motivo: com elas, é possível 
administrar melhor sua performance, 
principalmente quando há algum erro 
em um lance que acaba interferindo 
no resultado do jogo, seja um 
impedimento não marcado ou uma 
falta equivocada que leva a gol. 
A escalação de árbitros é papel 
da comissão técnica estadual e é 
feita por meio de audiência pública, 
momento em que a capacidade 
técnica e a física dos profissionais 
são avaliadas para determinado jogo. 
Isso significa dizer que a aprovação 
para o quadro não necessariamente 
garante a atuação profissional, 
sendo regida por decisões que estão 
nas mãos de poucos. 
“Temos que estar sempre 
preparadas para tudo, nunca se sabe 
quando uma oportunidade pode 
aparecer”, diz, atenta. Hoje, a família 
apoia Edlene e já compartilha várias 
postagens sobre ela em redes sociais. 
“É um trabalho em que precisamos 
abdicar de muita coisa, inclusive se 
afastar um pouco da família, porque 
atuamos no final de semana. Já 
passei datas comemorativas longe 
dos meus avós, distante do meu filho 
Miguel, de oito anos, mas faz parte”, 
relata.
Para ingressar no quadro da CBF, 
o árbitro precisa ser escolhido e 
encaminhado pela comissão técnica 
estadual. Logo em seguida, é 
necessário enviar vários documentos 
exigidos pela Confederação, que 
comprovem sua autenticidade. 
Também é obrigatório ter um número 
mínimo de dez jogos profissionais 
em seu estado. 
Edlene Freire. Foto: arquivo pessoal
Realizados a cada três meses, 
os testes acontecem da seguinte 
maneira: o primeiro é chamado 
de “Habilitador” (habilita para a 
temporada) e é composto por prova 
teórica e testes físicos (FIFA TEST e 
de composição corporal). O segundo 
é chamado de “Mantenedor”, com 
uma nova cobrança do teste de 
composição corporal e a prova física. 
Por fim, o “Verificador” abrange 
testes complementares de campo e 
uma avaliação corporal.
No momento, Edlene foi escalada 
para trabalhar na Série D do 
Campeonato Brasileiro, mas tem 
habilitação para todas as competições 
nacionais. Esses convites dependem 
da comissão técnica vigente. Para 
ela, a situação é bem difícil. “Não vou 
dizer que é pelo fato de ser mulher, 
para dizerem que é ‘mimimi’, mas eu 
acho que hoje muita coisa mudou. As 
mulheres têm oportunidades, mas 
eu falo por mim”, comenta. 
Desde que entrou na CBF, foram 
poucas as oportunidades que teve. 
“Estou habilitada e capacitada com 
as demais, só que, infelizmente, 
ainda não tive as chances que muitas 
tiveram. Mas é aquilo, né? Temos 
que estar preparadas para o que 
vier. Desmotiva um pouco, fico meio 
cabisbaixa, mas é manter o foco e 
disciplina”, desabafa.
Edlene avalia o cenário atual como 
positivo em relação ao interesse e à 
recepção no meio do futebol nacional. 
“Hoje, há mulheres atuando toda 
semana nas Séries A e B do Brasileiro, 
vejo que temos muitas bem motivadas. 
Isso instiga quem deseja ingressar 
na profissão. Recebo mensagens 
que me levantam e tenho o objetivo 
de chegar à segunda divisão do 
Brasileirão”, adiciona. 
Entre suas maiores realizações 
profissionais, menciona a estreia 
na Série D, que aconteceu em 
Recife, em 2019, bem como na 
Copa do Nordeste em 2022, em jogo 
realizado na Bahia. Sobre a partida 
do campeonato estadual entre Assu 
e Potiguar, com o trio totalmente 
feminino, Edlene comenta que foi 
um de seus melhores jogos. 
“Me senti tão responsável por essa 
partida e foi uma arbitragem tão 
gostosa! Eu pensei, ‘Cara, eu vou doar 
muito’. Sabia da pouca experiência 
de Mari e disse ‘Vou apitar com ela!’. 
Já a Luciana, é muito experiente. A 
gente comenta até hoje que foi um 
dia magnífico. Fiquei surpresa pela 
escala e mais feliz ainda por Mariana, 
porque foi um feito histórico aqui no 
RN”, finaliza.
As pioneiras
A crescente participação das 
mulheres no cenário esportivo é 
uma realidade nos dias de hoje, 
apesar de não ser fácil a sua 
chegada a posições como atletas, 
integrantes de comissões técnicas, 
árbitras e gestoras, nesse campo. 
Embora haja avanços, ainda há 
grandes diferenças de tratamento 
e visibilidade dadas a elas diante 
dos grandes desafios relacionados 
à equidade de oportunidades e ao 
abismo salarial.
A arbitragem chegou ao futebol 
brasileiro junto com a modalidade, 
em meados dos anos de 1894. Porém 
a participação das mulheres nessa 
função ainda esbarra em imprecisões 
pela carência de registros. A primeira 
árbitra de futebol reconhecida 
mundialmente foi a brasileira Asaléa 
de Campos Fornero Medina, em 
meados de 1971. Mais conhecida 
como Léa, quatro anos antes desse 
reconhecimento, fez oito meses de 
curso pela Federação Mineira de 
Futebol, mas logo teve seu diploma 
bloqueado pela Confederação 
Brasileira de Desportos (CBD), a 
qual alegava que ela não estava 
capacitada ainda para exercer a 
função, sem mesmo explicar o porquê 
dessa decisão. Enquanto não era 
autorizada a iniciar seus trabalhos 
como árbitra, Léa foi em busca de 
emprego em outras áreas.
Em 2015, Léa Campos revelou 
ao programa televisivo “Globo 
Esporte” que foi levada mais de 15 
vezes ao Departamento de Ordem 
Política e Social (DOPS) acusada 
de subversão. Em um dos relatos, a 
árbitra conta que foi convidada, pela 
Federação Internacional de Futebol 
(FIFA), para trabalhar em um torneio 
amistoso de futebol feminino, no 
México, mas estava impedida de ir, 
porque seu diploma se encontrava 
bloqueado. Com isso, ela foi ao 
encontro do General Médici, que 
governava o país na época, e solicitou 
essa liberação. O General enviou 
uma carta a João Havelange, então 
presidente da CBD, solicitando a 
liberação do diploma de Asaléa. Foi 
então que ela se tornou pioneira na 
arbitragem feminina brasileira.Em 
1971, recebeu o “apito de ouro” da 
FIFA, reconhecida como a primeira 
árbitra de futebol do mundo.
Em 1983, a Universidade Estadual 
do Rio de Janeiro (UERJ) abriu suas 
portas para receber um curso de 
arbitragem de futebol exclusivo para 
as mulheres que tinham interesse 
em trabalhar na área. Realizado pela 
Associação de Árbitros do Rio de 
Janeiro, dele saiu Claudia Guedes, a 
primeira mulher a apitar uma partida 
da Copa do Mundo de Futebol 
Feminino, organizada pela FIFA, em 
1991 na China. 
Foi apenas na década de 1990 
que a Federação Paulista de Futebol 
registrou sua primeira árbitra no 
quadro de profissionais. Silvia Regina 
se formou no curso de arbitragem 
na cidade de Mauá (SP) e ingressou 
na Federação somente em 1997. Em 
2003, tornou-se a primeira mulher 
a apitar uma partida da Copa Sul-
Americana masculina. Ainda em 
2003, junto com Aline Lambert e Ana 
Paula Oliveira, elas se tornaram o 
primeiro trio de mulheres a atuar em 
partidas do Campeonato Brasileiro 
masculino da série A.
Os árbitros de futebol brasileiro 
são considerados trabalhadores 
autônomos por não terem carteira 
de trabalho assinada, nem salário 
fixo. Isso traz a esses profissionais 
uma maior instabilidade na carreira. 
Apesar disso, eles estão amparados 
pela Lei 12.867/2013, que 
regulamenta a profissão.

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