Prévia do material em texto
No país do futebol, uma das figuras centrais dentro do campo é frequentemente colocada de escanteio dos holofotes. Inclusive, muitos preferem que assim seja. Como diz o ditado, “árbitro bom é aquele que não aparece”. No Rio Grande do Norte, apenas três mulheres fazem parte do quadro de arbitragem da Federação Norte- Rio-Grandense de Futebol (FNF), fundada em 1918. Conversamos com três dessas profissionais sobre as trajetórias de vida que levaram a esse caminho. Em 2019, o trio entrou para a história no futebol potig uar, ao fazer parte do primeiro jogo apitado apenas por mulheres no Campeonato Estadual. Atualmente, no Brasil, uma média de 824 árbitros estão cadastrados no quadro de trabalho da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Desses, cerca de 692 são homens. As mulheres correspondem a 132 profissionais, valor que representa apenas 16% do total. No Rio Grande do Norte, 29 árbitros passaram pelos constantes testes físicos e teóricos exigidos pela CBF, estando aptos a trabalhar em jogos de exposição nacional. Novamente, as estatísticas são reveladoras: há apenas três mulheres. Segundo o árbitro e professor de Educação Física Caio Max, diferenças entre a fisiologia de homens e mulheres não são, e nunca serão, argumento para desqualificar a presença feminina na arbitragem. Ele explica que a preparação para o ramo não é diferente por serem mulheres, mas por respeito à individualidade biológica de cada pessoa. Inclusive, destaca que há “árbitras com preparo e desempenho superiores a árbitros homens”. Portanto, não existe impedimento quanto à parte física. “O que existe é um preconceito estrutural que dificulta que as mulheres tenham seu espaço. Elas precisam remar muito mais para ter oportunidade, mas, quanto à preparação e à capacidade, não existe nenhuma diferença, exceto a questão da potência muscular, que é contornada com dedicação e compromisso no treinamento”, pontua o educador físico. A árbitra central Edina Alves e a assistente Neuza Back continuam provando que, de fato, não há impedimentos para as mulheres atuarem nesse campo, mostrando sua competência e colhendo frutos pelo trabalho desenvolvido. A paranaense Edina é a única mulher que, atualmente, apita jogos na Série A do Campeonato Brasileiro, competição na qual já comandou 19 partidas desde 2019. Neuza, catarinense, já celebra mais de 100 jogos como árbitra assistente na primeira divisão do futebol brasileiro. Ambas são inspiração e atuaram na Copa do Mundo Feminina de 2019. Além disso, fizeram parte do primeiro quarteto técnico totalmente feminino em jogo pelo Mundial de Clubes da Federação Internacional de Futebol (FIFA) em 2020, na modalidade masculina. Neuza também foi convocada para atuar no Mundial do Qatar em 2022. Mas, em um mundo e país ainda permeados pelo machismo estrutural, o ambiente profissional do futebol apresenta uma certa resistência a mulheres no comando. O que leva essas mulheres a insistir e trilhar esse caminho árduo? Procuramos investigar a força e as motivações daquelas que permanecem em busca de seus sonhos, apesar das dificuldades encontradas. Esta reportagem vai contar a história de três dessas mulheres, que fazem parte do quadro de arbitragem da FNF, como forma de dar espaço para cada uma delas, passeando pela infância, adolescência e vida adulta de Luciana da Silva, Mariana de Paiva e Edlene Freire. mulheres no comando Os desafios de ser árbitra no futebol potiguar Juliana Lima e Letícia Medeiros Nascida em Natal em 1984, Lu-ciana da Silva gosta de co-mentar que aproveitou sua in- fância da forma “antiga” e longe da tecnologia. Cresceu brincando de esconde-esconde, pula corda e am- arelinha com seus amigos no bair- ro Rosa dos Ventos em Parnamirim, zona metropolitana da capital. “Hoje é todo mundo no celular, mas eu ain- da aproveitei bastante”, diz. Filha de dona Maria das Dores e seu Fran- cisco André, uma doméstica e um pintor, entrou para o curso de arbi- tragem em 2005, após convite de uma amiga. O interesse pelo futebol não veio por apego a um time de paixão ou admiração por alguma jogadora ou jogador, mas graças ao trabalho de- senvolvido pelo árbitro assistente Milton Otaviano, primeiro potiguar a integrar o quadro da Federação In- ternacional de Futebol (FIFA). “Veio quando comecei a assistir aos jog- os de Milton, nosso FIFA aqui do RN, que já se foi, por ser o único nesse patamar e o melhor que nós tínham- os. Para ser igual a Milton, acho que está para nascer ainda. Eu era ado- lescente e, com 21 anos, minha ami- ga me convidou para o curso. Na época só pensei ‘vamos fazer né?’”. Seu curso de formação, inicial- mente feito só como experiência para adicionar ao currículo, virou o começo de uma longa caminhada. Na sala, apenas cinco mulheres em um ambiente 90% masculino. De lá para cá, já são 17 anos na profissão. “Hoje sou a árbitra mais experiente em atuação no estado. Algumas pessoas entram dessa forma, mas é como eu digo, quando está no sangue, não tem para onde fugir. Quando é para ser, a gente tem que se espelhar em algo e, para mim, foi ele”, relata, referindo-se a Milton. Entre a teoria e a prática de futebol, Luciana se encontrou na profissão. O primeiro jogo de que participou, segundo ela, foi suficiente para selar esse destino. Antes disso, trabalhou como supervisora de uma fábrica em Parnamirim por cinco anos, no bairro Parque Industrial. “Eu não tinha nem ideia de como era realmente! Você, quando é torcedor, só olha para o jogo. Quem olha para juiz é só para esculhambar! Mas, eu já acompan- hava Milton, então foi mais fácil”, co- menta. A atenção dela, no entanto, era no apito e na bandeira, na de- cisão, no controle do jogo. Foi assim que verdadeiramente aprendeu o ofício. “Comecei a observar e já fui pegan- do. Só em saber o que olhar, ficou mais fácil para mim. Milton foi meu professor, e me lembro até hoje das aulas no estádio Juvenal Lamartine, ele atrás de mim gritando ‘vai Lucia- na!’, em exercícios sobre impedimen- to”, recorda. Nessa nova empreitada, não precisou ir longe para conseguir apoio: veio de dentro de casa. Com 63 anos, seu Francisco é, e sempre foi, o fã número um da árbitra as- sistente. Quando a filha está trabalhando, pode ter certeza de que o pai acom- panha a transmissão do jogo pelo rádio, atento para menções sobre a arbitragem. A próxima conversa en- tre os dois se assemelha a um pro- cesso de debriefing, em que Fran- cisco repassa comentários e revisa o desempenho de Luciana com aquele entusiasmo característico de fã. “Ele é meu número um, não tem proble- ma não. Minhas irmãs sempre me deram apoio, meus amigos também. Meu esposo, quanto eu estava com ele, sempre me acompanhava nos treinos e ia fazer teste físico comi- go. Ninguém nunca me desamparou. Até hoje, minha família sempre está comigo”, destaca. Para sua irmã Luciene, ver essa trajetória percorrida só traz orgul- ho e felicidade. “A reação inicial de quando ela decidiu ser árbitra de fu- tebol foi assim: ‘Será que Luciana vai até o final e conseguir mesmo? Será que é isso que ela quer?’. De- pois, não só eu como toda a família percebeu que estávamos errados. Como ela jogava futebol e gostava muito, apoiamos e incentivamos em tudo. Ela conseguiu, terminou, está fazendo o que gosta de fazer. Hoje, por tudo que conquistou e continua conquistando, sentimos muito orgul- ho do que ela representa”, explana. O curso de arbitragem, responsab- ilidade das federações de futebol es- taduais, tem uma duração média de 12 meses. Para iniciar, o candidato precisa ter o ensino médio completo e idade mínima de 18 anos. Durante a formação, aprendem sobre as re- gras da modalidade e os regulamen- tos de competições. Também entram em contato com a mecânica da arbi- tragem e suas sinalizações no cam- po, bem como outros procedimentos relacionados à prática dentro das linhas e fora delas. vocação no sangue Lucianada Silva. Foto: arquivo pessoal Os alunos passam por um estágio supervisionado na “base” - expressão que se refere às categorias de atle- tas menores de 18 anos -, recebem o diploma e, só assim, tornam-se ár- bitros. Também escolhem a função almejada durante a realização do curso: árbitro central ou árbitro as- sistente, mesmo sendo capacitados da mesma forma. A central, conhecida como juíza, controla o jogo e é responsável pela disciplina dos jogadores, sendo apta a começar, interromper e suspend- er a partida, além de marcar faltas e distribuir cartões. As assistentes, comumente chamadas de “bandeir- inhas”, auxiliam na linha do campo para determinar o impedimento de jogadas conforme as regras, além de sinalizar escanteios, faltas e tiros de meta. “A arbitragem me resgatou” Em 30 de março de 2017, o então esposo de Luciana faleceu em decor- rência de um acidente de moto. Ele estava a caminho do trabalho, quan- do um carro perdeu o controle na pista ao tentar uma ultrapassagem, capotou e o atingiu. Aquela mad- rugada tinha sido de chuva e não houve como desviar a tempo. Sobre o assunto, Luciana diz que o seu tra- balho como árbitra a resgatou de um luto profundo. “Foi isso e a corrida. Fiquei viúva e foi no esporte que me reencontrei. Na época, passei uns dois meses inerte, sem querer nada com nada. Foi na corrida e na arbi- tragem que eu reagi. Me lembro até hoje da retomada depois do ocorri- do, desse primeiro jogo”, conta. A atividade física, tão presente no cotidiano da profissão, foi uma vira- da de chave necessária nesse mo- mento doloroso. Nas suas próprias palavras, Luciana explica que “fez de tudo”. “Corrida de rua, acampamen- to, trilha, qualquer aventura. Minha família me ajudou muito nesse pro- cesso, por isso digo que eles são minha base. Sou muito grata.” Morando em uma casa próxima à de seus pais, uma das irmãs ficava com ela porque Luciana não con- seguia dormir. Foram muitas noites sem adormecer, situação que já foi amenizada, mas ainda permanece. “Ainda choro muito, entende? É uma coisa que não vou esquecer. Ele só tinha 27 anos”, desabafa. Desafios Após o curso de formação, Lucia- na começou a atuar em jogos de cat- egoria sub-15 e a vivenciar experiên- cias de jogo como árbitra assistente. A progressão de carreira vinha a par- tir do conhecimento adquirido. Em 2006, fez o teste da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por indi- cação da comissão técnica e passou a integrar o quadro de arbitragem da instituição para jogos da modalidade feminina, o que não foi nada fácil. O treino físico é rotina diária. “Tem vez- es que treino três vezes por dia. Ger- almente, faço academia de manhã, corro durante no período da tarde e vou para o funcional à noite.” Entre os principais desafios no ex- ercício da profissão, o preconceito é apontado logo de cara. No entanto, destaca um avanço desde o tempo em que começou a trabalhar para os dias atuais. “Passamos por situ- ações complicadas com torcedores, mas faz parte. Durante a pandemia, trabalhamos em jogos sem público e foi uma diferença grande. Pensei, ‘Cadê os xingamentos?’. Hoje é mais tranquilo. A pressão do momento faz parte, sem pressão não vai. Você tem que preparar o seu psicológico, não é todo dia que você está bem, mas tem um preparo”, descreve. Ela já chegou a presenciar mo- mentos em que seus colegas de tra- balho foram agredidos fisicamente em jogos de bairro na cidade, oca- siões utilizadas para treino profis- sional e complementação de renda, quando não há campeonato ofi- cial acontecendo. “Em certos jogos, principalmente entre jogadores e torcida, tem hora que começam bri- gas que não tem mais como separar. Tem jogos em que trabalhei que acho que devem estar brigando até agora por algum lugar, mas você acaba se acostumando. É aquela situação que não te abala, só precisa amenizar. Tem que ir atrás da pessoa que esti- ver mais brava e tirar dali, não pode deixar em contato”, avalia. zando corrida de 40 metros, com al- ternância de direção a cada 20 met- ros; já o segundo, verifica agilidade. Quem é árbitro assistente realiza o teste “Ariet”, trabalhando resistência e alternando seções de corrida com mudança de direção, sentido e de- slocamento lateral, além do exame “Coda”, que avalia resistência. O tempo mínimo para aprovação nos testes é estabelecido pela FIFA, que diferencia a categoria dos ár- bitros, sejam eles do quadro FIFA, nacional ou regional. As mulheres devem alcançar os mesmos índi- ces que os homens para estarem aptas a atuarem e, caso reprovem, podem perder toda a temporada. Mesmo aprovadas, dependem das comissões técnicas vigentes para serem escaladas em jogos. Marco histórico Em 2020, Luciana fez história no Rio Grande do Norte ao trabalhar em jogo da segunda rodada do Campe- onato Potiguar, entre os times Assu e Potiguar de Mossoró, no estádio Edgar Borges Montenegro, conheci- do como Edgarzão, em Assu. A parti- da foi conduzida pelas três mulheres presentes nesta reportagem. “Eu não sabia que a gente ia entrar para a história do RN. Quando saiu a esca- la, ave maria, foi muito emocionante. A felicidade foi a mil. Demorou muito para acontecer, mas, quando você tem uma comissão técnica que con- fia em você, eles reconhecem o seu trabalho. Sou muito grata a Deus por isso. É incentivo para sempre treinar e estudar mais um pouco”, declara. Sobre o futuro, revela que tem o objetivo de trabalhar nas séries C ou D do Campeonato Brasileiro de Fu- tebol. “Antes eu dizia que aonde eu cheguei já estava bom, mas, hoje, tenho um pensamento diferente. Se eu trabalhar na série C, já estou feita na vida. Para chegar lá, é teste físico, prova teórica e oportunidade”, diz. Desde 2021, a CBF acabou com a exigência de estar cursando ou ter completado curso de nível superi- or para composição do quadro de arbitragem nacional, situação que a favoreceu. Luciana cursava Edu- cação Física e precisou interromper o curso durante a pandemia. “Agora, tudo depende de mim, continuar tre- inando e estudando. Recebo mensa- gens de pessoas que me têm como referência, até pela minha história de vida, e é uma responsabilidade”, conta. Preparação No dia anterior a um jogo, Luciana dorme cedo e acorda tranquilamente. É também necessário revisar as infor- mações dos times envolvidos; por ex- emplo, quem são os capitães e como a equipe tende a operar taticamente. Todo esse preparo ajuda para que o momento da partida seja encara- do com mais calma. Para se manter nesse nível e ter a oportunidade de arbitrar jogos de competições CBF, é necessário passar por constantes testes. Em 2020, Luciana conseguiu a habilitação para trabalhar em jog- os da modalidade masculina. Anualmente, a Confederação exige que seu quadro de arbitragem passe por dois exames teóricos com alto nível de exigência. Para que sejam aceitos novos integrantes, alguém tem que sair. Geralmente, os testes são conduzidos antes do início e no fim do calendário das competições nacionais. A parte física é cobrada a cada três meses e tem por objetivo me- dir a força de cada participante, com muitas atividades de potencial e resistência, mesclando exercícios anaeróbios, relacionados à força e potência, e exercícios aeróbios, que tratam da resistência. A parte teóri- ca cobra os candidatos quanto às regras do futebol estabelecidas pela FIFA e presentes no Código Brasilei- ro de Justiça Desportiva (CBJD). Segundo a CBF, os árbitros centrais são submetidos aos testes conheci- dos como “Yo-yo Dinâmico” e “7x7x7”. O primeiro avalia a resistência, utili- Luciana da Silva. Foto: arquivo pessoal Mariana Regina de Paiva, 31 anos, cresceu em Monte Alegre, região metropolitana de Natal. Embora nascida na capital, aos três anos foi morar com sua avó materna na cidade que tem pouco mais de 20 mil habitantes. A família é grande, ao todo são 12 irmãos, e boa parte vivia com sua mãe, Maria da Soledade, após a separaçãodos pais. Ela brinca que formou um time de futebol em casa. Do total, dois deles tinham sido colocados para adoção. Seu pai Manoel lidou por anos com o alcoolismo e cometeu suicídio quando ela tinha seis anos. Mariana não tem muitas lembranças dele. A vida não era fácil. Mesmo com sua mãe e irmãos vindo morar em Monte Alegre, passaram por muitas dificuldades. A avó, Maria Regina, era agricultora e, desde cedo, Mariana aprendeu a ajudar na colheita e vender verduras na feira da cidade aos sábados. “Hoje, minha vida está perfeita, mas aquele tempo de criança foram os melhores momentos”, diz, apesar das dificuldades da infância. “Eu fico um pouco emocionada, porque minha avó sempre foi a minha vida. É a mulher que eu mais amo neste mundo. Se hoje eu sou quem eu sou, devo a ela, que Deus a tenha. Foi quem me criou e me ensinou a sempre ter o pé no chão. Nunca vou esquecer a minha raiz, por mais que a vida me leve nas alturas”, comenta. Mari, como é chamada, sempre foi uma criança muito ativa, amava brincadeiras e qualquer coisa relacionada a esportes. A avó costumava dizer que ela era a peste da escola. “Eu gostava de brincar de tudo, era a única jogando futebol no meio dos meninos, porque você não via mulher jogando naquele tempo. Fui nessa fase até os 15 anos. Quando eu tinha 14, veio um treinador de Parnamirim e perguntou no centro de Monte Alegre se tinha alguma menina que jogava futebol por aqui. Todo mundo me indicou”, lembra. Com isso, recebeu o convite para treinar com a equipe feminina do Sport Club Parnamirim, mas as dificuldades financeiras pesavam na decisão. Além de vender os produtos na feira, também precisavam plantar para ter o que comer em casa. “A gente já ajudava na roça desde pequeno, porque senão não tinha. Acredito que para estar aqui hoje, tive que passar por tudo aquilo para realmente valorizar a vida que a gente tem, entende? Se tem uma coisa que eu aprendi é que nada vem fácil”, avalia Mesmo assim, fez esforço para continuar jogando, com o sonho de seguir nesse caminho profissionalmente. Já trabalhava desde os nove anos de idade, tanto na roça, quanto como babá para crianças da região. Mariana conta que nunca dependeu de seus familiares, por exemplo, para comprar material escolar. Por ser desenrolada e simpática, era a melhor vendedora da feira de Monte Alegre e nunca deixou de trabalhar desde então. Foi com essa renda que pagou as passagens de ônibus para começar sua carreira no time de Parnamirim. Seu espelho era o irmão mais velho, André, que também jogava futebol. Quando o via em ação, pensava em fazer aquilo da mesma forma. O apoio da família, inclusive de primos e conhecidos, fortaleceu esse desejo. Ela brinca que, dos 12 irmãos, dez jogavam bola e os outros dois só não o faziam porque não tinham coordenação para isso. “Eu jogava em qualquer posição, mas sempre fui ‘fominha’ de não tocar a bola para ninguém, aquela craque. Por isso, acredito que nasci com o dom do futebol, na minha família também só tem jogador bom”, diz. Esse novo sonho se fortaleceu quando, aos 15 anos, foi descoberta por um profissional do ABC Futebol Clube e recebeu um convite para jogar pela equipe principal, na qual obteve bom desempenho. Por lá, conseguiu auxílio para custear as passagens de ida e volta para sua cidade. No entanto, a experiência não foi livre de frustações. A jovem recebeu propostas para jogar em times fora do estado, mas nunca teve a liberação necessária de seus treinadores, o que a prendeu aqui. Mariana Regina de Paiva. Foto: arquivo pessoal da roça aos campos de professores da área. A transição aconteceu de forma natural, por já apitar jogos de maneira informal entre suas jogadoras. “Eu já tinha uma noção de regras. Tenho um amigo árbitro chamado Nildo, lá de Arez [município a 59 km de Natal], que me incentivou muito nessa jornada. Ele me viu apitando futsal e disse que eu tinha postura para aquilo. De primeira, nem levei a sério. Eu falava que só queria jogar bola mesmo, mas foi uma coisa que ficou na minha cabeça”, recorda. Mesmo sendo árbitra central, fez o curso inteiro para ser assistente. Ao completar a formação, entrou para o sindicato de árbitros amadores e passou a atuar nesse tipo de jogos. Foi em uma experiência negativa que veio a mudança de chave necessária. “Trabalhei com um árbitro que era péssimo. Quando levantava a bandeira para marcar falta, ele não seguia minhas indicações. Fiquei pensando se ele tinha algo contra mim ou só queria que eu me resumisse a marcar impedimento. Ao entrar em um trio de arbitragem, ali você é um só e precisa de todos para fazer um bom trabalho. Isso me incomodou dentro do campo”, relembra. Depois disso, pediu para não ser escalada com tal profissional e começou a perguntar o que seria necessário para apitar. Começou no futebol amador. O primeiro jogo foi um clássico no bairro Dix-Sept Rosado, em Natal. Escalada para o confronto, Mariana conta que aplicou pelo menos nove cartões amarelos no primeiro tempo. “Senti que os jogadores estavam me testando e já coloquei moral, mas foi um inferno. No segundo tempo, eles já passaram a me respeitar, parecia que eram outras equipes. Eu sabia me impor nas decisões difíceis e não demonstrava que estava intimidada, mas só Deus sabe. Por fim, terminamos tudo em paz e recebi elogios da comissão. Foi ali que eu decidi. Não tive curso, a minha escola foi no futebol amador”, diz. A FNF tomou conhecimento desse desenvolvimento e de sua vontade. A partir disso, passou a ter oportunidades oficiais nas categorias de base com aval da Federação. Todo seu trabalho árduo culminou em 2020, quando apitou o clássico entre Assu e Potiguar de Mossoró pelo Campeonato Estadual, tendo sua estreia profissional ao lado de Luciana e Edlene, e entrando para a história da arbitragem no Rio Grande do Norte. Para o quadro de arbitragem local, os candidatos passam por um teste anual. Uma avaliação teórica, composta por 20 questões sobre as regras de futebol, e um teste físico, o qual envolve atividades de corrida que variam para árbitros centrais e assistentes. A composição corporal é aferida por meio de exames. Depois disso, passam pelo chamado FIFA TEST - 40 tiros de 75 metros por 25 metros de descanso, que tem um índice básico de 15 segundos por tiro e 22 segundos de descanso entre um tiro e outro. “Quando assistente, eu sentia que faltava algo em mim. Não sou uma pessoa autoritária, mas eu queria me impor mais, mandar mais no jogo com decisões. Sempre gostei de lidar com as pressões da vida e, Saiu do ABC para jogar na equipe do América Futebol Clube, onde trabalhou ao lado de Miraildes Maciel, a Formiga, lendária volante da seleção brasileira, e foi campeã estadual em 2012. Apesar disso, teve mais decepções quanto à liberação para jogar fora do estado, em São Paulo, e até uma oportunidade na Itália. Também tinha a responsabilidade de ser cuidadora de seus bisavós em Monte Alegre e parou de jogar logo após o campeonato, mesmo com passagens posteriores no Ateneu União Esporte e no Cruzeiro de Macaíba, onde lesionou o joelho. Técnica e árbitra Com o fim de sua carreira profissional, a rotina voltou a envolver apenas o trabalho como babá, as atividades na roça e como cuidadora de idosos no final de semana. Ao voltar definitivamente para Monte Alegre, teve a iniciativa de montar um time feminino na região e assumir o papel da treinadora da equipe. Hoje, Mariana é funcionária pública da Prefeitura no cargo de subcoordenadora de esporte. “Começamos com só três atletas, mas apareceram mais meninas e chegamos a 30 integrantes. Tive, então, uma chance na área do esporte e trabalhei em escolas como assistente dos professores de Educação Física. O esporte sempre foi minha vida e tudo que me foi passado no profissional, eu passava para os meus alunos”, destaca. O curso de formação de árbitraveio em 2017, quando recebeu orientação Segundo Manoela, o apoio da família esteve presente com palavras de apoio. Todos acreditaram que se alguém conseguiria quebrar todas as barreiras desse árduo caminho, seria ela. “Hoje, sei que ela é inspiração para tantas outras mulheres que, assim como Mari, buscam seu espaço no mundo do futebol. O sentimento é de gratidão, porque ela conquistou o respeito dos jogadores e da própria classe de árbitros, e por saber que ela continua buscando seu espaço, dando voz e sendo voz para todas”, comenta. Em sua fala, descreve uma grande satisfação em saber que Mariana chegou lá, perseverando, apesar de todos os desafios que precisou enfrentar. “Uma vez ela me disse que ia desistir porque não tinha como continuar pagando o curso. Mas, quando é para ser, o universo conspira a favor. Foi isso que aconteceu. Olhando para trás, dividindo esse peso com ela, posso dizer que, apesar de ter sido testada de todas as formas, ela perseverou e mostrou que lugar de mulher é onde ela quiser e que podemos tudo”, reforça a irmã. Segundo o árbitro assistente da FNF, Matheus Lacerda, o último curso realizado pela Federação teve o valor de R$ 1.000. Quanto à remuneração dos árbitros centrais, explica que, tendo por índice o estadual sub- 17, a taxa é de R$ 103 por partida arbitrada. No Campeonato Potiguar, podem variar de R$ 851 a R$ 1.114, a depender do jogo, com acréscimo no valor em fase de semifinais e finais. Para aqueles que também pertencem ao quadro da CBF, essas taxas podem subir. Em geral, os assistentes recebem 60% do valor pago aos centrais. Nacionalmente, a remuneração varia de acordo com a série do campeonato, com um profissional de Brasileirão A podendo receber até R$ 4.000. principalmente, de desafios. Vi que, para ser uma central, o desafio era maior”, diz. Hoje, Mariana trabalha 15 jogos por semana em média. “A rotina é uma loucura, mas é uma grande realização. Meu único dia de descanso é a segunda-feira, não atendo ligação nem se for do Papa”, brinca. Atualmente, Mariana se afastou de jogos oficiais e pretende retornar o trabalho pela FNF no ano que vem. Um dos maiores desafios que enfrenta, além da falta de apoio da classe, é a própria desvalorização do trabalho por outras mulheres. Muitas foram as vezes em que chegou em casa chorando, devido ao desrespeito que sofria vindo da torcida nas arquibancadas. “O que me mais me doía era escutar isso de mulheres. Um cara, quando fala alguma coisa, entra por um ouvido e sai pelo outro. Mas, quando é uma mulher, fico pensando, ‘poxa, estou aqui nos representando, dando meu máximo’. Como é que uma mulher é capaz de dizer que eu devia estar lavando louça? O mundo já está contra a gente, temos que nos apoiar”, reflete. Sua irmã Manoela a tem como exemplo e inspiração. Quando soube dos planos para o curso de formação, sua reação inicial foi de surpresa. Apesar de sempre ter imaginado que Mariana seguiria no caminho do esporte, não imaginou que seria na arbitragem. Ao acompanhar essa jornada, afirma que foi difícil chegar ao patamar atual em uma área dominada por homens, começando pela turma que só teve sua irmã de formada. Mariana Regina de Paiva. Foto: arquivo pessoal Natural de Arez, cidade potiguar com pouco mais de 14 mil habitantes, Edlene Freire tem 40 anos e faz parte do quadro de árbitras assistentes da FNF e CBF. Criada e registrada pelos seus avós maternos, teve uma infância tranquila, apesar das dificuldades da época. Seu Clóvis Batista e dona Elita Freire eram agricultores e ambos já faleceram, mas seus ensinamentos permanecem com Edlene e seus três irmãos, Edileide, Aline e Alison. A criação foi pautada pelos ensinamentos da Assembleia de Deus, da qual eram adeptos. Por isso, em alguns momentos, as posturas eram um pouco rígidas, em acordo com os preceitos religiosos professados pela família. “Eles foram casados por mais de 60 anos e, às vezes, pegavam no meu pé”, conta. Edlene gostava muito de correr e futebol nunca foi o seu esporte escolhido. “Não sabia nem chutar uma bola direito. Era muito magrela, pesava 52 kg na época e minha vida era jogar voleibol”, diz. Com 13 anos, a adolescente jogava escondido do avô, porque a religião praticada pela família não permitia que ela praticasse esportes. “Minha avó, por muitas vezes, teve que me buscar no campo de areia com um chicote e eu tendo que correr. Meu avô era do Ministério e tinha que dar exemplo. E em relação a isso, sofri um pouco. Hoje, já está muito diferente”, diz. Esse amor pelo vôlei era tão grande que Edlene sonhava em ser atleta profissional. Aos 18 anos, veio para a capital do estado cursar Geologia e Mineração no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), então conhecido como Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica). No entanto, seu primeiro vestibular foi para Radialismo e a área da Comunicação ainda é um ponto de interesse para ela. Quando adolescente, por influência de seu irmão caçula, Alison, acabou voltando o seu olhar para o futebol. Anteriormente, não frequentava estádios, nem apoiava qualquer time. “Foi algo que nunca passou pela minha cabeça até por volta dos 15 anos, quando ele veio para Natal participar de um teste e começou a jogar pelo Alecrim Futebol Clube na categoria de base. Eu já virei fã dele e torcedora do Alecrim”, explica. O irmão foi, então, emprestado para o ABC e viajou a São Paulo para jogar a Copa SP de Futebol Júnior, onde se destacou por lá e, quando voltou, subiu para o time profissional do Alecrim. “Até então, eu acompanhava na torcida, xingava arbitragem e todo mundo porque eu só via meu irmão como a estrela. Eu tinha ele como referência”, comenta. Paixão inesperada Em um sábado qualquer, morando em Natal com Alison, Edlene lembra de assistir a um programa esportivo, que apresentou uma matéria sobre mulheres na arbitragem. Aquilo imediatamente lhe chamou a atenção. “Sou uma pessoa que sempre gostou muito de desafios. Olhei assim e disse: ‘Que legal, essas mulheres superempolgadas dando entrevista e se destacando. Vou fazer esse curso’”. O irmão, inicialmente, foi contra. Disse que não ia dar em nada, que era um ambiente de muito assédio. “Eu já conhecia uma pessoa que era assistente de futebol da Federação aqui em Natal e rodava o país também. Falei com ele que queria entrar na área para ser árbitra central e que me avisasse quando abrissem as inscrições”, recorda. Em 2011, entrou no curso de formação sem muita perspectiva profissional, pois sua ideia inicial era chegar à arbitragem para ter contato com empresários do ramo e membros da imprensa, no intuito de fazer seu irmão crescer profissionalmente. A sala só contava com três mulheres e, dentre elas, foi a única que seguiu na área. Também nesse momento, a situação de Alison no futebol já estava bem complicada, com seus altos e baixos, devido à falta de oportunidade e incentivo. Alison explica que ficou com medo. Por ser jogador, sabia os tipos de piadas e comentários que eram feitos nos bastidores desse universo majoritariamente masculino. “Na época que ela começou o curso, achei um pouco estranho. Atuava profissionalmente e não era comum Edlene Freire. Foto: arquivo pessoal Escolha do destino ver mulheres na arbitragem. Logo no início, até pedi para ela não continuar, porque era algo raro mesmo, mas vi que era o foco e objetivo dela. Hoje, tenho a certeza de que é uma das melhores do nosso estado. Tenho orgulho do que ela se tornou”, comenta. O começo das atividades foi tranquilo. Desde os 16 anos, Edlene faz musculação e seu porte físico ajudou na parte prática do curso. A teoria foi uma dificuldade, precisando redobrar o estudo das regras do futebol. Na hora de decidir sua posição, as experiências com o apito mostraram que se sentia mais confortável na linha. Dessa forma, optou por focar na “bandeira”, expressãoque comumente se refere aos assistentes de arbitragem. Sobre essa fase, Edlene é bem sincera: ainda não gostava muito do curso e estava fazendo “por fazer”. Quando terminou a formação em 2012 e passou a estagiar, as dúvidas continuavam presentes. Ainda insegura sobre a atuação, os jogos no Juvenal Lamartine e a presença da torcida mexeram com Edlene. Até então, revela que ninguém, além do seu avô, a apoiava nessa nova empreitada. “Ele sempre ficava na dele, calado, mas eu sentia que ele tinha orgulho de mim. Mesmo em jogos de base, ele já conseguia escutar o meu nome no rádio”, diz. O irmão continuava falando que não ia dar certo. “Comecei a achar que ele tinha razão. Se você me perguntar como foi que eu não larguei mais, não vou saber te responder. Acho que foi uma paixão que veio sem perceber. Quando me liguei, já estava encantada”, explica. Seu primeiro jogo profissional foi na cidade de Goianinha, no estádio José Nazareno do Nascimento, mais conhecido como Nazarenão, entre Palmeira e Corinthians de Caicó. “Foi uma noite tensa, um desastre. Quando saiu a escala, três dias antes, já não conseguia mais dormir. Quando eu estava na linha de impedimento, o professor que foi me avaliar ficava por trás dizendo, ‘Edlene, pelo amor de Deus, você está errada’, e eu me tremia todinha pensando ‘O que eu estou fazendo aqui?’”, conta. A tensão foi tanta que Edlene teve câimbra na perna, mas conseguiu finalizar. “Não teve nenhum erro que prejudicasse alguma equipe, só que fiquei bem nervosa mesmo”, relembra. Em 2014, foi convocada para fazer o teste da CBF, inicialmente para trabalhar no quadro feminino. No ano de 2017, depois de um longo preparo, passou a integrar também o quadro de arbitragem para a modalidade masculina, podendo atuar em mais campeonatos promovidos pela Confederação. Desde então, não parou mais. “Foguete não tem ré”, brinca. Como forma de se manter nesse nível, Edlene treina todos os dias em preparação para os constantes testes exigidos pelas entidades. Doação Depois de tantas incertezas e desafio, hoje, Edlene diz aos quatro ventos o quanto ama sua profissão. Porém, é muita responsabilidade, e um bom preparo físico e psicológico é primordial para lidar com todas as influências no momento do jogo. Essas exigências são testadas por um motivo: com elas, é possível administrar melhor sua performance, principalmente quando há algum erro em um lance que acaba interferindo no resultado do jogo, seja um impedimento não marcado ou uma falta equivocada que leva a gol. A escalação de árbitros é papel da comissão técnica estadual e é feita por meio de audiência pública, momento em que a capacidade técnica e a física dos profissionais são avaliadas para determinado jogo. Isso significa dizer que a aprovação para o quadro não necessariamente garante a atuação profissional, sendo regida por decisões que estão nas mãos de poucos. “Temos que estar sempre preparadas para tudo, nunca se sabe quando uma oportunidade pode aparecer”, diz, atenta. Hoje, a família apoia Edlene e já compartilha várias postagens sobre ela em redes sociais. “É um trabalho em que precisamos abdicar de muita coisa, inclusive se afastar um pouco da família, porque atuamos no final de semana. Já passei datas comemorativas longe dos meus avós, distante do meu filho Miguel, de oito anos, mas faz parte”, relata. Para ingressar no quadro da CBF, o árbitro precisa ser escolhido e encaminhado pela comissão técnica estadual. Logo em seguida, é necessário enviar vários documentos exigidos pela Confederação, que comprovem sua autenticidade. Também é obrigatório ter um número mínimo de dez jogos profissionais em seu estado. Edlene Freire. Foto: arquivo pessoal Realizados a cada três meses, os testes acontecem da seguinte maneira: o primeiro é chamado de “Habilitador” (habilita para a temporada) e é composto por prova teórica e testes físicos (FIFA TEST e de composição corporal). O segundo é chamado de “Mantenedor”, com uma nova cobrança do teste de composição corporal e a prova física. Por fim, o “Verificador” abrange testes complementares de campo e uma avaliação corporal. No momento, Edlene foi escalada para trabalhar na Série D do Campeonato Brasileiro, mas tem habilitação para todas as competições nacionais. Esses convites dependem da comissão técnica vigente. Para ela, a situação é bem difícil. “Não vou dizer que é pelo fato de ser mulher, para dizerem que é ‘mimimi’, mas eu acho que hoje muita coisa mudou. As mulheres têm oportunidades, mas eu falo por mim”, comenta. Desde que entrou na CBF, foram poucas as oportunidades que teve. “Estou habilitada e capacitada com as demais, só que, infelizmente, ainda não tive as chances que muitas tiveram. Mas é aquilo, né? Temos que estar preparadas para o que vier. Desmotiva um pouco, fico meio cabisbaixa, mas é manter o foco e disciplina”, desabafa. Edlene avalia o cenário atual como positivo em relação ao interesse e à recepção no meio do futebol nacional. “Hoje, há mulheres atuando toda semana nas Séries A e B do Brasileiro, vejo que temos muitas bem motivadas. Isso instiga quem deseja ingressar na profissão. Recebo mensagens que me levantam e tenho o objetivo de chegar à segunda divisão do Brasileirão”, adiciona. Entre suas maiores realizações profissionais, menciona a estreia na Série D, que aconteceu em Recife, em 2019, bem como na Copa do Nordeste em 2022, em jogo realizado na Bahia. Sobre a partida do campeonato estadual entre Assu e Potiguar, com o trio totalmente feminino, Edlene comenta que foi um de seus melhores jogos. “Me senti tão responsável por essa partida e foi uma arbitragem tão gostosa! Eu pensei, ‘Cara, eu vou doar muito’. Sabia da pouca experiência de Mari e disse ‘Vou apitar com ela!’. Já a Luciana, é muito experiente. A gente comenta até hoje que foi um dia magnífico. Fiquei surpresa pela escala e mais feliz ainda por Mariana, porque foi um feito histórico aqui no RN”, finaliza. As pioneiras A crescente participação das mulheres no cenário esportivo é uma realidade nos dias de hoje, apesar de não ser fácil a sua chegada a posições como atletas, integrantes de comissões técnicas, árbitras e gestoras, nesse campo. Embora haja avanços, ainda há grandes diferenças de tratamento e visibilidade dadas a elas diante dos grandes desafios relacionados à equidade de oportunidades e ao abismo salarial. A arbitragem chegou ao futebol brasileiro junto com a modalidade, em meados dos anos de 1894. Porém a participação das mulheres nessa função ainda esbarra em imprecisões pela carência de registros. A primeira árbitra de futebol reconhecida mundialmente foi a brasileira Asaléa de Campos Fornero Medina, em meados de 1971. Mais conhecida como Léa, quatro anos antes desse reconhecimento, fez oito meses de curso pela Federação Mineira de Futebol, mas logo teve seu diploma bloqueado pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD), a qual alegava que ela não estava capacitada ainda para exercer a função, sem mesmo explicar o porquê dessa decisão. Enquanto não era autorizada a iniciar seus trabalhos como árbitra, Léa foi em busca de emprego em outras áreas. Em 2015, Léa Campos revelou ao programa televisivo “Globo Esporte” que foi levada mais de 15 vezes ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) acusada de subversão. Em um dos relatos, a árbitra conta que foi convidada, pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), para trabalhar em um torneio amistoso de futebol feminino, no México, mas estava impedida de ir, porque seu diploma se encontrava bloqueado. Com isso, ela foi ao encontro do General Médici, que governava o país na época, e solicitou essa liberação. O General enviou uma carta a João Havelange, então presidente da CBD, solicitando a liberação do diploma de Asaléa. Foi então que ela se tornou pioneira na arbitragem feminina brasileira.Em 1971, recebeu o “apito de ouro” da FIFA, reconhecida como a primeira árbitra de futebol do mundo. Em 1983, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) abriu suas portas para receber um curso de arbitragem de futebol exclusivo para as mulheres que tinham interesse em trabalhar na área. Realizado pela Associação de Árbitros do Rio de Janeiro, dele saiu Claudia Guedes, a primeira mulher a apitar uma partida da Copa do Mundo de Futebol Feminino, organizada pela FIFA, em 1991 na China. Foi apenas na década de 1990 que a Federação Paulista de Futebol registrou sua primeira árbitra no quadro de profissionais. Silvia Regina se formou no curso de arbitragem na cidade de Mauá (SP) e ingressou na Federação somente em 1997. Em 2003, tornou-se a primeira mulher a apitar uma partida da Copa Sul- Americana masculina. Ainda em 2003, junto com Aline Lambert e Ana Paula Oliveira, elas se tornaram o primeiro trio de mulheres a atuar em partidas do Campeonato Brasileiro masculino da série A. Os árbitros de futebol brasileiro são considerados trabalhadores autônomos por não terem carteira de trabalho assinada, nem salário fixo. Isso traz a esses profissionais uma maior instabilidade na carreira. Apesar disso, eles estão amparados pela Lei 12.867/2013, que regulamenta a profissão.