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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM MESTRADO ACADÊMICO EM ENFERMAGEM FERNANDA BELMIRO DE ANDRADE PROTOCOLO GRÁFICO PARA AVALIAÇÃO DO CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO HOSPITALAR AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL: ESTUDO DE VALIDAÇÃO NATAL- RN 2022 FERNANDA BELMIRO DE ANDRADE PROTOCOLO GRÁFICO PARA AVALIAÇÃO DO CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO HOSPITALAR AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL: ESTUDO DE VALIDAÇÃO NATAL- RN 2022 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Área de Concentração: Enfermagem na Atenção à Saúde Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Tecnológico de Saúde em Enfermagem Orientadora: Profª. Drª. Viviane Euzébia Pereira Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede Andrade, Fernanda Belmiro de. Protocolo gráfico para avaliação do cuidado seguro em enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental: estudo de validação / Fernanda Belmiro de Andrade. - 2022. 142 f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da saúde, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Natal, RN, 2021. Orientadora: Profa. Dra. Viviane Euzébia Pereira Santos. 1. Enfermagem - Dissertação. 2. Saúde mental - Dissertação. 3. Protocolos - Dissertação. 4. Segurança do paciente - Dissertação. 5. Estudos de validação - Dissertação. I. Santos, Viviane Euzébia Pereira. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 616.89-083 Elaborado por Ana Cristina Cavalcanti Tinôco - CRB-15/262 PROTOCOLO GRÁFICO PARA AVALIAÇÃO DO CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO HOSPITALAR AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL: ESTUDO DE VALIDAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Local e data: Natal/RN, 17 de Dezembro de 2021 Resultado: Aprovado BANCA EXAMINADOR Profª. Drª. Viviane Euzébia Pereira Santos - Presidente Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Orientadora Profª. Drª. Isabelle Campos de Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Membro interno ao programa Profª. Drª. Bianca Cristina Ciccone Giacon Arruda Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) – Membro externo ao programa Prof. Dr. Marcos Antonio Ferreira Júnior Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) – Membro externo ao programa AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por permitir a realização de mais uma etapa de tanta importância na minha trajetória e ter me concedido forças, saúde e discernimento ao longo dessa caminhada em tempos tão turbulentos. A Nossa Senhora por me guiar e prover o alcance de cada sonho. Aos meus pais, Edi e Marli por todo apoio, confiança, cuidado e incentivo. Sem a dedicação de vocês e lutas diárias durante tantos anos para me fornecer as melhores oportunidades, nada disso seria possível. Ao meu irmão Jefferson, que me direcionou e amparou em tantos momentos que me senti perdida, sempre acreditou que eu seria capaz. O amor que sinto por vocês me faz querer seguir em frente todos os dias. Ao meu namorado Renato, por se fazer presente ao longo desses dois anos, sempre me apoiou e esteve disposto a ajudar no que fosse preciso. Manteve-se ao meu lado nos momentos de choro com palavras de carinho e abraços reconfortantes, e nos dias de alegria comemorando cada vitória, mesmo que pequena, obrigada por todo companheirismo. À minha orientada, Professora Dra. Viviane Euzébia Pereira Santos, por ter me acolhido no primeiro semestre da graduação e ensinado tanto desde então. Sem seus conselhos e orientação eu não teria chegado até aqui, obrigada por ter acreditado em meu potencial, por toda confiança, apoio e ajuda nessa jornada. Aos membros da banca de defesa, por terem participado desse momento com valiosas contribuições para a melhoria dessa pesquisa. A Flávia e Manacés, por toda paciência e amizade durante esses anos, por serem sempre tão solícitos e me motivarem a prosseguir, vocês são exemplos de dedicação. A Larissa, foi muito bom ter uma amiga como dupla para compartilhar todas as angústias, felicidades e trabalhos nesse período. A todos os demais colegas do grupo de pesquisa LABTEC, especialmente Duda e Vanessa, por todos os conhecimentos construídos em conjunto que foram essenciais para o meu crescimento pessoal e desenvolvimento dessa dissertação. As minhas amigas Bel, Gabi, que estão na minha vida desde que conheci a enfermagem e foram verdadeiros presentes. A Bruna, Emy e Fernanda que me acompanharam desde a graduação. Obrigada por todo apoio e risadas que deixaram tudo mais leve. A todos os juízes que aceitaram participar da etapa de validação contribuindo de forma significativa e enfermeiros que se disponibilizaram para colaborar no grupo focal. Ao programa de Pós- Graduação em Enfermagem da UFRN, por promover um ambiente de incentivo ao desenvolvimento de pesquisa e inovação para a enfermagem e saúde mental. A coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de Nível superior, por todo suporte financeiro viabilizado no país, por meio da bolsa de pesquisa que ajuda tantas pessoas a seguirem seus sonhos. Por fim, a todos aqueles que estiveram direta ou indiretamente envolvidos nessa conquista, não seria possível atingir essa meta sozinha, todos vocês foram essenciais. "Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza". Boaventura de Souza Santos ANDRADE, Fernanda Belmiro. Protocolo gráfico para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental: estudo de validação. 2022, 142f. Dissertação [Mestrado Acadêmico]. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022. RESUMO A segurança na assistência ao indivíduo com alteração do estado mental hospitalizado por anos foi negligenciada, logo, ao considerar as particularidades desses, se faz necessário à qualificação dos profissionais e serviços para a minimização dos riscos associados ao cuidado. Dessa forma, a enfermagem exerce um importante papel no desenvolvimento de ações mais seguras, uma vez que possui atuação contínua durante o período de internação. Assim, salienta- se também a importância da realização de avaliações periódicas nos serviços para a identificação de fragilidades e potencialidades na assistência de modo a promover a adequação das unidades mediante a implementação de medidas que aumentem a segurança. Nessa perspectiva, o presente estudo tem como questão norteadora: Qual deve ser o conteúdo e a aparência de um protocolo para a avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração do estado mental? E, objetivou desenvolver um protocolo gráfico validado em seu conteúdo e aparência para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração do estado mental. Trata-se de um estudo metodológico de abordagemmista, pautado na psicometria de Pasquali, organizado em três procedimentos: teóricos, no qual se realizou dois grupos focais com 13 profissionais da saúde mental e uma Scoping Review sobre o cuidado seguro ao indivíduo com alteração do estado mental para definição dos conteúdos que compõem o protocolo; procedimentos empíricos para construção do protocolo gráfico e checklist, e validação do conteúdo e aparência por meio da técnica Delphi, em duas rodadas, com a colaboração de sete juízes/ experts na área em questão; e procedimentos analíticos, destinado à análise dos dados em que se calculou o Coeficiente de Validação de Conteúdo. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa, sob Certificado de Apreciação Ética nº 48213421.0.0000.5537. Os grupos focais duraram 45 minutos cada, nesses os enfermeiros abordaram ações que realizam e o que é preciso desenvolver para se obter o cuidado seguro. Com os dados dos grupos focais e da Scoping Review construiu-se o protocolo gráfico e checklist, os quais foram submetidos à apreciação dos juízes para que fosse validado. Na rodada Delphi I atingiu-se um coeficiente de validade de conteúdo geral ≥0,95 em todos os elementos do protocolo e checklist, já na validação de aparência para os critérios do Suitability Assessment of Materials obteve-se índices maiores que 0,90. Após ajustes propostos pelos juízes, na rodada II os índices de validade de conteúdo e de aparência foram de 0,99 cada. Assim, o protocolo gráfico foi considerado válido em seu conteúdo e aparência. Descritores: Enfermagem; Saúde Mental; Protocolos; Segurança do Paciente; Estudos de Validação. ANDRADE, Fernanda Belmiro. Graphic protocol for the assessment of safe nursing care in the hospital context for individuals with altered mental status: a validation study. 2022, 142f. Dissertation [Academic Master's]. Graduate Program in Nursing, Federal University of Rio Grande do Norte, Natal, 2022. ABSTRACT Safety in the care of individuals with altered mental status hospitalized for years was neglected, so when considering specificities, it is necessary to qualify professionals and services to minimize the risks associated with care. Thus, nursing plays an important role in the development of safer actions, since it has continuous performance during the hospitalization period. Thus, the importance of implementing periodic measures in the services performed for the implementation of periodic security measures was highlighted, as well as the importance of increasing security. From this perspective, the present study has as its evaluative question: What should be the content and appearance of a protocol for the evaluation of safe nursing care in the hospital context for the individual with north mental status distinction? And, it aimed to develop a protocol in its content and appearance for the evaluation of valid nursing care in the hospital context to the safe individual of mental state. This is a methodological study with a mixed approach, based on Pasquali's psychometry, organized in procedures: Workshops, in which three focus groups were carried out with 13 mental health professionals and a Scoping Review on safe care for the individual with evaluation of the mental state to define the contents of the protocol; empirical procedures for the construction of the graphic protocol and checklist, and validation of the content and appearance through the Delphi technique, in two rounds, with the collaboration of seven judges/experts in the area in question; and procedures, intended for the analysis of the analytical data in which the Content Validation Coefficient is calculated. The study was approved by the Research Ethics Committee, under the Ethics Assessment Certificate No. 48213421.0.0000.5537. The focus groups lasted 45 minutes each, the nurses addressed actions they perform and what they need to develop in order to obtain safe care. With the focal data and the evaluation of the judgments and verification of verification, which were the groups selected to the evaluation of the judges that were valid. In the Delphi round, a validity coefficient of general ≥0.95 was achieved in all elements of the protocol and checklist, while in the presentation protocol for the content of the Suitability Assessment of Materials protocol, indexes of 0.90 were obtained. After adjustments proposed by the judges, in round II the content and appearance validity indexes were 0.99 each. Thus, the graphic protocol was considered valid in its content and appearance. Descriptors: Nursing; Mental Health; Protocols; Patient safety; Validation Study. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Linha do tempo com os principais marcos na normatização da assistência ao indivíduo com alteração no estado mental................................................................................................ 23 Figura 2 - Etapas para construção e validação de conteúdo do protocolo gráfico............................................................................................... 32 Figura 3 - Esquema de busca pelos juízes na Plataforma Lattes....................... 42 Figura 4 - Cálculo do Coeficiente de Validação de Conteúdo, segundo Hernandez-Nieto (2002)................................................................... 44 Figura 5- Fluxograma das etapas de seleção dos dados.................................... 47 Figura 6- Quantidade de estudos publicados por ano de publicação................ 47 Figura 7- Figura síntese dos elementos do cuidado seguro aos indivíduos com alteração no estado mental na perspectiva de Donabedian................ 48 Figura 8- Análise de similitude das percepções dos profissionais a respeito do cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental hospitalizado...................................................................................... 64 Figura 9- Exemplificação de uma dimensão do protocolo gráfico para tomada de decisão.......................................................................................... 75 Figura 10- Protocolo gráfico do elemento estrutura para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental................................................................ 76 Figura 11- Protocolo gráfico do elemento processo para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental................................................................. 77 Figura 12- Protocolo gráfico do elemento resultado para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental................................................................ 77 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Síntese das camadas contextuais sobre o cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental........................................ 28 Quadro 2 - Elementos gráficos empregados na construção do protocolo gráfico............................................................................................... 38 Quadro 3 - Critérios adaptados de avaliação do conteúdo do protocolo gráfico............................................................................................... 39 Quadro 4 - Categorias do Suitability Assessment of Materials (SAM)................................................................................................ 40 Quadro 5 - Critérios para seleção de especialistas segundo o modelo de validação de conteúdo adaptado de Fehring (1994).......................... 42 Quadro 6- Síntese das medidas do cuidado seguro de enfermagem aos indivíduos com alteração no estado mental de acordo com os pressupostos de Donabedian.............................................................. 49 Quadro 7- Classes geradas a partir da ClassificaçãoHierárquica Descendente da percepção de enfermeiros sobre o cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental......................................................... 56 Quadro 8- Classificação do cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental de acordo com o somatório da pontuação final das dimensões do protocolo..................................................................... 65 Quadro 9- Síntese das sugestões dos juízes para o checklist.............................. 66 Quadro 10- Ckecklist para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração do estado mental................................................................................................ 68 Quadro 11- Pontuação do protocolo gráfico de acordo com a porcentagem de conformidade dos itens dos checklist................................................. 75 Quadro 12 Classificação do cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental de acordo com o somatório da pontuação final das dimensões do protocolo..................................................................... 76 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Caracterização profissional dos participantes do grupo focal......... 55 Tabela 2- Caracterização sociodemográfica dos juízes participantes do estudo nas rodadas Delphi I e II...................................................... 81 Tabela 3- Valores de Concordância de Validade de Conteúdo do protocolo gráfico após Delphi I...................................................................... 81 Tabela 4- Valores de Concordância de Validade de aparência do protocolo gráfico após Delphi I para o instrumento do “Suitability Assessment of Materials”............................................................... 82 Tabela 5- Valores de Concordância de Validade de Conteúdo do checklist após Delphi I................................................................................... 83 Tabela 6- Valores de Concordância de Validade de Conteúdo do checklist após Delphi I para o instrumento do “Suitability Assessment of Materials”........................................................................................ 83 Tabela 7- Valores de Concordância de Validade de Conteúdo do protocolo gráfico após Delphi II...................................................................... 84 Tabela 8- Valores de Concordância de Validade de aparência do protocolo gráfico após Delphi II para o instrumento do “Suitability Assessment of Materials”................................................................ 84 Tabela 9- Valores de Concordância de validade de conteúdo do checklist após Delphi II.................................................................................. 85 Tabela 10- Valores de Concordância de Validade de Conteúdo do checklist após Delphi II para o instrumento do “Suitability Assessment of Materials”...................................................................................... 85 Tabela 11- Comparação do Concordância de Validade de Conteúdo total de Pasquali e SAM do protocolo gráfico ............................................ 86 Tabela 12- Comparação do Concordância de Validade de Conteúdo total de Pasquali e SAM do Checklist ......................................................... 86 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APS Atenção Primária à Saúde CAPS Centros de Atenção Psicossocial CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico EA Evento Adverso ESF Estratégia de Saúde da Família HUOL Hospital Onofre Lopes HJM Hospital João Machado PNSM Política Nacional de Saúde Mental PNSP Programa Nacional de Segurança do Paciente PPGENF Programa de Pós-Graduação em Enfermagem PTS Projeto Terapêutico Singular RAPS Rede de Atenção Psicossocial SAM Suitability Assessment of Materials SUS Sistema Único de Saúde SP Segurança do Paciente SM Saúde Mental ScR Scoping Review RCLE Registro de Consentimento Livre e Esclarecido TM Transtorno Mental UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte VD Visita Domiciliar SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................ 14 1.1 JUSTIFICATIVA....................................................................................... 16 2. OBJETIVO .............................................................................................. 20 2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 20 2.2 OBJETIVO ESPECÍFICO ........................................................................ 20 3. REVISÃO DE LITERATURA............................................................... 21 3.1 NORMATIZAÇÕES DA ASSISTÊNCIA AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL NO BRASIL.............................. 21 3.2 CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL: MEDIDAS E RECURSOS............................................................................................... 25 3.3 QUALIDADE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NA PERSPECTIVA DE DONABEDIAN........................................................ 29 4. MÉTODO.................................................................................................. 32 4.1 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS ............................................................. 33 4.1.1 Scoping Review.......................................................................................... 33 4.1.2 Grupo focal ............................................................................................... 35 4.1.2.1 Participantes do grupo focal....................................................................... 36 4.1.2.2 Coleta de dados do grupo focal................................................................... 37 4.1.2.3 Análise dos dados do grupo focal............................................................... 38 4.2 PROCEDIMENTOS EMPÍRICOS .......................................................... 38 4.2.1 Construção do protocolo ......................................................................... 38 4.2.2 Validação de Conteúdo e Aparência....................................................... 39 4.2.3 Seleção dos juízes...................................................................................... 42 4.3 PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS ......................................................... 43 4.4 ASPECTOS ÉTICOS ................................................................................ 44 5. RESULTADOS e DISCUSSÃO.............................................................. 46 5.1 CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO HOSPITALAR AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL: SCOPING REVIEW................................................................ 46 5.2 CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL HOSPITALIZADO: PERCEPÇÕES DE ENFERMEIROS........................................................ 56 5.3 CONSTRUÇÃO DO PROTOCOLO GRÁFICO PARA AVALIAÇÃO DO CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO HOSPITALAR AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL................................................................................................... 65 5.4 VALIDAÇÃO DO CONTEÚDO E APARÊNCIA DO PROTOCOLO GRÁFICO E CHECKLIST PARA AVALIAÇÃO DO CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO HOSPITALAR AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL................................................................................................... 80 6. CONCLUSÕES ....................................................................................... 90 REFERÊNCIAS ......................................................................................92 APÊNDICES............................................................................................. 109 ANEXOS................................................................................................... 129 15 1 INTRODUÇÃO Entende-se como transtorno mental as alterações psicológicas de causa multifatorial (biológicas, sociais, culturais e outros) que podem estar associadas a sintomas físicos, afetam negativamente as relações interpessoais, a qualidade de vida, causam modificações de humor e perda de desempenho funcional em atividades diárias (HIANY et al., 2018). As alterações no estado mental representam 13% das enfermidades no mundo, atingem diferentes classes sociais, etnias e faixa etária. No Brasil, o percentual chega a 47% ao considerar os mais variados tipos de condições psíquicas. Quanto à caracterização desse público, estudos apontam a prevalência em adultos jovens do sexo feminino, casadas ou em união estável e, com maior propensão a desenvolver algum transtorno os indivíduos desempregados e/ou com baixo nível de escolaridade (LEONARDO et al., 2017; SILVA et al., 2018). Esse panorama foi agravado com a ocorrência da Pandemia causada pelo vírus Sars-cov-2, uma vez que tal acontecimento apresenta relação com a incidência dos casos de depressão, ansiedade, pensamentos suicidas, assim como aumento do estresse, sentimentos de tristeza, medo e insegurança (MIRANDA et al., 2020) Dessa forma, os pacientes acometidos por esses transtornos necessitam de uma assistência qualificada, multiprofissional, com abordagem humanizada que busque o bem-estar biopsicossocial, o desenvolvimento da autonomia e inclusão social enquanto cidadão, de modo a priorizar o tratamento no âmbito comunitário por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços de Residência Terapêutica e Centros de Convivência e Cultura, em conjunto com as ações realizadas pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) na Atenção Primária à Saúde (APS) (OLIVEIRA; MARTINS; VIERIA, 2018). A piora do quadro mental resulta na necessidade de um maior acompanhamento do paciente, sendo considerado em última hipótese o processo de hospitalização, o qual deve ocorrer com o objetivo de reestabelecer a saúde do indivíduo por meio de uma assistência segura e integralizada. Além disso, cabe destacar que a internação pode ser consequência de outras condições clínicas que causem o processo de adoecimento físico (DIAS; FERIGATO, 2020; PAES et al., 2018). 16 Para a internação hospitalar é necessária a garantia de leitos de atenção integral em hospitais gerais, com objetivo de minimizar a utilização de centros psiquiátricos no caso de pacientes em crise ou que representem risco a si e a terceiros, em razão de se buscar a gradativa extinção desse serviço. Contudo, deve ser fortalecido o vínculo entre o paciente e as unidades de saúde não hospitalares na perspectiva de romper a cultura hospitalocêntrica e promover a transversalidade do cuidado (PESSOA et al., 2016). Os serviços devem dispor de profissionais capacitados para avaliar o processo de saúde doença na concepção do ser holístico, que estejam familiarizados com os principais fármacos prescritos para esses transtornos e respectivos efeitos colaterais, assim como a utilização de outros métodos terapêuticos para promoção e recuperação da saúde mental (HIANY et al., 2018; SOUSA et al., 2017; VANTIL et al., 2018). Ressalta-se que independente da complexidade do serviço em que estejam inseridas, as pessoas com alteração no estado mental estão susceptíveis a situações de risco, visto que possuem características específicas associadas as suas condições intrínsecas de instabilidade como flutuações de humor, confusão mental, que podem facilitar a ocorrência de Eventos Adversos (EA), como erros de medicação e interações medicamentosas, esse último devido as peculiaridades dos psicotrópicos (PRADO, SÁ, MIRANDA, 2015; SOUSA et al., 2017). Nessa perspectiva, Prado, Sá e Miranda (2015) apontam que as chances de ocorrer EA nesses pacientes são mais elevadas se comparado com o público em geral e, consequentemente, gera prejuízos a saúde, internações prolongadas e mais onerosas na instituição. A Segurança do Paciente (SP) exerce importante papel na construção do cuidado seguro, que minimize a ocorrência de danos e situações de risco associadas à assistência nas unidades de saúde para todas as pessoas, sem distinção social. No entanto, se faz necessário a adaptação de medidas que atendam as demandas desses pacientes para a prestação do cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental (MINUZZI et al., 2016;VANTIL, et al., 2020). Os serviços devem fornecer meios para o desenvolvimento de um plano de cuidado adequado. É preciso promover uma cultura de segurança que incentive a identificação das fragilidades e potencialidades durante a assistência, de modo a proporcionar um aprendizado baseado nas falhas, a fim de evitar a ocorrência de novos incidentes (MINUZZI et al., 2016). 17 Faz-se necessário à implementação de uma estrutura organizacional para nortear o processo de trabalho e o desenvolvimento de estratégias que auxiliem as boas práticas em saúde, condutas essas, importantes para melhoria da qualidade do cuidado e para a continuidade da segurança (TOMAZONNI et al., 2015). Em meio a essas possibilidades, evidenciam-se os protocolos como uma ferramenta para a padronização das ações de trabalho, o que proporciona maior segurança aos pacientes, melhor integração entre os profissionais e regulamentam as normas e rotinas dos serviços ao favorecer o processo de gerenciamento das unidades (VIEIRA et al., 2016). A utilização dos protocolos obteve êxito em outros contextos assistenciais, no âmbito da saúde mental visam facilitar a definição de diagnósticos clínicos, orientar a elaboração de um projeto terapêutico singular, reduzir e/ou prevenir a ocorrência de EA, otimizar o tempo de internação, diminuir os custos e promover maior qualidade no cuidado prestado (CAMPOS, FEITOSA, 2017; PEIXOTO, PEREIRA, SILVA, 2016). Dentre a equipe multiprofissional responsável pelo cuidado seguro, a enfermagem é reconhecida pelo grande contingente de profissionais que atuam direta e continuamente na assistência aos indivíduos internados, o que permite a identificação antecipada de situações de risco, agravos e necessidades do paciente, além desse maior contato proporcionar a geração de vínculo e, consequente, apoio ao paciente e família (PETERS et al.,2020; ALMEIDA et al. 2020) Assim, o objeto do presente estudo é a construção e validação de um protocolo gráfico para o cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental, com definição da seguinte questão norteadora: Qual deve ser o conteúdo e a aparência de um protocolo para a avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração do estado mental? 1.1 JUSTIFICATIVA As pessoas com transtornos mentais estão cada vez mais presentes nos serviços de saúde, estima-se que cerca de 25% da população irá desenvolver algum tipo de alteração psíquica ao longo de sua vida. Este dado revela a necessidade de se direcionar 18 esforços para recuperação e promoção da saúde desse público, ainda marginalizado pela sociedade (CRUZ et al., 2016). Concomitante à nova demanda de pacientes, é fundamental um maior quantitativo de profissionais capacitados para o atendimento a essa população, porém o preconceito e despreparo dos mesmos pode prejudicar a construção de uma assistência segura. Com isso, é primordial a realização de capacitações, treinamentos periódicos e o uso de ferramentas que potencializem a sistematização de boas práticas em saúde, como por exemplo, os protocolos (BARBOSA, NEVES, TOSOLI, 2018; SILVA et al., 2018). Essatecnologia pode ter aplicabilidade assistencial e/ou organizacional, com foco na educação, promoção e/ou prevenção, voltada para ações de gestão, sistematização, avaliação e ordenação do fluxo de funcionamento dos serviços. De modo geral, contribui para qualidade da assistência, pois norteia as condutas profissionais, de forma que minimiza as chances de esquecimento e divergências entre as ações, por conseguinte, diminui a ocorrência de situações de risco (SILVA et al., 2018; KRAUZER, et al., 2018). Diante do exposto, esta pesquisa encontra-se em consonância com: - A Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), pois objetiva por meio da construção do protocolo, promover uma assistência segura, eficaz e integralizada, que viabilize resolutividade independentemente da complexidade da doença e, que respeite as particularidades do indivíduo. Além disso, os protocolos são ferramentas de abordagem multiprofissional, fundamentados em evidências científicas que devem subsidiar a assistência no novo modelo hospitalar de instituições inclusas na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a qual busca maior qualificação dos serviços e dos profissionais (BRASIL, 2019). -As boas práticas de saúde preconizadas pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), que visa melhoria da assistência mediante o estabelecimento de estratégias que proporcionem o cumprimento das normas do serviço, como o monitoramento contínuo dos indicadores a partir da utilização de protocolos. Também está em concordância com os eixos do PNSP, por esse aprovar a adoção de medidas direcionadas à SP, que sistematizem e propaguem as informações acerca dessa relevante temática no ensino técnico, de graduação e pós-graduação de enfermagem (BRASIL, 2014). -O Guia Curricular de Segurança do Paciente da Organização Mundial da Saúde que busca embasar o ensino e capacitar educadores sobre a SP (OMS, 2016). Em razão de os protocolos serem ferramentas que podem ser direcionadas para o âmbito 19 educacional, uma vez que a identificação de fragilidades individualizadas e/ou dos serviços, possibilita uma aprendizagem significativa, além de ser um instrumento que promove educação permanente e aperfeiçoamento dos profissionais. Logo, este estudo poderá estreitar a aproximação dos estudantes de enfermagem com a temática de Saúde Mental, que por vezes é negligenciada academicamente, além de prepará-los minimamente para atuação profissional e para o cuidado seguro. -A Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em saúde no Brasil, no que diz respeito à construção e validação do protocolo para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração do estado mental por estar relacionada com a meta de Desenvolvimento e utilização de novas tecnologias na atenção as pessoas com alteração no estado de saúde mental (BRASIL, 2015). - A Reforma Psiquiátrica, já que essa estabelece os direitos dos indivíduos com alteração no estado mental, como uma assistência de qualidade. Dessa forma, esta pesquisa servirá de orientação e desenvolvimento de uma tecnologia para melhoria do cuidado, uma vez que o protocolo poderá ajudar a rever as práticas inseguras, contribuir no embasamento e desenvolvimento de educação permanente e para a gestão, de modo a direcionar e priorizar ações, avaliar e aprimorar continuamente esse processo em busca de uma assistência segura. - Os serviços de saúde que enfrentam um gradativo quadro de reorganização funcional e estrutural desde o estabelecimento dos novos preceitos trazidos com a Reforma Psiquiátrica, a qual objetiva o tratamento do paciente alicerçado na comunidade, porém com reconhecida importância dos serviços hospitalares, ambos devem contar com uma equipe multiprofissional capacitada, que se beneficiará com a utilização de protocolos. Neste estudo o protocolo proposto poderá facilitar a compreensão do indivíduo em sua integralidade, ao considerá-lo além do conceito fisiopatológico, como um ser que influência e sofre influência da cultura e do meio em que está inserido, que possuí autonomia, deve exercer sua cidadania e merece equidade em seu cuidado (PERES et al., 2018). - A enfermagem, pois é a classe de profissionais mais presente durante a assistência, tanto em número quanto em tempo dedicado aos pacientes, logo, esses representam uma importante barreira para evitar EA, principalmente se a equipe possui uma cultura que implementa práticas e tecnologias de segurança. Dessa maneira, a construção e validação de um protocolo voltado para avaliação do cuidado seguro as pessoas com alterações do estado mental são de extrema relevância dada à 20 transversalidade de sua aplicabilidade e potencial para qualificação e melhoria da assistência (BARBOSA, NEVES, TOSOLI, 2018; SILVA et al., 2018). - As contribuições para os avanços científicos, visto a escassez de estudos que versem sobre a temática de segurança na assistência a pessoa com transtornos mentais devido ao estigma de agressividade associado a esses indivíduos, que desperta o sentimento de medo e insegurança nos profissionais. E a incipiência de pesquisas na área o que acarreta a ausência de inovações para esse cuidado (SOUZA et al., 2017; PRADO, SÁ, MIRANDA, 2015). -O Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pois, a construção e validação de um protocolo para avaliar o cuidado seguro vai ao encontro da linha de pesquisa “Desenvolvimento Tecnológico em Saúde e Enfermagem”. Ressalta-se ainda a escolha da temática pela mestranda por se identificar com o assunto ao longo da formação acadêmica, além disso, a vivência proporcionada pelos estágios supervisionados possibilitou a observação de algumas vulnerabilidades na assistência a pessoa com alteração no estado mental, ao associar esses aspectos com a SP, conteúdo que também desperta grande interesse na mestranda devido à participação em grupo de pesquisa que aborda prioritariamente esta temática em diversos contextos, bem como sua contribuição em estudos na área, os quais a levaram a vislumbrar a oportunidade de colaborar com a qualificação da assistência a esses pacientes. 21 2 OBJETIVO 2.1 OBJETIVO GERAL Desenvolver um protocolo gráfico validado em seu conteúdo e aparência para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Identificar os critérios necessários para avaliar o cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental; Construir o protocolo gráfico para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental; Validar conteúdo e aparência do protocolo gráfico para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental; 22 3. REVISÃO DE LITERATURA Esta revisão aborda pontos relacionados à regulamentação e normatização da assistência a pessoa com alteração no estado mental, as ações e recursos direcionados para o cuidado seguro a esses pacientes e o cuidado na perspectiva da estrutura, processo e resultado a luz de Donabedian (1980). 3.1 NORMATIZAÇÕES DA ASSISTÊNCIA AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL NO BRASIL As alterações no estado mental estão presentes na sociedade e afetam os indivíduos de diferentes formas ao longo da história. No entanto, a compreensão desses como doença e da necessidade de uma assistência qualificada passa por modificações gradativas até os dias atuais (SERAFIM, 2017). Ao serem julgados como “loucos”, devido à estigmatização de anormais que lhes foi atribuído por desviarem dos padrões comportamentaisaceitos socialmente os pacientes eram hospitalizados para tratamento em isolamento social. Considerava-se parte desse grupo as pessoas com comorbidades mentais, os homossexuais, alcoólatras, indigentes e qualquer um que se tornasse indesejado para o convívio em comunidade (SERAFIM, 2017; CASTILHO; ANNA; ALONSO, 2017). A assistência a esses indivíduos por anos ocorreu de forma empírica, baseada nas concepções e vivências individuais dos profissionais, ou ainda guiada por interesses sociais e políticos, sem qualquer rigor científico promoviam a segregação do convívio familiar/ comunitário, e a hegemonia do modelo hospitalocêntrico (SERAFIM, 2017; CASTILHO; ANNA; ALONSO, 2017). As internações davam-se em locais denominados “manicômios” ou “colônias” que se caracterizavam pela falta de humanização, higiene e alimentação inadequada, superlotação, métodos terapêuticos agressivos e estrutura física insalubre. Nesse 23 ambiente os pacientes eram esquecidos, perdiam a identidade, a autonomia, a dignidade e ficavam a mercê da sorte (CASTILHO; ANNA; ALONSO, 2017). O tratamento aos ditos alienados buscava eliminar os traços de “anormalidade”, vigiar e puni-los por seu comportamento mediante a utilização de técnicas invasivas como eletroconvulsoterapia, insulinoterapia, procedimentos cirúrgicos, medicalização excessiva, isolamento em celas fortes, dentre outros. Dessa forma, os indivíduos eram reduzidos a sua doença e intensificado as fragilidades que os tornavam mais debilitados (GUIMARÃES et al, 2013). Após longos períodos de invisibilidade, o descaso para com esses pacientes começou a ser reavaliado sob uma nova ótica, o movimento sociopolítico intitulado “Reforma psiquiátrica”, o qual representa mudanças estruturais de abrangência governamental a saberes, valores e crenças individuais (GUIMARÃES et al, 2013). Iniciou-se, na década de 60, no contexto internacional (Itália, França, Estados Unidos, dentre outros) e, só em 1978 ocorreram os primeiros movimentos antimanicomiais no Brasil, em consonância à Reforma Sanitária, os quais objetivavam a desospitalização, a desinstitucionalização o que vai de encontro ao modelo hospitalocêntrico vigente (ANDRADE; MALUF, 2017; LIMA et al.,2016) Nesse contexto, surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental constituído por profissionais, associações de familiares e sindicalistas que apresentaram denúncias de violência e maus tratos provenientes da assistência aos pacientes psiquiátricos nas instituições asilares, com isso, declararam as críticas ao modelo de tratamento vigente e a mercantilização da loucura, incitando uma série de conferências e congressos (principalmente, o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental em 1987, Conferência de Caracas em 1990 e II Conferência Nacional de Saúde Mental em 1992) para melhor debate da temática e a reorientação da assistência (FERNANDES; OLIVEIRA; PIRANI, 2018). A figura 1 apresenta os principais marcos desencadeados a partir desse período em relação à normatização da assistência aos indivíduos com alteração no estado mental, os quais serão descritos adiante. 24 Figura 01- Linha do tempo com os principais marcos na normatização da assistência ao indivíduo com alteração no estado mental, Natal/RN, 2021. Fonte: dados da pesquisa. Em 1989 com o Projeto de Lei 3.657 se observou o marco de uma das primeiras tentativas em relação à normatização dos direitos desses pacientes. Esse projeto de lei versava sobre a extinção gradual dos manicômios, a reorganização dos recursos assistências e regulamentação da internação psiquiátrica compulsória (BRASIL, 1989). Não obstante, destaca-se uma conquista na luta antimanicomial, as portarias nº. 189 de 1991 e nº 224 de 1992, as quais subsidiam o atendimento de saúde mental pelo SUS, quanto à formulação das funções e dos aspectos de definição da equipe de profissionais dos Núcleos/Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS), recursos financeiros e o incentivo ao tratamento em comunidade e funcionamento de hospitais- dia (BRASIL, 1991; BRASIL, 1992). Em 2001, tem-se a promulgação da Lei 10.216 a qual versa sobre a descentralização dos serviços, o estabelecimento de CAPS para a prática de um cuidado integralizado e multiprofissional, promoção da autonomia, envolvimento e apoio aos pacientes e familiares, dessa forma, institui ações direcionadas a proteção dos direitos desses pacientes, a reabilitação social assistida, a humanização do cuidado, o fortalecimento da desinstitucionalização, redesenhando a estrutura organizacional com base comunitária (BRASIL, 2001). 25 Os CAPS são serviços intersetoriais regulamentados pela Portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002, ampliando seu funcionamento, assim, é de sua competência o acolhimento e organização do fluxo de atenção as pessoas com transtorno mental em seu território de abrangência. Constituem parte dos serviços substitutivos municipais de caráter ambulatorial e caracterizam-se pelo seu porte, capacidade e perfil de atendimento (SOUSA, 2020; BRASIL, 2002). O CAPS I é de pequeno porte, ideal para populações de 20.000-70.000 habitantes, destinam-se a adultos com transtornos mentais severos e persistentes e/ ou decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. O CAPS II atende ao mesmo perfil, no entanto direciona-se para municípios com populações acima de 70.000 habitantes, ambos funcionam durante o dia. Já o CAPS III funciona 24h durante todos os dias, possuem cobertura para áreas com mais de 200.000 habitantes (SOUSA, 2020; BRASIL, 2004). Há também o CAPS AD que atendem indivíduos com necessidades decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas em busca da redução dos danos, e o CAPSi para o acompanhamento de crianças e adolescentes com transtorno mental (BRASIL, 2004). Ao considerar o processo de desinstitucionalização dos pacientes de longa permanência, incentivo a redução no número de leitos em hospitais psiquiátricos e a expansão de serviços substitutivos teve-se o desenvolvimento da lei 10.708, sancionada em 2003, a qual estabelece Programa de volta para casa, que promove a reinserção social, autonomia dos indivíduos e execução dos seus direitos a cidadania. Além disso, observou- se um aumento no número de CAPS e residências terapêuticas (SOUSA, 2020, BRASIL, 2003). No âmbito hospitalar, compreendido como ferramenta de gestão que entrou em vigor 2002 o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria) e o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar no SUS (PRH) aprovado em 2004, permitem a verificação da qualidade dos serviços prestados e satisfação dos usuários em hospitais públicos e conveniados ao SUS, e buscam promover a transição segura entre a diminuição dos leitos hospitalares psiquiátricos com suporte assistencial comunitário e recursos terapêuticos necessários, respectivamente (BRASIL, 2011). Ambos são importantes na avaliação para o gradual e planejado fechamento dos hospitais psiquiátricos e o estabelecimento de parâmetros para o melhor funcionamento nas unidades psiquiátricas em hospitais gerais, as quais são destinadas à necessidade de 26 maior complexidade dos cuidados, no entanto, ressalta-se a importância da manutenção do vínculo com os demais serviços e CAPS (BRASIL, 2011). Em 2011 mais um avanço significativo é registrado, tem-se a Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de forma integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS), cujo propósito foi à criação de serviços de assistência e organização do fluxo de atendimento de acordo com o estado clínico de pacientes com transtorno mental e usuários de crack, álcool e outras drogas proporcionando a continuidade do cuidado (BRASIL, 2011). No ano de 2012, definiu-se normas e regulamentospara o funcionamento e habilitação de serviços hospitalares de referência para atenção a tais indivíduos por meio da Portaria nº 148 (BRASIL, 2011; BRASIL, 2012). Em dezembro 2017, aponta-se a portaria 3.588, que alterou as Portarias de Consolidação nº 3 e nº 6, de 28 de setembro de 2017, a mesma dispõe de modificações referentes à estruturação física e ao corpo de profissionais dos CAPS e serviços hospitalares de referência e unidades especializadas em hospitais gerais (BRASIL, 2017). Percebe-se a necessidade de a assistência ser subsidiada por normas e leis que direcionem um cuidado de qualidade, com maior segurança para os pacientes e profissionais em todos os ambientes de saúde, a fim de promover o respeito aos direitos e a equidade no atendimento aos pacientes com alteração no estado mental. 3.2 CUIDADO SEGURO DE ENFERMAGEM AO INDIVÍDUO COM ALTERAÇÃO NO ESTADO MENTAL: MEDIDAS E RECURSOS O cuidado seguro é compreendido como aquele em que os profissionais buscam implementar medidas de SP durante a assistência e fortalecer a cultura de segurança nos serviços de saúde, a fim de minimizar a ocorrência de danos e prevenir situações de risco que poderiam resultar em agravos de saúde, salienta-se a importância das questões organizacionais mediante a adequação da estrutura física, dos recursos materiais e humanos (OLIVEIRA et al, 2018). Nesse sentido, há particularidades dos serviços de saúde mental, uma vez que se faz necessário considerar a integralidade do sujeito, reconhecer suas necessidades e desenvolver habilidades específicas para lidar com as situações de transtornos de saúde 27 mental e emocional, para além disso, é essencial o envolvimento da família, paciente, equipe e gestão na construção de ações mais seguras (OLIVEIRA et al, 2018). Dentre as ações que promovem o cuidado seguro em saúde mental, tem-se: a visita domiciliar (VD), a educação permanente e a reformulação dos currículos para inserção de conteúdo específico dessa temática na formação acadêmica dos profissionais. A VD é uma estratégia de grande relevância para o estabelecimento do vínculo entre os profissionais de saúde, pacientes e familiares ao oportunizar a busca ativa no território, possibilitar a visualização e compreensão por parte da equipe a respeito do meio social em que o paciente vive e o acompanhamento do tratamento, além de fornecer informações coerentes para o melhor planejamento dos cuidados (MATSUKURA; LOURENÇO, 2018; ESLABÃO et al, 2019). Todavia é um momento para realização da escuta qualificada, comunicação efetiva, orientações aos pacientes e comunidade. Outrossim, a confiança estabelecida estrutura o cuidado e os processos terapêuticos, e está diretamente relacionada à aceitação, colaboração e sucesso das intervenções/ tratamento o que diminui as recidivas de internações (COSTA et al, 2020). A educação permanente foi identificada como estratégia contribuinte para a qualificação da assistência à medida que permite a atualização e sustentação teórica dos profissionais acerca do cuidado seguro na saúde mental (PINHEIRO; HYPÓLITO; KANTORSKI, 2019). Fato que pode ser reforçado com a reformulação do currículo das instituições de ensino técnico e superior para proporcionar uma formação que inclua às necessidades desses pacientes e que compreenda seus direitos, amplie as perceptivas de tratamento e desconstrua os reflexos da cultura manicomial (PINHEIRO; HYPÓLITO; KANTORSKI, 2019). Destaca-se a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, que valoriza a educação dos trabalhadores mediante a problematização de dificuldades identificadas na realidade do seu serviço e, proporciona a realização de práticas reflexivas, transformação de gestões, abordagens multifacetadas, valorização da humanização e uma assistência baseada em evidência científica (COSTA et al, 2017). Evidencia-se, também, medidas desenvolvidas com o intuito de fortalecer o cuidado seguro, a saber: gerenciamento de riscos, estabelecimento das estruturas organizacionais e fluxos de atendimento. 28 Associa-se a SP ao buscar a detecção e prevenção de situações que possam significar riscos potenciais, em vista disso, ressalta-se os protocolos e procedimentos operacionais padrão, os quais são compreendidos com estratégias que contribuem para qualificação dos cuidados mediante padronização das condutas baseadas em princípios técnicos científicos (VANTIL et al, 2018). Tais ferramentas auxiliam na tomada de decisões, no ajuste das não conformidades e na educação dos profissionais. Logo, são capazes de proporcionar maior segurança para os pacientes e profissionais, e auxiliar no desenvolvimento e monitoramento dos indicadores de qualidade (VANTIL et al, 2018). Dentre os aspectos da segurança ao paciente com alteração no estado mental, a identificação correta apresenta-se como um grande desafio a vista das condições clínicas desse público que por vezes manifestam desordem autopsíquica (PINHEIRO; HYPÓLITO; KANTORSKI, 2019). Assim, novas formas de identificação foram desenvolvidas, como a utilização de fotos associadas à pulseira de identificação e prontuários, a fim de facilitar a confirmação visual, bem como rótulos e códigos de barra. Ressalta-se ainda o envolvimento da família, e o fortalecimento da cultura de segurança entre os profissionais para a execução dessa etapa, dado que a não realização ou falta de padronização no processo aumenta a vulnerabilidade para a ocorrência de EA (BLANCO, 2019; SIMAN, 2019). O matriciamento, também, é apontado como estratégia para o apoio técnico pedagógico às equipes multiprofissionais no cuidado as pessoas com alterações no estado mental, principalmente no âmbito da APS ao promover resolutivas locais com o fortalecimento da comunicação, atendimentos conjuntos, acolhimento de qualidade, capacitação profissional em SM e organização dos fluxos de atendimento (BRASIL, 2015; SILVA et al, 2018). Não obstante, realça-se a importância do desenvolvimento de intervenções planejadas de acordo com as necessidade e particularidades dos indivíduos, de modo a atenuar os fatores estressores na realidade do sujeito, retirar estímulos externos como o álcool, evitar a automedicação e reinseri-lo socialmente (BATISTA et al, 2020). As ações mencionadas estão em consonância com a prática do Projeto Terapêutico Singular (PTS), entendida como uma estratégia interdisciplinar e multiprofissional que pode ser desenvolvido para o indivíduo, grupos e família. Esse método amplia as possibilidades terapêuticas além da perspectiva de medicalização, mostrou-se benéfico em longo prazo, uma vez que possibilita maior comunicação e responsabilização da 29 equipe, considera as opiniões dos pacientes e de todos os envolvidos no processo para tomada de decisões, sendo muitas vezes utilizado na APS (BATISTA et al, 2020; BRASIL, 2015). Possui associação positiva com a SP, pois, colabora para a diminuição das hospitalizações, e consequente redução da superlotação nos serviços, uma vez a assistência e o acompanhamento é realizado na comunidade evitando-se o agravamento e a necessidade de cuidados mais intensivos, promovendo a atenuação dos custos, menor exposição a riscos e incidentes de segurança, além de ir ao encontro a segunda meta internacional de SP, que versa sobre a necessidade de melhoria na comunicação efetiva (BRASIL, 2014). Outro ponto interessante foi à amenização dos riscos, pois envolve levantamento das grades do leito, auxílio na deambulação, o que remete a SP na meta de “reduzir riscos de quedas”, além disso, aponta a retirada de objetos potencialmente perigosos do alcance desses pacientes a fim de evitar a utilização indevida e, promover a minimização de situações que possam gerar danos desnecessários ao paciente (PAES; MAFTUM; MANTOVANI, 2010). O quadro 1 apresenta a significaçãodo cuidado seguro ao paciente com alteração no estado mental por meio de quatro camadas contextuais e a compreensão das relações que compõem esse fenômeno, embasado nos pressupostos adaptados de Hinds et al. (1992). Em que o contexto imediato é tido como as características diretas do cuidado seguro relacionada à assistência ao paciente com TM, já o contexto específico diz respeito à interpretação das ações e atitudes que podem fragilizar ou potencializar o cuidado seguro a esses pacientes, o contexto geral são as medidas implementadas ou idealizadas no intuito de promover o cuidado seguro e, por fim o metacontexto que se refere aos conhecimentos compartilhados socialmente. Quadro 1- Síntese das camadas contextuais sobre o cuidado seguro ao indivíduo com alterações no estado mental. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2021. METACONTEXTO Normatização da assistência e tratamento ao indivíduo com alteração no estado mental • Leis, decretos e portarias que regulamentam as organizações dos serviços, orientam os direitos dos pacientes com alteração do estado mental CONTEXTO GERAL Medidas implementadas para promoção do cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental 30 Fonte: dados da pesquisa Destaca-se a importância da qualificação do cuidado em todos os contextos assistenciais com maior enfoque na SP no âmbito da saúde mental para o incentivo ao desenvolvimento das boas práticas, melhoria promoção e recuperação da saúde e satisfação dos pacientes e família (SOUSA et al, 2017). 3.3 QUALIDADE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NA PERSPECTIVA DE DONABEDIAN Compreende-se a qualidade do cuidado no âmbito da saúde como o desenvolvimento de ações adequadas que permitam a resolutividade das necessidades biopsicossociais do paciente de forma segura, com maior eficiência e efetividade (OLIVEIRA et al, 2018; VALENTE, 2019). • Desenvolvimento de Protocolos, Procedimento Operacional Padrão, Fluxogramas • Métodos de identificação do paciente • Gerenciamento de casos e estabelecimento dos riscos CONTEXTO ESPECÍFICO Interpretação de atitudes que influenciam no cuidado seguro Potencialidades Fragilidades • Consolidação de uma rede integrada e operante • Educação permanente • Integralidade e humanização do cuidado • Estabelecimento de vínculo • Sentimentos estigmatizantes • Limitação de conhecimento • Comunicação deficiente • Supremacia dos processos de medicalização CONTEXTO IMEDIATO Características diretas do cuidado • Planejamento e análise de intervenções • Atenuação dos riscos • Controle de SSVV PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO CUIDADO • Falta de estrutura física • Recursos materiais e humanos insuficientes • Superlotação dos serviços • Sobrecarga de trabalho • Ausência de participação da família • Orientação do paciente 31 Torna-se essencial que os serviços e profissionais estejam preparados para compreender e considerar a subjetividade dos indivíduos com transtorno mental, a fim de garantir seus direitos de acordo com os preceitos estabelecidos desde a reforma psiquiátrica (OLIVEIRA et al, 2018). Diante desse contexto, destaca-se como referência nas pesquisas sobre qualidade em saúde Avedis Donabedian (1980), o qual apresenta a qualidade em saúde como um produto da associação da ciência à tecnologia em vista do maior benefício pelo menor risco. Donabedian (1980) organizou um modelo sistêmico de avaliação do cuidado em três dimensões: estrutura, processo e resultado, o qual possibilita a extração dos dados para melhor análise do contexto. Nesse modelo, a categoria “estrutura” diz respeito aos aspectos observados em todo o ambiente de realização do cuidado, como a estrutura física, os recursos financeiros, humanos e materiais disponíveis. As conclusões da avaliação deste item são relacionadas às inadequações do elemento seguinte (DONABEDIAN, 1980). O elemento “processo” contempla as ações dos profissionais para com os pacientes em termos assistenciais durante todo o acompanhamento da saúde do mesmo, logo, esse componente possibilita a verificação da qualidade do atendimento mediante a observação do serviço ou análise dos dados advindos de registros dos profissionais (DONABEDIAN, 2003). Já o “resultado” refere-se às repercussões do cuidado, geração de indicadores de qualidade e satisfação do cliente, dessa forma, são de extrema importância por permitir a identificação de relações de causalidade entre os resultados e as ações/ medidas realizadas, conforme a monitoração dos indicadores ao longo do tempo (DONABEDIAN, 1980; DONABEDIAN, 2003). Essa dimensão avaliativa pode ser adaptada as diferentes situações de saúde e que os elementos são correlacionados para melhor compreensão dos dados, uma vez que sistematizam a análise dos requisitos e permitem a elaboração de conclusões acerca da qualidade do cuidado (DONABEDIAN, 2003). A avaliação contínua desses aspectos permite o controle de qualidade, assim como contribui para o diagnóstico situacional, o reconhecimento de oportunidades de melhoria, a adesão de medidas para lidar com as fragilidades, e manutenção das potencialidades (VALENTE, 2019). 32 Nesse âmbito, os protocolos, ferramentas em geral multiprofissionais e interdisciplinares, apresentam-se com relevante potencial para subsidiar o processo avaliativo de qualidade, uma vez que permitem a análise dos serviços e procedimentos de trabalho de forma equânime (ALMEIDA et al. 2016). Em geral, tais tecnologias são constituídas por normas técnicas, regras, rotinas e padrões de referência a serem seguidos, os quais podem direcionar condutas do cuidado ou informar fluxos organizacionais de funcionamento. Para elaboração dos mesmos se faz necessário à participação de profissionais experientes e com domínio de conteúdo a respeito da temática a ser trabalhada, além de fundamentação científica e dados atualizados, para assim, conferirem maior confiabilidade e fidedignidade ao objetivo que se destina (VIEIRA et al, 2016; COSTA; ALMEIDA; MELO, 2020). Os protocolos correspondem às demandas de saúde, seja a nível setorial de acordo com as carências dos serviços e necessidade dos profissionais, ou ainda recomendações de abrangência nacional, de maneira a fortalecer a SP enquanto dimensão da qualidade, fornecer sistematização e qualificação do trabalho em saúde, além de permitir avanços tecnológicos, científicos e o estabelecimento das boas práticas do cuidado (ALMEIDA et al. 2016; COSTA; ALMEIDA; MELO, 2020). 33 4 MÉTODO Trata-se de um estudo metodológico de abordagem mista, direcionado para a validação de um protocolo gráfico estruturado na tríade proposta por Donabedian (estrutura, processo e resultado) para avaliação do cuidado seguro de enfermagem no contexto hospitalar ao indivíduo com alteração no estado mental. A seleção desse tipo de estudo se deu ao fato de os estudos metodológicos possuírem como uns de seus propósitos a busca pela investigação, organização, validação e análise de instrumentos tecnológicos, o que proporciona adequação do mesmo para que seja utilizável na prática (POLIT; BECK; HUNGLER, 2011). Já a natureza mista permite a associação de técnicas, abordagens e conceitos da pesquisa quantitativa e qualitativa em um mesmo estudo, a fim de se possibilitar melhores perspectivas de análises (PARANHOS et al., 2016) Quanto à tríade “estrutura-processo-resultado” proposta por Donabedian (1980), são premissas que norteiam as investigações dos serviços de saúde, e, proporcionam melhoria na qualidade da assistência e SP ao promoverem a identificação das nãoconformidades e oportunidade de aperfeiçoamento dos elementos avaliados. No que diz respeito à validação do conteúdo e de aparência do protocolo gráfico a pesquisa seguiu-se o referencial da psicometria proposto por Pasquali et al. (2010), estruturado em procedimentos teóricos, empíricos e analíticos. Figura 2 - Etapas para construção e validação de conteúdo do protocolo gráfico, Natal/RN, 2021 Fonte: Adaptado de Pasquali et al. (2010) Procedimentos Teóricos • Scoping Review • Grupo focal Procedimentos Empíricos • Construção do protocolo gráfico • Validação do conteúdo e aparência Procedimentos Analíticos • Cálculo de validação do conteúdo e nível de concordância 34 4.1 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS Nesse seguimento, com o propósito de definir os conteúdos que compõem o protocolo gráfico foi realizado um grupo focal com profissionais da área da saúde mental e uma Scoping Review (ScR) sobre o cuidado seguro ao indivíduo com alteração no estado mental. 4.1.1 Scoping Review A Scoping Review (ScR) é um tipo de revisão que facilita a identificação de lacunas existentes na literatura, ao possibilitar o mapeamento de pesquisas que revelam dados necessários para o embasamento científico e designação de conteúdo. Além de permitir a utilização de diversas bases de dados, portais de teses e dissertações de caráter nacional e internacional o que proporciona uma perspectiva ampliada da temática investigada (ARKSEY; O’MALLEY, 2005; THE JOANNA BRIGGS INSTITUTE, 2020). A construção da ScR respeitou seis etapas: I - Identificação da questão de pesquisa; II - Identificação dos estudos relevantes; III – Seleção dos estudos; IV – Análise dos dados; V – Síntese e apresentação dos dados e VI – Divulgação dos resultados (opcional) (ARKSEY; O’MALLEY, 2005; THE JOANNA BRIGGS INSTITUTE, 2020). Previamente realizou-se uma investigação na literatura e não foi encontrado estudos semelhantes, dessa forma, foi desenvolvido um protocolo para organizar e nortear o processo de busca e avaliação dos estudos, o qual está devidamente registrado no Open Science Framework (osf.io/a8qs9). Em relação a construção do protocolo, seguiu-se as seguintes etapas: 1) definição do objetivo e da questão de pesquisa, com base na estratégia PCC (População, Conceito e Contexto); 2) delimitação das fontes de dados; 3) descrição dos critérios de inclusão e exclusão; 4) categorização das variáveis a serem extraídas e analisadas; 5) apresentação dos achados (THE JOANNA BRIGGS INSTITUTE, 2020). 35 Quanto à estratégia PCC os termos escolhidos estão obrigatoriamente inclusos nos descritores em ciências da saúde (DECs) assim como seus correspondentes em inglês cadastrados no Medical Subject Headings (MESH). Em que P- Transtornos mentais/ Mental Disorders, C- Segurança do Paciente/ Patient safety; Enfermagem/ Nursing, C- Hospital/ Hospitals. Assim, a seguinte questão norteadora foi desenvolvida: Quais os cuidados seguros ofertados pela enfermagem ao indivíduo com transtornos mentais em unidades hospitalares? Para o estabelecimento da estratégia de busca foram necessárias pesquisas primárias com o cruzamento Mental Disorders AND Patient safety AND nursing AND hospitals nas bases de dados Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e National Library of Medicine (PUBMED), a fim de identificar as palavras- chaves mais adequadas, de acordo com os estudos disponíveis. Com auxílio dos operadores booleanos AND/E e OR/OU definiu-se a estratégia de busca, a saber: Mental Disorders OR (Behavior disorders OR Psychiatric Patients OR Psychiatric diseases OR Mental health) AND Patient Safety OR (Patient Safety Methods OR Safety culture) AND Nursing OR (Psychiatric nursing OR Mental Disorders Nursing) AND Hospitals OR (Inpatient settings). Ressalta-se que a mesma combinação foi mantida em todas as bases de dados, porém com adaptações em seus mecanismos de pesquisa por base de dados. Com isso, executou-se a coleta ao longo do mês de maio de 2021. A seleção dos artigos ocorreu nas plataformas: U.S. National Library of Medicine (PUBMED), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), SCOPUS, COCHRANE, Web Of Science, PSYCHINFO, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Em relação à literatura cinzenta: Portal de Teses e Dissertações da CAPES, Education Resources Information Center (ERIC), The National Library of Australia’s Trobe (Trove), Academic Archive Online (DIVA), DART-Europe E-Theses Portal, Electronic Theses Online Service (EThOS), Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), National ETD Portal. Enquanto critérios de elegibilidade foram incluídas publicações que respondessem à questão do estudo, que estivessem disponíveis na íntegra nas bases de dados por meio de acesso via Portal de Periódico CAPES pela Comunidade acadêmica federada (CAFe) de forma eletrônica. 36 Excluíram-se os editoriais, cartas ao editor, artigos de reflexão. Não foram determinadas restrições de idioma ou limite temporal e, os estudos duplicados foram considerados uma única vez. A seleção dos estudos foi desempenhada por revisores aos pares de maneira independente, e em duas etapas, a saber: leitura do título e resumo e a leitura na íntegra dos estudos escolhidos para compor a amostra. Essa última possibilitou a extração dos indicadores de dados, como: ano de publicação, país de origem, tipo de estudo, objetivo do estudo, nível de evidência, medidas relacionadas à estrutura que favoreceram os cuidados seguros de enfermagem ao paciente com transtornos mentais, medidas referente ao processo (ações dos profissionais para com os pacientes em termos assistenciais, identificação, prevenção de queda, erros de medicação, comunicação entre outros) e medidas relativas ao resultado (repercussões do cuidado, geração de indicadores de qualidade e satisfação do cliente). Os dados obtidos foram tabulados e organizados em uma planilha com uso do software Microsoft Excel 2010®, e apresentados em gráficos, tabelas e figuras, após serem analisados mediante estatística descritiva simples. Ressalta-se, que foi elaborado um quadro (APÊNDICE A) com os estudos selecionados de modo a representá-los pela codificação em letras e algarismo arábicos, o qual foi anexado ao protocolo. 4.1.2 Grupo Focal O grupo focal é um método de coleta de dados caracterizado pela interação em grupo, o que permite a problematização de uma temática específica, destaca-se pela possibilidade de reflexões em tempo real a partir de diferentes perspectivas apresentadas pelos integrantes (BACKES et al., 2011). Pode ser empregado por diversas áreas de estudo, entendido como uma fonte de informação que permite também a geração de novos conhecimentos por meio da dialética, trabalho em equipe e troca de experiências. Dessa maneira, opiniões são formadas, reformuladas e complementadas, por ser um modo dinâmico de interação e por vezes apresentar maior potencial de envolvimento dos participantes, o que facilita e enriquece as discussões (BACKES et al., 2011). 37 Os encontros devem possuir um propósito previamente definido e ser organizado por um coordenador/ moderador que direcione o fluxo das reuniões de acordo com o desenvolvimento do grupo e de maneira sútil incite as discussões pertinentes à temática. Para, além disso, o mesmo é responsável por realizar as explicações quanto ao funcionamento de todo o processo, objetivos e aspectos éticos da pesquisa (DUARTE, 2007; ARANTES; DEUSDARÁ, 2017). Outrossim, se faz necessário a participação de um observador que dê suporte no monitoramento do tempo, manejo dos equipamentos de gravação e registro das falas dos participantes a fim de ajudar nas transcrições dos dados (DUARTE, 2007.; ARANTES; DEUSDARÁ, 2017). No que dizrespeito ao ambiente destinado para os encontros, este deve ser acolhedor, possuir privacidade, transmitir segurança para a livre expressão dos participantes, as cadeiras devem estar dispostas em círculo para melhor participação e interação de todos (BACKES et al., 2011). No entanto, ao considerar o momento de crise sanitária vivenciado atualmente em decorrência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, optou-se por momentos síncronos remotamente, a fim de evitar qualquer interação inadequada de acordo com os protocolos sanitários de saúde. Desse modo, utilizou-se a plataforma online Google Meet para viabilizar os encontros. Ressalta-se que a realização dessa técnica de coleta de dados de modo online não diminui a fidedignidade do método, além disso, apresenta benefícios como a possibilidade de uma amostra maior, com participantes de diferentes localidades geográficas, baixo custo financeiro e permite que o pesquisador não influencie no processo, o que fortalece a confiabilidade do estudo (SALVADOR et al.,2020). 4.1.2.1 Participantes do Grupo Focal A equipe de coleta de dados foi composta por um mediador, um relator e dois colaboradores. Em relação aos participantes, a amostra foi intencional e estabeleceu-se os seguintes critérios de inclusão: - Ser enfermeiro lotado em um dos dois hospitais gerais do Rio Grande do Norte de referência na assistência em saúde mental 38 - Atuar na assistência ao indivíduo com transtornos mentais há no mínimo três meses - Possuir disponibilidade para participar do grupo focal online. Os hospitais selecionados foram o Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL- UFRN) e o Hospital Geral Dr. João Machado, devido as suas características, uma vez que o HUOL é um hospital com diversas especialidades, dentre essas possui assistência psiquiátrica e leitos destinados a pacientes com transtorno mental, e o Hospital Geral Dr. João Machado por ser referência no acolhimento de Urgências Psiquiátricas no Rio grande do Norte/ Brasil, que conta com cerca de 200 leitos, portanto, um dos maiores do estado e unidade integrante do RAPS (EBSERH, 2013; SESAP, 2021). Os participantes foram convidados por meio e-mail e/ ou contato telefônico, mediante o envio de um convite (APÊNDICE B), e quando pertinente de forma presencial – ressalta-se que foi respeitado todos os procedimentos de proteção individual e distanciamento social- nesse momento esclareceu-se os objetivos da pesquisa e da importância da contribuição dos mesmos ao considerar sua formação e experiência assistencial, e foi entregue o Registro de consentimento livre e esclarecido. 4.1.2.2 Coleta de Dados do Grupo Focal Realizou-se duas sessões do grupo focal com integrantes distintos, que foram gravadas por meio de vídeos, cada encontro teve duração média de 45 minutos, quando se atingiu a saturação teórica, esses ocorreram entre agosto e setembro de 2021. Dessa forma, o primeiro grupo constituiu-se de sete participantes e o segundo de seis, em concordância com as orientações dispostas na literatura, que estabelece a necessidade de pelo menos seis e no máximo 15 participantes por grupo para garantir a viabilidade do método (BACKES et al., 2011). Quanto aos encontros, nos dois grupos incitou-se o diálogo com o seguinte questionamento: quais ações vocês já executam para o cuidado seguro de enfermagem e quais ações vocês acham que deveriam ser executadas e ainda não são, como e por quê? Destaca-se que foram consideradas tanto as respostas verbalizadas quanto as escritas no chat. 39 4.1.2.3 Análise dos Dados do Grupo Focal No que concerne a análise dos dados, todas as falas foram transcritas para a análise lexicográfica com apoio do software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionneires (IRAMUTEQ). Para o tratamento dos dados utilizou-se a classificação Hierárquica Descendente e análise de similitude. As informações obtidas sobre a caracterização dos profissionais foram tabuladas e organizadas em uma planilha no Microsoft Excel 2010®. 4.2 PROCEDIMENTOS EMPÍRICOS 4.2.1 Construção do Protocolo Com suporte dos dados da Scoping Review e do grupo focal iniciou-se o processo de elaboração do protocolo gráfico para o cuidado seguro ao paciente com alteração no estado mental organizado em estrutura, processo e resultado de acordo com os princípios de Donabedian (1980), embasado nas etapas e critérios sugeridos por Paquali et al (2010) e pelo Suitability Assessment of Materials (SAM) (SOUSA; TURINI; POVEDA, 2015). O protocolo é representado por formas geométricas, cada uma com significado específico, de forma a caracterizar sua aparência gráfica e viabilizar uma comunicação clara e efetiva (PIMENTA et al., 2017). Como apresentado no Quadro 2. Quadro 2 - Elementos gráficos empregados na construção do protocolo gráfico, Natal/RN, 2021 FORMA GRÁFICA SIGNIFICADO Indica início e fim do processo 40 Indica ação Indica momentos de tomada de decisão, questionamento Indica documentos ou relatórios que apoiam o processo Indica arquivos que podem ser acessados para consolidar o processo Conecta os processos ou indica continuação Indica direções a serem seguidas ____________ Indica caminho a ser seguido ------------------- Conecta a uma caixa explicativa Fonte: Pimenta et al., 2017. 4.2.2 Validação de Conteúdo e Aparência Para a avaliação do conteúdo do protocolo foram considerados como referência os doze critérios estabelecido por Pasquali et al. (2010), expostos no Quadro 3. Quadro 3 - Critérios adaptados de avaliação do conteúdo do protocolo gráfico, Natal/RN, 2021 Critério de análise Requisitos para avaliação Comportamental O protocolo é aplicável, com orientações claras e precisas Objetividade É possível alcançar o objetivo proposto por meio das instruções fornecidas Simplicidade O protocolo apresenta uma ideia central e contínua Clareza O conteúdo é entendível, simples, claro e inequívoco Relevância O protocolo é relevante e atende a finalidade proposta 41 Precisão Os itens existentes no protocolo são distintos e não favorece confundimento Variedade A linguagem do protocolo é apropriada Modalidade O vocabulário é adequado e não gera entendimento ambíguo Tipicidade O conteúdo apresenta expressões em concordância com a temática Credibilidade O protocolo apresenta uma atitude favorável de utilização e compreensão do conteúdo Amplitude O protocolo é prospectivo suficientemente para compreensão da temática Equilíbrio O conteúdo proposto apresenta-se de forma equilibrada e conexa Fonte: Adaptado de Pasquali et al., 2010. No escopo de subsidiar a validação da aparência utilizou-se as categorias proposta pelo referencial Suitability Assessment of Materials (SAM), conforme detalhado no Quadro 4 (SOUSA; TURINI; POVEDA, 2015). Quadro 4 - Categorias do Suitability Assessment of Materials(SAM), Natal/RN, 2021 EIXOS E ITENS DO SAM EIXOS E ITENS ADAPTADOS Conteúdo -O propósito está evidente; -O conteúdo trata de comportamentos; -O conteúdo está focado no propósito; -O conteúdo destaca os pontos principais Conteúdo -O conteúdo atende as necessidades do público-alvo; -O conteúdo do protocolo é coerente com a proposta; -O conteúdo retrata os principais aspectos relevantes para avaliação do cuidado seguro aos pacientes com transtornos mentais Linguagem -Nível de leitura; -Usa escrita na voz ativa; -Usa vocabulário com palavras comuns no texto; -O contexto vem antes de novas informações -O aprendizado é facilitado por tópicos. Linguagem -A linguagem do protocolo é compatível com o público-alvo -Os termos são atrativos e não cansativos -Existe clareza e objetividade Ilustrações