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Hipnose e Controle da Dor - Hipnose Desconhecido

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Assim, ao invés de prescrever “deixe seu corpo aqui e vá para outro lugar”, o terapeuta pode 
contar a história de alguém que “vivia uma intensa dor de cabeça, mas distraiu-se diante da TV, que 
seu corpo ficou ali parado e, de repente, ela deixou tudo para 
trás (inclusive sua dor) e viu-se num lugar muito agradável e prazeroso.” 
Daí a importância de que, por um lado, a história possa incluir a forma de o paciente desenvolver seu 
raciocínio. 
 
Pense que da mesma forma que você superou vários desafios na sua vida, você é capaz de superar 
esta dor. Imagine que você seja uma pessoa co intensa dor no braço esquerdo que acabou se 
distraindo diante da TV, com seu corpo ali parado e, de repente, deixou tudo pra trás (inclusive sua 
dor) e viu-se num lugar muito agradável e prazeroso. Pense neste lugar como sendo um local que lhe 
traz somente boas sensações. 
Relaxe. 
Toda vez que você sentir a dor no braço você vai se lembrar somente das sensações que este lugar 
lhe traz. 
“Deve ficar surpreendido ao dar-se conta de como a sensação está muito menos intensa do 
que aquilo que esperava, como ela tende a ser apenas calor… À medida que o tempo 
passa, você pode diminuir a intensidade da sua sensação, tal como se diminuísse o volume 
do rádio.” 
“Durante a estimulação, uma sensação de bem-estar surgirá em toda a sua mão e braço… 
a sua experiência será surpreendentemente mais agradável… surpreendentemente mais 
confortável… surpreendentemente mais relaxada do que você esperava que fosse. Quando 
você sente o estímulo, você pode sentir também um bem-estar que rapidamente se difunde 
pela sua mão… pelo seu braço… por todo o seu corpo… em toda a sua experiência.” 
A eficácia das sugestões depende, entre outros factores, da compreensão que o terapeuta 
tem das necessidades do paciente (autonomia ou dependência, firmeza ou gentileza, 
clareza ou ambiguidade, etc). Isto é, o paciente sentir-se-á melhor se o terapeuta se 
relacionar com ele como um igual ou como uma autoridade? O paciente responderá 
melhor ao tratamento se a intervenção for colocada em termos de treino de aptidões ou 
em termos de uma experiência de alteração do estado de consciência? Até que ponto é 
que o paciente é ambivalente em relação a experienciar uma redução na sua dor? Que 
consequências deve o terapeuta esperar se o paciente sentir menos dor e sofrimento? A 
redução da dor deve ser sugerida para ocorrer em termos imediatos ou mediatos? 
Outro aspecto fundamental a ter em conta na escolha das sugestões é a fenomenologia da 
dor. Como é que o doente experiencia a dor (quando e como começou, o local de início, se 
há irradiação, o tempo de duração, a intensidade subjectiva para o paciente, a etiologia) e, 
especialmente, qual o significado da dor para o paciente (as qualidades afectivo-
emocionais). 
A dor piora com a actividade? A dor piora com certos estados de humor? A dor constitui 
uma ameaça à vida do paciente? Uma ameaça ao seu sentido do self (identidade)? A dor 
lembra ao paciente o trauma que lhe causou a dor? O paciente pensa que alguém mais é 
responsável pela sua dor (como é o caso de alguém que sofre um acidente devido a um 
condutor embriagado)? Se é o caso, o paciente sente-se vitimizado pela doença? A dor 
significa, para o paciente, que a vida nunca mais poderá ser feliz, gratificante ou 
significativa? A dor significa que o paciente nunca mais poderá experienciar certas 
actividades? A dor significa que o doente espera o aumento da sua incapacidade e/ou a 
morte? O paciente recebe compensações pela sua dor? 
 
Apresentamos aqui alguns dos principais tipos de sugestões hipnóticas utilizadas no 
tratamento da dor, a saber, as sugestões de substituição das sensações, de deslocamento da 
dor, de diminuição da intensidade da sensação e/ou do afecto associado à dor e de 
dissociação das sensações de dor. Segue-se uma breve explicação de cada um desses tipos, 
assim como um exemplo demonstrativo do mesmo. 
 
Substituição das sensações. Na medida em que a nossa imaginação pode alterar a 
intensidade da dor percebida, pode também alterar a qualidade sensorial percebida, 
resultando numa re-interpretação das sensações que as torna mais toleráveis. A sensação de 
queimadura intolerável, por exemplo, pode ser substituída por uma sensação de calor. A 
nova sensação não tem necessariamente de ser prazerosa mas apenas mais tolerável do que 
a sensação original. 
 
Um exemplo de sugestões para substituição de sensações pode ser o seguinte: 
“Essas sensações agudas no seu ombro, que (nome do paciente) descreve como “uma 
navalha afiada, cortante”, vai começar a senti-las de um modo peculiarmente diferente nos 
próximos instantes. Não sei exactamente como vai senti-las. É como se, primeiro, a 
sensação lancinante se tornasse mais e mais atenuada… como se a sensação se tornasse 
menos profunda, talvez. Ou, talvez se tenha começado a dar conta que a regularidade, a 
estabilidade das sensações tenha começado a mudar… como se elas se transformassem em 
ondas agora… estranho, ondas não totalmente agradáveis de fraca pressão.” 
 
Deslocamento das sensações. O deslocamento das sensações de uma área do corpo para 
outra é outro exemplo de modulação perceptual. O deslocamento é particularmente 
apropriado quando a dor é bem localizada e intolerável primeiro que tudo devido à sua 
localização. A dor central (ex: abdómen) é menos tolerável do que a dor periférica (ex: 
perna). É também uma técnica útil para aumentar a confiança de um paciente céptico acerca 
da sua capacidade para alterar a dor. 
 
Um exemplo de sugestões para substituição de sensações pode ser o seguinte: 
“(Nome do paciente) já notou provavelmente que a dor se move, às vezes um pouco, outras 
vezes surpreendentemente… (nome do paciente) pode começar a dar-se conta de que à 
medida que eu falo consigo, o movimento parece tornar-se mais apreciável… e que se move 
de um modo circular, como uma espiral. Espiralando para fora, sempre para fora, às vezes 
tão devagar que é quase como se não estivesse a acontecer. Se tomar atenção ao 
movimento, ainda, pode dar-se conta que a sensação parece mover-se para fora do centro 
do seu ventre, espiralando sempre para fora; e parece ter alcançado a sua mão esquerda. 
Parece ser a mesma sensação… e, por alguma razão, parece menos perturbadora, mais 
tolerável” 
 
Diminuição da intensidade e/ou do afecto. Um exemplo de sugestões para reduzir a 
componente sensorial da dor pode ser o seguinte: 
“Lembra-se que classificou a intensidade da sua dor como “7”. Crie na sua mente uma 
imagem do “7”. Está a vê-la? Ok! O número que vê é o número que sente. E o número que 
sente está a tornar-se mais e mais pequeno. Agora, note, à medida que vê o “7” mais 
próximo, observe como ele começa a mudar. Dê-se conta de como os ângulos agudos do 
“7” começam a suavizar-se, a transformar-se numa curva. Diga-me quando começar a 
notar que o “7” começa a tornar-se num “6”. (O paciente diz estar a ver o “6”.) Ok. Agora, 
à medida que continuamos, dê-se conta de como a bola do “6” se separa e, lentamente, se 
torna... que número vê agora? (O paciente diz: “5”.) Ok. E diga-me agora, sente-se igual 
ou diferente de quando começámos?” 
 
Esta conversa pode continuar, com o terapeuta a guiar o paciente a experienciar uma dor 
cada vez menos intensa. De acordo com a fenomenologia da dor do paciente, podem ser 
usadas esta ou outras metáforas como baixar o volume, reduzir a intensidade, regular o 
brilho (luz), refrigerar o calor, etc. 
 
As mesmas sugestões podem focar-se na componente afectiva da dor. Neste caso, a redução 
da componente sensorial não está em causa. O que importa é que as sensações não sejam 
percebidas como desprazerosas ou perturbadoras, e que o paciente não experiencie 
sofrimento. Essencialmente, o terapeuta comunica a ideia de que, seja qual for a sensação 
que o paciente tenha, ela não causa desprazer nem dano. 
 
Dissociação das sensações de dor. Neste caso, a dor é percepcionada e pode ser descrita de 
um modopreciso pelo paciente, mas este não vivencia sofrimento nem preocupação acerca 
da dor. A dissociação é útil quando o paciente se encontra relativamente imóvel (cirurgia, 
exame médico doloroso ou doença que obriga a estar acamado). 
 
Um exemplo de sugestão para evocar dissociação é o seguinte: 
“Não é necessário para (nome do paciente) ficar aqui na cama consciente de toda a rotina 
hospitalar. Eu ficaria positivamente surpreendido se o (nome do paciente) preferisse 
desfrutar uma espécie de férias desta sala. Pode imaginar-se, por exemplo, a sair da sala, 
ir ao longo do corredor, passar o hall e decidir ir ao solário. Ou, mais tarde, pode preferir 
sentir-se como se estivesse a desfrutar uma agradável tarde de sol na praia. (Devem usar-
se lugares e/ou situações que o paciente tenha referido gostar). O seu corpo pode ficar 
aqui, na cama, para assegurar que todos os cuidados lhe serão prestados; mas a sua mente 
pode levá-lo para longe, e apreciar tudo o que lhe é agradável, sem nada a perturbá-lo.” 
 
Os dois exemplos seguintes referem-se a dores específicas, respectivamente, dor de cabeça 
e dor neuropática facial (nevralgia do trigêmeo). Neles estão aplicadas as estratégias 
referidas acima. 
“À medida que ouve o som da minha voz, dá-se conta que as sensações de dor (de pressão 
ou outra que o paciente experiencie) estão quase no centro da sua consciência. Pode ouvir 
a minha voz e tomar atenção a essas sensações. Na medida em que o faz, nada mais parece 
importar. Tudo o resto se desvanece. (Nome do paciente) ouve a minha voz, compreende as 
minhas palavras, sente as sensações na sua cabeça e nada mais importa. Dê-se conta de 
como essas sensações parecem mudar à medida que eu falo. Dê-se conta que elas parecem 
desvanecer-se, desaparecer gradualmente, momentaneamente, com cada palavra. Ou dê-se 
conta que elas parecem mover-se, quase em espiral, cada vez que eu falo. Eu não sei 
exactamente como se dá conta que essas sensações mudam, mas eu espero que (nome do 
paciente) tenha curiosidade e interesse em dar-se conta.” 
“É curioso que essas sensações dolorosas na sua cara estejam a começar a mudar. Eu 
gostaria que ficasse particularmente atento ao modo como elas ficarão diferentes no futuro. 
Por exemplo, dê-se conta que no instante em que sente essa sensação de electricidade 
imediatamente abaixo do seu olho, no instante imediatamente a seguir, o que sentirá será 
mais uma estranha mas leve sensação… quase como se alguém movesse uma pena ao longo 
da sua face. Ou, pode notar que a sensação dolorosa parece “querer começar”, mas 
simplesmente não consegue começar. Como se essas sensações se tornassem cada vez mais 
fracas. E logo, logo será muito difícil mesmo senti-las. Ou, pode dar-se conta que aprendeu 
uma espécie de controlo sobre as sensações dolorosas da sua face. Da próxima vez que 
sentir uma, pode fazer uma respiração profunda, mantê-la por um momento, e depois, à 
medida que deixa sair o ar, dar-se conta que está também a deixar a dor ir-se embora… 
quase como se estivesse a respirá-la para fora, a expirá-la. E pode continuar a respirá-la 
para fora, em cada respiração, de tal modo que se sentirá melhor, cada vez melhor. E pode 
apreciar a descoberta do quanto pode contribuir para se sentir bem.” 
 
O uso da hipnose no controlo da dor implica o uso de um conjunto de estratégias que visam 
devolver ao paciente o domínio da situação. Sendo que se trata de uma técnica que pode ser 
aprendida e utilizada pelo próprio doente (auto-hipnose), é um excelente método 
complementar e, por vezes, até alternativo ao uso de fármacos. 
 
Conclusão 
De tudo o que até aqui foi exposto, gostaríamos de realçar alguns pontos sobre o que de 
mais relevante se sabe hoje sobre analgesia hipnótica: 
A analgesia hipnótica pode implicar diferentes processos psicológicos e neurológicos, mas 
uma única intervenção hipnótica pode agir nesses vários processos. São eles: 
1) A redução selectiva da dor afecto (dor desprazer) através de mudanças no significado das 
sensações e dos contextos em que elas ocorrem. É possível que pouca ou nenhuma hipnose 
seja necessária para este tipo de mudança, embora ela deva ser parte integrante de qualquer 
intervenção hipnótica. 
2) A redução da dor sensação através de mecanismos que fazem divergir a dor da 
consciência, uma vez que a informação nociceptiva tenha atingido os altos centros. Na 
medida em que esta componente está presente no indivíduo, os reflexos somatomotores 
normais e as respostas autonómicas, neuroendócrinas e neuroimunológicas da dor não são 
atenuadas, pelo que as respostas de stresse associadas à dor continuam a ocorrer. 
3) A inibição dos sinais da dor ao nível da espinal medula. Ao contrário do mecanismo 
anterior, as respostas fisiológicas negativas da dor são aqui atenuadas, desde que a inibição 
dos sinais da dor interrompa a activação supra-espinal das estruturas cerebrais implicadas 
nessas respostas. 
Diferentes indivíduos utilizam diferentes proporções destes mecanismos. 
Como têm demonstrado os estudos sobre analgesia hipnótica, é o conteúdo das sugestões 
hipnóticas que determina a dimensão da dor a ser modulada. Pelo que os estudos futuros 
sobre analgesia hipnótica deveriam centrar-se fundamentalmente nas mensagens sugeridas 
sob hipnose no sentido de se aumentar a sua eficácia terapêutica. 
Mais do que factores básicos como a nocicepção ou a responsividade hipnótica, importa ter 
em conta factores experienciais e psicossociais para se perceber o que torna, ou não, o 
tratamento eficaz. Por exemplo, os autores abordados neste artigo têm vindo a estudar 
factores experienciais como a “automaticidade percebida” e o “nível de absorção” 
(“focalização da atenção”). Uma hipótese colocada por eles é a de que o efeito das 
sugestões possa depender, entre outros factores, do modo pelo qual as sugestões, implícita 
ou explicitamente, se referem à fonte da mudança experiencial, que é, em termos 
hipnóticos, automática e sem esforço. Esta ideia, aparentemente simples, poderá fornecer 
uma base importante aos terapeutas para criarem sugestões de analgesia eficazes. 
A responsividade hipnótica, ao contrário, ao revelar-se não relacionada com a redução da 
dor afecto, não é um factor crítico no tratamento hipnótico, na medida em que não são 
apenas os indivíduos altamente responsivos que podem beneficiar deste tipo de tratamento. 
A hipnose tem, como vimos, além de um grande potencial enquanto técnica terapêutica, um 
grande potencial como método experimental para investigar os processos neurológicos e 
psicológicos das dimensões da dor. Note-se que o conhecimento dos processos neurológicos 
e psicológicos presentes na analgesia hipnótica implica o estudo em sujeitos humanos mas a 
sua aplicação reverte directamente sobre eles. 
O modelo de hipnose aqui apresentado não é o único nem necessariamente o melhor. O seu 
valor advém do facto de ter sido testado experimentalmente, tendo portanto alguma 
sustentação empírica. Advém-lhe também do facto de tentar integrar dados e teorias 
psicológicos (e.g. atenção, memória, representação, auto-imagem, consciência, 
intencionalidade) e neurológicos. 
A investigação nesta área está ainda no início mas já se conhece o suficiente para se 
perceber que a complexidade dos processos implicados na analgesia hipnótica é claramente 
grande e que, portanto, a hipnose e a analgesia hipnótica não podem continuar a ser 
reduzidas a leituras de senso-comum do tipo “acredito” ou “não acredito” ou ainda “isso é 
algo mágico e incompreensível”. O trabalho por fazer é imenso…

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