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Romanescoscenatransbordamentos-CAóndido-2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CCHLA – DEPARTAMENTO DE LETRAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM 
 
 
 
 
ISAMABÉLI BARBOSA CANDIDO 
 
 
 
 
Do Romanesco à Cena: transbordamentos infinitos em Querô, 
uma reportagem maldita de Plínio Marcos 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL – RN 
2018 
 
 
Isamabéli Barbosa Candido 
 
 
 
 
 
Do Romanesco à Cena: transbordamentos infinitos em Querô, 
uma reportagem maldita de Plínio Marcos 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
em Estudos da Linguagem do Departamento de 
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, como exigência parcial para a obtenção do 
título de Doutora em Literatura Comparada. Linha 
de Pesquisa: Poéticas da Modernidade e da Pós-
Modernidade. 
Orientador: Dr. Alex Beigui de Paiva Cavalcante 
 
 
 
 
NATAL – RN 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA 
 
 Candido, Isamabéli Barbosa. 
 Do romanesco à cena: transbordamentos infinitos em Querô, uma 
reportagem maldita de Plínio Marcos / Isamabéli Barbosa Candido. 
- 2018. 
 189f.: il. 
 
 Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de 
Pós-graduação em Estudos da Linguagem. Natal, RN, 2018. 
 Orientador: Prof. Dr. Alex Beigui de Paiva Cavalcante. 
 
 
 1. Querô. 2. Rapsódia. 3. Trágico do Quotidiano. 4. Adaptação 
de Romance. 5. Apropriação (Arte). I. Cavalcante, Alex Beigui de 
Paiva. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 82.091-1 
 
 
 
 
 
Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748 
 
 
 
ISAMABÉLI BARBOSA CANDIDO 
 
DO ROMANESCO À CENA: TRANSBORDAMENTOS INFINITOS EM 
QUERÔ, UMA REPORTAGEM MALDITA DE PLÍNIO MARCOS 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para a obtenção 
do título de Doutora em Literatura Comparada. Linha de Pesquisa: Poéticas da 
Modernidade e da Pós-Modernidade. 
 
Banca Examinadora: 
________________________________________ 
Prof. Dr. Alex Beigui de Paiva Cavalcante 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
 Orientador 
 
_________________________________________ 
Profa. Dra. Marta Aparecida Garcia Gonçalves 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Avaliadora 
 
________________________________________ 
 Profa. Dra. Monize Oliveira Moura 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Avaliadora 
 
______________________________________ 
Profa. Dra. Rebeka Caroças Seixas 
Instituto Federal do Rio Grande do Norte 
Avaliadora 
 
___________________________________ 
Profa. Dra. Vera Regina Martins Collaço 
Universidade do Estado de Santa Catarina 
Avaliadora 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao meu avô, Sr. Zé Cândido, pela força que tem demonstrado. 
 
 
 
 
Agradecimentos 
 
 Agradeço, antes de todos e de tudo, a Deus por me permitir escrever além das 
linhas que se seguem uma Tese da vida, como costumava dizer, de aprendizados que 
pude colher ao longo desses anos e que levarei para sempre. 
Ao mestre Jesus, nosso Sol de grandeza maior e a toda a espiritualidade amiga 
que aliviaram a tensão e o sofrimento me permitindo aprender a confiar cada vez mais, 
por todo amor. 
Aos meus pais que se esforçaram e se sacrificaram quando precisei morar em 
Natal ainda sem bolsa. Por me fazerem acreditar que é possível e mostrar a importância 
do conhecimento. Aos meus irmãos, Neto, Erivelton e Mariéli que tanto me ajudaram e 
se doaram, muitas vezes seguindo viagem comigo para que eu não perdesse aula. Aos 
meus pequenos, minha fonte de energia e de vida, Maísa, Miguel, Michel, Heloísa e 
Eduarda, pela significativa contribuição, principalmente, na escrita da Tese da vida. Aos 
familiares, avós, tios, primos, cunhadas e cunhado que acreditam no meu potencial e por 
todo incentivo em dias de desânimo. 
Ao meu companheiro, amigo, amor, Danilo Losada, que chegou quando a 
caminhada do doutorado já havia iniciado e me trouxe aconchego e paz. Pela 
compreensão quando precisei me isolar, por segurar em minha mão sempre que me 
faltou força e pela família que estamos construindo. 
Ao meu orientador Dr. Alex Beigui, não apenas pelas orientações e contribuição 
para a construção da Tese, mas, pelo professor apaixonado que é pela profissão, por 
dividir comigo sua experiência em sala de aula. 
Aos jovens, crianças e à equipe de evangelizadores do Nosso Lar, Adalberto, 
Catarina, Cris, Dani, Eduardo, Flávia, Graça e Tiana pelo companheirismo, incentivo e 
apoio. 
A banca de qualificação, Rebeka Caroças e Márcio Venício, pelo olhar atento 
que fizeram a diferença para que conseguisse concluir. 
Ao professor Edvaldo, Beth e Gabriel, por estarem sempre abertos a nos receber 
e dispostos a ajudar. 
 
 
Aos que fazem o Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, por 
abrirem suas portas e nos tornarem pessoas de casa. 
Aos amigos de hoje e de sempre, Thereza, Ana, Maísa, Maria da Luz, o Velho, 
Sr. Leopoldo, Eulália e aos queridos professores do programa Marta Gonçalves, 
Rosanne e Ilza Matias. 
À Capes que não imagina o quanto agradeço a ajuda que tornou o fim desse 
sonho possível. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Este trabalho faz uma reflexão teórica de aspectos relativos à nova forma dramatúrgica, 
em desenvolvimento no teatro brasileiro moderno e contemporâneo, trata-se de um 
estudo, a partir das leituras de Querô, uma reportagem maldita, de Plínio Marcos (1992, 
2003, 2009). Compara-se, neste percurso, a adaptação do romance pelo próprio Plínio 
Marcos para o texto dramatúrgico e a apropriação, nos termos de Beigui (2006), que 
culmina no espetáculo, elaborado pelo grupo teatral de São Paulo, o Galpão Folias 
d‟Arte, com o objetivo de discutir criticamente as leituras e construção dessas 
produções. Observou-se que o processo apropriativo resulta em uma forma 
dramatúrgica profundamente ligada às propostas de Jean-Pierre Sarrazac (2000, 2011, 
2012), uma vez que aponta para o “rapsódico”, sobretudo porque se percebe nas várias 
leituras de Querô uma forma mais livre, cujos limites entre mimese e diegese estão 
tênues, como um conceito que amplia a mudança de paradigma, o “drama- da- vida” 
(termo do próprio Sarrazac). Pesquisa-se também sobre a romancização, uma vez que o 
conceito de “rapsódia”, pensado por Sarrazac (2002; 2012), de algum modo, está 
relacionado à discussão apresentada por Bakhtin (1998) sobre a “romancização”. Esta 
Tese, incluída no âmbito dos estudos comparativos, devido apresentar um caráter 
intermidial, propõe discutir, através da análise/comparação de Querô, os elementos do 
trágico, tendo em vista que, nela, se defende a presença de um “trágico do quotidiano” 
bem como, conforme Sarrazac (2013), a presença do homem comum, o impersonagem 
que vai sustentar o princípio do trágico no autor trabalhado. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Querô; rapsódico; trágico do quotidiano; adaptação; 
apropriação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This work seeks to make a theoretical reflection on aspects related to the new 
dramaturgic forms, in development in modern and contemporary Brazilian theater, it is 
a study, with several readings of Querô, a cursed report, by Plínio Marcos (1992, 2003, 
2009). A comparsion is made, from the adaptation of the novel by Plínio Marcos 
himself to the dramaturgical text and of the appropriation, in the terms of Beigui (2006), 
that culminates in the spectacle, elaborated by the theatrical group of São Paulo, the 
Galpão Folias d’Arte, with The objective ofcritically discuss the readings and 
construction of these new productions. In this sense, it was observed that the 
appropriative process results in a dramaturgical form that is deeply linked to the 
proposals of Jean-Pierre Sarrazac (2000, 2011, 2012), since it points to the "rhapsodic", 
especially since it is perceived in the various readings of Querô a freer form, in which 
the boundaries between mimesis and diegesis are tenuous, as a concept that extends the 
paradigm shift, the "drama-of-life" (Sarrazac's own term). In this way, we also discuss 
about romanticise, since the concept of "rhapsody", by Sarrazac (2002, 2012), is related 
to Bakhtin's (1998) discussion of "romantisizing". So that this thesis, included in the 
scope of the comparative studies due to present an intermidial character, proposes to 
discuss through the analysis / comparison of Querô, the tragic elements in the works, 
considering that the presence of a “tragic quotidian" as well as, according to Sarrazac 
(2013), the presence of the common man, the impersonnage that will sustain the tragic. 
 
KEY WORDS: Querô; rhapsodic; tragic quotidian; adaptation; appropriation. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMEN 
 
Este trabajo busca hacer una reflexión teórica de aspectos relativos a las nuevas formas 
dramatúrgicas, en desarrollo en el teatro brasileño moderno y contemporáneo, se trata 
de una obra, con varias lecturas de Querô, un reportaje maldito, de Plínio Marcos (1992, 
2003, 2009 ). Se comparó, en este ensayo, a partir de la adaptación de la novela por el 
propio Plinio Marcos para el texto dramatúrgico y la apropiación, en los términos de 
Beigui (2006), que culmina en el espectáculo, elaborada por el grupo teatral de São 
Paulo, el Galpão Folias d’Arte, con el objetivo de discutir críticamente las lecturas y la 
construcción de esas nuevas producciones. En ese sentido, se observó que el proceso 
apropiativo resulta en una forma dramatúrgica profundamente vinculada a las 
propuestas de Jean-Pierre Sarrazac (2000, 2011, 2012), ya que apunta al "rapsódico", 
sobre todo porque se percibe en las varias lecturas de Querô una forma más libre, en 
que los límites entre mimese y diegese son tenues, como un concepto que amplía el 
cambio de paradigma, el "drama de la vida" (término del propio Sarrazac). Por lo tanto, 
se discurre también sobre la romanciación, ya que el concepto de "rapsodia", pensado 
por Sarrazac (2002; 2012), de algún modo, está relacionado con la discusión presentada 
por Bakhtin (1998) sobre la "romancización". De modo que esta tesis, incluida en el 
marco de los estudios comparativos, debido a presentar un carácter intermedio, propone 
discutir, a través del análisis / comparación de Querô, los elementos del trágico en 
Querô, teniendo en vista que se defiende la presencia de un "trágico de la vida cotidiana 
"así como, según Sarrazac (2013), la presencia del hombre común, el impersonaje que 
va a sostener lo trágico. 
 
PALABRAS CLAVE: Querô; rapsódico; trágico de la vida cotidiana; adaptación; 
apropiación. 
 
 
 
 
 
 
 
 
ÍNDICE DE FIGURAS 
 
 
FIGURA 01 – A Cantora e a banda do Cabaré Leite da Mulher Amada ................... 157 
FIGURA 02 – Primeira Cena ..................................................................................... 159 
FIGURA 03 – Cena do conflito entre Querô e os policiais ........................................ 159 
FIGURA 04 – Cena entre Querô e a Repórter ............................................................ 160 
FIGURA 05 – O coro de prostitutas do Cabaré Leite da Mulher Amada .................. 161 
FIGURA 06 – O fantasma de Leda ............................................................................ 164 
FIGURA 07 – Conflito entre Neslão, Sarará e Querô ................................................ 165 
FIGURA 08 – Encontro entre Querô e Tainha ........................................................... 165 
FIGURA 09 – Batismo de Querô ............................................................................... 166 
FIGURA 10 – Diálogo entre “Tainha de Jesus” e Querô ........................................... 167 
FIGURA 11 – Morte de Querô ................................................................................... 167 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13 
CAPÍTULO 1 
QUERÔ: UM TRÁGICO DO QUOTIDIANO ........................................................................ 24 
1.1 QUALQUER TEATRO É O MEU TEATRO ............................................................... 24 
1.2 O NASCIMENTO DE UM TRÁGICO DO QUOTIDIANO ........................................ 30 
1.3 IMPERSONAGEM E FAIT DIVERS .............................................................................. 50 
1.4 QUERÔ: SUBALTERNIDADE, MARGINALIDADE E MULTIDÃO ..................... 56 
CAPÍTULO 2 
ENTRE LIMITES: ADAPTAÇÃO E APROPRIAÇÃO ......................................................... 62 
2.1. O SURGIMENTO DE UM DIÁLOGO ........................................................................ 62 
2.2. ADAPTAÇÃO TEXTUAL: DO ROMANCE À CENA ............................................... 71 
2.3. APROPRIAÇÃO CÊNICA: DA PEÇA AO PALCO ................................................... 83 
CAPÍTULO 3 
UMA FORMA MAIS LIVRE DO DRAMA ........................................................................... 93 
3.1 ROMANCE, OBRA HÍBRIDA E ROMANCIZAÇÃO: CAMINHOS PARA O 
RAPSÓDICO ........................................................................................................................... 93 
3.1.1 ROMANCIZAÇÃO ................................................................................................... 103 
3.2 A MUTAÇÃO DA FORMA DRAMÁTICA .............................................................. 109 
3.2.1 O RAPSÓDICO EM QUERÔ, UMA REPORTAGEM MALDITA ............................ 115 
3.2.2 A PERSONAGEM NO TEATRO ............................................................................. 124 
3.2.3 DIÁLOGO E DIALOGISMO ................................................................................... 135 
CAPÍTULO 4 
O TEATRO QUE SE QUER FAZER: GRUPO GALPÃO FOLIAS d‟ARTE ..................... 140 
4.1 TEATRO - CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................. 140 
4.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA HISTÓRIA ....................................................................... 142 
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 169 
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 174 
7 - ANEXOS ........................................................................................................................... 184 
7.1 FICHA TÉCNICA ............................................................................................................ 185 
7.2 CRONOLOGIA DO TEATRO ADULTO – PLÍNIO MARCOS ................................... 186 
7.3 PROGRAMA DO ESPETÁCULO .................................................................................. 188 
7.4 MANUSCRITO ................................................................................................................ 189
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Durante nossa pesquisa, a proposta inicial de estudar aspectos da obra de Plínio 
Marcos, Querô, uma reportagem maldita à luz das teorias desenvolvidas por Sarrazac 
(2002; 2013a), as noções de “rapsódico” e o “trágico do quotidiano”, bem como uma 
leitura que compara pela diferença a partir do conceito de apropriação, com base em 
Beigui (2006) e Sanders (2015), se deparou com a falta de outros parceiros teóricos que 
nos ajudassem ainda mais a fundamentaro que estávamos querendo defender. 
Dessa forma, nosso primeiro passo ao ter em mãos o texto dramatúrgico Querô, 
uma reportagem maldita (1979) de Plínio Marcos foi pensar o lugar dessa obra no 
teatro moderno e contemporâneo brasileiro. Assim, as primeiras leituras despertaram 
nosso interesse, levando-nos a inquietações que começaram desde os estudos iniciados 
no ano de 2011, no projeto de Mestrado
1
. Desse modo, em nossas primeiras reflexões 
observamos que a obra não correspondia às exigências das formas dramatúrgicas 
conforme preconizadas pelas clássicas teorias dos gêneros. 
 A partir de uma reportagem, Plínio escreve a história de um menor abandonado, 
nascido e criado por entre o Cais do Porto e os cabarés da cidade de Santos em São 
Paulo. A teia de complexidades que se forma em Querô
2
 é representada a partir de cada 
personagem que caracteriza a figura do homem moderno revelando, assim, através dos 
contrastes e dos vazios, a forma estética do caos contemporâneo. Uma teia composta 
por elementos comuns como: o menino que abandona a infância e junto ao bando do 
Tainha ganha maturidade assumindo de vez o nome Querô; o lugar que torna-se o palco 
onde acontecem as confusões, “O leite da Mulher Amada”, o cenário perfeito para a 
personagem Cantora entoar para os fregueses a dor de uma vida; no cabaré somos 
levados a conhecer Leda e sua forte vontade de ser mãe, a amizade com Ju e toda a 
briga com Violeta, a cafetina encurralada pelas mulheres – primeira, segunda e terceira 
mulher – uma espécie de coro formado para alertar Leda sobre os perigos que o filho de 
 
1
 Dissertação denominada Salmo 91: formas narrativas, adaptação e dramaturgia contemporânea no 
Brasil orientada pelo Porfessor Dr. Diógenes André Vieira Maciel pela Universidade Estadual da Paraíba 
(UEPB), defendida no ano de 2013 e desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Literatura e 
Interculturalidade (PPGLI/UEPB). 
2
 Iniciamos a apresentação da obra a partir do texto dramatúrgico por ser o primeiro texto com que 
tivemos contato. 
14 
 
uma prostituta pode sofrer; o Repórter, escalado para fazer a cobertura do caso e 
escrever sobre a reportagem maldita, surge como aquele que auxilia Querô na 
rememoração dos fatos; e, por fim, o núcleo dos perseguidores do menino, os policiais, 
Nelsão e Sarará e, com uma passagem rápida, o Delegado. 
Para tanto, continuamos as pesquisas já iniciadas, visto constatar a necessidade 
de alimentar debates mais amplos em torno da dramaturgia e do teatro, bem como entre 
conceitos como de adaptação e de apropriação. O título “Do Romanesco à Cena: 
transbordamentos infinitos em Querô, uma reportagem maldita de Plínio Marcos” está 
associado à ideia de extravasamento, da mescla entre os gêneros, bem como aos 
desdobramentos e as várias leituras de Querô
3
, uma vez que utilizamos como corpus da 
pesquisa o romance (1976) e a adaptação
4
 para teatro (1979), ambos de mesmo título 
Querô, uma reportagem maldita escritos por Plínio Marcos, bem como o espetáculo 
Querô, uma reportagem maldita (2009) encenado pelo Grupo Teatral Galpão Folias 
d‟Arte
5
 e dirigido por Marco Antônio Rodrigues
6
. 
O mote inicial do nosso estudo é a reflexão sobre o drama moderno e 
contemporâneo, principalmente, porque as novas produções exigem uma linguagem que 
acompanhe os dramas do homem moderno e contemporâneo e os anseios de tradução
7
 
desse ser em uma sociedade sempre em transformação. Para acompanhar as mudanças 
que se davam no campo filosófico, das ciências e das ideologias, no final do século XX, 
de certo modo, foi necessário reconstruir os novos modos de vida da sociedade nos 
palcos. Nesse sentido, o “drama moderno” surge quando o teatro começa a ganhar 
outras interpretações de seus dramaturgos, cada um especificando e recriando sua arte. 
 
3
 Valemo-nos do estilo da fonte itálico para nos referir a obra, Querô, diferenciando do nome da 
personagem Querô. 
4
 Acreditamos que uma breve apresentação da obra auxilie o leitor não familiarizado com o texto. A 
primeira adaptação textual de Querô, uma reportagem maldita aconteceu em 1979, elaborada pelo 
próprio Plínio Marcos. No livro Querô narra a sua vida em um único ato: a vida do filho de uma prostituta 
que engravida e decide ter o menino “para ter um precioso bem que seja só seu”. No entanto, ao ter a 
criança, a mãe de Querô é expulsa do prostíbulo onde trabalhava e, para acabar com seus problemas, se 
mata ao tomar querosene, por isso, o apelido Querô. Criado pela cafetina que se sentiu culpada pela morte 
da prostituta, logo cedo o menino se envolve em cenários violentos, roubos, confusões como estratégia de 
sobreviver. Morre furado de balas e esquecido. 
5
Ver: Anexo 7.1 – Ficha Técnica. Disponível em: 
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento428123/quero-uma-reportagem-maldita>. Acesso em: 17 de 
Mai. 2018. 
6
 “Marco Antônio Rodrigues (Santos SP 1955). Diretor. Artista identificado com um teatro de cunho 
popular e brechtiano, um dos fundadores do grupo Folias d´Arte e do teatro Galpão do Folias”. 
Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa350894/marco-antonio-rodrigues>. Acesso 
em: 16 de Mai. 2018. 
7
 O termo tradução está no sentido de expressar, interpretar, uma vez que o sujeito no drama moderno é 
utilizado para expressar uma subjetividade coletiva. 
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo407427/folias-darte
15 
 
Para melhor esclarecimento, o drama moderno, a que nos referimos, consiste em 
identificar recursos estilísticos da Lírica e da Épica
8
 como forma de superar a “crise”. 
Nesse ínterim, mostrar os sentidos da “crise do drama moderno”, propostos por Szondi 
(2011), é sublinhar as associações problemáticas entre forma e conteúdo e a crise do 
diálogo, na tentativa de perceber a composição das novas formas dramáticas. Rodrigues 
(2005) ao se referir a “crise” atesta que a Teoria do Drama Moderno “[...] fornece 
munição para se pensar a emergência e o modo de configuração das crises no campo 
artístico a partir de um prisma particular: a dramaturgia” (RODRIGUES, 2005, p. 211). 
O teórico Jean-Pierre Sarrazac (2011) se debruça sobre a obra de Peter Szondi e 
em resposta a Teoria do drama moderno (2011) afirma que “[...] em vez de „crise‟ – [...] 
eu preferia falar de mutação, melhor, de mutação lenta, e duma mudança de paradigma 
do drama” (SARRAZAC, 2011, p. 39). Entenda-se que Sarrazac não exclui a ideia de 
uma crise, para ele, há uma continuidade e não uma superação. Dessa forma, aponta 
quatro grandes crises, a saber: crise da fábula, crise da personagem, crise do diálogo e 
crise da relação palco-plateia
9
. 
Dentre as crises da forma dramática apresentadas por Sarrazac
10
 (2012), 
elegemos para esse estudo a crise da personagem como categoria de análise, tendo em 
vista que as transformações que ocorrem no drama implicam em uma nova concepção 
de personagem. Entende-se assim que Querô ganha características de uma personagem 
que deixa de ser o suporte da ação, deixa de impulsionar a ação, sobretudo porque torna 
a ação diluída em fragmentos de vida, em extratos da realidade. 
De modo que a crise do drama moderno eclodiu nos anos de 1880 em resposta às 
inovadoras relações que o homem mantém com a sociedade. Tais relações que denotam 
a crise da forma dramática são estabelecidas perante o indício da fragmentação entre 
sujeito e objeto. Outras mudanças significativas aconteceram com a ruptura das formas 
tradicionais do drama, em outras palavras, queremos dizer assim que a crise da 
 
8
 “A Lírica tende a ser a plasmação imediata das vivências intensas de um Eu no encontro com o mundo, 
sem que se interponham eventos distendidos no tempo (como na Épica e na Dramática). A manifestação 
verbal „imediata‟ de umaemoção ou de um sentimento é o ponto de partida da Lírica” (p.22). “O gênero 
épico é mais objetivo que o lírico. O mundo objetivo (naturalmente imaginário), com suas paisagens, 
cidades e personagens (envolvidas em certas situações), emancipa-se em larga medida da subjetividade 
do narrador. Este geralmente não exprime os próprios estados de alma, mas narra os de outros seres” 
(ROSENFELD, 2008, p. 22 – 24). 
9
 Ver: SARRAZAC, Jean-Pierre. Léxico do drama moderno e contemporâneo. Trad. André Telles. São 
Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 33. 
10
 Para maior esclarecimento ver: Sarrazac, 2012, p. 33. 
16 
 
personagem resultou também na reformulação do conceito de herói, tendo em vista que 
ganhou nova roupagem. 
Entendido como o eixo que dá sustentação ao drama, o herói passa a ter 
incluídas em sua forma as inquietações, inseguranças e convicções, visto que agora está 
mais voltado para si e, desse modo, promove uma discussão a respeito do que se 
entende pelo termo. É importante enfatizar que o nosso interesse em discutir sobre essa 
nova definição está em compreendê-la para além do sentido clássico de protagonista, 
sobretudo porque as transformações ocorridas e a adoção do conceito de “mudança de 
paradigma” nos permitem falar cada vez mais sobre a figura do homem comum, o 
“impersonagem
11
”, nos termos de Sarrazac: 
 
[...] o objeto da representação não é tanto a fábula mas o seu 
comentário. E é assim que as personagens – prefiro chamar-lhes 
„impersonagens’ - de uma parte considerável do nosso teatro se 
transformam em recitantes. Não apenas pela razão [...] de que „eles 
habitam o tempo‟ mais do que o espaço, mas porque, encostados à sua 
própria morte, produzem solilóquios contínuos sobre os percursos 
erráticos, sobre os cruzamentos, as alternativas antigas, enfim, sobre 
os possíveis de suas vidas, percorrendo-os continuamente 
(SARRAZAC, 2009, p. 88). 
 
Para Sarrazac, a personagem moderna é “sem caráter
12
”, e, nesse sentido, fraca 
em diversos níveis, perdeu características tanto físicas quanto sociais. São personagens 
sem referência como Querô que experimentam a “desterritorialização
13
” de sua própria 
identidade com a ausência de essência e substância que resulta no vazio de sua própria 
existência. No primeiro capítulo do romance, após extenso sofrimento, Querô relembra 
o episódio do seu nascimento “Eu vim na pior. Com um urubu pousado na minha sorte. 
[...] O filho da puta do meu pai encheu de porra a filha da puta da minha mãe e se 
arrancou, deixando a desgraçada no “ora veja tou choca” (MARCOS, 1992, p. 9). O 
menino percorre a vida a partir dos fragmentos que consegue ouvir de outras 
personagens, assim, desterritorializa-se criando seus possíveis. De acordo com Deleuze 
 
11
 O termo impersonagem, pensado por Sarrazac (2009; 2011; 2013a), refere-se à figura do homem 
comum, do homem quotidiano. 
12
 Quando nos referimos ao herói sem nenhum caráter, é impossível não citar Macunaíma, texto de Mário 
de Andrade, de 1928, apontado pela crítica como a “rapsódia
12
” modernista (GEORGE, 1990, p. 41). O 
conceito de herói até então sustentado pela crítica é questionado em Macunaíma, uma vez que o “herói 
brasileiro” se torna conhecido não apenas por sua preguiça, mas, especialmente, por não pertencer a lugar 
algum e apresentar uma identidade rizomática, notadamente, devido às metamorfoses que marcam sua 
passagem na obra. 
13
 As “[...] três características da literatura menor: a desterritorialização da língua, a articulação do 
individual com o político e o agenciamento coletivo da enunciação” (DELEUZE, 2010, p. 13 – 14). 
17 
 
e Guatarri (1996, p. 37): “Jamais nos desterritorializamos sozinhos [...]”. Desse modo, 
entendemos que nesse movimento de passar de um território para o outro, Querô 
desterritorializa sua própria história ao abandonar o estado de coisa, de não 
pertencimento quando busca encontrar o inesperado, na verdade, colher os fatos de sua 
vida e construir sua história como gente. 
Para Marco Antônio Rodrigues, diretor do espetáculo, Querô “„[...] tem muito a 
ver com o tema do trabalho do Folias: êxodos, desterritorialização, essa ideia de não-
pertencimento, de perda do território político, geográfico, afetivo, que deixa o indivíduo 
órfão de Deus e de si mesmo
14
‟”. Em Querô as personagens parecem não pertencer a 
nenhum lugar, partilham do sentimento de que são esquecidos, aniquilados pela nova 
ordem. Nesse caso, impersonagens que explicam e comentam, retrospectivamente, o seu 
drama, como Querô, construindo uma espécie de análise da vida a partir dos relatos 
sobre sua própria existência. Assim, aberto às “virtualidades” e às “máscaras que vai 
acumulando” ao longo de sua trajetória, esses impersonagens seguem enquanto fixam 
para si sua não-identidade. 
Diante desse quadro, Plínio Marcos pertenceria à escrita desses autores menores, 
pois, como afirma Deleuze (2010): “[...] Mas os verdadeiros grandes autores são os 
menores, os intempestivos. É o autor menor quem dá as verdadeiras obras-primas, o 
autor menor não interpreta seu tempo, o homem não tem um tempo determinado, o 
tempo depende do homem” (DELEUZE, 2010, p. 35). Nesse sentido, é importante 
compreender que ao falarmos sobre uma literatura menor não estamos defendendo a 
ideia de uma língua menor, “[...] mas antes a que uma minoria faz em uma língua 
maior” (DELEUZE; GUATARRI, 1977, p. 25). Considerar Querô, uma reportagem 
maldita como pertencente ao grupo da “literatura menor” é declarar que há nessa escrita 
um movimento de transgressão, visto que esse “menor” se encontra em uma escala de 
nível abaixo da palavra de ordem, tendo em vista que se impõe por desafiar as verdades 
estabelecidas. 
Autor considerado maldito, Plínio Marcos ao representar em suas obras a 
“multidão”, nos termos de Justino (2015), ou seja, os marginais, as prostitutas, os 
menores abandonados, cafetinas, gays, entre outros, também contribui para a construção 
de textos dramáticos que se preocupam com o homem moderno brasileiro. Alguns de 
seus textos surgem como verdadeiros gritos. Embora não seja considerado um 
 
14
 Ver: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2901200910.htm. Acesso em: 22 de julho de 2014. 
18 
 
dramaturgo com estética e força dramática, a exemplo de Nelson Rodrigues, os textos 
de Plínio merecem atenção, sobretudo pela carga trágica
15
 presente em cada um deles, 
bem como por apresentar a “mudança de paradigma”, ou seja, de um “drama-na-vida” 
para uma “drama-da-vida
16
”, conforme Sarrazac (2010). Em Plínio Marcos não estamos 
mais lidando com uma ação que tem começo, meio e fim, sobretudo porque com o 
surgimento desse novo paradigma do drama, de acordo com Sarrazac (2010), a 
concepção da “peça bem feita”, com base em Aristóteles, desaparece. Assim, a ação 
dramática eclode a partir de uma ação fragmentada, característica fundamental do 
drama-da-vida, uma vez que só pode ser compreendida como fragmento. 
De modo que as modificações na compreensão do drama moderno refletem 
também na concepção de herói que era considerado como o modelo específico do 
sentido da vida, um subordinado às forças dos deuses, mas, desde o romantismo, esse 
herói ganha autonomia frente aos deuses, tendo em vista que agora o que o move são as 
paixões, a cupidez e o delito. Eagleton (2013), no que se refere ao conceito de herói, 
expõe: “É provável que palavras como „heroísmo‟ estejam por demais contaminadas 
pela sua história aristocrática e patriarcal para terem outros usos, e rejeitá-las significa 
uma radical reescrita da história” (EAGLETON, 2013, p. 116). É assim que, para a 
representação dessas personagens, o drama moderno começa a apresentar um anti-herói 
dotado de individualismo e indiferença em relação aos acontecimentos que o rodeiam. 
A mudança de paradigma nospermite compreender que as novas produções de 
Querô surgem apresentando em sua forma um caráter “híbrido
17
” já anunciando 
 
15
 O termo trágico é considerado um princípio filosófico que encontra “[...] sua expressão mais pura na 
tragédia, no entanto, pode „manifestar-se também no romance, na música, nas artes plásticas, às vezes até 
na comédia, para não falar da tragicidade de situações da vida real‟” (LESKY, 2006, p. 14). 
16
 “[...] drama-na-vida – ou seja, da forma dramática de modelo aristotélico-hegeliano – para o drama-da-
vida. Drama-da-vida liberto dos antigos princípios da ordem, da extensão, e da completude (“o belo 
animal”) e trabalhado por uma pulsão rapsódica que lhe abre todos os horizontes e o vota a um princípio 
fundamental de irregularidade, o leva por vezes a roçar o monstruoso, e põe em prática não a “superação” 
da forma dramática pelas formas épicas do teatro (Szondi) mas um constante transbordamento mútuo dos 
diferentes modos poéticos: o dramático, o épico e o lírico” (SARRAZAC, 2010, p. 14-15). 
17
 Diante dos conceitos do termo híbrido apresentados pelo dicionário Houaiss (2009), optamos por 
apresentar os que afirmam que híbrido: “2. diz-se de ou palavra formada por elementos tomados de 
línguas diferentes; 3. que ou o que é composto de elementos diferentes, heteróclitos, disparatados”. 
Estudos nos mostram que o conceito de hibridismo parte, a princípio, dos estudos na área da biologia, 
tendo em vista que essas pesquisas investigam a fusão entre diferentes espécies. No caso da literatura: “A 
produção crítica, artística e literária resultante dos cruzamentos étnicos, raciais e culturais ocorridos nas 
últimas décadas vem contaminando a academia e a cultura de modo geral e provocando dissonância e 
polêmica. A discussão da idéia de híbrido, do impuro e do transcultural é atualmente elaborada por 
pensadores e correntes que por vezes se misturam, hibridamente, mas conservam especificidades e podem 
também abrigar profundas discordâncias” (COSER, 2010, p. 171). 
 
19 
 
questões do teatro contemporâneo, ao que denominaremos “teatro rapsódico” nos 
termos de Jean-Pierre Sarrazac (2002; 2012). Assim, teremos respaldo na apropriação 
para os palcos com o espetáculo do Grupo de teatro Galpão Folias d‟Arte (2009) que 
aparece como uma atualização da primeira montagem do espetáculo pelo Grupo TAPA 
(1991), em São Paulo. 
O romance Querô, uma reportagem maldita escrito em 1976, por Plínio Marcos, 
recebeu o prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) de melhor romance 
daquele ano. De modo que apresenta dez capítulos enumerados e sem títulos. No 
primeiro capítulo esbarramos com a história do menino Querô contada na primeira 
pessoa. A partir do Capítulo VIII nos deparamos com a personagem jornalista, 
momento em que o leitor compreende que aquela história é, na verdade, uma entrevista 
sobre o ocorrido no cabaré. O Capítulo X apresenta o relato do jornalista diante dos 
fatos colhidos. 
Como revela Beigui (2006) sobre a dialética baseada na percepção da tensão 
entre o Eu e a realidade do mundo que encontra abrigo nos modelos estruturalistas; no 
caso do teatro, trata-se “[...] de perceber o que leva estruturas e matrizes a sua inerente 
condição de processo e o que conduz o posicionamento do artista a reinvenção de 
modelos guiados pela urgência de respostas individuais e sociais” (BEIGUI, 2006, p. 
19). Destaca-se, em todos os sentidos, que Querô é considerado uma obra híbrida, tanto 
por fazer parte de um processo de transição da escrita de Plínio Marcos, ou seja, de uma 
fase mística para uma fase caracterizada por adotar o tema do banditismo, mas, 
principalmente, pelo fato de apresentar características de outros gêneros. 
 Nosso primeiro capítulo que recebe o título de Querô: um trágico do quotidiano 
apresenta uma reflexão acerca do “trágico” no sentido de compreender como é que 
houve a adequação de determinados elementos de uma forma dramatúrgica por muito 
tempo considerada superior, marcando-se a maneira como Plínio Marcos utilizou-se 
disso para compor uma dramaturgia nova no contexto nacional. O tópico Qualquer 
teatro é o meu teatro apresenta um panorama da obra de Plínio e o contexto de escrita 
do autor, tendo em vista que escreveu em um período marcado pela presença da 
ditadura e, consequentemente, pela censura. Percebe-se que a noção de “trágico” 
desvinculada da forma antiga da tragédia ajusta-se ao que se tem, atualmente, chamado 
de “trágico do quotidiano”, também nos termos de Sarrazac (2013a). Para tanto, 
apresenta-se também as discussões de Motta (2011) no que se refere às montagens de 
20 
 
tragédias no Brasil, ainda mais, o problema do trágico na era contemporânea, 
notadamente porque espetáculos construídos nesse período trazem em sua marca o 
questionamento dos modelos de dominação cultural e política. 
Nesse percurso, obviamente, tornou-se imprescindível a compreensão em torno 
dos conceitos de fait-divers
18
, “[...] na sua banalidade jornalística, uma poderosa fonte 
de inspiração” e Impersonagem, sobretudo porque Querô é um exemplo desse homem 
do quotidiano, o “impersonagem”. Nas palavras de Sarrazac (2013a) “[...] é cada vez 
mais a figura do homem comum, do homem quotidiano, que vai sustentar o trágico. Um 
homem comum que não pode ser chamado de „herói‟, a não ser impropriamente, apenas 
porque possui o/um papel principal na peça” (SARRAZAC, 2013a, p. 7). Desse modo, 
o teórico francês afirma: “Nem herói e nem mesmo „personagem agindo‟ (prattontes
19
), 
a figura trágica moderna não combate, não age, não decide. Ela se submete” 
(SARRAZAC, 2013a, p. 7). Esse impersonagem do fait divers quando pensado como 
personagem do teatro pode se reconhecer como “pequeno criminoso”, como sub-
homem. Há entre eles um denominador comum, “um mergulho no não-humano do 
humano”, visto que carregam consigo a marca do Zé Ninguém. 
 Nosso objetivo ao longo do segundo capítulo, Entre limites: adaptação e 
apropriação é observar as relações entre as obras na tentativa de entender como 
acontecem os cortes, ajustes, assimilações, entre outras ações, de modo que durante 
nossa busca por parceiros que nos ajudassem a compreender melhor as relações entre as 
obras, chega-se aos conceitos de tradução, adaptação e apropriação. Em seguida, o 
tópico O surgimento de um diálogo apresenta questões referentes aos termos tradução, 
adaptação e apropriação. Com base nestes conceitos, destacamos que todos os estudos 
desenvolvidos por Linda Hutcheon (2011) sobre a adaptação sustentavam a discussão já 
apresentada por Plínio Marcos ao dizer que o texto dramatúrgico (2003) é uma 
adaptação do romance (1992). 
Desse modo, a partir do conceito de adaptação, conforme propõe Linda 
Hutcheon (2011), desenvolve-se também um estudo entre o romance Querô, uma 
reportagem maldita (1992) e o texto dramatúrgico de mesmo nome (2003). Embora as 
discussões sobre a adaptação respondessem nossas questões em relação ao romance e ao 
 
18
 SARRAZAC, 2011, p. 59. 
19
 Essa concepção prattontes, de Platão e Aristóteles, é utilizada para nomear o ator, especificamente, o 
fingidor (FERNANDES, 2011, p. 13). Disponível: https:< 
portalseer.ufba.br/index.php/revteatro/article/viewFile/5391/3860>. Acesso em: 12 de maio de 2017. 
https://portalseer.ufba.br/index.php/revteatro/article/viewFile/5391/3860
https://portalseer.ufba.br/index.php/revteatro/article/viewFile/5391/3860
21 
 
texto dramatúrgico, precisávamos ampliar nossa pesquisa e sentimos a real necessidade 
de estudar o espetáculo do grupo teatral Galpão Folias d‟Arte, que nos tirava do nosso 
lugar confortável e nos levava a refletir sobre a mise en scène, nesse caso, percebemos 
que não nos era suficiente falar de adaptação. Foi quando encontramos parceria nas 
discussões de Beigui (2006) e Sanders(2015) no que tange às questões em torno da 
apropriação no teatro contemporâneo. 
 No terceiro capítulo, de título Uma forma mais livre do drama, reservamos a 
análise das obras a partir do conceito de “teatro rapsódico”, de Jean-Pierre Sarrazac 
(2002). O ponto de partida é a discussão sobre o romance, gênero por muito tempo 
considerado problemático, à luz da teoria de Féher (1997) que considera o romance 
como “gênero ambivalente”, bem como do conceito de “romance polifônico
20
”, 
conforme Bakhtin (2015). Em Querô as personagens não são “[...] apenas objetos do 
discurso do autor; mas os próprios sujeitos desse discurso diretamente significante” 
(BAKHTIN, 2015, p. 5), desse modo, compreende-se que a multiplicidade de vozes, 
consciências, ideologias e contradições de cada personagem acontece em “pé de 
absoluta igualdade”. 
 O intuito do percurso é o de ampliar as discussões que apontam o texto de Plínio 
como obra híbrida, nos levando a escrever algumas linhas sobre híbrido e hibridismo. O 
conceito de “rapsódia”, pensado por Sarrazac (2002; 2012), de algum modo, está 
relacionado à discussão apresentada por Bakhtin (1998) sobre a “romancização”: Na 
época da supremacia do romance, quase todos os gêneros resultantes em maior ou 
menor grau, „romancizaram-se‟: romancizou-se o drama (por exemplo, o drama de 
Ibsen, o de Hauptmann, todo o drama naturalista” (BAKHTIN, 1998, p. 399). Assim 
sendo, discorre-se em torno do conceito de romancização, embora a teoria tenha sido 
pensada em um momento diferente, a partir de uma compreensão distinta de drama. 
Desse modo, a teoria de uma “forma mais livre” do drama formulada por 
Sarrazac (2002, 2012), ou seja, de uma “pulsão rapsódica” é o que o diferencia do 
 
20
 “Dostoiévski é o criador do romance polifônico. Criou um gênero romanesco essencialmente novo. Por 
isso sua obra não cabe em nenhum limite, não se subordina a nenhum dos esquemas histórico-literários 
que costumamos aplicar às manifestações do romance europeu. Suas obras marcam o surgimento de um 
herói cuja voz se estrutura do mesmo modo como se estrutura a voz do próprio autor no romance comum. 
A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do autor; não está 
subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características, mas tampouco serve de 
intérprete da voz do autor. Ela possui independência excepcional na estrutura da obra, é como se soasse 
ao lado da palavra do autor, coadunando-se de modo especial com ela e com as vozes plenivalentes de 
outros heróis” (BAKHTIN, 2015, p. 5). 
22 
 
pensamento de Peter Szondi (2011), visto que para o teórico alemão a crise do drama se 
instaura quando os pilares do drama (ação no presente, relacionamento interpessoal e o 
diálogo) entram em conflito
21
. Assim, “[...] a rapsódia afirma-se como um conceito 
transversal importante, que se declina em uma série de termos operatórios, 
desembocando na constituição de uma verdadeira constelação rapsódica” 
(SARRAZAC, 2012, p. 152). O objetivo de Sarrazac (2012) é explicar o surgimento de 
um novo paradigma do drama, ou seja, o drama-da-vida em oposição ao drama-na-vida, 
mais conhecido como o “drama absoluto
22
”, teoria desenvolvida por Szondi (2011) para 
enfatizar o surgimento das dramaturgias épicas de Piscator e Brecht como a saída para a 
superação do drama em crise. 
Nesse sentido, Sarrazac (2012) não se refere a uma crise do drama, visto que 
insiste na idéia de uma fragmentação, de uma ruptura necessária para o estabelecimento 
desse novo paradigma. Com base no exposto, buscamos para as leituras de Querô a 
teoria do teatro rapsódico, de Sarrazac, como uma linguagem direta que mais se 
aproxima do homem contemporâneo. 
 Nosso quarto capítulo, de título O teatro que se quer fazer: Galpão Folias 
d’Arte, apresenta uma conversa inicial, com o título Contextualização, sobre questões 
em torno do drama e da cena, principalmente, no que se refere aos estudos que tentam 
abordar não somente os textos, como também espetáculos, e por sua vez, os elementos 
que estão por traz do maquinário teatral. Após essa apresentação, a proposta do tópico A 
construção de um caminho é mostrar a luta de um coletivo para fazer teatro no Brasil, a 
trajetória do Grupo, bem como questões em torno não só do espetáculo Querô, como 
também de outros trabalhos montados pelo Folias. Por fim, compreender as dinâmicas 
do Grupo e expor uma leitura das cenas com base em discussões que envolvem também 
questões sobre a teatralidade, figurino, música e iluminação, de acordo com Sílvia 
Fernandes (2010); Silva (2010), Beigui (2010) e Patrice Pavis (2008; 2013). 
Em suma, seguimos com o objetivo de compreender os processos de leituras de 
Querô como uma forma de atualizar a história e recontar os fatos dentro de uma 
estrutura social. Entendemos assim que Querô forma um “[...] mosaico de escrita em 
 
21
 Por isso, propõe uma tentativa de superação, sobretudo porque a antiga forma dramática se esforça para 
conter os novos assuntos, todos com uma dimensão épica, e, por fim, as tentativas de solução do drama 
em crise. 
22
 “O drama, definido como um „acontecimento inter-humano‟ em presença, é absoluto na medida em que 
exclui todo elemento exterior à troca interpessoal exprimida pelo diálogo” (KUNTZ; LESCOT, 2012, p. 
73). 
23 
 
constante transformação
23
” e a figura do rapsodo
24
, “[...] artífice por excelência do 
drama no mundo contemporâneo
25
”, ganha sentido nesse estudo, como aquele que é 
capaz de dar voz a uma memória coletiva e pessoal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23
 HERSANT; NAUGRETTE (2012, p. 152). 
24
 “Através do poeta, algo passa dos deuses para nós; através do rapsodo, algo é passado do poeta para 
nós” (OLIVEIRA, 2011, p. 63). Nesse sentido, a figura do rapsodo é entendida como intérprete do 
intérprete, como revela o diálogo entre Socrátes e Íon (rapsodo): “Socrátes. Mas, então, vós, os rapsodos, 
por sua vez, interpretais os versos dos poetas? Íon. Também em relação a isso dizeis a verdade. Sócrates. 
Mas, então vós vos tornais intérpretes de intérpretes? Íon. Sim, completamente” (PLATÃO, 2011, p. 41). 
25
 MORAES, 2012, p. 13. 
24 
 
CAPÍTULO 1 
 
QUERÔ: UM TRÁGICO DO QUOTIDIANO 
 
 
 
1.1 QUALQUER TEATRO É O MEU TEATRO 
 
 
Em 1969, a dramaturgia ganha a deformidade de “teatro alienado” por não se 
guiar pelas formas do teatro político apresentado pelo Arena, Oficina e o Opinião. No 
entanto, essa “[...] geração de 1969 constituiu um núcleo de criadores que, 
„coletivamente‟ produziu algo reconfortante não só do ponto de vista estético como 
também sob o viés político” (ANDRADE, 2013, p. 243). Nesse período aparece uma 
nova geração formada por Antônio Bivar, José Vicente, Consuelo de Castro, Leilah 
Assunção e Isabel Câmara. Entre esses dramaturgos está Plínio Marcos que “irrompe na 
dramaturgia brasileira”, diz-nos Andrade. 
Quando o governo publicou o AI-5, em 1968, o terror foi implantado e a censura 
tornou-se as algemas para aqueles que tentassem proferir palavras contrárias. De modo 
que “[...] se tornou tão feroz que somente passavam pelo seu crivo os textos nebulosos, 
alegóricos, [...] incompreensíveis para o grande público de linguagem cifrada para 
poucos entendedores de senhas ocultas, Plínio Marcos jamais tergiversou” (ZANOTO, 
2009, p. 11). Em meados dos anos de 1970 a cena brasileira se volta à “questão 
experimental”. 
De acordo com Mostaço (2013), o novo quadro sociopolítico faz gerar em 
meados dos anos 70, três movimentos simultâneos, são eles: i) o teatro de resistência 
formado também pelos cepecistas; ii) um front contracultural conhecido às vezes por 
desbunde, udigrudi, ou alternativo; bemcomo, iii) os lucros culturais do “milagre 
econômico” dispostos pelos militares como uma alternativa de que o país conhecesse 
intensamente o desenvolvimento das comunicações e da cultura de massa. 
Ensaiava-se um novo fazer teatral com tendências formais e temáticas a partir de 
peças de Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna, Dias Gomes, Jorge Andrade e a presença 
25 
 
do teatro político, de Brecht nas produções de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e 
Oduvaldo Viana Filho. Dentre esses novos autores que revelavam em suas obras a 
necessidade de mudança, ou seja, uma “nova moldura dramatúrgica”, Plínio Marcos 
leva para os palcos “[...] uma nova classe integrada por indivíduos até então ignorados 
pela saga teatral, aos quais devota solidariedade irrestrita pelo simples fato de fazê-los 
existir (ZANOTTO, 2009, p. 15). Durante esse período o teatro foi uma importante 
ferramenta de expressão, uma vez que representou as lutas políticas da época. Essas 
representações da história das lutas coletivas no teatro tiveram seu nascedouro no épico. 
Conforme Beigui (2006): 
 
O olhar paralelo e pela tangente encontrou na encenação e não na 
dramaturgia um modo de reflexão e de compreensão dos nossos 
problemas e de nossa miscigenação ideológica. De modo mais ou 
menos consciente, a exploração da cena e dos arranjos de palco, 
incluindo a improvisação concretizou a primeira e mais importante 
contribuição do teatro épico no Brasil, ou seja: aproximou a crise da 
representação à crise da consciência ligada, sobretudo, às 
transformações ocorridas no drama. Paralelamente à crise da 
consciência, a materialidade cênica revelou problemas de produção e 
as limitações técnicas, o que de modo pouco justificável, mas 
inegável, contribuiu para uma maior valoração da criatividade tanto do 
diretor quanto do ator (BEIGUI, 2006, p. 22). 
 
Embora algumas peças tenham sido impedidas de ganhar os palcos, muitos 
foram os grupos e coletivos que continuaram construindo a história da dramaturgia no 
Brasil, e, como afirma a citação, a exploração da cena, dos arranjos do palco e a 
improvisação tornam-se um marco no que se refere à presença do épico no Brasil. Dessa 
forma, surge o novo drama brasileiro a partir das absorções que fez dos conflitos da 
geração de 1968, criando uma cena totalmente particular. 
Em suma, desde a década de 1960 uma nova geração de teatrólogos brasileiros 
marca o período conhecido como a “Nova Dramaturgia”, entre eles, o teatro pliniano 
torna-se um marco diferencial. Plínio é “[...] saudado pela crítica como um 
acontecimento original, ao lançar mão de uma atmosfera de expressionismo 
confessional e investir em um naturalismo perturbador” (ANDRADE, 2013, p. 39). 
Esse período também se caracterizou pela inserção da temática do quotidiano já 
abordada na década anterior, ou seja, “[...] a classe média e seus impasses não deixaram 
de figurar em cena, ao lado da adaptação de temas históricos, com o passado visto como 
metáfora do presente” (VENDRAMINI, 2013, p. 257). A proposta da dramaturgia 
26 
 
coletiva muito intensa na década de 70 revelou uma grande importância para o 
desenvolvimento da dramaturgia e dos espetáculos que surgiam pouco a pouco, uma vez 
que assinala formas distintas de representação. 
As obras do dramaturgo tentavam resistir às opressões de um sistema que não 
deixava falar sobre “puta, pobre e cafetão”. Plínio Marcos revela o tom de sua escrita 
quando defende que “[...] o intelectual brasileiro é um marginal de classe média 
querendo ganhar status através da cultura” (MENDES, 2009, p. 210). Era assim que 
escolhia suas personagens, os esquecidos que viviam junto a ele comendo quando 
conseguiam e ainda assim, cantando samba e escrevendo suas obras. 
A fama de Plínio como analfabeto sempre ganhou mais atenção, ele mesmo “[...] 
cuidou de difundir a lenda de ser um analfabeto, citando à sua maneira uma crítica de 
Patrícia Galvão
26
. Aos compradores de seus livros prometia morrer logo para valorizar o 
autógrafo” (MENDES, 2009, p. 53). Para Cacilda Becker
27
, após ler Navalha na carne, 
a escrita de Plínio era “Incrível! Conhece vinte palavrões e consegue escrever uma 
peça” (MENDES, 2009, p. 53). No entanto, Patrícia Galvão afirma: “Atendendo à 
obrigação de escrever a respeito, devemos partir da separação dos dois textos. O 
primeiro é o texto de um principiante ainda: o segundo é um bom texto”. É interessante 
conhecer a crítica que Patrícia Galvão, conhecida como Pagu, tece ao principiante Plínio 
Marcos e a sua peça Os Fantoches, e a Jenny do Pomar, o bom texto de Charles 
Thomas. 
Caracteriza a tentativa do autor de passar do plano da reportagem, que 
era o principal defeito da sua peça anterior, „A Barrela‟, para um plano 
de criação, invadindo terreno difícil para sua experiência e seus 
conhecimentos, desde que há a intenção de nos proporcionar um texto 
de tonalidades filosóficas. E o nível mental e intelectual do autor, 
 
26
 “Patrícia Rehder Galvão (São João da Boa Vista, SP, 1910 - Santos, SP, 1962). Romancista, tradutora, 
jornalista e professora. Aos três anos, muda-se com a família para São Paulo e vai residir no bairro 
industrial do Brás. Conclui os estudos na Escola Normal em 1928, ao mesmo tempo que estuda literatura 
e arte dramática no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. No ano seguinte, aos 19 anos, 
conhece o escritor Oswald de Andrade (1890-1954) e a artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), 
envolvidos com o movimento antropofágico, e tem um de seus desenhos publicado na Revista de 
Antropofagia. Em 1930, Pagu, nome criado pelo amigo e escritor Raul Bopp (1898-1984), casa-se com 
Oswald e realiza o sonho de emancipar-se definitivamente da família”. Disponível em: 
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa451572/pagu>. Acesso em: 16 de Mai. 2018. 
27
 “Atriz. Protagonista de vários espetáculos do Teatro Brasileiro de Comédia, fundadora da companhia 
que leva o seu nome, Cacilda Becker interpreta personagens antagônicos, como o moleque de Pega Fogo, 
a velha de Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, a devassa de Quem Tem Medo de Virgínia 
Woolf?, a rainha de Maria Stuart, o clown de Esperando Godot. Indo da farsa à tragédia, do clássico ao 
moderno, é considerada, por alguns teóricos, a maior atriz do teatro brasileiro”. Disponível em: 
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa349429/cacilda-becker>. Acesso em: 16 de Mai. 2018. 
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2794/oswald-de-andrade
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa824/tarsila-do-amaral
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo4904/revista-de-antropofagia
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo4904/revista-de-antropofagia
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3426/raul-bopp
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo112774/teatro-brasileiro-de-comedia
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento398284/pega-fogo
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento399262/jornada-de-um-longo-dia-para-dentro-da-noite
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento397674/maria-stuart
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento397672/santa-marta-fabril-s-a3
27 
 
infelizmente, se desencontra, como possibilidade, para palmilhar o 
terreno ambicionado
28
 [...]. 
 
Muitos dos textos de Plínio apresentam um discurso que tenta representar sua 
própria experiência social, por conseguinte, problematiza a posição do intelectual como 
único porta-voz dos sujeitos subalternos visto que fala e se torna um escritor advindo da 
marginalidade. Dentre os autores considerados marginais, Plínio Marcos é referência 
para os novos escritores: “A história da literatura marginal começou assim, eu nem bolei 
nada, só peguei a referência do Plínio Marcos e do João Antônio [...]” (FERRÉZ apud 
NASCIMENTO, 2008, p. 44). Do mesmo modo, Plínio Marcos afirma: 
 
[...] o palavrão.Eu, por essa luz que me ilumina, não fazia nenhuma 
pesquisa de linguagem. Escrevia como se falava entre os carregadores 
do mercado. Como se falava nas cadeias. Como se falava nos puteiros. 
Se o pessoal das faculdades de lingüística começou a usar minhas 
peças nas suas aulas de pesquisas, que bom! Isso era uma contribuição 
para o melhor entendimento entre as classes sociais
29
. 
 
A linguagem utilizada pelo dramaturgo pressiona os que se posicionam no 
centro a partir da ação da margem. Plínio não fez parte do cânone literário, escreveu 
sem se preocupar muito com as formas. Baseado no que reflete Justino (2015) há nessas 
obras algo que nos impulsiona a observá-las pela 
 
[...] representação [...], dezenas de personagens vivendo vidas 
ordinárias, no mais das vezes contra alguma espécie de ordem e ao 
mesmo tempo radicalmente inseridos nelas, produzindo 
ininterruptamente num ambiente dialógico [...], cujas negociações são 
de solidariedade, de confronto ou da mais pura indiferença, mas que 
se produzem, sempre, coletivamente (JUSTINO, 2015, p. 137). 
 
Plínio, por sua vez, parece não ter se deixado abater e seguiu, possibilitando aos 
silenciados, como ele, o direito à voz na tentativa de também se libertar dos poderes 
opressivos da sociedade. Autores que “[...] se distinguem dos demais porque são 
também atores dos espaços retratados nos textos e, portanto, sujeitos marginais que 
estão inserindo suas experiências sociais no plano cultural” (NASCIMENTO, 2008, p. 
76). Desse modo, é notável o crescente número de autores marginalizados que investem 
no campo da literatura brasileira apresentando novas questões e dimensões. 
 
28
 Ver: <http://www.pliniomarcos.com/criticas/jornada-pagu.htm>. Acesso em 07 de fevereiro de 2018. 
29
 Ver: <http://www.pliniomarcos.com/dados/censura.htm>. Acesso em: 14 de julho de 2014. 
http://www.pliniomarcos.com/criticas/jornada-pagu.htm
28 
 
O dramaturgo de origem mais ou menos humilde foi de tudo um pouco, 
jornalista, vendedor, palhaço, não foi bom aluno, repetiu de ano diversas vezes, por isso, 
foi retirado da escola pelos pais e não concluiu os estudos. No começo da carreira como 
dramaturgo, Plínio Marcos torna-se reconhecido por levar para os palcos personagens 
bandidos, considerada a primeira grande fase do autor. Em sua segunda fase os místicos 
começam a surgir como personagens, o que lhe rendeu severas críticas. 
 Os últimos
30
 textos escritos depois de Querô, uma reportagem maldita (1976) 
marcam o período de transição da escrita de Plínio, por exemplo, em Jesus-homem 
(1978) surge à personagem Jesus, uma idealização do homem como uma espécie de 
místico-libertário, destinado a buscar um Deus justo; e, logo em seguida, Sob o signo da 
discoteque (1979) traz Zé das Tintas, um profissional que trabalha como pintor de 
parede, ganha um salário mínimo e por não conseguir um amor para si participa de uma 
curra, visto que só fazia sexo quando recebia o pagamento uma vez no mês. Desse 
modo, Querô, uma reportagem maldita é em todos os sentidos, ou seja, formal e 
temático, uma obra híbrida, especificamente, pelo fato do dramaturgo mesclar em 
Querô temáticas abordadas em sua fase anterior e o tema do banditismo. 
A terceira fase do autor ganha características de uma escrita pautada na 
religiosidade. Assim, surge Madame Blavatsky (1985) e em sequência Balada de um 
palhaço (1986), visto que em “[...] sua mais recente criação, Plínio fez metateatro, 
emprestando à palavra feliz carga poética. Muito se pode esperar de sua permanente 
inquietação” (MAGALDI, 2008, p. 220). A personagem Bobo Plin, o palhaço que está 
em crise com a sua profissão, improvisa com o parceiro Menelão no picadeiro. 
 Muitos são as personagens que atravessam a vida de Querô, algumas deixam 
marcas, outras, nem tanto, visto que apenas são citadas durante os relatos. Entre um 
acontecimento e outro conhecemos: Ju (amiga de Alzira), Violeta (madrinha de Querô), 
padre, prostitutas, Alzira da Piedade (mãe), Tainha (chefe do bando), Bolacha Preta 
(negro meio pirado da cuca), gringo (bichona louca), Kioto Japonês (empregador), 
delegado, Nelsão e Sarará (policiais), todos os pivetes do reformatório: (Pivete da 
Madame, Malhado, Tuim, Corvo Louco, Brancura, Zoinha, Mosca de Bolo, Lavinho, 
Cativeiro entre outros), Cocada, Zulu, Edgar (cozinheiro), Dona Quita, Naná, Gina de 
Obá, Bilu de Angola, Lica, Brandão, Toco de Vela e o Jornalista. 
 
30
 Ver: Anexo 7. 2 para conhecer a cronologia do Teatro adulto escrito por Plínio Marcos (MARCOS, 
2003, p. 278 – 279). 
29 
 
Com dez capítulos enumerados e sem títulos Querô surge com base em uma 
dessas “reportagens malditas” marcadas pela violência. Somos guiados pelo olhar de 
um menino que narra os fatos de sua existência, desde o primeiro capítulo, quando 
conta a história triste do seu nascimento, até o oitavo, quando se envolve na briga com 
os policiais e é baleado, – “Eu ali, naquela escuridão do cais do porto, estava mal. 
Percebi que, se parasse, não ia poder ir a mais nenhum lugar. Aquela porra daquela 
perna estava doendo muito” (MARCOS, 1992, p. 84). Em seguida, nos deparamos com 
o diálogo entre Querô e o Jornalista, nome da personagem no romance, e no décimo 
capítulo o Jornalista assume a voz do narrador. 
Cada capítulo apresenta ao leitor uma fase da vida de Jerônimo da Piedade, as 
transformações, como a mudança de identidade quando assume o nome Querô, o 
crescimento do menino, o ódio alimentado pela sede de vingar a morte da mãe e ao 
mesmo tempo a necessidade de sobreviver. Assim, observamos que o leitor conhece a 
zona portuária de Santos, em São Paulo, as ruas, becos, cabarés e a vida daquele lugar. 
Embora a ação se volte para Querô, à multidão que circula pelos ambientes do cabaré 
(as prostituta, clientes, Violeta, Ju), do reformatório (todos os meninos citados), da 
delegacia (Nelsão e Sarará) constrói a trama. 
O capítulo I traz a história do nascimento de Querô, filho de pai desconhecido, 
bem como a luta de Alzira da Piedade, mãe do menino, para tê-lo e a maneira que 
encontrou como saída para resolver seus conflitos, o suicídio. Outras personagens que 
fazem parte desse mosaico são progressivamente apontadas ao longo dos relatos, como 
a cafetina Violeta que após ser pressionada pelas outras prostitutas e responsabilizada 
pela morte da mãe de Querô, sem saída, torna-se madrinha e ao mesmo tempo 
perseguidora do menor. Ju, amiga de Alzira, surge como uma espécie de protetora do 
menino. Embora não apareça muito no romance, também é responsável por contar 
alguns fatos da vida de Jerônimo, ainda desconhecidos por ele, e a ajudá-lo a construir 
uma imagem da mãe. 
 Além das características até então percebidas na obra de Plínio Marcos, o que 
também aponta uma mudança é a presença do autor como personagem. Em Querô 
(1976), o dramaturgo aparece como o Repórter que se sensibiliza pelos dilemas do 
menino Jerônimo. Traçar esse panorama sobre as fases do autor e identificar as 
personagens de uma escrita marcada esteticamente pela presença do marginalizado, pela 
figura do homem comum, nos impulsiona a entender a categoria da personagem na 
30 
 
escrita plianiana, especificamente, em Querô, observando o que há de trágico no 
simples fato de viver. 
 
 
1.2 O NASCIMENTO DE UM TRÁGICO DO QUOTIDIANO 
 
 
O termo “tragédia” não é utilizado apenas nas discussões da academia, visto que 
no dia a dia o ser humano quando quer se referir as adversidades da vida sempre recorre 
à expressão ligada à tragédia da vida humana. Raymond Williams diz que tragédia “[...] 
não [é] um tipo de fato único e permanente, mas uma série de experiências, convenções 
e instituições
31
”. No entanto, a palavra “tragédia” marca as produções de obras que 
ganharam evidência pelo conteúdo e pela forma queapresentam, por exemplo, Oréstia, 
de Ésquilo. 
Ainda que partamos do conceito de tragédia, nossa intenção é entender a nova 
concepção de trágico desvinculada da tragédia, ou seja, o que Sarrazac (2013a) chama 
de trágico do quotidiano. Para Sarrazac (2013a) o desaparecimento da tragédia não 
implica no desaparecimento do trágico, uma vez que as relações tanto pessoais, quanto 
sociais influenciaram na produção de possíveis ferramentas para a construção de um 
novo trágico. Achamos importante, nesse quadro, apresentar o que influenciou as 
montagens de tragédias no Brasil. Motta (2011) revela em suas pesquisas que a 
produção de tragédias no contexto nacional foi influenciada pela ideia de questionar os 
modelos de dominação tanto cultural, quanto política. 
Segundo Motta (2011) o aumento da montagem de tragédias no contexto 
brasileiro é resultado dos acontecimentos “[...] na ordem social, política nacional e 
internacional, como os atentados terroristas, as guerras, a devastação do meio ambiente, 
a grande massa de desabrigados, a violência na esfera da vida doméstica, o controle da 
vida sobre o cotidiano [...]” (MOTTA, 2011, p. 216). Para o teórico, esse movimento de 
avivar a tragédia, do ponto de vista brasileiro, entre o período de 1960 até os dias 
atuais
32
, permite identificar três fases, a saber: 
 
 
31
 WILLIAMS apud EAGLETON, (2013, p. 26). 
32
 Vale ressaltar o ano de publicação do livro (2011). 
31 
 
Uma primeira – final dos anos de 1960 até meados da década de 1970 
– [...] rompem com a representação tradicional da tragédia e 
estabelecem um diálogo direto com a realidade social e política 
brasileira; A segunda fase parece ter início após o término da ditadura 
militar estendendo-se até meados dos anos de 1990. [...] período de 
mobilização em que a necessidade da afirmação de si, como elemento 
fundamental da ética pós-moderna, procura se coadunar com o corpo 
coletivo; Uma terceira fase do movimento da revivificação da tragédia 
grega e do próprio pós-modernismo teatral brasileiro parece se 
anunciar a partir do final do século XX. [...] a tragédia grega se 
tornará uma forma privilegiada para questionar modelos de dominação 
cultural e política, assim, como os diversos níveis de desigualdade, de 
injustiça e de violência na vida atual (MOTTA, 2011, p. 216 – 218). 
 
O surgimento de um posicionamento ontológico da tragédia revela, no contexto 
brasileiro, uma escrita marcada pelo questionamento dos modelos pré-estabelecidos. 
Observa-se que Plínio Marcos pode ser inserido em pelo menos duas das fases 
apontadas por Motta (2011), embora não fosse um autor de tragédias. A primeira delas 
refere-se ao engajamento do dramaturgo e a necessidade de auto-afirmação a partir de 
uma escrita dilacerante; a segunda, diz respeito às características de suas obras 
marcadas pelo diálogo direto com a realidade social e política nacional, tornando-se o 
modo como expressa a violência, a multidão e a desigualdade, resultado dos 
acontecimentos vividos. Plínio reúne, através de sua escrita, elementos importantes que 
contribuem para a construção do que hoje se tem chamado de trágico do quotidiano, 
marcando-se a maneira como o dramaturgo se utiliza desses fatores para compor uma 
nova dramaturgia no contexto nacional. 
 
A experiência estética da tragédia abriu espaço para uma especulação 
de ordem ontológica: o trágico é visto como uma característica 
fundamental da existência, decorrente da revelação de uma 
contradição essencial entre o homem e o universo, contradição que 
conduz ao sofrimento extremo. A tragédia revelou a questão do 
trágico (MOTTA, 2011, p. 13). 
 
Motta (2011, p. 216) assinala que espetáculos analisados em seu estudo, por 
exemplo, Oresteia, o Canto do Bode, montagem do Grupo Galpão Folias d‟Arte da 
trilogia Oréstia, de Ésquilo, refere-se também ao “problema trágico na era 
contemporânea”, notadamente porque esses espetáculos trazem em sua marca o 
questionamento dos modelos de dominação cultural e político. 
 
O espetáculo possui também certa exemplaridade por vários aspectos 
ao longo destas análises: o processo de deslocamento do texto grego 
32 
 
para o contexto político e cultural brasileiro; a atualização do texto a 
partir da inserção de diversas linguagens artísticas e da fusão de 
linguagens teatrais de caráter popular; o enquadramento da tragédia 
grega no contexto urbano; a crítica à mídia; a utilização de recursos 
tecnológicos para a construção da linguagem cênica; o movimento de 
autorreflexão do grupo em relação ao próprio trabalho e, por fim, a 
utilização de um espaço cênico de características alternativas 
(MOTTA, 2011, p. 219-220). 
 
De certo modo, as leituras de Querô apresentam aspectos desse modelo 
“trágico”, mesmo que não exista um deslocamento de um texto grego para o contexto 
nacional. No espetáculo, corpus da pesquisa, construído pelo Galpão Folias d‟Arte, a 
fusão entre diversas linguagens acontece através da dança, da música, bem como da 
crítica à sociedade que parte tanto do texto, como da reflexão que leva a construção de 
um espetáculo inovador, colaborativo e também alternativo. 
 
[...] porque preciso fazer teatro disso? A vida já não é tão forte? Que 
poética pode saltar dali? A imagem daquela mulher sem cabelos, ou a 
do menino que mama em pé em plena rua: isso não é suficientemente 
expressivo e real? Que força terá a representação disso? (GUEDES, 
2009, p. 14). 
 
Foram questões como essas, levantadas durante uma oficina proposta pelo 
Galpão Folias D‟arte, que revelaram ao grupo a necessidade de (re)montar o texto de 
Plínio Marcos. Motta (2011) adverte que: “O interesse atual pela tragédia grega é 
estimulado também pela reflexão acerca da moral” (MOTTA, 2011, p. 11), como uma 
necessidade de mostrar a vida comum do homem comum. Esse panorama geral da 
tragédia no contexto brasileiro torna-se fundamental para compreendermos a diferença 
existente entre a tragédia e o trágico com vistas a entender o “trágico do quotidiano” 
proposto por Sarrazac (2013a) nas produções de Querô, uma reportagem maldita. 
Szondi (2004, p. 23) em seu livro Ensaio sobre o trágico afirma que: “Desde 
Aristóteles há uma poética da tragédia apenas desde Schelling, uma filosofia do 
trágico”. Para Staiger (1977) o uso do termo trágico precisa ser esclarecido e assim 
expõe que “[...] teremos que levar em conta a divergência da tradição antiga e estar 
cientes! De que nem toda obra chamada „tragédia‟, poderá ser considerada „trágica‟” 
(SATAIGER, 1977, p. 78). Com a compreensão de que era possível pensar na vida, ou 
seja, pensar na condição do humano, a tragédia ganhou um viés filosófico, de acordo 
com Szondi (2004), o que deu início a noção de trágico. 
33 
 
Embora a base desse pensamento fosse as teorias de Schelling, teóricos como 
Goethe e Schiller igualmente apresentaram apontamentos significativos quando se 
tratava do trágico, sobretudo porque cada vez mais a fixação no pensamento aristotélico 
perdia suas forças. Desse modo, “[...] Goethe reconhece como essencial ao trágico um 
traço que o sistema idealista de Schelling e até o de Hegel ocultam, mas que lhe causa 
grande estranheza: o fato de que o conflito trágico „não permite nenhuma solução” 
(SZONDI, 2004, p. 48). Nesse sentido: 
 
Se é verdade que a interpretação ontológica da tragédia grega foi 
realizada, desde Schelling, em termos de antagonismo de princípios, a 
definição da tragédia a partir da contradição ou do antagonismo se 
deve a Schiller, antes mesmo de ter sido formulada por Schelling, 
Hegel ou Hölderlin. Schiller, o mais kantiano dos autores de tragédia e 
dos filósofos ou poetas que escreveram sobre a arte trágica, 
profundamente imbuído da ética e da estética kantianas, pensa a 
tragédia a partir da dualidade entre a vontade humana e os instintos, a 
vontade livre e a determinação natural,a liberdade moral e a 
necessidade natural (MACHADO, 2006, p. 50). 
 
A partir de uma tradição normativa os teóricos chegaram a um raciocínio 
filosófico que resultou na filosofia do trágico. A mudança de posicionamento pode ser 
percebida com os novos conceitos elaborados. Do ponto de vista do pensamento de 
Schiller, o trágico é entendido como um combate entre instinto e liberdade que resulta 
na consolidação da liberdade moral. Em Schiller, o sofrimento das personagens ganha 
vez e, por conseguinte, a tragédia se realiza. 
Em sua obra intitulada O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche, 
Machado (2006, p. 7) elabora um estudo que investiga a “[...] constituição histórica do 
pensamento sobre o trágico”. Para isso, volta-se à Poética, referindo-se ao estudo 
“poetológico” da tragédia desenvolvido por Aristóteles, e, aponta Schiller como 
elemento fundamental que marca o processo de mudança entre um posicionamento 
“poetológico” de encarar os estudos sobre o trágico para um “ontológico”. Para 
Machado (2006), Schiller em sua teoria já apresenta sinais de uma discussão sobre uma 
“filosofia do trágico”, embora defenda que somente com Schelling esse posicionamento 
ontológico tenha realmente iniciado, pensamento que encontra aproximação entre os 
estudos de Peter Szondi (2004), ao defender que a “filosofia do trágico” tem origem 
com Schelling. 
34 
 
É interessante frisar que a associação do trágico à tragédia se rompe somente no 
final do século XVIII. Machado (2006, p. 94) chega a questionar qual é a concepção do 
trágico e da tragédia em Schelling. Como resposta, afirma que embora Schiller tenha 
apresentando uma interpretação moral da tragédia, “Schelling é o grande marco da 
reflexão sobre o trágico”. Há em Schelling, segundo Machado (2006, p. 106), “[...] uma 
interpretação metafísica da tragédia”. O conceito de trágico em Schelling é 
consequência do modo como se apreendia a tragédia, nesse sentido, a arte para ele era 
considerada como uma manifestação conflitante entre o destino e a liberdade humana. 
Eagleton adverte-nos: 
 
Em seu Filosofia da arte, Schelling presume que a tragédia deve se 
envolver com o destino e pergunta se pode haver uma versão moderna 
dela. Ele responde que Shakespeare substitui o destino pelo caráter, 
agora apresentado como necessidade insuperável. Para os antigos 
gregos, argumenta ele, os deuses frequentemente infligiam erro à 
humanidade e seu tipo de destino é, portanto, defectivo; mas esse não 
pode ser o caso do deus perfeito do cristianismo. Portanto, o destino 
como causa da ruína trágica precisa delocar-se, em vez disso, para o 
caráter, que não mais pode ser considerado livre (EAGLETON, 2013, 
p. 172). 
 
A versão moderna da tragédia, com base em Schelling, dispensa o destino 
imperfeito para apresentar o caráter como necessidade insuperável. Sendo assim, 
liberdade e necessidade se ligam na tragédia, sobretudo, porque ao optar 
espontaneamente vivenciar o caminho posto pelo destino, a personagem estaria 
vencendo a necessidade. Nesse caso, o conflito entre a liberdade e necessidade surge a 
partir do instante em que há a superação e a oposição com base na diferença apresentada 
entre ambas. Para Schelling, compreender o ser está no íntimo dessa relação entre 
liberdade e necessidade, ou seja, uma maneira de existir no mundo que leva a eclosão 
do trágico. 
Assinalamos que Querô tenta compreender o que se passa em sua vida. Há uma 
investida, por parte da personagem, em mudar o destino, no entanto, seu nascimento 
torna-se um castigo, uma vez que não importa o que faça, será sempre apontado como 
filho de prostituta e de pai desconhecido. Sendo assim, não pode mais ser considerado 
livre. Percebe-se que a personagem assume seu destino sustentado na ideia de vingar a 
morte da mãe, força que sempre joga o menino para a roda da vida, desse modo, ao 
mesmo tempo em que é livre para superar a marca que carrega, perde sua liberdade 
35 
 
quando precisa lutar contra as forças que lhe aprisionam. Nesse sentido, identificamos 
na história traços desses conflitos entre liberdade e necessidade que surgem a partir da 
superação e objeção nas ações de Querô. 
Com a ajuda de Gina de Obá e Pai Bilu de Angola, Querô começa a escolher os 
caminhos que o destino lhe apresenta. Encontra em sua caminhada Lica, menina por 
quem se apaixona e, a partir das defumações e das conversas com os pretos velhos, 
segundo ele, a vida parece querer se ajustar. Consegue passar um bom tempo em paz, 
trabalhar para se sustentar, frequentar lugares sem se envolver em brigas, voltar a pensar 
em si e até em sua aparência física até se envolver em uma nova confusão. 
 
Ela também ria. Mas ficava nisso. E já era uma boa. Pensando nela, 
quando ficava sozinho no meu quarto, eu ficava numa boa. Não me 
lembrava da desgraceira que me fizeram e que eu fiz. Já me sentia à 
vontade. Já não ficava mais nas encolhas. Me chegava nos pedaços 
onde a corriola se juntava. Escutava papo, jogava sinuca, escutava 
história e tudo. Até pensava em dar um capricho em mim, pra ela me 
ver bem vestido. Parei de pensar tanto em arrumar um revólver, pra 
pensar em roupa. Era do caralho curtir aquela menina, a tal da Lica. 
Minha vida melhorou [...] Eu estava botando fé. Pela boca da moçada 
do cais do porto, fiquei sabendo que o gorgota
33
 lá do Reformatório 
não morreu. Ficou aleijado e se aposentou. O que já era menos bronca 
em cima de mim. A bichona Naná eu via passar pelo cais do porto e 
ela também me via. Nunca disse nada. Era sinal que não deu parte de 
mim e que tudo saiu no mijo. E sem me meter em salseiro, fiquei 
quase dois anos. Mas, uma tardinha de frio e chuva, por causa de uma 
besteira de merda minha vida bagunçou tudo de novo (MARCOS, 
1992, p. 52). 
 
Com base no exposto, a compreensão da personagem Querô acontece a partir da 
análise de suas ações, ou seja, de ações conscientes ligadas à liberdade e ações 
inconscientes voltadas a necessidade formando, assim, o caráter da personagem que não 
mais pode ser considerado livre. Essa falta de liberdade da personagem é resultado 
também do seu próprio destino social, visto que Querô vem de uma genealogia social 
que determina sua tragédia pessoal, é filho de pai desconhecido, mãe prostituta e criado 
pela cafetina Violeta em um cabaré. Nesse sentido, o familiar aqui é social. 
 Desse modo, “[...] o herói trágico, afirma Schelling, pode erguer-se acima da 
necessidade, valendo-se de sua inclinação em relação a ela, e assim ser vencido e 
vencedor ao mesmo tempo” (EAGLETON, 2013, p. 174). Há uma compreensão por 
 
33
 De acordo com o dicionário Houaiss a palavra “gorgota” significa: “1) marujo com algum tempo de 
experiência, veterano; 2) homossexual ativo” (HOUAISS, 2009). 
36 
 
parte de Schelling de um herói que combate. Embora exista um destino, esse herói 
busca a autonomia mesmo que se depare com a derrota. 
 
À medida que o herói trágico, na interpretação de Schelling, não só 
sucumbe ao poder superior do elemento objetivo como também é 
punido por sua derrota, ou simplesmente pelo fato de ter optado pela 
luta, volta-se contra ele próprio o valor positivo de sua atitude, a 
vontade de liberdade que constitui a „essência de seu eu‟ (SZONDI, 
2004, p. 31). 
 
A percepção de Schelling sobre a tragédia independente do aristotelismo permite 
ir além da poética da tragédia, visto que transpõe tal legado e estabelece uma 
interpretação filosófica. Com base em tais pressupostos, o trágico em Querô parte 
também da liberdade com que o menino experimenta combater o destino e, ao mesmo 
tempo, ser esmagado por ele. Nesse sentido, Querô é livre para combater e lutar contra o 
destino ao passo que não pode derrotá-lo por completo, uma vez que está preso aos 
fatos. Assim, resiste ao peso do destino e, através da perda de sua liberdade, prova a 
existência

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