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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DEPARTAMENTO DE LETRAS RAFAEL VALE GERONCIO BORGES DE ALBUQUERQUE A SOMBRA DO REI: Análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo. NATAL/RN 2022 RAFAEL VALE GERONCIO BORGES DE ALBUQUERQUE A SOMBRA DO REI: Análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre na área de concentração de Estudos em Literatura Comparada, sob orientação do Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira. NATAL/RN 2022 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 Albuquerque, Rafael Vale Geroncio Borges de. A sombra do rei: análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo / Rafael Vale Geroncio Borges de Albuquerque. - Natal, 2022. 80f. Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudo da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2022. Orientador: Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira. 1. Tragédia grega - Dissertação. 2. Cultura clássica - Dissertação. 3. Ésquilo - Dissertação. I. Oliveira, Andrey Pereira de. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 82.091 RAFAEL VALE GERONCIO BORGES DE ALBUQUERQUE A SOMBRA DO REI: Análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre na área de concentração de Estudos em Literatura Comparada, sob orientação do Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira. Natal, ____ de ____________ de _______ _______________________________ Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira Presidente - UFRN _______________________________ Prof. Dr. Marcos César Tindo Barbosa Examinador interno - UFRN _______________________________ Prof. Dr. Elri Bandeira de Sousa Examinador externo - UFCG NATAL/RN 2022 DEDICATÓRIA Dedico esta dissertação a Gustavo Pessoa, cujo carinho e atenção foram imprescindíveis para que eu conseguisse atravessar essa jornada. AGRADECIMENTOS Agradeço às entidades regentes deste plano da realidade, pois sem elas essa fagulha da nossa existência seria ainda menos relevante para a imensidão do universo. Dedico um grande agradecimento ao meu orientador, seus conselhos ficarão gravados em meu peito e em minha mente por toda a minha carreira, agradeço-te de coração. Agradeço também aos meus amigos e colegas do grupo de pesquisa FILIA, que sempre estiveram dispostos a ouvir e debater minhas ideias de pesquisa, obrigado por todas as sugestões de leituras e todas as opiniões de escrita. Por fim, agradeço aos professores da banca que me cederam tanto de seu tempo para ler e comentar os escritos deste que vos fala. Lembro que quando comecei esta empreitada do mestrado tive muito apoio da família e amigos que permaneceram do meu lado durante esse processo longo e tortuoso que foi escrever uma dissertação enquanto o mundo vivia a maior crise de saúde da história recente. Agradeço principalmente ao meu marido e companheiro de vida cujos esforços hercúleos de nos manter sãos enquanto o caos reinava da porta para fora do nosso lar foram fundamentais para que eu conseguisse concluir a escrita com o rigor adequado, amo-te para sempre. Agradeço aos meus amigos que me proporcionaram acolhimento e momentos de paz e felicidade com todas as tardes de conversas e jogos, todas as idas em mate e todas as caminhadas descompromissadas. Agradeço a minha família pelo apoio e por me proteger durante toda a minha formação como ser pensante. Agradeço também ao meu pequeno tesouro envolvido em pelos brancos que com seu olhar sincero, paciência e compreensão, que vão além da capacidade canina, me transmitiu a calma que eu precisava para compor estas palavras — sei que sua passagem por aqui é curta, mas que você esteja para toda a minha vida guardada em minhas memórias, obrigado por tudo. Agradeço a cada um que fez com que isto fosse possível. “I cannot describe to you my sensations on the near prospect of my undertaking. It is impossible to communicate to you a conception of the trembling sensation, half pleasurable and half fearful, with which I am preparing to depart. I am going to unexplored regions, to “the land of mist and snow”; but I shall kill no albatross, therefore do not be alarmed for my safety.” Mary Shelley (Frankenstein: The modern Prometheus) RESUMO Esta dissertação propõe uma análise da personagem Xerxes presente na tragédia Persas de Ésquilo. Para a condução desta pesquisa, foram utilizadas bases teóricas sobre a história e a cultura relativas ao mundo grego antigo, a exemplo de Albin Lesky (1995 e 2015), Jacqueline de Romilly (2008) e Maria Helena da Rocha Pereira (2006). A fundação da análise tem como principal base os textos Poética e Retórica, de Aristóteles, este que foi escolhido como principal guia para os estudos aqui desenvolvidos, devido à proximidade temporal de apenas algumas décadas entre ele e o autor da obra aqui estudada. Tendo 472 a.C. como sua data de possível estreia, a peça narra os eventos que foram desencadeados após a derrota persa para os gregos na batalha de Salamina em 480 a.C. Foi levado em consideração o fato de as personagens principais da peça serem figuras da história recente para o público em questão, por isto, foi pertinente para um entendimento mais amplo a seleção de textos do historiador Heródoto que narrou grande parte dos conflitos entre gregos e persas. Para os fins desta pesquisa, foi utilizado apenas o livro VIII, que tem como elemento narrativo principal a batalha de Salamina e o seu desenrolar. O processo de análise teve como metodologia a leitura detalhada das cenas, sendo destas coletadas as opiniões enunciadas pelas personagens em palco. Essas opiniões foram confrontadas pelas ações da personagem analisada para que fosse traçada uma linha das características e motivações desta personagem. Tendo em vista que durante a leitura percebeu-se que Xerxes, muitas vezes, era comparado ao seu pai, Dario, rei anterior que por meio de guerras e invasões acoplou grande quantidade de terras à, já rica, Pérsia. Estas comparações se mostraram pertinentes para o entendimento mais aprofundado de Xerxes, por isso foi feita também uma análise de Dario, que seguiu os mesmos preceitos e técnicas utilizadas na análise do rei Xerxes, porém visando sempre os elementos que ajudariam na análise do jovem rei. A culminância da pesquisa é entender as ações de Xerxes e ponderar se estas estão ou não relacionadas às conquistas de seu pai. Palavras-chave: Tragédia grega; cultura clássica; Ésquilo; Aristóteles. ABSTRACT This thesis proposes an analysis of the character Xerxes in Aeschylus’ Persians tragedy. To the conduction of this research,theoretical bases of history and culture related to the ancient Greek world were used. The following authors guide this part: Albin Lesky (1995 and 2015), Jacqueline de Romilly (2008) and Maria Helena da Rocha Pereira (2006). The main text sources of this analysis are Poetics and Art of Rhetoric, by Aristotle, who has been chosen as main guide to the study here developed due to the temporal proximity of only a few decades between him and the author of the work being analyzed. Being 472 BC as the possible time of its first run, Persians unfolds the events triggered after the Persians’ defeat by the Greeks at the Battle of Salamis in 480 BC. The fact that the main characters in the play are characters of recent history for the audience in question was taken into consideration, that’s why it was necessary, for a broader comprehension, a text selection of the historian Herodotus, who narrated the most part of the conflicts between Greek and Persians. For the purposes of this research only the book VIII has been utilized for having as narrative scenery the Battle of Salamis and its unfolded events. The analysis process had as methodology the detailed lecture of the scenes and has collected opinions stated by its characters, opinions which have been confronted by the actions of the analyzed character, Xerxes, so that we could draw a profile through his characteristics and motivations. Bearing in mind that during the reading it was noticed that Xerxes often was compared to his father, Dario, a former king who through wars and invasions attached a huge number of lands to the already rich Persia. Those comparisons proved pertinent to enrich a profound comprehension of Xerxes, and for this reason it was also made an analysis of Dario, that followed that same means and technics utilized to study the king Xerxes, but always aiming at elements that would help the analysis of the young king. The culmination of this research is to understand Xerxes’ actions and ponder whether these actions are related or not to the conquers of his father. Key words: Greek tragedy; classical culture; Aeschylus; Aristotle. ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO 11 2. CAPÍTULO I – O TRÁGICO, O FILÓSOFO E O HISTORIADOR 18 2.1. Sobre a tragédia e sua relevância para a sociedade grega 18 2.2. Ésquilo e o seu contexto de escrita 20 2.3. Aristóteles e seu contexto de escrita 23 2.4. Apresentação do personagem histórico Xerxes e suas aparições em Heródoto 25 3. CAPÍTULO II – AS TÉCNICAS POR TRÁS DO HOMEM TRÁGICO 29 3.1. O discurso poético: O personagem trágico sob o prisma da Poética 29 3.2. O discurso retórico: O personagem trágico sob o prisma da Retórica 41 3.3. Uso do discurso no texto trágico 53 4. CAPÍTULO III – O FILHO DO PAI 56 4.1. Considerações de antes da análise 56 4.2. O pai de Xerxes: uma análise de Dario em Persas 58 4.3. A imagem de Xerxes como protagonista a partir das personagens de Persas 65 5. Considerações finais 78 6. Referências 81 1. Introdução A presente pesquisa se propõe a uma análise da obra Persas1 de Ésquilo, visando ao estudo da personagem régia Xerxes, tendo como um dos objetivos entendê-lo, pelas suas ações e falas, bem como pelas considerações que as demais personagens tecem sobre ele durante o decorrer da peça. A imagem que o autor constrói para este rei da Pérsia em sua tragédia será analisada pelo prisma aristotélico (a partir de suas considerações na Poética e na Retórica), levando em conta também o que sobre ele registrou Heródoto em seu discurso histórico. As tão conhecidas tragédias gregas contam histórias de tempos míticos em que os deuses enviavam heróis para realizarem grandes feitos que influenciavam toda a história humana. Vários desses mitos fazem parte do conhecimento popular e estão gravados em nossa cultura e literatura. Por meio da literatura os grandes escritores gregos mimetizavam ações tão brutais como o assassinato de familiares, a prática de incesto, o exílio, entre outros temas que chocam e são, normalmente, tratados com muito pudor e silenciamento. Se observarmos todo o corpus trágico que nos chegou à atualidade, perceberemos que muitas das histórias são representações destes antigos mitos, sendo estes já tradicionais e partes da cultura popular oral para a sociedade grega da época. Os fatos que lá estavam sendo narrados eram tão antigos quanto os reis e heróis que tomavam parte nas peças e eram de tempos completamente diferentes daqueles nos quais estavam sendo narrados, levando-nos, então, a crer que havia algum tipo de tendência ou mesmo preferência entre os escritores por tratarem destas narrativas. Poucas, por sua vez, fogem à regra e tratam de argumentos históricos vivenciados pela comunidade logo antes da encenação da tragédia. Um exemplo disto é a peça Persas, que é o objeto de estudo desta dissertação. Todavia, não podemos vê-la apenas como um ponto fora da curva no mapa das tragédias, já que esta é a mais antiga que nos chegou, por sorte, em sua forma (possivelmente) completa. Escrita por Ésquilo e datada em 472 a.C., Persas aborda os eventos 1 Há, comumente, a tradição de se fazer a marcação do artigo definido no título da peça: Os Persas, porém optamos pela retirada deste artigo visto que o título original no grego aparece como Πέρσαι. Levando em consideração a existência do artigo definido na gramática grega e a opção do autor em não utilizar achamos que para esta dissertação seria pertinente chamar a peça apenas de Persas. posteriores à Batalha de Salamina que data cerca de oito anos antes da possível primeira encenação. O evento era de conhecimento comum da sociedade da época por se tratar da primeira grande vitória grega sobre o império persa. Como dizem muitos estudiosos, entre eles Papadimitropoulos (2008) e Thalmann (1980), existem vários motivos que dificultam o entendimento de Persas para os leitores modernos. Entre eles está o fato de serem tratados eventos históricos muito próximos à época em que a tragédia teria sido encenada. Outro seria a magnitude do evento encenado, afirmando-se que ainda estariam muito vivos na mente dos espectadores. A peça mostra também nomes conhecidos para os atenienses que assistiam ao espetáculo, tornando toda a experiência mais memorável. É quase possível ouvir um emocionado coro clamando ao fundo enquanto o mensageiro dos persas se referia à fala dos atenienses durante a batalha: [...] ὦ παῖδες Ἑλλήνων ἴτε, ἐλευθεροῦτε πατρίδ᾽, ἐλευθεροῦτε δὲ παῖδας, γυναῖκας, θεῶν τέ πατρῴων ἕδη, θήκας τε προγόνων: νῦν ὑπὲρ πάντων ἀγών.2 (Ésquilo, 402-405) É, com efeito, interessante perceber a história recente ser transformada em arte. A nossa concepção principal de tragédia parte de feitos heroicos que geraram a queda de grandes reis mitológicos (Lesky, 2015), contudo, esta narrativa apresenta personagens que são personalidades conhecidas pela sociedade da época. Durante toda a construção da peça o autor anuncia diversas vezes a chegada do então rei da Pérsia, aguardado por seu povo, que aos poucos descobria o cruel destino da sua amada pátria. Xerxes é mencionado e aguardado por todas as personagens do texto, que o caracterizam de diversas formas, desde divindade entre os homens a irresponsável rei que cometeu hybris (o termo utilizado remete ao grego ὕβρις que indica algum tipo de violência cometida contra os deuses principalmente por meio da soberba ou insolência). Este é sempre comparado ao seu pai, que é chamado dos mortos pelos súditos em busca de aconselhamento e consolo. Ao longo da peça percebe-se que, quanto mais execrada se torna a personagem do jovem rei, mais enaltecida se torna a de seu pai. A persona de 2 “Oh filhos dos helenos, ide, / libertai a pátria, libertai as / crianças, as mulheres, os templos dos deuses dos nossos antepassados, / os túmulos dos nossos pais: agora portodos marchamos.” (Trad. nossa). Xerxes é forjada pela boca do povo e de seus pais como um miserável que não caiu nas graças das Moiras. Por seu caráter histórico, propomos uma comparação entre essas personagens criadas pelo tragediógrafo com aquelas relatadas pelos registros históricos. Partindo deste princípio, o presente projeto concentra-se no multifacetado Xerxes. Percebemos, todavia, que o reflexo do pai se encontra presente nos relatos do filho, tanto na peça quanto na história, logo achamos necessária a análise de Dario para que fosse estabelecido um contraponto com o atual rei da Pérsia: Xerxes. Trouxemos também, quando pertinentes, elementos históricos encontrados nos registros de Heródoto. Voltar às nossas origens sempre pode proporcionar uma nova visão do presente. Sabendo disso os estudos clássicos resistem nas universidades se aliando às áreas vigentes do conhecimento, mas sempre procurando para si um espaço de fala. Esta pesquisa procura resgatar a memória dos textos clássicos e contribuir para esta área tão importante, sabendo que toda a doutrina e sabedoria deixadas pelos gregos é de fundamental importância para os estudos atuais. O estudo da tragédia nos fornece, pela manifestação artística, um panorama de como a sociedade grega lidava com suas questões morais, já que a tragédia trata da questão do poder, dos erros humanos e dos limites entre liberdade e destino. Procuramos, assim, entender, dentre outras coisas, como funcionava uma personagem trágica, bem como compreender o que na arte e na história se fala de um inimigo tirano. Buscamos, com a análise de Persas de Ésquilo, compreender como se dá essa mimese que como bem define Aristóteles (2015): o gênero dramático é composto pela mimese da ação, ou seja, a recriação da realidade tendo inspiração na vida cotidiana, repensada e reinserida em eventos não cotidianos. Além da pouca pesquisa na área da Literatura Clássica realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, poucos são os estudos, em geral, que falam sobre esta tragédia de Ésquilo tão singular. Entre as tragédias clássicas, Persas, talvez, tenha sido uma das mais preteridas, dado o seu caráter de narrativa histórica, tornando-a, aparentemente, um ponto fora da curva. Uma análise deste texto pode trazer entendimentos de como a arte reconta a história e como personagens reais são imortalizados pela literatura. Levando em consideração toda a problemática exposta, as questões que nortearam a escrita desta dissertação foram: • Como a personagem Xerxes é criada a partir do que é falado sobre ela, sob a perspectiva de cada personagem da tragédia? • Como a personagem Dario é criada a partir do que é falado sobre ela, sob a perspectiva de cada personagem da tragédia? • Como se estabelece a relação de comparação entre as personagens de Xerxes e Dario feita pelas outras personagens da peça? • Xerxes, na última cena, respalda ou não a imagem criada para ele nas cenas anteriores? • A imagem proposta por Heródoto para compor a personagem de Xerxes corresponde à personagem encontrada na tragédia de Ésquilo? Em termos teóricos, esta dissertação de mestrado ancora-se principalmente nas obras Poética e Retórica de Aristóteles. Contudo a distância temporal que nos afasta do mundo grego é, sem dúvida, muito grande, por isso serão necessários dois aportes teóricos que irão embasar o entendimento sobre o recorte do mundo clássico presente nesta pesquisa: o aporte histórico e cultural, bem como o aporte teórico relacionado à tragédia grega. Para entender um texto da antiguidade clássica se faz necessário o entendimento da sociedade na qual ele foi concebido e primeiramente apreciado. Saber que as tragédias eram, na Grécia, apresentadas em rituais religiosos, é muito importante para uma análise mais detalhada de seu conteúdo. Os mitos e a própria tradição cultural grega envolvidos na escrita e na encenação de uma tragédia precisam ser de conhecimento do pesquisador para que a compreensão do texto trágico possa ser substancial. Para tanto foram utilizados dois autores que trabalharam a história grega: Albin Lesky (1995) em História da literatura grega, bem como a obra Estudos de história da cultura clássica, da professora Maria Helena da Rocha Pereira (2006). As bases para os estudos da mitologia grega se deram com o apoio do dicionário de mitologia clássica de Pierre Grimal (1990). Os conhecimentos necessários para a compreensão da teoria da tragédia grega nos estudos atuais serão propostos por dois livros homônimos: A tragédia grega, um escrito por Albin Lesky (2015) e outro por Jacqueline de Romilly (2008). Entender as obras clássicas é ter contato com o mundo clássico, e um dos mais profícuos autores deste tempo deve ter lugar de destaque para os estudos relacionados a este campo de conhecimento. Desde Aristóteles, a análise poética e a crítica literária evoluíram a passos largos, mas não se esqueceram de suas origens: a Poética ainda é, e deve sempre ser, uma obra fundamental para entendermos a nossa própria criação artística relacionada à literatura. Para ser considerado um dos maiores estudiosos da humanidade e pautar grande parte da produção científica do mundo ocidental, Aristóteles não escreveu apenas sobre a linguagem poética. A Poética guiou a discussão sobre os elementos da tragédia e do discurso poético. Todavia, aquilo que não estava diretamente ligado à enunciação poética e os outros elementos da caraterização das personagens ficaram a encargo da Retórica (2012). Esta fundamentou uma análise aprofundada do discurso lógico das personagens em cena, seja para criar uma noção de impressão entre elas próprias, seja para entender as emoções que foram mimetizadas ao longo das cenas. Estudar literatura é ter noção da tradição literária construída ao longo de toda a nossa história. Os campos dos estudos literários perpassam, com frequência, pelo filtro aristotélico, seja para serem fundamentados por meio de profundas análises deixadas pelos antigos, seja para serem confrontados pela inventividade do poeta que extrapola os limites dos manuais preconcebidos. Temos como norte principal os conceitos que o filósofo grego propõe para a definição de tragédia, bem como as roupagens estudadas por ele para os diversos gêneros de discurso e inclinações de moral. Os limites entre o texto poético (no sentido lato de obra literária) e o histórico, bem como as caracterizações de personagens, foram fundamentais para a realização desta pesquisa. A análise pauta-se no estudo da configuração literária da personagem. Foi, então, feito um levantamento dos posicionamentos das outras personagens que convergem numa descrição imagética de Dario e Xerxes nos três primeiros atos da peça. Depois foi sistematizada, partindo das várias opiniões analisadas, uma descrição da personagem do jovem rei, tentando-se observar a construção do psicológico do soberano persa antes de sua aparição. Em seguida, analisamos o último ato da peça, em que Xerxes entra em cena e interage com o coro. A partir desta cena, foi analisado o comportamento do rei diante da derrota e como a interação com seus súditos confirma ou nega a persona criada ao longo da peça pelas outras personagens. Antes de darmos início à análise da peça, procuramos compreender a concepção cultural que já se tinha sobre as personagens em questão. Para tanto utilizamos uma das mais antigas e importantes obras de história conhecida no mundo ocidental: Histórias de Heródoto. Para os fins desta dissertação foi selecionado, dentre os nove livros da coletânea, o livro VIII, intitulado Urânia. A escolha se dá pelo conteúdo da obra ter como foco o mesmo período histórico da peça, isto é, a Batalha de Salamina entre gregos e persas, bem como os eventos imediatamente subsequentes. Procurando manter a simplicidade daestruturação desta dissertação optamos por dividi-la em três capítulos. O primeiro capítulo conta com estudo cultural sobre os costumes gregos, bem como as especificidades da tragédia grega e sua relevância para a comunidade da época. Os estudos de história foram guiados por Lesky (1995) e Rocha Pereira (2006); já os estudos sobre tragédia grega contaram com a ajuda de Lesky (1995) e Romilly (2008). Ainda no primeiro capítulo procurou-se fazer um apanhado geral sobre a vida e obra do autor do nosso objeto de estudo: Ésquilo. Para compor o arsenal historiográfico a ser útil durante a leitura da dissertação achamos importante trazer os contextos de escrita das obras de Aristóteles e finalizar o capítulo com uma descrição histórica do rei Xerxes a partir de Heródoto. O segundo capítulo conta com um estudo teórico das obras de Aristóteles, está dividido em três seções cuja primeira parte conta com o estudo sobre a Poética. Julgamos necessárias todas as partes do texto, logo, a análise conta com o corpus da obra completa que foi trabalhada de forma explícita ao longo de toda esta seção. A seção seguinte foca no segundo livro da Retórica pois compreende os diferentes caracteres que estão por trás de um discurso. Aqui procuramos entender as diferentes facetas de um discurso, buscando compreender as motivações e lugares sociais daqueles que impõem sua palavra. A última parte se trata de uma conclusão, estabelecendo um caminho médio entre as três obras utilizadas. Por último, o terceiro capítulo busca consolidar todos os estudos feitos em uma análise detalhada de toda a peça Persas de Ésquilo, tendo como foco as personagens de Dario e Xerxes. Tudo que foi apresentado pelos capítulos anteriores culminou em uma discussão sobre este texto literário. O capítulo se divide em três seções principais. A primeira tem o objetivo de introduzir o leitor tanto ao método utilizado bem como contextualizar a peça no seu período histórico, Heródoto é retomado como auxiliar para que fique claro a origem da peça e de suas personagens. Utilizando uma linguagem narrativizada de eventos históricos, Heródoto apresenta, em sua obra, personagens vivas que foram um dos combustíveis para pautar as discussões seguintes, servindo de comparação factual das personagens literárias. As partes seguintes têm como sede a obra Persas de Ésquilo. A segunda seção tem foco na personagem Dario, e procura entendê-lo por meio de suas próprias ações em cena e pelo que dizem as outras personagens sobre ele. A terceira seção gira em torno de Xerxes e utiliza o mesmo método de análise que serviu para Dario. Tratando-se de literatura, como bem relatam Brunel, Pichois e Rousseau (2012), traduções são importantes para a circulação e reavivamento da obra, mas um comparatista precisa ter contato com as obras originais. Foi, então, utilizado o texto de Ésquilo em seu idioma nativo, isto é, grego antigo: para tanto foi levada em conta a versão da obra editada pela Prensa Universitária de Oxford organizada e anotada por Sidgwick (1903). Visando a ampla compreensão do texto, foram, também, utilizados o dicionário de Lidell, Scott e Jones (1996), e o dicionário mitológico de Pierre Grimal (1990). Para eventuais consultas foram utilizadas duas traduções para o português brasileiro de Persas, uma por Kury (2008) e outra por Vieira (2013). Pensamos que proporcionar a nossa própria tradução de todos os trechos analisados de Persas seria fundamental para a fluidez de leitura e relevância desta pesquisa. Logo, foi estabelecido que o texto original em grego seria utilizado como citação no corpo do texto, sendo sempre acompanhado pela tradução ao português em nota de rodapé. 2. Capítulo I – O trágico, o filósofo e o historiador 2.1. Sobre a tragédia e sua relevância para a sociedade grega 2.1.1. A origem do gênero trágico A grande quantidade de artigos que se dedicam a especular o surgimento da tragédia grega reflete as nossas incertezas sobre a real origem deste gênero tão precioso para a cultura ocidental. Como para muitos eventos de origem antiga e desconhecida, os gregos não fizeram diferente para a tragédia e dedicaram-lhe um mito para o seu nascimento. Contavam os antigos sobre um jovem rapaz no meio de uma grande multidão ébria que dedicava festa e vinho para o grande deus Dioniso. A turba ovacionante não percebia quando o jovem Téspis entrava em contato com o deus que lhe tomava os sentidos. Dioniso agora falava pela boca de Téspis e chamou a atenção de todos ao narrar-lhes sua história, as lutas que travara e como havia ascendido ao Olimpo para o lado de seu pai, Zeus. Embasbacada, a multidão lhe rendeu graças e continuou a festejar. Aquele evento foi repetido nos anos seguintes e perpetuado como tradição religiosa. O jovem Téspis ficou conhecido como “o primeiro ator”. Anos depois não era narrada apenas a vida de Dioniso, mas também de outros deuses, depois foram sendo narradas histórias comoventes de reis e heróis de tempos passados (ROCHA PEREIRA, 2006). Temos, então, o mito do surgimento da tragédia, que recebeu este nome pela junção de dois termos gregos: τράγος que significa bode e ᾠδη que significa canção. Sabendo que Dioniso era, muitas vezes, representado pelo símbolo do bode, vale lembrar que os seus seguidores, os sátiros, eram homens-bode, fica claro que o termo escolhido para um culto que este deus houvesse começado fosse chamado de “canção do bode”. Temos algumas ponderações de Romilly: E, primeiro, existe este termo – a tra-œdia – que significa «o canto do bode». Como compreender este termo? E o que fazer com este bode? A hipótese mais difundida consiste em aproximar o bode dos sátiros, associados normalmente ao culto de Dioniso, e em aceitar as duas indicações de Aristóteles, que, em primeiro lugar, na Poética, 1449 a 11, parece fazer remontar a tragédia aos autores de ditirambos (quer dizer, de obras corais executadas sobretudo em honra de Dioniso) e que, mais adiante, precisa, em 1449 a 20: «Quanto à grandeza, tarde adquiriu [a tragédia] o seu alto estilo: [só quando se afastou] dos argumentos breves e da elocução grotesca, [isto é] do [elemento] satírico»(*). Teríamos, assim, para a tragédia, uma origem muito próxima da da comédia – grupos de fiéis de Dioniso, representando sátiros, e cujo aspecto ou vestuário fazia pensar no bode. (ROMILLY, 2008. p. 18) Se sairmos da mitologia e pensarmos mais factualmente no que seria a tragédia chegamos, em algumas conclusões mais técnicas. As partes da tragédia bem como suas características que a diferenciam como gênero serão estudadas no capítulo II desta dissertação, mas, por hora, pensemos no que é, de fato, a tragédia. O gênero trágico nasceu, afirma Aristóteles (ARISTÓTELES, 2015. p. 69-71), como uma derivação do gênero épico, mas com uma diferença inaugural: a descrição, isto é, a epopeia utiliza a descrição para narrar, já a tragédia não precisa de longas descrições pelo seu caráter de mostrar. Logo conclui-se que desde a origem a tragédia é um gênero único e apreciado como tal. 2.1.2. A tragédia na sociedade grega A tragédia sempre possuiu caráter religioso e era apresentada em festivais que contavam com a participação de todos que habitavam a cidade, em alguns casos, até mesmo os indivíduos escravizados tinham acesso ao evento. Estes eventos festivos eram normalmente dedicados a Dioniso. Entre os Gregos não se ia ao teatro como podemos ir nos nossos dias – escolhendo dia e o espetáculo, e assistindo a uma representação que se repete todos os dias ao longo do ano. Havia duas festas anuais onde se apresentavam tragédias. Cada festa comportava um concurso, que durava três dias; e, em cada dia, um autor, selecionado muito tempo antes, fazia representar, seguidas, três tragédias. A representação era prevista e organizada a expensas do Estado, dado que era um dos altos magistradosda cidade que devia escolher os poetas e escolher, igualmente, os cidadãos ricos encarregues de prover a todas as despesas. Enfim, no dia da representação, o povo todo era convidado a ir ao espetáculo: desde a época de Péricles que os cidadãos pobres até, para este efeito, recebiam um pequeno abono. (ROMILLY, 2008. p. 15) Os festivais dedicados a Dioniso eram celebrados em quatro épocas diferentes do ano, eram estes: as Antestérias, que aconteciam no fim de fevereiro; as Leneias, celebradas em janeiro; em dezembro eram celebradas as Dionísias Rurais e, por fim, temos as Dionísias Urbanas, celebradas na primavera em honra ao Dioniso Eleuthereus. Concentremo-nos nessa última, pois era nesta festividade que tínhamos a manifestação do evento de teatro, onde três autores eram selecionados meses antes para apresentar três obras, tendo estas conexão temática ou não (ROCHA PEREIRA, 2006). As Dionísias Urbanas aconteciam ao longo de seis dias, dos quais cinco eram dedicados a apresentações de comédias, tragédias e ditirambos, enquanto que o último dia era dedicado às premiações. Os festivais eram abertos logo de manhã com libações e sacrifícios, depois tinham as primeiras apresentações. Dos cinco dias de espetáculos, três iniciavam-se pelas tragédias e cada autor era responsável por um dia no qual exibia um conjunto de três tragédias. Dois dias eram iniciados pelos poemas ditirâmbicos e dois autores se apresentavam cada um em um dia. Todos os cinco dias eram encerrados por uma comédia, cada dia um autor diferente. Não temos certeza da ordem de divisão entre quais dias eram apresentadas as tragédias e quais os poemas ditirâmbicos, mas muito provavelmente não existia uma tradição fixa, cabendo à organização de evento divulgar aos cidadãos essa ordem (ROCHA PEREIRA, 2006). No sexto dia de evento, ocorriam as premiações, que eram determinadas por um júri de cidadãos sorteados no primeiro dia que classificavam, a seu gosto, as apresentações. No fim, o arconte anunciava os vencedores que recebiam uma coroa de hera. O festival era debatido em assembleias que ponderavam sobre a conduta dos responsáveis e já marcavam o início da organização para o ano seguinte. Tais festas eram aguardadas por todos os cidadãos e representavam o início da primavera, um bom ano estava normalmente ligado ao bom desempenho do festival. Logo os responsáveis pelo evento eram cidadãos ricos que faziam de tudo para associar seus nomes aos melhores festivais. 2.2. Ésquilo e o seu contexto de escrita 2.2.1. O soldado dramaturgo “Ésquilo é o homem das guerras médicas”, é assim que Romilly (2008. p. 53) inicia seu capítulo sobre o mais antigo dos três grandes dramaturgos gregos que sobreviveram até os nossos tempos. Não se tem tanta certeza sobre quando e onde Ésquilo tenha nascido, mas se estima que tenha sido por volta de 525 ou 524 a.C. numa pequena cidade chamada Elêusis, a noroeste de Atenas. Chegaram-nos, de forma quase íntegra, sete peças deste autor, encenadas, possivelmente, entre 472 e 458 a.C., esta última data marca dois ou três anos antes da sua morte em 556 ou 555 a.C. Estima-se que a mais antiga de suas tragédias tenha sido Persas, datada em 472 a.C. As outras peças são: Sete contra Tebas, datada em 467 a.C., As Suplicantes de 463 a.C. e a trilogia da Orestéia em 458 a.C., que conta com as peças Agamemnon, Cóeforas e Eumênides. Nos chegou também Prometeu acorrentado, mas não temos certeza de quando ou onde tenha sido apresentada. Há, na academia a discussão se esta peça foi, de fato, escrita por Ésquilo3. Além das peças que nos chegaram, vale ressaltar que, como muitos autores do período clássico, inúmeros títulos foram engolidos pelas areias do tempo, sobrando-nos apenas alguns nomes citados por outros autores, que, com sorte, estão acompanhadas do argumento geral descrito em poucas linhas ou alguns versos soltos e descontextualizados. São estes: Ifigênia, Filoctetes, Penelope, Mísios, Mulheres trácias, Salaminas, entre outros tantos completamente esquecidos. Sabe-se que Ésquilo participou como soldado das guerras médicas e lutou em Maratona no ano de 490 a.C. e em Salamina no ano de 480 a.C., vendo de perto a ascensão e queda do rei Xerxes I. Acredita-se que sua experiência na guerra tenha sido o combustível para a sua primeira grande vitória nos festivais das Dionísias, isto é, a execução de sua peça, Persas. A presença dos deuses é algo que se faz muito recorrente nas peças de Ésquilo, seja por meio de menções ou a própria aparição de entidades para punir mortais ou liberá-los de algum fardo. Porém, do mesmo modo que os deuses tomam parte nos enredos, a justiça divina também é muito presente e para Ésquilo, essa justiça divina se manifesta quando os homens se tornam completamente responsáveis pelos seus atos e sofrem as consequências integralmente. A própria ideia de justiça divina, contudo, implica que os homens sejam responsáveis pelos seus actos. E no teatro de Ésquilo são-no completamente. São-no em relação aos deuses, que se arriscam a irritar a cada momento; são-no também em relação ao grupo que têm a seu cargo e que a todo o momento se arriscam a arrastar num desastre. Esta responsabilidade de caráter cívico ou político alia-se mesmo à primeira e contribui para dar aos seus actos um reflexo mais profundo. (ROMILLY, 2008. p. 69) Por fim, é notável o brilhantismo de Ésquilo ao mesclar de forma magistral os elementos divinos com a justiça humana. Nos mundos criados por ele, existem 3 Romilly (2008. p. 63) discute mais profundamente essa questão afirmando que há diversas dúvidas sobre de onde tenha vindo esta tragédia. Existem hipóteses que faça parte de uma trilogia perdida cujo primeiro trabalho se intitularia Prometeu Portador do Fogo, esta que possuímos seria o segundo título que precederia o possível título Prometeu liberto. Todavia, não temos dados suficientes para comprovar qualquer data de apresentação, e o estilo de escrita da peça difere consideravelmente de todas as obras do autor. claros resquícios de uma crueldade acidamente crítica, que revelam os seus conhecimentos profundos sobre religião, justiça e guerra. 2.2.2. Sobre Persas Encenada pela primeira vez por volta de 472 a.C. o autor deixa claro o tempo e espaço do enredo, isto é, somos transportados para o vestíbulo do Palácio de Xerxes I em 480 a.C. e nos são apresentadas figuras históricas, que possivelmente estavam muito nítidas nas memórias daqueles que presenciaram a encenação da peça pela primeira vez. O coro é composto majoritariamente de anciãos e conselheiros reais. O argumento da peça gira em torno de um ato de hybris e suas consequências. Como bem sintetiza Romilly: Nos Persas, a ideia de justiça divina aparece de um modo tanto mais notável quanto ele se encontrava, a priori, fora do seu lugar. Com os Persas, deveríamos ter tido, normalmente, uma peça de circunstância ou, como diríamos hoje, uma peça engagée. Ora, o que temos é inteiramente o contrário. Primeiro, o assunto é tratado do ponto de vista, não dos vencedores, mas dos vencidos. Aqui Ésquilo teve um predecessor ilustre: Frínico fora coroado, quatro anos antes, por uma peça que tratava o mesmo assunto e adoptava a mesma perspectiva; é a peça intitulada as Fenícias. Não podemos dizer nada de muito preciso acerca dela (sabemos exatamente que foi mandada encenar por Temístocles, como a de Ésquilo o foi por Péricles). Em contrapartida, podemos precisar que, em Ésquilo, não há uma única palavra respeitante aos homens do momento: Temístocles, o grande vencedor de Salamina, não é nomeado; e a própria Atenas (fora um ou dois versos) confunde-se com a massa dos Gregos. Só os Persas preenchem a tragédia – ou, melhor, os Persas e os deuses. (ROMILLY, 2008. p. 57) O enredo de Persas mimetiza algumas ações imediatamente sucedentes à Batalha de Salamina, um evento que marcaa história como a grande derrota persa. A peça é composta de quatro atos, sendo os três primeiros protagonizados pela mãe de Xerxes, a rainha Atossa, enquanto o último ato tem a ação centrada do próprio Rei Xerxes. A encenação começa na frente do palácio real da Pérsia, com o coro, composto de idosos, crianças e mulheres persas, que aguardava ansiosamente por notícias da guerra que estourava entre o seu povo e os gregos. Neste início, o coro apresenta a rainha Atossa, que os consola com palavras de esperança. Esse estado de espera logo é quebrado com a chegada do mensageiro de Xerxes, que carrega terríveis notícias sobre o atual estado da nação e as possíveis consequências terríveis que a esperam, anunciando a derrota de seu povo perante os gregos e informando que o rei em breve retornará sozinho, pois grande parte do seu exército foi dizimado em sucessivas batalhas perdidas contra os inimigos dóricos. Os eventos narrados sobre a guerra coincidem com a versão apresentada por Heródoto em Histórias, que conta que, mesmo com um exército quase dez vezes maior, os persas caíram em uma armadilha grega. O mensageiro sumariza que durante a noite espalhou-se um boato de que os gregos teriam desistido da batalha e estavam batendo em retirada. O rei Xerxes, ao tomar conhecimento da situação, posiciona seus capitães em locais estratégicos para impedir a fuga grega. Sabendo disso, os helenos se espalharam entre os exércitos persas e derrotaram isoladamente cada uma das falanges. A queda de seus capitães chegou como um forte golpe aos ouvidos do rei, que prevendo a derrota, ordenou a retirada das infantarias restantes que diminuíam a cada segundo. Xerxes, sem ver outra saída, mandou o mensageiro para avisar do seu breve retorno para sua mãe e súditos. Desolada, a rainha então recorre ao sobrenatural e evoca do Hades o espírito do seu falecido esposo, o rei Dario, pai de Xerxes. Com Dario em cena, eles conversam sobre o futuro incerto da Pérsia e sobre os erros cometidos pelo seu filho. Após o diálogo, com o desaparecimento do marido em tênues auras, Atossa se vê novamente sozinha com o coro e resolve entrar no palácio para organizar roupas limpas e comida enquanto aguarda o retorno de seu filho. No último ato, Xerxes entra em cena, e com grande pesar, fala aos seus súditos, confirmando sua derrota e chorando as mágoas de um rei que viu seu povo cair em profunda desgraça. 2.3. Aristóteles e seu contexto de escrita Aristóteles nasceu em 384 a.C., ano em que acontecia a 99ª Olimpíada, na cidade de Estagira, na região da Calcídia, sob o domínio do rei da Macedônia. Seu pai, Nicômaco, era o médico pessoal do rei e segundo a tradição deveria instruir seu filho nos caminhos da medicina. Todavia, acabou morrendo antes que pudesse concluir a educação de Aristóteles, deixando-o órfão. Os conhecimentos do pai marcaram a inteligência do filho, e uma percepção que Aristóteles desenvolveu do conhecimento e por conseguinte da filosofia é de se tratar de um organismo vivo que responde de maneira orgânica aos fatos. Muitos de seus trabalhos refletem essa visão da realidade. Com a morte de seu pai, a sua educação nos caminhos da medicina precisou ser interrompida e seu novo mestre Proxeno de Atarnea ficou incumbido de ensiná- lo a arte do discurso. Manteve-se com Proxeno até meados de 366 a.C. quando se mudou para Atenas e entrou para a Academia de Platão. Aristóteles permanece em Atenas até a morte de seu mestre em 347 a.C. A sua situação política como estrangeiro não o permitia plenos direitos cíveis na cidade, além disso, a escolha de Espeusipo como novo dirigente da academia platônica foi mais um dos motivos que o fizeram tomar a decisão de retornar para a Macedônia onde logo foi recrutado como preceptor de Alexandre. A obra de Aristóteles é uma das mais vastas e completas obras que possuímos da antiguidade clássica. Tem-se, a partir da ordem estabelecida por Bekker em 1831, que estudou e catalogou toda a obra do estagirita, a seguinte cronologia: Órganon; Física; Da geração e da corrupção; Do cosmos; Do céu; Dos meteoros; Da alma; Parva Naturalia, que são alguns tratados de assuntos diversos envolvendo a alma; Sobre os animais; Das partes dos animais; alguns outros tratados de assuntos diversos envolvendo botânica e meteorologia; Problemas, que é um compilado de questões acerca dos textos homéricos; Retórica a Alexandre; Metafísica; Economia; Grande moral; Ética a Eudemo; Ética a Nicômaco; Dos Atenienses; Das virtudes e vícios; Política; Retórica e Poética (PINHEIRO, 2015). A sua obra se divide em três principais momentos, isto é, antes de sua mudança para Atenas, durante sua estadia na academia e após o seu retorno para a Macedônia. Os assuntos abordados são, de todo, plurais, trazendo questões da natureza física das coisas até reflexões sobre a alma. Nesta dissertação trataremos das questões trazidas em seus últimos trabalhos que abordam o discurso em toda a sua variedade. O filósofo escreveu, como visto anteriormente, dois principais tratados que abordam o discurso. O primeiro se volta para a arte da comunicação que tem o objetivo de persuadir. Trata-se, pois, da Retórica que será estuda na seção 3.3. deste trabalho. O outro texto é computado entre os principais trabalhos que embasam os estudos literários modernos, seja para somar-se com as análises contemporâneas, seja para servir de contraponto e trazer uma visão diferente daquela com a qual já estamos acostumados. A Poética aborda o discurso imagético tendo como principal objetivo a evocação do discurso literário que tange o belo na tentativa de impressionar e trazer a contemplação estética. Os dois textos supracitados serão cuidadosamente analisados para que possamos desenvolver um fio condutor que serve de base para os estudos do texto trágico analisado nesta dissertação. 2.4. Apresentação do personagem histórico Xerxes e suas aparições em Heródoto Heródoto é apresentado por Cícero como pater historiae. O termo história teria sido cunhado pelo próprio Heródoto ao nomear sua obra ἱστορίαι um substantivo derivado do verbo ἱστορέω, que significa “investigar”, logo, o livro seria uma espécie de investigação. Para Heródoto a descrição histórica vai muito além de uma marcação de fatos e datas, envolve, de fato, uma investigação cultural e geográfica contida em uma narrativa bem elaborada. Sua maneira de narrar eventos históricos é, muitas vezes, visto pelos historiadores modernos como problemáticos, porém, para os fins desta dissertação de tentar traçar uma imagem de Xerxes a partir de um texto literário, o caráter narrativo da obra do historiador nos proporciona uma luz mais ampla de uma imagem mais detalhada de Xerxes dentro da perspectiva grega. Endossa isso o artigo de Grethlein (2009) que procura explicações mais profundas para as escolhas de escrita de Heródoto: Herodotus' approach lets us consider the didactic aspect of the Histories in new light. As I noted at the beginning, recent scholarship has elaborated on the prolepseis in the Histories through which Herodotus prompts his readers to view the more recent past and present against the background of his account of the Persian Wars.4 (GRETHLEIN, 2009. p. 214) A sua obra é dividida em nove livros e são nomeados de acordo com as nove musas da mitologia. O primeiro é nomeado “Clio”, musa da história, e contextualiza o ódio mútuo entre gregos e persas, muito antes das guerras médicas. O segundo, terceiro e quarto livros, “Euterpe”, “Talia” e “Melpômene”, musas da poesia lírica, comédia e tragédia respectivamente, tratam da contextualização geográfica e cultural do povo persa, além de algumas primeiras batalhas que ocorreram com povos vizinhos, bem como o sucesso persa na dominação do Egito. O quinto e sexto livros, “Terpsícore” e “Érato”, musas da dança e dos hinos, tratam principalmente da Grécia,sua grande diversidade cultural, possuem Atenas e Esparta como eixos centrais e contextualiza o seu poder político e bélico. O sétimo livro, “Polímnia”, musa dos hinos, marca o início das guerras médicas e possui como principal cenário a batalha de Termópilas. O livro destaca também a importância desta batalha tanto 4 A abordagem de Heródoto nos permite considerar o aspecto didático das Histórias em uma nova luz. Como eu notei no início, estudos recentes elaboram sobre as prolepses em Histórias através das quais Heródoto impele seus leitores a ver o passado e o presente mais recente contrastando com o cenário dos seus relatos das guerras persas. (Trad. nossa) para o tempo a mais que os gregos obtiveram para preparação bélica, bem como a importância do avanço persa na dominação daquela região. Os eventos narrados anteriormente culminam no oitavo livro, nomeado “Urânia”, musa da astronomia, que trata os eventos da batalha de Salamina, nosso foco central nesta análise. Por fim, temos o nono livro, “Calíope”, musa da poesia Épica, que trata das últimas batalhas que marcaram o fim das guerras médicas e derrota absoluta do império persa. Centrado na própria batalha de Salamina e nos eventos desencadeados por ela, o livro VIII das Histórias de Heródoto tem o mesmo cenário da peça que protagoniza a nossa análise nesta dissertação. Temos o rei Xerxes I, filho e sucessor de Dario I, depois da batalha de Termópilas, na qual subjugou o exército Espartano liderado pelo rei Leônidas, conseguindo assim uma vantagem em relação ao povo grego que precisou se juntar sob a liderança do Ateniense Temístocles. Estava pronto o cenário da memorável batalha de Salamina, que marca o início da queda persa. Logo depois de ouvida essa proclamação, as unidades navais ficaram quase inteiramente desprovidas de suas guarnições, tão grande foi a curiosidade dos combatentes de apreciar o espetáculo que Xerxes lhes proporcionava. Percorrendo o campo de batalha e examinando os corpos estendidos por terra, os soldados julgaram serem todos de lacedemônios e de téspios, embora houvesse também ilotas. Todavia, o artifício de que lançara mão Xerxes com relação aos bárbaros mortos não enganou a ninguém, tão ridículo ele era. (HERÓDOTO, 1950. p. 622) Percebe-se que Xerxes é apresentado por Heródoto como um rei tão temerário e inconsequente que prioriza a demonstração de seu poder para os súditos em detrimento da própria linha de defesa. Esta passagem que ocorre nos parágrafos XXIV e XXV do livro VIII prova a opinião de Heródoto sobre Xerxes, que podemos imaginar refletir a opinião geral dos gregos após os longos anos de ódio que envolveram estes povos. Durante suas aparições na obra histórica, Xerxes é retratado como um rei louco e ganancioso com fortes tendências a arriscar a integridade de seus soldados em troca de demonstrações públicas de seu poder e riqueza. A ganância de Xerxes, afirma Heródoto, chega a desejar os tesouros gregos ao ponto de ter uma ciência maior de sua dimensão do que a riqueza de seu próprio império: Tinham seguido essa direção, depois de se terem separado do resto do exército, com o propósito de saquear o templo de Delfos e levar os seus tesouros para Xerxes. O soberano, como já disse, conhecia mais as riquezas e preciosidades que se encontravam nas regiões invadidas, do que as que ele próprio possuía, pois muito ouvira falar desses tesouros, e principalmente das oferendas de Creso, filho de Aliata. (HERÓDOTO, 1950. p. 626) Esta passagem encontrada no parágrafo XXXV também denota outro ressentimento do povo grego com relação aos persas. Percebe-se aqui o ataque religioso desferido pelo exército de Xerxes ao afirmar que este tinha como objetivo saquear o tempo de Delfos. Veremos, pois, nas análises do texto literário nas seções seguintes que este ato pode indicar uma das causas para que na peça de Ésquilo, o rei Dario tenha inferido que o seu filho teria cometido hybris. Cabendo assim refletir sobre a importância de Delfos, que era, possivelmente, a mais antiga autoridade religiosa reconhecida por todos os gregos. Um ataque a Delfos representava um ataque à própria essência religiosa grega, sendo justificada, neste contexto, a mais rígida das punições divinas, pelo crime máximo de hybris. Grethlein (2009) analisa a narrativa de Heródoto do ponto de vista de um historiador e conclui que este deixa alguns vestígios de parcialidade em sua narrativa histórica, retratando Xerxes, geralmente como um rei inexperiente ou mesmo inepto: As later at Salamis, Xerxes is distant from the army, which he watches from his elevated position like Zeus observing the heroes from Mount Ida. This time, his detached attitude matches the situation, a regatta, which shows the ships in action but does not constitute a real battle. The performative character of the regatta gives Xerxes full control over the situation and allows him to entirely indulge in his view. The tranquillity of the scene contrasts with the unpredictable movements of future battles.5 (GRETHLEIN, 2009. p. 209-210) As afirmações de Grethlein concluem um certo movimento narrativo de Heródoto em contrastar cenas de tranquilidade com as tragédias irremediáveis para os persas que ainda vão surgir. Ao comparar Xerxes a Zeus, Heródoto cria uma imagem do rei como um ser divino, mas uma das questões postas pelo argumento de Grethlein é de que, ao quebrar essa cena, Heródoto não só revoga esse nume como propõe Xerxes como um rei irresponsável que se mantém em lugar seguro enquanto seu exército perece nas mãos do inimigo. 5 Assim como posteriormente, em Salamina, Xerxes aparece distante de seu exército, o qual ele observa da sua elevada posição, tal qual Zeus no Monte Ida a observar os heróis. Dessa vez, a sua atitude desapegada corresponde à situação, uma regata, o que denota a ação performática das embarcações, mas sem necessariamente culminar em uma batalha. Esse teor performático da regata dá a Xerxes total controle sobre a situação e, ainda, permite que ele se entregue à sua visão. A tranquilidade da cena contrasta com a imprevisibilidade das batalhas subsequentes. (Trad. nossa) Esta dissertação busca entender como é retratada a personagem do rei Xerxes na peça de Ésquilo, será, pois, importante para a composição desta ideia, a presença do discurso histórico de Heródoto servindo como contexto social e cultural contido no discurso poético de Ésquilo. Essa discussão tem como objetivo separar esses dois tipos de relato e utiliza como fundamento teórico, principalmente, os estudos feitos no capítulo II. Com isso percebemos que não temos a personagem em si ou que quer que tenha sido em vida: temos, a partir de discursos de autores gregos, a personagem literária que não caracteriza, necessariamente, o homem, mas uma visão composta pelo poeta. 3. Capítulo II – As técnicas por trás do homem trágico 3.1. O discurso poético: O personagem trágico sob o prisma da Poética 3.1.1. Sobre a Poética O texto da Poética já foi amplamente utilizado ao longo dos séculos de estudos literários para pautar inúmeras análises de obras e personagens com intuito de entendê-los do ponto de vista clássico. Nesta dissertação pretendemos compreender os personagens régios contidos em Persas pelo prisma aristotélico. Dessa forma evitamos que anacronismos sejam cometidos ao passo que a teoria utilizada para a análise dos tipos dramáticos dista apenas algumas décadas da própria obra literária. Para uma leitura sistemática da Poética, precisamos primeiro, assim como em qualquer texto teórico, entender sua estrutura. O texto, como nos chegou, possui 26 seções que vão gradativamente apresentando teoria poética composta por Aristóteles com foco no gênero dramático. Da primeira à quinta seção, o autor utiliza exemplos diversos para elucidar a definição de poética. O leitor moderno precisa ficar atentoao termo utilizado, pois a palavra grega ποιητική vem de ποίησις que significa aquilo que se pode fabricar, substantivo originado do verbo ποιέω que significa ‘faço’. Sabendo disso, pode-se compreender que foi necessária uma definição muito bem arguida do autor com relação ao conceito apresentado para que não ficasse vago para a comunidade da época, dada a polissemia que a palavra utilizada já trazia consigo em sua língua de origem. A seção sexta trata de guiar o texto para o conceito principal da obra, ou seja, a partir da definição da poética o autor define a tragédia. Da seção seguinte à décima oitava, Aristóteles trata de cada uma das partes da tragédia apresentando como os componentes introduzidos anteriormente formam o texto trágico. Por fim as seções restantes desenvolvem a elocução poética e como ela pode se manifestar no texto trágico. Estas seções são de suma importância para a presente dissertação, pois os conceitos apresentados formam a estrada comum entre todas as teorias aristotélicas utilizadas para as análises posteriores, ou seja, consistem na media via entre a Poética e Retórica6. 3.1.2. Introdução ao conceito de Poética A primeira parte do texto deixado por Aristóteles intitulado περὶ ποιητικῆς tem como principal escopo a explicação e definição do termo escolhido para nomear a construção artística por meio da linguagem. Primeiro são citadas as principais manifestações poéticas conhecidas: as poesias épica (ἐποποία), trágica (τραγῳδία), cômica (κωμῳδία), ditirâmbica (διθυραμβοποιητική), aulética (αὐλητική) e citarística (κιθαριστική). Firmando essas primeiras como principais exemplos, é perceptível que seriam necessários parâmetros para podermos diferenciá-las, afinal, se possuem nomes diferentes, no que, de fato diferem? Aristóteles resolve esta problemática com uma solução simples: [...] diferem umas das outras em três aspectos: ou bem porque efetuam a mimese em diferentes meios, ou bem de diferentes objetos, ou bem porque mimetizam diferentemente, isto é, não do mesmo modo. (ARISTÓTELES, 2015. p. 39.) Ao definir como os diferentes tipos poéticos se diferenciam entre si, é indispensável definir como um gênero se diferencia dos outros. Para Aristóteles, e para futuras demarcações de gênero nesta dissertação, considera-se ποιῆσις o trabalho com a linguagem que se manifesta por meio de ritmo e métrica. Assumindo, assim, que a arte prosaica, mesmo que seja capaz de mimese, seria obscura quanto ao seu desdobramento linguístico, pois a elocução se dispõe diferentemente, como veremos na seção 3.3. Esta divisão seria muito simples, segundo o próprio autor, pois dividir todas as possibilidades de um gênero pela forma métrica em que o texto está disposto colocaria em paralelo autores cujas obras são completamente diferentes. Tendo em vista a resolução do problema proposto, o autor busca entender melhor o objeto, ou seja, aquilo do que se fala, deixando de lado, por hora, o meio, isto é, as estruturas métricas e melódicas utilizadas para se falar. Tendo como foco o entendimento geral da poesia, Aristóteles introduz a personagem como o sujeito que 6 A edição utilizada da Poética como referência é a tradução comentada, publicada pela editora 34 (2015) para português de P. Pinheiro. Para a Retórica utilizamos a edição da WMF Martins Fontes (2012), traduzida por M. A. Júnior; P. F. Alberto; A. N. Pena. Sob a coordenação de A. P. Mesquita. Para esta pesquisa também foi utilizado o texto original organizado por Rudolf Kassel pela prensa universitária de Oxford (2002) dará corpo à ação, pois quando mimetizado se apresenta como possuidor de um caráter elevado (σπουδαῖος) ou de um caráter baixo (ou simples) (φαῦλος). Afirma, pois, que esta divisão binária se faz completa já que o próprio ser humano se diferencia por seus vícios e virtudes. Podemos entender que o caráter neutro seria o de um cidadão comum, dotado de vícios e virtudes, não tendo destaque em nenhuma delas. Ainda restaria um último problema a ser resolvido antes que se possa dar prosseguimento à análise poética. Pois a forma como se mimetiza também pode ser caraterizada como uma diferença, mesmo que o meio e objetos sejam equivalentes. Logo, se faz necessário o entendimento do modo que seria a forma poética utilizada para a narração ou representação, bem como os recursos linguísticos que seriam utilizados para a composição da mimese. Entende-se que para compormos uma análise poética seguindo o prisma aristotélico é fundamental que sejam entendidos os pontos chaves da própria composição poética. O meio é por onde a mimese acontece, é o próprio uso da linguagem verbal; o objeto é aquilo que é apresentado efetivamente; já o modo é a composição formal do texto. Teremos, nesta dissertação, assim como o autor, enfoque no texto dramático, em específico a tragédia. Aristóteles traz o exemplo comparativo entre o texto trágico e cômico que possui meios e modos justapostos, porém se diferenciam nos tipos de personagens apresentados, ou seja, o objeto é divergente, mesmo que estejam, os dois tipos textuais, categorizados dentro do gênero dramático. A própria palavra traz em si a concepção de ação vinculada intimamente ao texto. Como afirma o autor: “[...] devem ser nomeadas poemas “dramáticos” {δράματα}, pois nelas se mimetizam personagens em ação {δρῶντας}.” (Aristóteles, p. 53. 2017). Uma das questões da produção poética é a sua motivação, pois esta seria a energia propulsora inicial para que se componha um texto poético. Aristóteles acredita em duas principais causas que seriam motivadoras. A primeira delas se dá pela natureza humana, pois desde a infância somos incentivados à mimese, esta força motriz mimética desenvolvida desde os poucos anos de vida nos torna mais propensos a este tipo de produção. A outra causa é, também, pautada na natureza humana, pois o prazer causado por presenciar a representação de fatos interessantes desperta a curiosidade em consumir a produção daqueles que são dotados do conhecimento de mimetizá-lo. Temos então causas tanto para a ideia inicial quanto para que se mantenham sendo produzidas novas peças artísticas, já que a mimese, segundo Aristóteles, foi a maneira que nós, seres humanos, encontramos de experienciar a realidade por meio do outro. 3.1.3. Demarcação do conceito e das partes da tragédia Para Aristóteles a tragédia é a forma máxima da arte poética por tratar de personagens com o caráter elevado e por se servir dos mesmos temas disponíveis para o poema épico utilizando a ação dramática. Ao longo de grande parte do texto o autor se propõe a comentar as partes constitutivas da tragédia e diferenciá-la dos outros gêneros, dando enfoque nas análises estruturais do gênero dramático. As elocubrações aqui relatadas, seguindo o pensamento aristotélico, se fazem imprescindíveis para a compreensão dos comentários posteriores feitos sobre o objeto de estudo desta pesquisa. A epopeia acompanha a tragédia até o ponto de ser mimese de homens de caráter elevado por meio da linguagem metrificada, mas se diferencia por ter a epopeia uma métrica uniforme e por ser uma narrativa. E ainda quanto à extensão: pois a tragédia tende, tanto quanto possível, a se limitar a um único período de sol ou a exceder minimamente o período de um dia, enquanto a epopeia não se limita no tempo. (ARISTÓTELES, 2015. p. 69.). Ao indicar que a tragédia é uma forma poética que utiliza os mesmos temas da epopeia, porém de maneira mais refinada e direcionada, o autor afirma que para um entendimento mais aprofundado será necessária a reflexão sobre suas partes constitutivas. Primeiramente, tem-se por tragédia a mimese de ações moralmente boas, logo, se concretiza pela atuação dos personagens que por meio da ação reduzem a existência do narrador, diferenciando-a da epopeia por depender dos personagens para a elocução dos acontecimentos.Trataremos então das partes constitutivas da tragédia, que são: enredo (μῦθος), caracteres(ἤθη), elocução (λέξις), pensamento (διάνοια), espetáculo (ὄψις) e melopeia (μελοποιία). O enredo é a mimese da ação, e se manifesta na organização e apresentação dos fatos. Os caracteres são as índoles dos personagens que são encenadas, podem ser boas ou más, elevadas ou simples. A elocução é a própria linguagem utilizada na composição dos metros. O pensamento é a capacidade das personagens de efetivar ou demonstrar um conhecimento por meio da ação. O espetáculo se trata da manifestação da mimese por meio das personagens em cena. A melopeia é a composição rítmica e melódica que se manifesta a partir do metro e do canto, que podem, por muitas vezes, ser acompanhados de instrumentação musical. Relacionando as partes constitutivas da tragédia com a divisão dos elementos da poesia, obtemos algumas respostas que viabilizam uma análise mais acurada do gênero. Na tragédia o meio de efetivação mimética é composto pela elocução e pela melopeia; os objetos de mimese são os caracteres, o enredo e o pensamento; já o modo é composto pelo espetáculo. Dessa forma Aristóteles consegue assegurar a caracterização única do texto trágico se comparado às outras formas poéticas. Elegendo o enredo7 como o principal e mais característico dentre os seis elementos fundamentais da tragédia, Aristóteles se debruça na repartição deste em partes menores que possam ser analisadas individualmente. O filósofo divide o enredo em início (ἀρχήν), meio (μέσον) e fim (τελευτήν). E por mais óbvios que estes conceitos possam parecer para leitores modernos, seria imprudente continuar sem trazer a visão traçada por Aristóteles para tais nomenclaturas. Logo, o início é a parte do texto que não é, com efeito, precedida de nada. Temos então o contrário: o fim é aquilo que sucede o todo e depois do qual nada advém. Por conseguinte, o meio se trata da parte da tragédia que não inicia nem encerra, ou seja, é precedida e sucedida de algo. Faz-se importante entender que o início, meio e fim do texto trágico não são conceitos absolutos, pois o enredo trata um ponto na cronologia do mito tradicional e tem seu início e fim elegidos pelo autor ao ser concebido. Ainda sobre os limites do enredo, Aristóteles trata da ação, pois esta deve ser o seu centro. O autor afirma terem errado os poetas que se propuseram a compor tragédias centradas em uma única personagem, pois a junção de fatos, mesmo que numerosos, envolvendo esta única personagem não é adequada para a composição trágica. O enredo deve estar centrado na ação, isto é, tudo nele deve envolver a ação per se ou descrita das personagens em cena. Tem-se, então, uma composição de vários acontecimentos que giram em torno de um evento principal. 7 O texto original utiliza o termo μῦθος para se referir ao enredo. No grego ático esta palavra pode se referir a qualquer tipo de narrativa, sendo esta fictícia ou não. Vide o verbete do dicionário LSJ Lexicon, que possui diversas entradas para se referir ao termo descrito; entre elas podemos encontrar discurso público, conversa, qualquer coisa dita ou fato, rumor, fábula, entre outros. Com isso, para esta dissertação o termo enredo se dá como uma escolha plausível e bem colocada pelo tradutor Paulo Pinheiro (2015) na edição utilizada como referência. Partindo da discussão sobre enredo e levando em consideração o termo original utilizado: μῦθος, temos como imprescindível entender a diferença entre o poeta e o historiador. O poeta, por mais próximo do verdadeiro que procure ser em sua criação, não tem comprometimento com a verdade pois seu texto se trata de uma narrativa verossímil e não verdadeira, este segundo aspecto seria, todavia, o escopo do texto histórico por se tratar de um gênero voltado aos fatos. O historiador não se utiliza do mesmo tipo de narração dos poetas. Se a ação dos poetas é definida pelo verbo grego μυθεῖσθαι que seria a narrativa adornada com diálogos, longas descrições de espaço, tempo e personagens, bem como o desenvolvimento de um enredo, a ação dos historiadores seria ἱστορεῖν, o ato de informar os acontecimentos do mundo real tal como aconteceram, sem grandes fabulações ou detalhes que vão além do estritamente necessário. O poeta utiliza a sua concepção do mundo real para compor um texto verossímil o suficiente, ou seja, uma narrativa que tem proximidade com a realidade, sem, todavia, prender-se a esta, para que o espectador creia naqueles eventos durante o período que estiverem sendo apresentados, despertando assim a reação catártica, que é definida por Aristóteles como a imersão e envolvimento do público com a cena apresentada. Tudo isto leva o espectador a se identificar e sentir as dores das personagens em cena. Sem a verossimilhança, a identificação não se faz presente, inviabilizando, assim, a possibilidade de catarse. Para além de verdade ou verossimilhança, o enredo se caracteriza por conter em sua estrutura elementos constituintes, os quais Aristóteles nomeou reviravolta (περιπέτεια) e reconhecimento (ἀναγνωρισμὀς). É a partir destes elementos que seria possível medir a complexidade deste enredo. Aristóteles afirma existir o enredo simples que ocorreria de forma contínua, sem reviravoltas ou reconhecimentos que causem mudança no curso da ação. Também chama atenção para o enredo complexo que sofre mudanças no desenrolar dos acontecimentos por meio de reviravoltas e reconhecimentos. Tanto a reviravolta quanto o reconhecimento devem estar sujeitas à verossimilhança, não devendo o poeta conduzir o fluxo da ação a eventos esdrúxulos ou muito improváveis. Temos por reviravolta a drástica mudança dos fatos, que se caracteriza quando uma resposta aguardada é frustrada por ser guiada para outro caminho diametralmente oposto ao traçado. Aristóteles ilustra o conceito utilizando o diálogo entre o pastor e Édipo, na tragédia de Sófocles de mesmo nome, onde o pastor, imaginando ajudar o seu rei a livrar-se da culpa, revela a Édipo exatamente aquilo que o tebano mais temia ser verdade, causando sua ruína. O reconhecimento se trata da percepção de um fato pela personagem, assentindo se tratar da verdade (dentro da trama) e deixando que aquilo, antes desconhecido por si, leve-a à desgraça. Após entender que um enredo é composto de diversos elementos e dividido em início, meio e fim, a sua divisão estrutural precisa de mais clareza para que uma análise das partes possa ser viável. Aristóteles analisa as tendências dos tragediógrafos em configurar seus textos seguindo passos tradicionais, pois assim o público saberia o que esperar e não perderia tempo visando achar uma ordem lógica nos acontecimentos, podendo apenas ser guiado pelo poeta ao objetivo da peça. Assim, o texto trágico se divide em prólogo (πρόλογος), episódio (ἐπεισόδιον), êxodo (ἔξοδος) e canto do coro (χορικόν). O prólogo seria o primeiro contato do público com o texto, é a apresentação dos fatos que precede o primeiro canto do coro. Os episódios são as partes em que os acontecimentos se desenrolam entre as personagens, ocorre entre os cantos do coro. O êxodo é a parte final onde ocorre a conclusão da tragédia, não é sucedida por cantos do coro. Sobre os cantos do coro, Aristóteles faz anotações técnicas de ordem métricas dividindo-os em párodos (πάροδος), estásimos (στάσιμον) e kommós (κομμός), cada um possui especificações métricas ou localizações específicas no texto, sobre os quais comenta brevemente o autor: Entre os cantos do coro, o párodo é a primeira expressão completa do coro; estásimo é o canto do coro que não comporta versos anapésticos e trocaicos; kommós é um canto de lamentação praticado tanto pelo coro quanto pelos atores em cena. (ARISTÓTELES, 2015. p. 111.). Com os conceitos estabelecidos dos componentes da tragédia e seus principais aspectos questiona-seo objetivo da tragédia. O autor define esse objetivo como muito claro: causar compaixão (ἐλεός) ou medo (φόβος). Entende-se por estes sentimentos exemplos da compreensão e sofrimento humanos e por meio deles advir uma sabedoria que parte da empatia com a experiência do outro. Logo, é papel da tragédia suscitar em seus espectadores essa compaixão ou medo. Por este motivo, entender apenas técnicas textuais como a reviravolta e o reconhecimento não são, de todo, suficientes para que se trace a capacidade da tragédia de mover as emoções humanas. Aristóteles, então, decide estudar o conteúdo, e a primeira parte para a seu escopo seria entender quem são os componentes deste conteúdo, isto é, as personagens. Já foi dito anteriormente que os caracteres da tragédia são homens de caráter elevado. Além disso é preferível que o enredo de uma tragédia seja complexo, pois um enredo simples não teria tantos elementos fundamentais para que sejam produzidos os sentimentos desejados naqueles que assistem. Dito isto, é importante ponderar qual seria o efeito gerado em diferentes possibilidades de conteúdo. Aristóteles traz algumas observações: [...] fica a princípio evidente que não se devem apresentar homens excelentes que passam da prosperidade à adversidade — pois isso não desperta pavor nem compaixão, mas repugnância —, nem homens maus que passam da desventura à prosperidade — isso é o que há de menos trágico, pois nada possui do que convém ao trágico: com efeito, não suscita nem benevolência, nem compaixão, nem pavor —, nem mesmo quando um homem decididamente cruel passa da prosperidade à adversidade — pois tal maneira de tramar os fatos pode ter a ver com a expectativa humana, mas não suscita nem compaixão nem pavor, pois aquela diz respeito ao que vive a adversidade sem merecer, enquanto este à adversidade que afeta um semelhante, ou seja, a compaixão ocorre em relação ao que não merece; o pavor, em relação ao semelhante, e assim tal ação não suscitará nem compaixão nem pavor. (ARISTÓTELES, 2015. p. 111 – 113.). Isto significa que tanto a compaixão quanto o medo serão evocados pela identificação, logo, os homens retratados na tragédia devem ser bons, e a situação que lhe ocorre deve ser verossímil, caso contrário o efeito objetivado não será atingido. O retrato, então, deve ser do homem em situação média que incide na adversidade por ter cometido um grande erro (ἁμαρτία) e não por sua maldade ou vício. É também indicado que este homem tenha vindo da prosperidade, pois a beleza do enredo, ressalta o autor, está na passagem da prosperidade à adversidade, nunca o contrário. Se pensarmos que, em uma peça trágica, a desgraça da personagem é normalmente incitada por algum grande erro causado por ela própria, se faz indispensável entender a força geratriz desse erro. Segundo o autor, um bom poeta deve se concentrar em evocar o medo e não aquilo que é monstruoso, pois esta segunda emoção não estaria relacionada à experiência trágica almejada. O prazer (ἡδονή) daqueles que assistem deve ser atingido pela mimese, gerando compaixão e medo. Refletindo sobre isso, Aristóteles procura compreender quais acontecimentos podem suscitar emoções temerosas e quais trazem piedade. A alteração do mito se mostra como uma via proibida, pois é papel do poeta encontrar o belo no mito da maneira que ele está posto na tradição. Sobre estas questões o filósofo discorre brevemente, atentando para aquilo que diz respeito ao trágico e o que aberra de sua natureza. Dessas ações, a pior é aquela em que a personagem tem a intenção de agir, com pleno conhecimento, mas não age; é repugnante e não trágica, porque sem comoção. Eis por que ninguém compõe tragédias desse modo, ou bem poucos: na Antígona, por exemplo, Hêmon se encontra nessa situação frente a Creonte. Em seguida, temos aquelas em que as personagens agem. Melhor situação é a daquelas personagens que agem sem saber e se tornam conscientes no decorrer das ações; tal situação não é repugnante e o reconhecimento que dela advém é surpreendente. Superior a todas é esta última. Falo, por exemplo, da que se passa no Cresfonte, em que Meréope está prestes a matar o filho, mas não o mata, antes o reconhece; e na Ifigênia, em que a irmã vai matar o irmão; e na Hele, em que o filho está prestes a abandonar a mãe quando a reconhece. (ARISTÓTELES, 2015. p. 123.) Depois das reflexões expostas anteriormente sobre o enredo, foquemos nos caracteres, que, como já dito, se tratam, na tragédia, das próprias personagens. Na Poética estão definidos quatro aspectos que definem um bom personagem trágico na concepção aristotélica. O primeiro desses aspectos, visto como principal, é a necessidade de que as personagens sejam boas. E como boas, o autor entende como aquelas que possuam um bom caráter. Para cada tipo de personagem haverá um bom caráter diferente, ou seja, personagens nobres, camponeses ou escravos poderão ter bom caráter, cada um à sua maneira. O segundo aspecto é que o caráter seja escolhido de modo a convir com a personagem ao qual foi atribuído. Aristóteles exemplifica que a coragem não convém a uma personagem de mulher. O terceiro aspecto é a semelhança entre a personagem e seu caráter, pois mesmo que seja bom e conveniente não necessariamente será semelhante, sendo ofício do poeta unir tais questões. O quarto e último aspecto exigido é a junção de todos os aspectos anteriores para que formulem uma personagem coerente. Sobre isso, comenta o autor: [...] pois, ainda que a caracterização da personagem seja incoerente em suas ações mimetizadas, é necessário, ainda assim, ser incoerente coerentemente. Como exemplo de maldade não necessária na caracterização da personagem, podemos citar o caso de Menelau em Orestes; [...] (ARISTÓTELES, 2017. p. 129). Por fim, nesta discussão chega-se à conclusão de que as personagens precisam ser verossímeis dentro da estrutura narrativa. Suas ações precisam ser necessárias e verossímeis, caso contrário a qualidade da obra é comprometida. A reviravolta pode acontecer de diferentes maneiras, mas o seu impacto deve ser sempre o mesmo no enredo trágico: a mudança no curso da ação para um local inesperado pelas personagens e em decorrência disso pelo espectador. O reconhecimento, por outro lado, pode se manifestar de inúmeras maneiras e ter diferentes impactos no curso da ação. A primeira forma a se gerar reconhecimento seria a utilização de signos que podem ser inatos, como uma marca de nascença ou algum tipo de profecia, ou podem ser adquiridos como uma cicatriz. Uma possível segunda forma de se manifestar um reconhecimento se dá pela produção do próprio poeta, é uma forma mais discursiva de se gerar o reconhecimento, mas para o público se faz muito clara por depender das personagens em cena, o autor cita o exemplo de Orestes em Ifigênia quando se fez reconhecer pela irmã apenas se apresentando, evitando assim que fosse assassinado. Outra maneira que o reconhecimento pode ocorrer é por meio da memória que pode ser suscitada de diversas maneiras, como bem explica o autor: Em terceiro lugar vem o reconhecimento que ocorre em função da memória, suscitada pelas impressões que se manifestam à vista, como nos Cipriotas de Diceógenes, em que a personagem, olhando o desenho, rompe em pranto; semelhante situação no episódio de Alcínoo: ouvindo o citarista, Ulisses recorda e chora, e assim as personagens são reconhecidas. (ARISTÓTELES, 2017. p. 139.). O quarto e último tipo citado de reconhecimento seria por meio do raciocínio lógico, este tipo específico de raciocínio foi imortalizado nas línguas modernas como silogismo, ou seja, uma conclusão certa que parte de afirmativas posteriores confirmadamente verdadeiras. Para concluir a discussão sobre as partes da tragédia, Aristóteles adiciona os últimos elementos a serem analisados nas peças dos tragediógrafos: enlace (δέσις)e
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