Buscar

Sombrareianalise-Albuquerque-2022

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM 
DEPARTAMENTO DE LETRAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RAFAEL VALE GERONCIO BORGES DE ALBUQUERQUE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A SOMBRA DO REI: 
Análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2022 
 
RAFAEL VALE GERONCIO BORGES DE ALBUQUERQUE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A SOMBRA DO REI: 
Análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo. 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como 
parte dos requisitos para a obtenção do título de 
Mestre na área de concentração de Estudos em 
Literatura Comparada, sob orientação do Prof. Dr. 
Andrey Pereira de Oliveira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2022 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes - CCHLA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
 
 
 
 
Albuquerque, Rafael Vale Geroncio Borges de. 
 A sombra do rei: análise da personagem Xerxes na tragédia Persas 
de Ésquilo / Rafael Vale Geroncio Borges de Albuquerque. - Natal, 
2022. 
 80f. 
 
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudo da Linguagem, 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2022. 
 Orientador: Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira. 
 
 
 1. Tragédia grega - Dissertação. 2. Cultura clássica - 
Dissertação. 3. Ésquilo - Dissertação. I. Oliveira, Andrey Pereira 
de. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 82.091 
 
 
 
 
 
RAFAEL VALE GERONCIO BORGES DE ALBUQUERQUE 
 
 
 
 
A SOMBRA DO REI: 
Análise da personagem Xerxes na tragédia Persas de Ésquilo. 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como 
parte dos requisitos para a obtenção do título de 
Mestre na área de concentração de Estudos em 
Literatura Comparada, sob orientação do Prof. Dr. 
Andrey Pereira de Oliveira. 
Natal, ____ de ____________ de _______ 
 
 
 
 
_______________________________ 
Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira 
Presidente - UFRN 
 
 
 
_______________________________ 
Prof. Dr. Marcos César Tindo Barbosa 
Examinador interno - UFRN 
 
 
 
_______________________________ 
Prof. Dr. Elri Bandeira de Sousa 
Examinador externo - UFCG 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2022 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico esta dissertação a Gustavo 
Pessoa, cujo carinho e atenção foram 
imprescindíveis para que eu conseguisse 
atravessar essa jornada. 
 
AGRADECIMENTOS 
Agradeço às entidades regentes deste plano da realidade, pois sem elas essa 
fagulha da nossa existência seria ainda menos relevante para a imensidão do 
universo. 
Dedico um grande agradecimento ao meu orientador, seus conselhos ficarão 
gravados em meu peito e em minha mente por toda a minha carreira, agradeço-te de 
coração. Agradeço também aos meus amigos e colegas do grupo de pesquisa FILIA, 
que sempre estiveram dispostos a ouvir e debater minhas ideias de pesquisa, 
obrigado por todas as sugestões de leituras e todas as opiniões de escrita. Por fim, 
agradeço aos professores da banca que me cederam tanto de seu tempo para ler e 
comentar os escritos deste que vos fala. 
Lembro que quando comecei esta empreitada do mestrado tive muito apoio 
da família e amigos que permaneceram do meu lado durante esse processo longo e 
tortuoso que foi escrever uma dissertação enquanto o mundo vivia a maior crise de 
saúde da história recente. Agradeço principalmente ao meu marido e companheiro 
de vida cujos esforços hercúleos de nos manter sãos enquanto o caos reinava da 
porta para fora do nosso lar foram fundamentais para que eu conseguisse concluir a 
escrita com o rigor adequado, amo-te para sempre. Agradeço aos meus amigos que 
me proporcionaram acolhimento e momentos de paz e felicidade com todas as 
tardes de conversas e jogos, todas as idas em mate e todas as caminhadas 
descompromissadas. Agradeço a minha família pelo apoio e por me proteger 
durante toda a minha formação como ser pensante. Agradeço também ao meu 
pequeno tesouro envolvido em pelos brancos que com seu olhar sincero, paciência 
e compreensão, que vão além da capacidade canina, me transmitiu a calma que eu 
precisava para compor estas palavras — sei que sua passagem por aqui é curta, 
mas que você esteja para toda a minha vida guardada em minhas memórias, 
obrigado por tudo. 
Agradeço a cada um que fez com que isto fosse possível. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“I cannot describe to you my sensations 
on the near prospect of my undertaking. It 
is impossible to communicate to you a 
conception of the trembling sensation, half 
pleasurable and half fearful, with which I 
am preparing to depart. I am going to 
unexplored regions, to “the land of mist 
and snow”; but I shall kill no albatross, 
therefore do not be alarmed for my safety.” 
Mary Shelley (Frankenstein: The modern 
Prometheus) 
 
RESUMO 
Esta dissertação propõe uma análise da personagem Xerxes presente na 
tragédia Persas de Ésquilo. Para a condução desta pesquisa, foram utilizadas bases 
teóricas sobre a história e a cultura relativas ao mundo grego antigo, a exemplo de 
Albin Lesky (1995 e 2015), Jacqueline de Romilly (2008) e Maria Helena da Rocha 
Pereira (2006). A fundação da análise tem como principal base os textos Poética e 
Retórica, de Aristóteles, este que foi escolhido como principal guia para os estudos 
aqui desenvolvidos, devido à proximidade temporal de apenas algumas décadas 
entre ele e o autor da obra aqui estudada. Tendo 472 a.C. como sua data de 
possível estreia, a peça narra os eventos que foram desencadeados após a derrota 
persa para os gregos na batalha de Salamina em 480 a.C. Foi levado em 
consideração o fato de as personagens principais da peça serem figuras da história 
recente para o público em questão, por isto, foi pertinente para um entendimento 
mais amplo a seleção de textos do historiador Heródoto que narrou grande parte dos 
conflitos entre gregos e persas. Para os fins desta pesquisa, foi utilizado apenas o 
livro VIII, que tem como elemento narrativo principal a batalha de Salamina e o seu 
desenrolar. O processo de análise teve como metodologia a leitura detalhada das 
cenas, sendo destas coletadas as opiniões enunciadas pelas personagens em palco. 
Essas opiniões foram confrontadas pelas ações da personagem analisada para que 
fosse traçada uma linha das características e motivações desta personagem. Tendo 
em vista que durante a leitura percebeu-se que Xerxes, muitas vezes, era 
comparado ao seu pai, Dario, rei anterior que por meio de guerras e invasões 
acoplou grande quantidade de terras à, já rica, Pérsia. Estas comparações se 
mostraram pertinentes para o entendimento mais aprofundado de Xerxes, por isso 
foi feita também uma análise de Dario, que seguiu os mesmos preceitos e técnicas 
utilizadas na análise do rei Xerxes, porém visando sempre os elementos que 
ajudariam na análise do jovem rei. A culminância da pesquisa é entender as ações 
de Xerxes e ponderar se estas estão ou não relacionadas às conquistas de seu pai. 
 
Palavras-chave: Tragédia grega; cultura clássica; Ésquilo; Aristóteles. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
This thesis proposes an analysis of the character Xerxes in Aeschylus’ 
Persians tragedy. To the conduction of this research,theoretical bases of history and 
culture related to the ancient Greek world were used. The following authors guide 
this part: Albin Lesky (1995 and 2015), Jacqueline de Romilly (2008) and Maria 
Helena da Rocha Pereira (2006). The main text sources of this analysis are Poetics 
and Art of Rhetoric, by Aristotle, who has been chosen as main guide to the study 
here developed due to the temporal proximity of only a few decades between him 
and the author of the work being analyzed. Being 472 BC as the possible time of its 
first run, Persians unfolds the events triggered after the Persians’ defeat by the 
Greeks at the Battle of Salamis in 480 BC. The fact that the main characters in the 
play are characters of recent history for the audience in question was taken into 
consideration, that’s why it was necessary, for a broader comprehension, a text 
selection of the historian Herodotus, who narrated the most part of the conflicts 
between Greek and Persians. For the purposes of this research only the book VIII 
has been utilized for having as narrative scenery the Battle of Salamis and its 
unfolded events. The analysis process had as methodology the detailed lecture of 
the scenes and has collected opinions stated by its characters, opinions which have 
been confronted by the actions of the analyzed character, Xerxes, so that we could 
draw a profile through his characteristics and motivations. Bearing in mind that during 
the reading it was noticed that Xerxes often was compared to his father, Dario, a 
former king who through wars and invasions attached a huge number of lands to the 
already rich Persia. Those comparisons proved pertinent to enrich a profound 
comprehension of Xerxes, and for this reason it was also made an analysis of Dario, 
that followed that same means and technics utilized to study the king Xerxes, but 
always aiming at elements that would help the analysis of the young king. The 
culmination of this research is to understand Xerxes’ actions and ponder whether 
these actions are related or not to the conquers of his father. 
 
Key words: Greek tragedy; classical culture; Aeschylus; Aristotle. 
 
 
 
 
ÍNDICE 
1. INTRODUÇÃO 11 
 
2. CAPÍTULO I – O TRÁGICO, O FILÓSOFO E O HISTORIADOR 18 
2.1. Sobre a tragédia e sua relevância para a sociedade grega 18 
2.2. Ésquilo e o seu contexto de escrita 20 
2.3. Aristóteles e seu contexto de escrita 23 
2.4. Apresentação do personagem histórico Xerxes e suas aparições em Heródoto 25 
3. CAPÍTULO II – AS TÉCNICAS POR TRÁS DO HOMEM TRÁGICO 29 
3.1. O discurso poético: O personagem trágico sob o prisma da Poética 29 
3.2. O discurso retórico: O personagem trágico sob o prisma da Retórica 41 
3.3. Uso do discurso no texto trágico 53 
4. CAPÍTULO III – O FILHO DO PAI 56 
4.1. Considerações de antes da análise 56 
4.2. O pai de Xerxes: uma análise de Dario em Persas 58 
4.3. A imagem de Xerxes como protagonista a partir das personagens de Persas 65 
 
5. Considerações finais 78 
 
6. Referências 81 
 
 
 
 
1. Introdução 
A presente pesquisa se propõe a uma análise da obra Persas1 de Ésquilo, 
visando ao estudo da personagem régia Xerxes, tendo como um dos objetivos 
entendê-lo, pelas suas ações e falas, bem como pelas considerações que as demais 
personagens tecem sobre ele durante o decorrer da peça. A imagem que o autor 
constrói para este rei da Pérsia em sua tragédia será analisada pelo prisma 
aristotélico (a partir de suas considerações na Poética e na Retórica), levando em 
conta também o que sobre ele registrou Heródoto em seu discurso histórico. 
As tão conhecidas tragédias gregas contam histórias de tempos míticos em 
que os deuses enviavam heróis para realizarem grandes feitos que influenciavam 
toda a história humana. Vários desses mitos fazem parte do conhecimento popular e 
estão gravados em nossa cultura e literatura. Por meio da literatura os grandes 
escritores gregos mimetizavam ações tão brutais como o assassinato de familiares, 
a prática de incesto, o exílio, entre outros temas que chocam e são, normalmente, 
tratados com muito pudor e silenciamento. 
Se observarmos todo o corpus trágico que nos chegou à atualidade, 
perceberemos que muitas das histórias são representações destes antigos mitos, 
sendo estes já tradicionais e partes da cultura popular oral para a sociedade grega 
da época. Os fatos que lá estavam sendo narrados eram tão antigos quanto os reis 
e heróis que tomavam parte nas peças e eram de tempos completamente diferentes 
daqueles nos quais estavam sendo narrados, levando-nos, então, a crer que havia 
algum tipo de tendência ou mesmo preferência entre os escritores por tratarem 
destas narrativas. 
Poucas, por sua vez, fogem à regra e tratam de argumentos históricos 
vivenciados pela comunidade logo antes da encenação da tragédia. Um exemplo 
disto é a peça Persas, que é o objeto de estudo desta dissertação. Todavia, não 
podemos vê-la apenas como um ponto fora da curva no mapa das tragédias, já que 
esta é a mais antiga que nos chegou, por sorte, em sua forma (possivelmente) 
completa. Escrita por Ésquilo e datada em 472 a.C., Persas aborda os eventos 
 
1 Há, comumente, a tradição de se fazer a marcação do artigo definido no título da peça: Os 
Persas, porém optamos pela retirada deste artigo visto que o título original no grego aparece como 
Πέρσαι. Levando em consideração a existência do artigo definido na gramática grega e a opção do 
autor em não utilizar achamos que para esta dissertação seria pertinente chamar a peça apenas de 
Persas. 
 
posteriores à Batalha de Salamina que data cerca de oito anos antes da possível 
primeira encenação. O evento era de conhecimento comum da sociedade da época 
por se tratar da primeira grande vitória grega sobre o império persa. 
Como dizem muitos estudiosos, entre eles Papadimitropoulos (2008) e 
Thalmann (1980), existem vários motivos que dificultam o entendimento de Persas 
para os leitores modernos. Entre eles está o fato de serem tratados eventos 
históricos muito próximos à época em que a tragédia teria sido encenada. Outro 
seria a magnitude do evento encenado, afirmando-se que ainda estariam muito vivos 
na mente dos espectadores. A peça mostra também nomes conhecidos para os 
atenienses que assistiam ao espetáculo, tornando toda a experiência mais 
memorável. É quase possível ouvir um emocionado coro clamando ao fundo 
enquanto o mensageiro dos persas se referia à fala dos atenienses durante a 
batalha: 
[...] ὦ παῖδες Ἑλλήνων ἴτε, 
ἐλευθεροῦτε πατρίδ᾽, ἐλευθεροῦτε δὲ 
παῖδας, γυναῖκας, θεῶν τέ πατρῴων ἕδη, 
θήκας τε προγόνων: νῦν ὑπὲρ πάντων ἀγών.2 
(Ésquilo, 402-405) 
É, com efeito, interessante perceber a história recente ser transformada em 
arte. A nossa concepção principal de tragédia parte de feitos heroicos que geraram a 
queda de grandes reis mitológicos (Lesky, 2015), contudo, esta narrativa apresenta 
personagens que são personalidades conhecidas pela sociedade da época. 
Durante toda a construção da peça o autor anuncia diversas vezes a chegada 
do então rei da Pérsia, aguardado por seu povo, que aos poucos descobria o cruel 
destino da sua amada pátria. Xerxes é mencionado e aguardado por todas as 
personagens do texto, que o caracterizam de diversas formas, desde divindade 
entre os homens a irresponsável rei que cometeu hybris (o termo utilizado remete ao 
grego ὕβρις que indica algum tipo de violência cometida contra os deuses 
principalmente por meio da soberba ou insolência). Este é sempre comparado ao 
seu pai, que é chamado dos mortos pelos súditos em busca de aconselhamento e 
consolo. Ao longo da peça percebe-se que, quanto mais execrada se torna a 
personagem do jovem rei, mais enaltecida se torna a de seu pai. A persona de 
 
2 “Oh filhos dos helenos, ide, / libertai a pátria, libertai as / crianças, as mulheres, os templos 
dos deuses dos nossos antepassados, / os túmulos dos nossos pais: agora portodos marchamos.” 
(Trad. nossa). 
 
Xerxes é forjada pela boca do povo e de seus pais como um miserável que não caiu 
nas graças das Moiras. 
Por seu caráter histórico, propomos uma comparação entre essas 
personagens criadas pelo tragediógrafo com aquelas relatadas pelos registros 
históricos. Partindo deste princípio, o presente projeto concentra-se no multifacetado 
Xerxes. Percebemos, todavia, que o reflexo do pai se encontra presente nos relatos 
do filho, tanto na peça quanto na história, logo achamos necessária a análise de 
Dario para que fosse estabelecido um contraponto com o atual rei da Pérsia: Xerxes. 
Trouxemos também, quando pertinentes, elementos históricos encontrados nos 
registros de Heródoto. 
Voltar às nossas origens sempre pode proporcionar uma nova visão do 
presente. Sabendo disso os estudos clássicos resistem nas universidades se aliando 
às áreas vigentes do conhecimento, mas sempre procurando para si um espaço de 
fala. Esta pesquisa procura resgatar a memória dos textos clássicos e contribuir para 
esta área tão importante, sabendo que toda a doutrina e sabedoria deixadas pelos 
gregos é de fundamental importância para os estudos atuais. 
O estudo da tragédia nos fornece, pela manifestação artística, um panorama 
de como a sociedade grega lidava com suas questões morais, já que a tragédia trata 
da questão do poder, dos erros humanos e dos limites entre liberdade e destino. 
Procuramos, assim, entender, dentre outras coisas, como funcionava uma 
personagem trágica, bem como compreender o que na arte e na história se fala de 
um inimigo tirano. Buscamos, com a análise de Persas de Ésquilo, compreender 
como se dá essa mimese que como bem define Aristóteles (2015): o gênero 
dramático é composto pela mimese da ação, ou seja, a recriação da realidade tendo 
inspiração na vida cotidiana, repensada e reinserida em eventos não cotidianos. 
Além da pouca pesquisa na área da Literatura Clássica realizada na 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, poucos são os estudos, em geral, 
que falam sobre esta tragédia de Ésquilo tão singular. Entre as tragédias clássicas, 
Persas, talvez, tenha sido uma das mais preteridas, dado o seu caráter de narrativa 
histórica, tornando-a, aparentemente, um ponto fora da curva. Uma análise deste 
texto pode trazer entendimentos de como a arte reconta a história e como 
personagens reais são imortalizados pela literatura. 
Levando em consideração toda a problemática exposta, as questões que 
nortearam a escrita desta dissertação foram: 
 
• Como a personagem Xerxes é criada a partir do que é falado sobre ela, 
sob a perspectiva de cada personagem da tragédia? 
• Como a personagem Dario é criada a partir do que é falado sobre ela, sob 
a perspectiva de cada personagem da tragédia? 
• Como se estabelece a relação de comparação entre as personagens de 
Xerxes e Dario feita pelas outras personagens da peça? 
• Xerxes, na última cena, respalda ou não a imagem criada para ele nas 
cenas anteriores? 
• A imagem proposta por Heródoto para compor a personagem de Xerxes 
corresponde à personagem encontrada na tragédia de Ésquilo? 
Em termos teóricos, esta dissertação de mestrado ancora-se principalmente 
nas obras Poética e Retórica de Aristóteles. Contudo a distância temporal que nos 
afasta do mundo grego é, sem dúvida, muito grande, por isso serão necessários dois 
aportes teóricos que irão embasar o entendimento sobre o recorte do mundo 
clássico presente nesta pesquisa: o aporte histórico e cultural, bem como o aporte 
teórico relacionado à tragédia grega. 
Para entender um texto da antiguidade clássica se faz necessário o 
entendimento da sociedade na qual ele foi concebido e primeiramente apreciado. 
Saber que as tragédias eram, na Grécia, apresentadas em rituais religiosos, é muito 
importante para uma análise mais detalhada de seu conteúdo. Os mitos e a própria 
tradição cultural grega envolvidos na escrita e na encenação de uma tragédia 
precisam ser de conhecimento do pesquisador para que a compreensão do texto 
trágico possa ser substancial. Para tanto foram utilizados dois autores que 
trabalharam a história grega: Albin Lesky (1995) em História da literatura grega, bem 
como a obra Estudos de história da cultura clássica, da professora Maria Helena da 
Rocha Pereira (2006). 
As bases para os estudos da mitologia grega se deram com o apoio do 
dicionário de mitologia clássica de Pierre Grimal (1990). Os conhecimentos 
necessários para a compreensão da teoria da tragédia grega nos estudos atuais 
serão propostos por dois livros homônimos: A tragédia grega, um escrito por Albin 
Lesky (2015) e outro por Jacqueline de Romilly (2008). 
Entender as obras clássicas é ter contato com o mundo clássico, e um dos 
mais profícuos autores deste tempo deve ter lugar de destaque para os estudos 
 
relacionados a este campo de conhecimento. Desde Aristóteles, a análise poética e 
a crítica literária evoluíram a passos largos, mas não se esqueceram de suas 
origens: a Poética ainda é, e deve sempre ser, uma obra fundamental para 
entendermos a nossa própria criação artística relacionada à literatura. 
Para ser considerado um dos maiores estudiosos da humanidade e pautar 
grande parte da produção científica do mundo ocidental, Aristóteles não escreveu 
apenas sobre a linguagem poética. A Poética guiou a discussão sobre os elementos 
da tragédia e do discurso poético. Todavia, aquilo que não estava diretamente ligado 
à enunciação poética e os outros elementos da caraterização das personagens 
ficaram a encargo da Retórica (2012). Esta fundamentou uma análise aprofundada 
do discurso lógico das personagens em cena, seja para criar uma noção de 
impressão entre elas próprias, seja para entender as emoções que foram 
mimetizadas ao longo das cenas. 
Estudar literatura é ter noção da tradição literária construída ao longo de toda 
a nossa história. Os campos dos estudos literários perpassam, com frequência, pelo 
filtro aristotélico, seja para serem fundamentados por meio de profundas análises 
deixadas pelos antigos, seja para serem confrontados pela inventividade do poeta 
que extrapola os limites dos manuais preconcebidos. Temos como norte principal os 
conceitos que o filósofo grego propõe para a definição de tragédia, bem como as 
roupagens estudadas por ele para os diversos gêneros de discurso e inclinações de 
moral. Os limites entre o texto poético (no sentido lato de obra literária) e o histórico, 
bem como as caracterizações de personagens, foram fundamentais para a 
realização desta pesquisa. 
A análise pauta-se no estudo da configuração literária da personagem. Foi, 
então, feito um levantamento dos posicionamentos das outras personagens que 
convergem numa descrição imagética de Dario e Xerxes nos três primeiros atos da 
peça. Depois foi sistematizada, partindo das várias opiniões analisadas, uma 
descrição da personagem do jovem rei, tentando-se observar a construção do 
psicológico do soberano persa antes de sua aparição. Em seguida, analisamos o 
último ato da peça, em que Xerxes entra em cena e interage com o coro. A partir 
desta cena, foi analisado o comportamento do rei diante da derrota e como a 
interação com seus súditos confirma ou nega a persona criada ao longo da peça 
pelas outras personagens. 
 
Antes de darmos início à análise da peça, procuramos compreender a 
concepção cultural que já se tinha sobre as personagens em questão. Para tanto 
utilizamos uma das mais antigas e importantes obras de história conhecida no 
mundo ocidental: Histórias de Heródoto. Para os fins desta dissertação foi 
selecionado, dentre os nove livros da coletânea, o livro VIII, intitulado Urânia. A 
escolha se dá pelo conteúdo da obra ter como foco o mesmo período histórico da 
peça, isto é, a Batalha de Salamina entre gregos e persas, bem como os eventos 
imediatamente subsequentes. 
Procurando manter a simplicidade daestruturação desta dissertação optamos 
por dividi-la em três capítulos. O primeiro capítulo conta com estudo cultural sobre os 
costumes gregos, bem como as especificidades da tragédia grega e sua relevância 
para a comunidade da época. Os estudos de história foram guiados por Lesky 
(1995) e Rocha Pereira (2006); já os estudos sobre tragédia grega contaram com a 
ajuda de Lesky (1995) e Romilly (2008). Ainda no primeiro capítulo procurou-se fazer 
um apanhado geral sobre a vida e obra do autor do nosso objeto de estudo: Ésquilo. 
Para compor o arsenal historiográfico a ser útil durante a leitura da dissertação 
achamos importante trazer os contextos de escrita das obras de Aristóteles e 
finalizar o capítulo com uma descrição histórica do rei Xerxes a partir de Heródoto. 
O segundo capítulo conta com um estudo teórico das obras de Aristóteles, 
está dividido em três seções cuja primeira parte conta com o estudo sobre a Poética. 
Julgamos necessárias todas as partes do texto, logo, a análise conta com o corpus 
da obra completa que foi trabalhada de forma explícita ao longo de toda esta seção. 
A seção seguinte foca no segundo livro da Retórica pois compreende os diferentes 
caracteres que estão por trás de um discurso. Aqui procuramos entender as 
diferentes facetas de um discurso, buscando compreender as motivações e lugares 
sociais daqueles que impõem sua palavra. A última parte se trata de uma conclusão, 
estabelecendo um caminho médio entre as três obras utilizadas. 
Por último, o terceiro capítulo busca consolidar todos os estudos feitos em 
uma análise detalhada de toda a peça Persas de Ésquilo, tendo como foco as 
personagens de Dario e Xerxes. Tudo que foi apresentado pelos capítulos anteriores 
culminou em uma discussão sobre este texto literário. O capítulo se divide em três 
seções principais. A primeira tem o objetivo de introduzir o leitor tanto ao método 
utilizado bem como contextualizar a peça no seu período histórico, Heródoto é 
retomado como auxiliar para que fique claro a origem da peça e de suas 
 
personagens. Utilizando uma linguagem narrativizada de eventos históricos, 
Heródoto apresenta, em sua obra, personagens vivas que foram um dos 
combustíveis para pautar as discussões seguintes, servindo de comparação factual 
das personagens literárias. As partes seguintes têm como sede a obra Persas de 
Ésquilo. A segunda seção tem foco na personagem Dario, e procura entendê-lo por 
meio de suas próprias ações em cena e pelo que dizem as outras personagens 
sobre ele. A terceira seção gira em torno de Xerxes e utiliza o mesmo método de 
análise que serviu para Dario. 
Tratando-se de literatura, como bem relatam Brunel, Pichois e Rousseau 
(2012), traduções são importantes para a circulação e reavivamento da obra, mas 
um comparatista precisa ter contato com as obras originais. Foi, então, utilizado o 
texto de Ésquilo em seu idioma nativo, isto é, grego antigo: para tanto foi levada em 
conta a versão da obra editada pela Prensa Universitária de Oxford organizada e 
anotada por Sidgwick (1903). Visando a ampla compreensão do texto, foram, 
também, utilizados o dicionário de Lidell, Scott e Jones (1996), e o dicionário 
mitológico de Pierre Grimal (1990). Para eventuais consultas foram utilizadas duas 
traduções para o português brasileiro de Persas, uma por Kury (2008) e outra por 
Vieira (2013). 
Pensamos que proporcionar a nossa própria tradução de todos os trechos 
analisados de Persas seria fundamental para a fluidez de leitura e relevância desta 
pesquisa. Logo, foi estabelecido que o texto original em grego seria utilizado como 
citação no corpo do texto, sendo sempre acompanhado pela tradução ao português 
em nota de rodapé. 
 
 
2. Capítulo I – O trágico, o filósofo e o historiador 
2.1. Sobre a tragédia e sua relevância para a sociedade grega 
2.1.1. A origem do gênero trágico 
A grande quantidade de artigos que se dedicam a especular o surgimento da 
tragédia grega reflete as nossas incertezas sobre a real origem deste gênero tão 
precioso para a cultura ocidental. Como para muitos eventos de origem antiga e 
desconhecida, os gregos não fizeram diferente para a tragédia e dedicaram-lhe um 
mito para o seu nascimento. 
Contavam os antigos sobre um jovem rapaz no meio de uma grande multidão 
ébria que dedicava festa e vinho para o grande deus Dioniso. A turba ovacionante 
não percebia quando o jovem Téspis entrava em contato com o deus que lhe 
tomava os sentidos. Dioniso agora falava pela boca de Téspis e chamou a atenção 
de todos ao narrar-lhes sua história, as lutas que travara e como havia ascendido ao 
Olimpo para o lado de seu pai, Zeus. Embasbacada, a multidão lhe rendeu graças e 
continuou a festejar. Aquele evento foi repetido nos anos seguintes e perpetuado 
como tradição religiosa. O jovem Téspis ficou conhecido como “o primeiro ator”. 
Anos depois não era narrada apenas a vida de Dioniso, mas também de outros 
deuses, depois foram sendo narradas histórias comoventes de reis e heróis de 
tempos passados (ROCHA PEREIRA, 2006). Temos, então, o mito do surgimento da 
tragédia, que recebeu este nome pela junção de dois termos gregos: τράγος que 
significa bode e ᾠδη que significa canção. Sabendo que Dioniso era, muitas vezes, 
representado pelo símbolo do bode, vale lembrar que os seus seguidores, os sátiros, 
eram homens-bode, fica claro que o termo escolhido para um culto que este deus 
houvesse começado fosse chamado de “canção do bode”. Temos algumas 
ponderações de Romilly: 
E, primeiro, existe este termo – a tra-œdia – que significa «o canto do bode». 
Como compreender este termo? E o que fazer com este bode? A hipótese 
mais difundida consiste em aproximar o bode dos sátiros, associados 
normalmente ao culto de Dioniso, e em aceitar as duas indicações de 
Aristóteles, que, em primeiro lugar, na Poética, 1449 a 11, parece fazer 
remontar a tragédia aos autores de ditirambos (quer dizer, de obras corais 
executadas sobretudo em honra de Dioniso) e que, mais adiante, precisa, 
em 1449 a 20: «Quanto à grandeza, tarde adquiriu [a tragédia] o seu alto 
estilo: [só quando se afastou] dos argumentos breves e da elocução 
grotesca, [isto é] do [elemento] satírico»(*). Teríamos, assim, para a 
tragédia, uma origem muito próxima da da comédia – grupos de fiéis de 
 
Dioniso, representando sátiros, e cujo aspecto ou vestuário fazia pensar no 
bode. (ROMILLY, 2008. p. 18) 
 Se sairmos da mitologia e pensarmos mais factualmente no que seria a 
tragédia chegamos, em algumas conclusões mais técnicas. As partes da tragédia 
bem como suas características que a diferenciam como gênero serão estudadas no 
capítulo II desta dissertação, mas, por hora, pensemos no que é, de fato, a tragédia. 
O gênero trágico nasceu, afirma Aristóteles (ARISTÓTELES, 2015. p. 69-71), como 
uma derivação do gênero épico, mas com uma diferença inaugural: a descrição, isto 
é, a epopeia utiliza a descrição para narrar, já a tragédia não precisa de longas 
descrições pelo seu caráter de mostrar. Logo conclui-se que desde a origem a 
tragédia é um gênero único e apreciado como tal. 
2.1.2. A tragédia na sociedade grega 
A tragédia sempre possuiu caráter religioso e era apresentada em festivais 
que contavam com a participação de todos que habitavam a cidade, em alguns 
casos, até mesmo os indivíduos escravizados tinham acesso ao evento. Estes 
eventos festivos eram normalmente dedicados a Dioniso. 
Entre os Gregos não se ia ao teatro como podemos ir nos nossos dias – 
escolhendo dia e o espetáculo, e assistindo a uma representação que se 
repete todos os dias ao longo do ano. Havia duas festas anuais onde se 
apresentavam tragédias. Cada festa comportava um concurso, que durava 
três dias; e, em cada dia, um autor, selecionado muito tempo antes, fazia 
representar, seguidas, três tragédias. A representação era prevista e 
organizada a expensas do Estado, dado que era um dos altos magistradosda cidade que devia escolher os poetas e escolher, igualmente, os cidadãos 
ricos encarregues de prover a todas as despesas. Enfim, no dia da 
representação, o povo todo era convidado a ir ao espetáculo: desde a 
época de Péricles que os cidadãos pobres até, para este efeito, recebiam 
um pequeno abono. (ROMILLY, 2008. p. 15) 
 Os festivais dedicados a Dioniso eram celebrados em quatro épocas 
diferentes do ano, eram estes: as Antestérias, que aconteciam no fim de fevereiro; 
as Leneias, celebradas em janeiro; em dezembro eram celebradas as Dionísias 
Rurais e, por fim, temos as Dionísias Urbanas, celebradas na primavera em honra 
ao Dioniso Eleuthereus. Concentremo-nos nessa última, pois era nesta festividade 
que tínhamos a manifestação do evento de teatro, onde três autores eram 
selecionados meses antes para apresentar três obras, tendo estas conexão temática 
ou não (ROCHA PEREIRA, 2006). 
 
 As Dionísias Urbanas aconteciam ao longo de seis dias, dos quais cinco 
eram dedicados a apresentações de comédias, tragédias e ditirambos, enquanto 
que o último dia era dedicado às premiações. Os festivais eram abertos logo de 
manhã com libações e sacrifícios, depois tinham as primeiras apresentações. Dos 
cinco dias de espetáculos, três iniciavam-se pelas tragédias e cada autor era 
responsável por um dia no qual exibia um conjunto de três tragédias. Dois dias eram 
iniciados pelos poemas ditirâmbicos e dois autores se apresentavam cada um em 
um dia. Todos os cinco dias eram encerrados por uma comédia, cada dia um autor 
diferente. Não temos certeza da ordem de divisão entre quais dias eram 
apresentadas as tragédias e quais os poemas ditirâmbicos, mas muito 
provavelmente não existia uma tradição fixa, cabendo à organização de evento 
divulgar aos cidadãos essa ordem (ROCHA PEREIRA, 2006). No sexto dia de 
evento, ocorriam as premiações, que eram determinadas por um júri de cidadãos 
sorteados no primeiro dia que classificavam, a seu gosto, as apresentações. No fim, 
o arconte anunciava os vencedores que recebiam uma coroa de hera. O festival era 
debatido em assembleias que ponderavam sobre a conduta dos responsáveis e já 
marcavam o início da organização para o ano seguinte. 
Tais festas eram aguardadas por todos os cidadãos e representavam o início 
da primavera, um bom ano estava normalmente ligado ao bom desempenho do 
festival. Logo os responsáveis pelo evento eram cidadãos ricos que faziam de tudo 
para associar seus nomes aos melhores festivais. 
2.2. Ésquilo e o seu contexto de escrita 
2.2.1. O soldado dramaturgo 
“Ésquilo é o homem das guerras médicas”, é assim que Romilly (2008. p. 53) 
inicia seu capítulo sobre o mais antigo dos três grandes dramaturgos gregos que 
sobreviveram até os nossos tempos. Não se tem tanta certeza sobre quando e onde 
Ésquilo tenha nascido, mas se estima que tenha sido por volta de 525 ou 524 a.C. 
numa pequena cidade chamada Elêusis, a noroeste de Atenas. Chegaram-nos, de 
forma quase íntegra, sete peças deste autor, encenadas, possivelmente, entre 472 e 
458 a.C., esta última data marca dois ou três anos antes da sua morte em 556 ou 
555 a.C. Estima-se que a mais antiga de suas tragédias tenha sido Persas, datada 
em 472 a.C. As outras peças são: Sete contra Tebas, datada em 467 a.C., As 
 
Suplicantes de 463 a.C. e a trilogia da Orestéia em 458 a.C., que conta com as 
peças Agamemnon, Cóeforas e Eumênides. Nos chegou também Prometeu 
acorrentado, mas não temos certeza de quando ou onde tenha sido apresentada. Há, 
na academia a discussão se esta peça foi, de fato, escrita por Ésquilo3. 
Além das peças que nos chegaram, vale ressaltar que, como muitos autores 
do período clássico, inúmeros títulos foram engolidos pelas areias do tempo, 
sobrando-nos apenas alguns nomes citados por outros autores, que, com sorte, 
estão acompanhadas do argumento geral descrito em poucas linhas ou alguns 
versos soltos e descontextualizados. São estes: Ifigênia, Filoctetes, Penelope, 
Mísios, Mulheres trácias, Salaminas, entre outros tantos completamente esquecidos. 
Sabe-se que Ésquilo participou como soldado das guerras médicas e lutou 
em Maratona no ano de 490 a.C. e em Salamina no ano de 480 a.C., vendo de perto 
a ascensão e queda do rei Xerxes I. Acredita-se que sua experiência na guerra 
tenha sido o combustível para a sua primeira grande vitória nos festivais das 
Dionísias, isto é, a execução de sua peça, Persas. 
A presença dos deuses é algo que se faz muito recorrente nas peças de 
Ésquilo, seja por meio de menções ou a própria aparição de entidades para punir 
mortais ou liberá-los de algum fardo. Porém, do mesmo modo que os deuses tomam 
parte nos enredos, a justiça divina também é muito presente e para Ésquilo, essa 
justiça divina se manifesta quando os homens se tornam completamente 
responsáveis pelos seus atos e sofrem as consequências integralmente. 
A própria ideia de justiça divina, contudo, implica que os homens sejam 
responsáveis pelos seus actos. E no teatro de Ésquilo são-no 
completamente. São-no em relação aos deuses, que se arriscam a irritar a 
cada momento; são-no também em relação ao grupo que têm a seu cargo e 
que a todo o momento se arriscam a arrastar num desastre. Esta 
responsabilidade de caráter cívico ou político alia-se mesmo à primeira e 
contribui para dar aos seus actos um reflexo mais profundo. (ROMILLY, 
2008. p. 69) 
Por fim, é notável o brilhantismo de Ésquilo ao mesclar de forma magistral os 
elementos divinos com a justiça humana. Nos mundos criados por ele, existem 
 
3 Romilly (2008. p. 63) discute mais profundamente essa questão afirmando que há diversas 
dúvidas sobre de onde tenha vindo esta tragédia. Existem hipóteses que faça parte de uma trilogia 
perdida cujo primeiro trabalho se intitularia Prometeu Portador do Fogo, esta que possuímos seria o 
segundo título que precederia o possível título Prometeu liberto. Todavia, não temos dados 
suficientes para comprovar qualquer data de apresentação, e o estilo de escrita da peça difere 
consideravelmente de todas as obras do autor. 
 
claros resquícios de uma crueldade acidamente crítica, que revelam os seus 
conhecimentos profundos sobre religião, justiça e guerra. 
2.2.2. Sobre Persas 
Encenada pela primeira vez por volta de 472 a.C. o autor deixa claro o tempo 
e espaço do enredo, isto é, somos transportados para o vestíbulo do Palácio de 
Xerxes I em 480 a.C. e nos são apresentadas figuras históricas, que possivelmente 
estavam muito nítidas nas memórias daqueles que presenciaram a encenação da 
peça pela primeira vez. O coro é composto majoritariamente de anciãos e 
conselheiros reais. O argumento da peça gira em torno de um ato de hybris e suas 
consequências. Como bem sintetiza Romilly: 
Nos Persas, a ideia de justiça divina aparece de um modo tanto mais 
notável quanto ele se encontrava, a priori, fora do seu lugar. Com os Persas, 
deveríamos ter tido, normalmente, uma peça de circunstância ou, como 
diríamos hoje, uma peça engagée. Ora, o que temos é inteiramente o 
contrário. 
Primeiro, o assunto é tratado do ponto de vista, não dos vencedores, 
mas dos vencidos. Aqui Ésquilo teve um predecessor ilustre: Frínico fora 
coroado, quatro anos antes, por uma peça que tratava o mesmo assunto e 
adoptava a mesma perspectiva; é a peça intitulada as Fenícias. Não 
podemos dizer nada de muito preciso acerca dela (sabemos exatamente 
que foi mandada encenar por Temístocles, como a de Ésquilo o foi por 
Péricles). Em contrapartida, podemos precisar que, em Ésquilo, não há uma 
única palavra respeitante aos homens do momento: Temístocles, o grande 
vencedor de Salamina, não é nomeado; e a própria Atenas (fora um ou dois 
versos) confunde-se com a massa dos Gregos. Só os Persas preenchem a 
tragédia – ou, melhor, os Persas e os deuses. (ROMILLY, 2008. p. 57) 
O enredo de Persas mimetiza algumas ações imediatamente sucedentes à 
Batalha de Salamina, um evento que marcaa história como a grande derrota persa. 
A peça é composta de quatro atos, sendo os três primeiros protagonizados pela mãe 
de Xerxes, a rainha Atossa, enquanto o último ato tem a ação centrada do próprio 
Rei Xerxes. A encenação começa na frente do palácio real da Pérsia, com o coro, 
composto de idosos, crianças e mulheres persas, que aguardava ansiosamente por 
notícias da guerra que estourava entre o seu povo e os gregos. Neste início, o coro 
apresenta a rainha Atossa, que os consola com palavras de esperança. Esse estado 
de espera logo é quebrado com a chegada do mensageiro de Xerxes, que carrega 
terríveis notícias sobre o atual estado da nação e as possíveis consequências 
terríveis que a esperam, anunciando a derrota de seu povo perante os gregos e 
informando que o rei em breve retornará sozinho, pois grande parte do seu exército 
 
foi dizimado em sucessivas batalhas perdidas contra os inimigos dóricos. Os 
eventos narrados sobre a guerra coincidem com a versão apresentada por Heródoto 
em Histórias, que conta que, mesmo com um exército quase dez vezes maior, os 
persas caíram em uma armadilha grega. O mensageiro sumariza que durante a 
noite espalhou-se um boato de que os gregos teriam desistido da batalha e estavam 
batendo em retirada. O rei Xerxes, ao tomar conhecimento da situação, posiciona 
seus capitães em locais estratégicos para impedir a fuga grega. Sabendo disso, os 
helenos se espalharam entre os exércitos persas e derrotaram isoladamente cada 
uma das falanges. A queda de seus capitães chegou como um forte golpe aos 
ouvidos do rei, que prevendo a derrota, ordenou a retirada das infantarias restantes 
que diminuíam a cada segundo. Xerxes, sem ver outra saída, mandou o mensageiro 
para avisar do seu breve retorno para sua mãe e súditos. 
Desolada, a rainha então recorre ao sobrenatural e evoca do Hades o espírito 
do seu falecido esposo, o rei Dario, pai de Xerxes. Com Dario em cena, eles 
conversam sobre o futuro incerto da Pérsia e sobre os erros cometidos pelo seu filho. 
Após o diálogo, com o desaparecimento do marido em tênues auras, Atossa se vê 
novamente sozinha com o coro e resolve entrar no palácio para organizar roupas 
limpas e comida enquanto aguarda o retorno de seu filho. No último ato, Xerxes 
entra em cena, e com grande pesar, fala aos seus súditos, confirmando sua derrota 
e chorando as mágoas de um rei que viu seu povo cair em profunda desgraça. 
2.3. Aristóteles e seu contexto de escrita 
Aristóteles nasceu em 384 a.C., ano em que acontecia a 99ª Olimpíada, na 
cidade de Estagira, na região da Calcídia, sob o domínio do rei da Macedônia. Seu 
pai, Nicômaco, era o médico pessoal do rei e segundo a tradição deveria instruir seu 
filho nos caminhos da medicina. Todavia, acabou morrendo antes que pudesse 
concluir a educação de Aristóteles, deixando-o órfão. Os conhecimentos do pai 
marcaram a inteligência do filho, e uma percepção que Aristóteles desenvolveu do 
conhecimento e por conseguinte da filosofia é de se tratar de um organismo vivo que 
responde de maneira orgânica aos fatos. Muitos de seus trabalhos refletem essa 
visão da realidade. 
Com a morte de seu pai, a sua educação nos caminhos da medicina precisou 
ser interrompida e seu novo mestre Proxeno de Atarnea ficou incumbido de ensiná-
lo a arte do discurso. Manteve-se com Proxeno até meados de 366 a.C. quando se 
 
mudou para Atenas e entrou para a Academia de Platão. Aristóteles permanece em 
Atenas até a morte de seu mestre em 347 a.C. A sua situação política como 
estrangeiro não o permitia plenos direitos cíveis na cidade, além disso, a escolha de 
Espeusipo como novo dirigente da academia platônica foi mais um dos motivos que 
o fizeram tomar a decisão de retornar para a Macedônia onde logo foi recrutado 
como preceptor de Alexandre. 
A obra de Aristóteles é uma das mais vastas e completas obras que 
possuímos da antiguidade clássica. Tem-se, a partir da ordem estabelecida por 
Bekker em 1831, que estudou e catalogou toda a obra do estagirita, a seguinte 
cronologia: Órganon; Física; Da geração e da corrupção; Do cosmos; Do céu; Dos 
meteoros; Da alma; Parva Naturalia, que são alguns tratados de assuntos diversos 
envolvendo a alma; Sobre os animais; Das partes dos animais; alguns outros 
tratados de assuntos diversos envolvendo botânica e meteorologia; Problemas, que 
é um compilado de questões acerca dos textos homéricos; Retórica a Alexandre; 
Metafísica; Economia; Grande moral; Ética a Eudemo; Ética a Nicômaco; Dos 
Atenienses; Das virtudes e vícios; Política; Retórica e Poética (PINHEIRO, 2015). 
A sua obra se divide em três principais momentos, isto é, antes de sua 
mudança para Atenas, durante sua estadia na academia e após o seu retorno para a 
Macedônia. Os assuntos abordados são, de todo, plurais, trazendo questões da 
natureza física das coisas até reflexões sobre a alma. Nesta dissertação trataremos 
das questões trazidas em seus últimos trabalhos que abordam o discurso em toda a 
sua variedade. 
O filósofo escreveu, como visto anteriormente, dois principais tratados que 
abordam o discurso. O primeiro se volta para a arte da comunicação que tem o 
objetivo de persuadir. Trata-se, pois, da Retórica que será estuda na seção 3.3. 
deste trabalho. O outro texto é computado entre os principais trabalhos que 
embasam os estudos literários modernos, seja para somar-se com as análises 
contemporâneas, seja para servir de contraponto e trazer uma visão diferente 
daquela com a qual já estamos acostumados. A Poética aborda o discurso imagético 
tendo como principal objetivo a evocação do discurso literário que tange o belo na 
tentativa de impressionar e trazer a contemplação estética. 
Os dois textos supracitados serão cuidadosamente analisados para que 
possamos desenvolver um fio condutor que serve de base para os estudos do texto 
trágico analisado nesta dissertação. 
 
2.4. Apresentação do personagem histórico Xerxes e suas aparições em 
Heródoto 
Heródoto é apresentado por Cícero como pater historiae. O termo história 
teria sido cunhado pelo próprio Heródoto ao nomear sua obra ἱστορίαι um 
substantivo derivado do verbo ἱστορέω, que significa “investigar”, logo, o livro seria 
uma espécie de investigação. Para Heródoto a descrição histórica vai muito além de 
uma marcação de fatos e datas, envolve, de fato, uma investigação cultural e 
geográfica contida em uma narrativa bem elaborada. Sua maneira de narrar eventos 
históricos é, muitas vezes, visto pelos historiadores modernos como problemáticos, 
porém, para os fins desta dissertação de tentar traçar uma imagem de Xerxes a 
partir de um texto literário, o caráter narrativo da obra do historiador nos proporciona 
uma luz mais ampla de uma imagem mais detalhada de Xerxes dentro da 
perspectiva grega. Endossa isso o artigo de Grethlein (2009) que procura 
explicações mais profundas para as escolhas de escrita de Heródoto: 
Herodotus' approach lets us consider the didactic aspect of the Histories in 
new light. As I noted at the beginning, recent scholarship has elaborated on 
the prolepseis in the Histories through which Herodotus prompts his readers 
to view the more recent past and present against the background of his 
account of the Persian Wars.4 (GRETHLEIN, 2009. p. 214) 
A sua obra é dividida em nove livros e são nomeados de acordo com as nove 
musas da mitologia. O primeiro é nomeado “Clio”, musa da história, e contextualiza o 
ódio mútuo entre gregos e persas, muito antes das guerras médicas. O segundo, 
terceiro e quarto livros, “Euterpe”, “Talia” e “Melpômene”, musas da poesia lírica, 
comédia e tragédia respectivamente, tratam da contextualização geográfica e 
cultural do povo persa, além de algumas primeiras batalhas que ocorreram com 
povos vizinhos, bem como o sucesso persa na dominação do Egito. O quinto e sexto 
livros, “Terpsícore” e “Érato”, musas da dança e dos hinos, tratam principalmente da 
Grécia,sua grande diversidade cultural, possuem Atenas e Esparta como eixos 
centrais e contextualiza o seu poder político e bélico. O sétimo livro, “Polímnia”, 
musa dos hinos, marca o início das guerras médicas e possui como principal cenário 
a batalha de Termópilas. O livro destaca também a importância desta batalha tanto 
 
4 A abordagem de Heródoto nos permite considerar o aspecto didático das Histórias em uma 
nova luz. Como eu notei no início, estudos recentes elaboram sobre as prolepses em Histórias 
através das quais Heródoto impele seus leitores a ver o passado e o presente mais recente 
contrastando com o cenário dos seus relatos das guerras persas. (Trad. nossa) 
 
para o tempo a mais que os gregos obtiveram para preparação bélica, bem como a 
importância do avanço persa na dominação daquela região. Os eventos narrados 
anteriormente culminam no oitavo livro, nomeado “Urânia”, musa da astronomia, que 
trata os eventos da batalha de Salamina, nosso foco central nesta análise. Por fim, 
temos o nono livro, “Calíope”, musa da poesia Épica, que trata das últimas batalhas 
que marcaram o fim das guerras médicas e derrota absoluta do império persa. 
 Centrado na própria batalha de Salamina e nos eventos desencadeados por 
ela, o livro VIII das Histórias de Heródoto tem o mesmo cenário da peça que 
protagoniza a nossa análise nesta dissertação. Temos o rei Xerxes I, filho e 
sucessor de Dario I, depois da batalha de Termópilas, na qual subjugou o exército 
Espartano liderado pelo rei Leônidas, conseguindo assim uma vantagem em relação 
ao povo grego que precisou se juntar sob a liderança do Ateniense Temístocles. 
Estava pronto o cenário da memorável batalha de Salamina, que marca o início da 
queda persa. 
Logo depois de ouvida essa proclamação, as unidades navais ficaram 
quase inteiramente desprovidas de suas guarnições, tão grande foi a 
curiosidade dos combatentes de apreciar o espetáculo que Xerxes lhes 
proporcionava. Percorrendo o campo de batalha e examinando os corpos 
estendidos por terra, os soldados julgaram serem todos de lacedemônios e 
de téspios, embora houvesse também ilotas. Todavia, o artifício de que 
lançara mão Xerxes com relação aos bárbaros mortos não enganou a 
ninguém, tão ridículo ele era. (HERÓDOTO, 1950. p. 622) 
Percebe-se que Xerxes é apresentado por Heródoto como um rei tão 
temerário e inconsequente que prioriza a demonstração de seu poder para os 
súditos em detrimento da própria linha de defesa. Esta passagem que ocorre nos 
parágrafos XXIV e XXV do livro VIII prova a opinião de Heródoto sobre Xerxes, que 
podemos imaginar refletir a opinião geral dos gregos após os longos anos de ódio 
que envolveram estes povos. 
Durante suas aparições na obra histórica, Xerxes é retratado como um rei 
louco e ganancioso com fortes tendências a arriscar a integridade de seus soldados 
em troca de demonstrações públicas de seu poder e riqueza. A ganância de Xerxes, 
afirma Heródoto, chega a desejar os tesouros gregos ao ponto de ter uma ciência 
maior de sua dimensão do que a riqueza de seu próprio império: 
Tinham seguido essa direção, depois de se terem separado do resto do 
exército, com o propósito de saquear o templo de Delfos e levar os seus 
tesouros para Xerxes. O soberano, como já disse, conhecia mais as 
riquezas e preciosidades que se encontravam nas regiões invadidas, do que 
 
as que ele próprio possuía, pois muito ouvira falar desses tesouros, e 
principalmente das oferendas de Creso, filho de Aliata. (HERÓDOTO, 1950. 
p. 626) 
Esta passagem encontrada no parágrafo XXXV também denota outro 
ressentimento do povo grego com relação aos persas. Percebe-se aqui o ataque 
religioso desferido pelo exército de Xerxes ao afirmar que este tinha como objetivo 
saquear o tempo de Delfos. Veremos, pois, nas análises do texto literário nas 
seções seguintes que este ato pode indicar uma das causas para que na peça de 
Ésquilo, o rei Dario tenha inferido que o seu filho teria cometido hybris. Cabendo 
assim refletir sobre a importância de Delfos, que era, possivelmente, a mais antiga 
autoridade religiosa reconhecida por todos os gregos. Um ataque a Delfos 
representava um ataque à própria essência religiosa grega, sendo justificada, neste 
contexto, a mais rígida das punições divinas, pelo crime máximo de hybris. 
Grethlein (2009) analisa a narrativa de Heródoto do ponto de vista de um 
historiador e conclui que este deixa alguns vestígios de parcialidade em sua 
narrativa histórica, retratando Xerxes, geralmente como um rei inexperiente ou 
mesmo inepto: 
As later at Salamis, Xerxes is distant from the army, which he watches from 
his elevated position like Zeus observing the heroes from Mount Ida. This 
time, his detached attitude matches the situation, a regatta, which shows the 
ships in action but does not constitute a real battle. The performative 
character of the regatta gives Xerxes full control over the situation and 
allows him to entirely indulge in his view. The tranquillity of the scene 
contrasts with the unpredictable movements of future battles.5 (GRETHLEIN, 
2009. p. 209-210) 
As afirmações de Grethlein concluem um certo movimento narrativo de Heródoto em 
contrastar cenas de tranquilidade com as tragédias irremediáveis para os persas que 
ainda vão surgir. Ao comparar Xerxes a Zeus, Heródoto cria uma imagem do rei 
como um ser divino, mas uma das questões postas pelo argumento de Grethlein é 
de que, ao quebrar essa cena, Heródoto não só revoga esse nume como propõe 
Xerxes como um rei irresponsável que se mantém em lugar seguro enquanto seu 
exército perece nas mãos do inimigo. 
 
5 Assim como posteriormente, em Salamina, Xerxes aparece distante de seu exército, o qual 
ele observa da sua elevada posição, tal qual Zeus no Monte Ida a observar os heróis. Dessa vez, a 
sua atitude desapegada corresponde à situação, uma regata, o que denota a ação performática das 
embarcações, mas sem necessariamente culminar em uma batalha. Esse teor performático da regata 
dá a Xerxes total controle sobre a situação e, ainda, permite que ele se entregue à sua visão. A 
tranquilidade da cena contrasta com a imprevisibilidade das batalhas subsequentes. (Trad. nossa) 
 
Esta dissertação busca entender como é retratada a personagem do rei 
Xerxes na peça de Ésquilo, será, pois, importante para a composição desta ideia, a 
presença do discurso histórico de Heródoto servindo como contexto social e cultural 
contido no discurso poético de Ésquilo. Essa discussão tem como objetivo separar 
esses dois tipos de relato e utiliza como fundamento teórico, principalmente, os 
estudos feitos no capítulo II. Com isso percebemos que não temos a personagem 
em si ou que quer que tenha sido em vida: temos, a partir de discursos de autores 
gregos, a personagem literária que não caracteriza, necessariamente, o homem, 
mas uma visão composta pelo poeta. 
 
 
3. Capítulo II – As técnicas por trás do homem trágico 
3.1. O discurso poético: O personagem trágico sob o prisma da Poética 
3.1.1. Sobre a Poética 
O texto da Poética já foi amplamente utilizado ao longo dos séculos de 
estudos literários para pautar inúmeras análises de obras e personagens com intuito 
de entendê-los do ponto de vista clássico. Nesta dissertação pretendemos 
compreender os personagens régios contidos em Persas pelo prisma aristotélico. 
Dessa forma evitamos que anacronismos sejam cometidos ao passo que a teoria 
utilizada para a análise dos tipos dramáticos dista apenas algumas décadas da 
própria obra literária. 
Para uma leitura sistemática da Poética, precisamos primeiro, assim como em 
qualquer texto teórico, entender sua estrutura. O texto, como nos chegou, possui 26 
seções que vão gradativamente apresentando teoria poética composta por 
Aristóteles com foco no gênero dramático. 
Da primeira à quinta seção, o autor utiliza exemplos diversos para elucidar a 
definição de poética. O leitor moderno precisa ficar atentoao termo utilizado, pois a 
palavra grega ποιητική vem de ποίησις que significa aquilo que se pode fabricar, 
substantivo originado do verbo ποιέω que significa ‘faço’. Sabendo disso, pode-se 
compreender que foi necessária uma definição muito bem arguida do autor com 
relação ao conceito apresentado para que não ficasse vago para a comunidade da 
época, dada a polissemia que a palavra utilizada já trazia consigo em sua língua de 
origem. 
A seção sexta trata de guiar o texto para o conceito principal da obra, ou seja, 
a partir da definição da poética o autor define a tragédia. Da seção seguinte à 
décima oitava, Aristóteles trata de cada uma das partes da tragédia apresentando 
como os componentes introduzidos anteriormente formam o texto trágico. 
Por fim as seções restantes desenvolvem a elocução poética e como ela pode 
se manifestar no texto trágico. Estas seções são de suma importância para a 
presente dissertação, pois os conceitos apresentados formam a estrada comum 
 
entre todas as teorias aristotélicas utilizadas para as análises posteriores, ou seja, 
consistem na media via entre a Poética e Retórica6. 
3.1.2. Introdução ao conceito de Poética 
A primeira parte do texto deixado por Aristóteles intitulado περὶ ποιητικῆς tem 
como principal escopo a explicação e definição do termo escolhido para nomear a 
construção artística por meio da linguagem. Primeiro são citadas as principais 
manifestações poéticas conhecidas: as poesias épica (ἐποποία), trágica (τραγῳδία), 
cômica (κωμῳδία), ditirâmbica (διθυραμβοποιητική), aulética (αὐλητική) e citarística 
(κιθαριστική). Firmando essas primeiras como principais exemplos, é perceptível que 
seriam necessários parâmetros para podermos diferenciá-las, afinal, se possuem 
nomes diferentes, no que, de fato diferem? Aristóteles resolve esta problemática 
com uma solução simples: 
[...] diferem umas das outras em três aspectos: ou bem porque efetuam a 
mimese em diferentes meios, ou bem de diferentes objetos, ou bem porque 
mimetizam diferentemente, isto é, não do mesmo modo. (ARISTÓTELES, 
2015. p. 39.) 
Ao definir como os diferentes tipos poéticos se diferenciam entre si, é 
indispensável definir como um gênero se diferencia dos outros. Para Aristóteles, e 
para futuras demarcações de gênero nesta dissertação, considera-se ποιῆσις o 
trabalho com a linguagem que se manifesta por meio de ritmo e métrica. Assumindo, 
assim, que a arte prosaica, mesmo que seja capaz de mimese, seria obscura quanto 
ao seu desdobramento linguístico, pois a elocução se dispõe diferentemente, como 
veremos na seção 3.3. Esta divisão seria muito simples, segundo o próprio autor, 
pois dividir todas as possibilidades de um gênero pela forma métrica em que o texto 
está disposto colocaria em paralelo autores cujas obras são completamente 
diferentes. 
Tendo em vista a resolução do problema proposto, o autor busca entender 
melhor o objeto, ou seja, aquilo do que se fala, deixando de lado, por hora, o meio, 
isto é, as estruturas métricas e melódicas utilizadas para se falar. Tendo como foco o 
entendimento geral da poesia, Aristóteles introduz a personagem como o sujeito que 
 
6 A edição utilizada da Poética como referência é a tradução comentada, publicada pela 
editora 34 (2015) para português de P. Pinheiro. Para a Retórica utilizamos a edição da WMF Martins 
Fontes (2012), traduzida por M. A. Júnior; P. F. Alberto; A. N. Pena. Sob a coordenação de A. P. 
Mesquita. Para esta pesquisa também foi utilizado o texto original organizado por Rudolf Kassel pela 
prensa universitária de Oxford (2002) 
 
dará corpo à ação, pois quando mimetizado se apresenta como possuidor de um 
caráter elevado (σπουδαῖος) ou de um caráter baixo (ou simples) (φαῦλος). Afirma, 
pois, que esta divisão binária se faz completa já que o próprio ser humano se 
diferencia por seus vícios e virtudes. Podemos entender que o caráter neutro seria o 
de um cidadão comum, dotado de vícios e virtudes, não tendo destaque em 
nenhuma delas. 
Ainda restaria um último problema a ser resolvido antes que se possa dar 
prosseguimento à análise poética. Pois a forma como se mimetiza também pode ser 
caraterizada como uma diferença, mesmo que o meio e objetos sejam equivalentes. 
Logo, se faz necessário o entendimento do modo que seria a forma poética utilizada 
para a narração ou representação, bem como os recursos linguísticos que seriam 
utilizados para a composição da mimese. 
Entende-se que para compormos uma análise poética seguindo o prisma 
aristotélico é fundamental que sejam entendidos os pontos chaves da própria 
composição poética. O meio é por onde a mimese acontece, é o próprio uso da 
linguagem verbal; o objeto é aquilo que é apresentado efetivamente; já o modo é a 
composição formal do texto. 
Teremos, nesta dissertação, assim como o autor, enfoque no texto dramático, 
em específico a tragédia. Aristóteles traz o exemplo comparativo entre o texto 
trágico e cômico que possui meios e modos justapostos, porém se diferenciam nos 
tipos de personagens apresentados, ou seja, o objeto é divergente, mesmo que 
estejam, os dois tipos textuais, categorizados dentro do gênero dramático. A própria 
palavra traz em si a concepção de ação vinculada intimamente ao texto. Como 
afirma o autor: “[...] devem ser nomeadas poemas “dramáticos” {δράματα}, pois 
nelas se mimetizam personagens em ação {δρῶντας}.” (Aristóteles, p. 53. 2017). 
Uma das questões da produção poética é a sua motivação, pois esta seria a 
energia propulsora inicial para que se componha um texto poético. Aristóteles 
acredita em duas principais causas que seriam motivadoras. A primeira delas se dá 
pela natureza humana, pois desde a infância somos incentivados à mimese, esta 
força motriz mimética desenvolvida desde os poucos anos de vida nos torna mais 
propensos a este tipo de produção. A outra causa é, também, pautada na natureza 
humana, pois o prazer causado por presenciar a representação de fatos 
interessantes desperta a curiosidade em consumir a produção daqueles que são 
dotados do conhecimento de mimetizá-lo. Temos então causas tanto para a ideia 
 
inicial quanto para que se mantenham sendo produzidas novas peças artísticas, já 
que a mimese, segundo Aristóteles, foi a maneira que nós, seres humanos, 
encontramos de experienciar a realidade por meio do outro. 
3.1.3. Demarcação do conceito e das partes da tragédia 
Para Aristóteles a tragédia é a forma máxima da arte poética por tratar de 
personagens com o caráter elevado e por se servir dos mesmos temas disponíveis 
para o poema épico utilizando a ação dramática. Ao longo de grande parte do texto 
o autor se propõe a comentar as partes constitutivas da tragédia e diferenciá-la dos 
outros gêneros, dando enfoque nas análises estruturais do gênero dramático. As 
elocubrações aqui relatadas, seguindo o pensamento aristotélico, se fazem 
imprescindíveis para a compreensão dos comentários posteriores feitos sobre o 
objeto de estudo desta pesquisa. 
A epopeia acompanha a tragédia até o ponto de ser mimese de homens de 
caráter elevado por meio da linguagem metrificada, mas se diferencia por 
ter a epopeia uma métrica uniforme e por ser uma narrativa. E ainda quanto 
à extensão: pois a tragédia tende, tanto quanto possível, a se limitar a um 
único período de sol ou a exceder minimamente o período de um dia, 
enquanto a epopeia não se limita no tempo. (ARISTÓTELES, 2015. p. 69.). 
Ao indicar que a tragédia é uma forma poética que utiliza os mesmos temas 
da epopeia, porém de maneira mais refinada e direcionada, o autor afirma que para 
um entendimento mais aprofundado será necessária a reflexão sobre suas partes 
constitutivas. Primeiramente, tem-se por tragédia a mimese de ações moralmente 
boas, logo, se concretiza pela atuação dos personagens que por meio da ação 
reduzem a existência do narrador, diferenciando-a da epopeia por depender dos 
personagens para a elocução dos acontecimentos.Trataremos então das partes constitutivas da tragédia, que são: enredo 
(μῦθος), caracteres(ἤθη), elocução (λέξις), pensamento (διάνοια), espetáculo (ὄψις) 
e melopeia (μελοποιία). 
O enredo é a mimese da ação, e se manifesta na organização e apresentação 
dos fatos. Os caracteres são as índoles dos personagens que são encenadas, 
podem ser boas ou más, elevadas ou simples. A elocução é a própria linguagem 
utilizada na composição dos metros. O pensamento é a capacidade das 
personagens de efetivar ou demonstrar um conhecimento por meio da ação. O 
espetáculo se trata da manifestação da mimese por meio das personagens em cena. 
 
A melopeia é a composição rítmica e melódica que se manifesta a partir do metro e 
do canto, que podem, por muitas vezes, ser acompanhados de instrumentação 
musical. 
Relacionando as partes constitutivas da tragédia com a divisão dos elementos 
da poesia, obtemos algumas respostas que viabilizam uma análise mais acurada do 
gênero. Na tragédia o meio de efetivação mimética é composto pela elocução e pela 
melopeia; os objetos de mimese são os caracteres, o enredo e o pensamento; já o 
modo é composto pelo espetáculo. Dessa forma Aristóteles consegue assegurar a 
caracterização única do texto trágico se comparado às outras formas poéticas. 
Elegendo o enredo7 como o principal e mais característico dentre os seis 
elementos fundamentais da tragédia, Aristóteles se debruça na repartição deste em 
partes menores que possam ser analisadas individualmente. 
O filósofo divide o enredo em início (ἀρχήν), meio (μέσον) e fim (τελευτήν). E 
por mais óbvios que estes conceitos possam parecer para leitores modernos, seria 
imprudente continuar sem trazer a visão traçada por Aristóteles para tais 
nomenclaturas. Logo, o início é a parte do texto que não é, com efeito, precedida de 
nada. Temos então o contrário: o fim é aquilo que sucede o todo e depois do qual 
nada advém. Por conseguinte, o meio se trata da parte da tragédia que não inicia 
nem encerra, ou seja, é precedida e sucedida de algo. Faz-se importante entender 
que o início, meio e fim do texto trágico não são conceitos absolutos, pois o enredo 
trata um ponto na cronologia do mito tradicional e tem seu início e fim elegidos pelo 
autor ao ser concebido. 
Ainda sobre os limites do enredo, Aristóteles trata da ação, pois esta deve ser 
o seu centro. O autor afirma terem errado os poetas que se propuseram a compor 
tragédias centradas em uma única personagem, pois a junção de fatos, mesmo que 
numerosos, envolvendo esta única personagem não é adequada para a composição 
trágica. O enredo deve estar centrado na ação, isto é, tudo nele deve envolver a 
ação per se ou descrita das personagens em cena. Tem-se, então, uma composição 
de vários acontecimentos que giram em torno de um evento principal. 
 
7 O texto original utiliza o termo μῦθος para se referir ao enredo. No grego ático esta palavra 
pode se referir a qualquer tipo de narrativa, sendo esta fictícia ou não. Vide o verbete do dicionário 
LSJ Lexicon, que possui diversas entradas para se referir ao termo descrito; entre elas podemos 
encontrar discurso público, conversa, qualquer coisa dita ou fato, rumor, fábula, entre outros. Com 
isso, para esta dissertação o termo enredo se dá como uma escolha plausível e bem colocada pelo 
tradutor Paulo Pinheiro (2015) na edição utilizada como referência. 
 
Partindo da discussão sobre enredo e levando em consideração o termo 
original utilizado: μῦθος, temos como imprescindível entender a diferença entre o 
poeta e o historiador. O poeta, por mais próximo do verdadeiro que procure ser em 
sua criação, não tem comprometimento com a verdade pois seu texto se trata de 
uma narrativa verossímil e não verdadeira, este segundo aspecto seria, todavia, o 
escopo do texto histórico por se tratar de um gênero voltado aos fatos. O historiador 
não se utiliza do mesmo tipo de narração dos poetas. Se a ação dos poetas é 
definida pelo verbo grego μυθεῖσθαι que seria a narrativa adornada com diálogos, 
longas descrições de espaço, tempo e personagens, bem como o desenvolvimento 
de um enredo, a ação dos historiadores seria ἱστορεῖν, o ato de informar os 
acontecimentos do mundo real tal como aconteceram, sem grandes fabulações ou 
detalhes que vão além do estritamente necessário. 
O poeta utiliza a sua concepção do mundo real para compor um texto 
verossímil o suficiente, ou seja, uma narrativa que tem proximidade com a realidade, 
sem, todavia, prender-se a esta, para que o espectador creia naqueles eventos 
durante o período que estiverem sendo apresentados, despertando assim a reação 
catártica, que é definida por Aristóteles como a imersão e envolvimento do público 
com a cena apresentada. Tudo isto leva o espectador a se identificar e sentir as 
dores das personagens em cena. Sem a verossimilhança, a identificação não se faz 
presente, inviabilizando, assim, a possibilidade de catarse. 
Para além de verdade ou verossimilhança, o enredo se caracteriza por conter 
em sua estrutura elementos constituintes, os quais Aristóteles nomeou reviravolta 
(περιπέτεια) e reconhecimento (ἀναγνωρισμὀς). É a partir destes elementos que 
seria possível medir a complexidade deste enredo. Aristóteles afirma existir o enredo 
simples que ocorreria de forma contínua, sem reviravoltas ou reconhecimentos que 
causem mudança no curso da ação. Também chama atenção para o enredo 
complexo que sofre mudanças no desenrolar dos acontecimentos por meio de 
reviravoltas e reconhecimentos. 
Tanto a reviravolta quanto o reconhecimento devem estar sujeitas à 
verossimilhança, não devendo o poeta conduzir o fluxo da ação a eventos 
esdrúxulos ou muito improváveis. Temos por reviravolta a drástica mudança dos 
fatos, que se caracteriza quando uma resposta aguardada é frustrada por ser guiada 
para outro caminho diametralmente oposto ao traçado. Aristóteles ilustra o conceito 
utilizando o diálogo entre o pastor e Édipo, na tragédia de Sófocles de mesmo nome, 
 
onde o pastor, imaginando ajudar o seu rei a livrar-se da culpa, revela a Édipo 
exatamente aquilo que o tebano mais temia ser verdade, causando sua ruína. O 
reconhecimento se trata da percepção de um fato pela personagem, assentindo se 
tratar da verdade (dentro da trama) e deixando que aquilo, antes desconhecido por 
si, leve-a à desgraça. 
Após entender que um enredo é composto de diversos elementos e dividido 
em início, meio e fim, a sua divisão estrutural precisa de mais clareza para que uma 
análise das partes possa ser viável. Aristóteles analisa as tendências dos 
tragediógrafos em configurar seus textos seguindo passos tradicionais, pois assim o 
público saberia o que esperar e não perderia tempo visando achar uma ordem lógica 
nos acontecimentos, podendo apenas ser guiado pelo poeta ao objetivo da peça. 
Assim, o texto trágico se divide em prólogo (πρόλογος), episódio (ἐπεισόδιον), 
êxodo (ἔξοδος) e canto do coro (χορικόν). O prólogo seria o primeiro contato do 
público com o texto, é a apresentação dos fatos que precede o primeiro canto do 
coro. Os episódios são as partes em que os acontecimentos se desenrolam entre as 
personagens, ocorre entre os cantos do coro. O êxodo é a parte final onde ocorre a 
conclusão da tragédia, não é sucedida por cantos do coro. Sobre os cantos do coro, 
Aristóteles faz anotações técnicas de ordem métricas dividindo-os em párodos 
(πάροδος), estásimos (στάσιμον) e kommós (κομμός), cada um possui 
especificações métricas ou localizações específicas no texto, sobre os quais 
comenta brevemente o autor: 
Entre os cantos do coro, o párodo é a primeira expressão completa do coro; 
estásimo é o canto do coro que não comporta versos anapésticos e 
trocaicos; kommós é um canto de lamentação praticado tanto pelo coro 
quanto pelos atores em cena. (ARISTÓTELES, 2015. p. 111.). 
Com os conceitos estabelecidos dos componentes da tragédia e seus 
principais aspectos questiona-seo objetivo da tragédia. O autor define esse objetivo 
como muito claro: causar compaixão (ἐλεός) ou medo (φόβος). Entende-se por estes 
sentimentos exemplos da compreensão e sofrimento humanos e por meio deles 
advir uma sabedoria que parte da empatia com a experiência do outro. Logo, é papel 
da tragédia suscitar em seus espectadores essa compaixão ou medo. Por este 
motivo, entender apenas técnicas textuais como a reviravolta e o reconhecimento 
não são, de todo, suficientes para que se trace a capacidade da tragédia de mover 
as emoções humanas. Aristóteles, então, decide estudar o conteúdo, e a primeira 
 
parte para a seu escopo seria entender quem são os componentes deste conteúdo, 
isto é, as personagens. 
Já foi dito anteriormente que os caracteres da tragédia são homens de caráter 
elevado. Além disso é preferível que o enredo de uma tragédia seja complexo, pois 
um enredo simples não teria tantos elementos fundamentais para que sejam 
produzidos os sentimentos desejados naqueles que assistem. Dito isto, é importante 
ponderar qual seria o efeito gerado em diferentes possibilidades de conteúdo. 
Aristóteles traz algumas observações: 
[...] fica a princípio evidente que não se devem apresentar homens 
excelentes que passam da prosperidade à adversidade — pois isso não 
desperta pavor nem compaixão, mas repugnância —, nem homens maus 
que passam da desventura à prosperidade — isso é o que há de menos 
trágico, pois nada possui do que convém ao trágico: com efeito, não suscita 
nem benevolência, nem compaixão, nem pavor —, nem mesmo quando um 
homem decididamente cruel passa da prosperidade à adversidade — pois 
tal maneira de tramar os fatos pode ter a ver com a expectativa humana, 
mas não suscita nem compaixão nem pavor, pois aquela diz respeito ao que 
vive a adversidade sem merecer, enquanto este à adversidade que afeta 
um semelhante, ou seja, a compaixão ocorre em relação ao que não 
merece; o pavor, em relação ao semelhante, e assim tal ação não suscitará 
nem compaixão nem pavor. (ARISTÓTELES, 2015. p. 111 – 113.). 
Isto significa que tanto a compaixão quanto o medo serão evocados pela 
identificação, logo, os homens retratados na tragédia devem ser bons, e a situação 
que lhe ocorre deve ser verossímil, caso contrário o efeito objetivado não será 
atingido. O retrato, então, deve ser do homem em situação média que incide na 
adversidade por ter cometido um grande erro (ἁμαρτία) e não por sua maldade ou 
vício. É também indicado que este homem tenha vindo da prosperidade, pois a 
beleza do enredo, ressalta o autor, está na passagem da prosperidade à 
adversidade, nunca o contrário. 
 Se pensarmos que, em uma peça trágica, a desgraça da personagem é 
normalmente incitada por algum grande erro causado por ela própria, se faz 
indispensável entender a força geratriz desse erro. Segundo o autor, um bom poeta 
deve se concentrar em evocar o medo e não aquilo que é monstruoso, pois esta 
segunda emoção não estaria relacionada à experiência trágica almejada. O prazer 
(ἡδονή) daqueles que assistem deve ser atingido pela mimese, gerando compaixão 
e medo. Refletindo sobre isso, Aristóteles procura compreender quais 
acontecimentos podem suscitar emoções temerosas e quais trazem piedade. A 
alteração do mito se mostra como uma via proibida, pois é papel do poeta encontrar 
 
o belo no mito da maneira que ele está posto na tradição. Sobre estas questões o 
filósofo discorre brevemente, atentando para aquilo que diz respeito ao trágico e o 
que aberra de sua natureza. 
Dessas ações, a pior é aquela em que a personagem tem a intenção de agir, 
com pleno conhecimento, mas não age; é repugnante e não trágica, porque 
sem comoção. Eis por que ninguém compõe tragédias desse modo, ou bem 
poucos: na Antígona, por exemplo, Hêmon se encontra nessa situação 
frente a Creonte. Em seguida, temos aquelas em que as personagens agem. 
Melhor situação é a daquelas personagens que agem sem saber e se 
tornam conscientes no decorrer das ações; tal situação não é repugnante e 
o reconhecimento que dela advém é surpreendente. Superior a todas é esta 
última. Falo, por exemplo, da que se passa no Cresfonte, em que Meréope 
está prestes a matar o filho, mas não o mata, antes o reconhece; e na 
Ifigênia, em que a irmã vai matar o irmão; e na Hele, em que o filho está 
prestes a abandonar a mãe quando a reconhece. (ARISTÓTELES, 2015. p. 
123.) 
Depois das reflexões expostas anteriormente sobre o enredo, foquemos nos 
caracteres, que, como já dito, se tratam, na tragédia, das próprias personagens. Na 
Poética estão definidos quatro aspectos que definem um bom personagem trágico 
na concepção aristotélica. O primeiro desses aspectos, visto como principal, é a 
necessidade de que as personagens sejam boas. E como boas, o autor entende 
como aquelas que possuam um bom caráter. Para cada tipo de personagem haverá 
um bom caráter diferente, ou seja, personagens nobres, camponeses ou escravos 
poderão ter bom caráter, cada um à sua maneira. 
O segundo aspecto é que o caráter seja escolhido de modo a convir com a 
personagem ao qual foi atribuído. Aristóteles exemplifica que a coragem não 
convém a uma personagem de mulher. O terceiro aspecto é a semelhança entre a 
personagem e seu caráter, pois mesmo que seja bom e conveniente não 
necessariamente será semelhante, sendo ofício do poeta unir tais questões. O 
quarto e último aspecto exigido é a junção de todos os aspectos anteriores para que 
formulem uma personagem coerente. Sobre isso, comenta o autor: 
[...] pois, ainda que a caracterização da personagem seja incoerente em 
suas ações mimetizadas, é necessário, ainda assim, ser incoerente 
coerentemente. Como exemplo de maldade não necessária na 
caracterização da personagem, podemos citar o caso de Menelau em 
Orestes; [...] (ARISTÓTELES, 2017. p. 129). 
Por fim, nesta discussão chega-se à conclusão de que as personagens 
precisam ser verossímeis dentro da estrutura narrativa. Suas ações precisam ser 
necessárias e verossímeis, caso contrário a qualidade da obra é comprometida. 
 
A reviravolta pode acontecer de diferentes maneiras, mas o seu impacto deve 
ser sempre o mesmo no enredo trágico: a mudança no curso da ação para um local 
inesperado pelas personagens e em decorrência disso pelo espectador. O 
reconhecimento, por outro lado, pode se manifestar de inúmeras maneiras e ter 
diferentes impactos no curso da ação. A primeira forma a se gerar reconhecimento 
seria a utilização de signos que podem ser inatos, como uma marca de nascença ou 
algum tipo de profecia, ou podem ser adquiridos como uma cicatriz. 
Uma possível segunda forma de se manifestar um reconhecimento se dá pela 
produção do próprio poeta, é uma forma mais discursiva de se gerar o 
reconhecimento, mas para o público se faz muito clara por depender das 
personagens em cena, o autor cita o exemplo de Orestes em Ifigênia quando se fez 
reconhecer pela irmã apenas se apresentando, evitando assim que fosse 
assassinado. Outra maneira que o reconhecimento pode ocorrer é por meio da 
memória que pode ser suscitada de diversas maneiras, como bem explica o autor: 
Em terceiro lugar vem o reconhecimento que ocorre em função da memória, 
suscitada pelas impressões que se manifestam à vista, como nos Cipriotas 
de Diceógenes, em que a personagem, olhando o desenho, rompe em 
pranto; semelhante situação no episódio de Alcínoo: ouvindo o citarista, 
Ulisses recorda e chora, e assim as personagens são reconhecidas. 
(ARISTÓTELES, 2017. p. 139.). 
O quarto e último tipo citado de reconhecimento seria por meio do raciocínio 
lógico, este tipo específico de raciocínio foi imortalizado nas línguas modernas como 
silogismo, ou seja, uma conclusão certa que parte de afirmativas posteriores 
confirmadamente verdadeiras. 
Para concluir a discussão sobre as partes da tragédia, Aristóteles adiciona os 
últimos elementos a serem analisados nas peças dos tragediógrafos: enlace (δέσις)e

Continue navegando