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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES CAMPUS DE CAICÓ DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - DEDUC CURSO DE PEDAGOGIA PERÍODO 2017.2 WADJA SOMARA DE MEDEIROS TERRITÓRIO EDUCATIVO: CONTEXTUALIZANDO O BAIRRO E A ESCOLA FREI DAMIÃO EM CAICÓ-RN CAICÓ - RN 2017 WADJA SOMARA DE MEDEIROS TERRITÓRIO EDUCATIVO: CONTEXTUALIZANDO O BAIRRO E A ESCOLA FREI DAMIÃO EM CAICÓ-RN Monografia apresentada ao Departamento de Educação do Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia, sob orientação do Professor Dr. Fernando Bomfim Mariana. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Professor Dr. Fernando Bomfim Mariana – Orientador Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN _________________________________________________ Professora Dra. Tania Cristina Meira Garcia – 1ª Examinadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN _________________________________________________ Professora Dra. Samantha Lodi-Corrêa – 2ª Examinadora Faculdades Integradas Maria Imaculada – Mogi Guaçu-SP CAICÓ - RN 2017 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra - - CERES--Caicó Medeiros, Wadja Somara de. Território Educativo: contextualizando o bairro e a escola Frei Damião em Caicó-RN / Wadja Somara de Medeiros. - Caicó-RN, 2018. 100f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó - Campus Caicó, Regular - Licenciatura Plena em Pedagogia. Orientador: Profº Dr. Fernando Bomfim Mariana. 1. Território Educativo - Monografia. 2. Frei Damião - Monografia. 3. Bairro e Escola - Monografia. I. Mariana, Fernando Bomfim. II. Título. RN/UF/BS - Caicó CDU 37.035 A meu saudoso pai, Cícero Filho, que em seu pouco tempo de vida conosco, soube me guiar sobre saber ser antes de ter sempre me incentivando a conquistar o mundo com sabedoria, caráter e humildade. A minha mãe Maria Silva, que embora não compreendesse os caminhos da vida acadêmica, sempre buscou me apoiar no que fosse necessário. Por fim, mas não menos importante, a minha querida companheira Tania Maria e a meu querido amigo Fernando Bomfim Mariana por sabiamente acolherem e acalmarem minhas angústias e temores durante este capítulo de minha vida. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a toda a equipe da Escola Municipal Frei Damião que carinhosamente sempre me acolheu e prontamente auxiliou em todas as etapas acadêmicas que nesta escola tive o privilégio de vivenciar; Ao bairro Frei Damião, suas famílias e todas as crianças por seu carinho acolhedor e suas significativas contribuições no desenvolvimento deste trabalho; A Universidade Federal do Rio Grande do Norte por meio do Centro de Ensino Superior do Seridó em Caicó-RN, por sua excelência em estrutura física, teórica e humana; A meu querido amigo e professor Dr. Fernando Bomfim Mariana por sempre estar presente e acreditar como um verdadeiro amigo e também por nunca me deixar desistir; A então coordenadora do curso de pedagogia e querida professora Dra. Tania Cristina Meira Garcia por sempre me inspirar e auxiliar em momentos singulares e decisivos de minha vida acadêmica; A minha filha, meus irmãos, meus queridos primos e amigos por suportarem meus longos discursos e incansáveis debates; A Célia Maria de Medeiros e Maria da Luz Nóbrega, minhas queridas amigas e companheiras de curso, por sempre acreditarem que podíamos conquistar o mundo e de agora em diante, mesmo distante, fazerem parte de mim e de minha vida; A professora Dra. Samantha Lodi-Corrêa por mesmo sem me conhecer, pronta e carinhosamente aceitar nosso convite como membro da banca examinadora; Agradeço a todos os professores que fizeram parte desta história e assim ressignificaram positivamente todo o meu conhecimento sobre a vida, a academia e o mundo; Ao laboratório LAMPEAR por ter sido minha segunda casa e a seus inúmeros bolsistas por terem me proporcionado a mais dinâmica, desafiadora e significativa experiência de autogestão e de vida que poderia ter vivido, uma verdadeira lição de valores; E por fim, aos colegas de curso e outros cursos, funcionários e gestores que compõem o campus CERES-UFRN em Caicó por carinhosa e respeitosamente contribuírem com minha formação. A todos e a todas que por longos angustiantes e prazerosos 06 anos me acolheram, de verdade, muito obrigada!. Tenham certeza de que sem vocês nada disso seria possível !!!. “É necessário que sejamos sempre cautelosos e sábios ao renovar as esperanças, as expectativas e os conhecimentos educacionais, pois quando positivos o sucesso logo virá, do contrário, todos padeceremos diante do fracasso escolar” Wadja Somara de Medeiros RESUMO Este trabalho monográfico intitulado “Território Educativo: contextualizando o bairro e a escola Frei Damião em Caicó-RN” resultou do interesse em investigar particularidades tanto da escola quanto do bairro Frei Damião na cidade de Caicó-RN e teve como objetivo, identificar até que ponto estes espaços podem ser considerados como sendo territórios educativos. Trata-se de uma narrativa constituída e fundamentada através do estudo de caso partindo do relato de experiência vivenciado em lócus durante um período de aproximadamente dez anos. Através desta metodologia, foi possível identificar peculiaridades ampliando o debate sobre o objeto de estudo em questão. Para tanto, elegeu-se a pesquisa de caráter exploratório e qualitativo como nortes de observação e coleta de dados fornecidos através das relações cotidianas entre o objeto de estudo e a pesquisadora neste espaço. As pesquisas iconográficas, etnográficas e bibliográficas estiveram presentes subsidiando as análises metodológicas, técnicas e teóricas que deram consistência a compreensão pretendida pelo trabalho. Após os estudos, este trabalho monográfico identifica alguns aspectos em que o Território Educativo contempla o bairro e a escola Frei Damião na expectativa que este possa ampliar o trabalho docente local bem como servir como fonte de pesquisa a todos que por esta temática tenham interesse. Palavras chave: Território Educativo; Frei Damião; Bairro e Escola. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09 1- CAPÍTULO I – TERRITÓRIO EDUCATIVO: ANÁLISES E PERSPECTIVAS........11 1.1- REGIÃO SERIDÓ................................................................................................... 14 1.2- CIDADE DE CAICÓ............................................................................................... 17 1.3- BAIRRO FREI DAMIÃO........................................................................................23 1.3.1- Localização e História............................................................................................23 1.3.2- Infraestrutura .........................................................................................................26 1.3.3- Apontamentos do bairro enquanto comunidade.....................................................33 1.4- ESCOLA FREI DAMIÃO........................................................................................351.4.1- Localização e História............................................................................................35 1.4.2- Infraestrutura .........................................................................................................36 1.4.3- Dinâmicas do trabalho educacional........................................................................41 2- CAPÍTULO II - ELEMENTOS E DINÂMICAS DO TERRITÓRIO EDUCATIVO...43 2.1- Trabalho Docente e Precarização..............................................................................44 2.2- Gestão Democrática..................................................................................................47 2.3- Políticas Públicas......................................................................................................49 2.4- Projeto Educativo Alternativo...................................................................................51 2.5- Dinâmicas do Território Educativo...........................................................................52 3- CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................58 4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................62 5- ANEXOS..............................................................................................................................64 5.1- ANEXO A – Imagens antigas da escola e do bairro Frei Damião..............................65 5.2- ANEXO B – Imagens de pinturas em tela do lixão e da realidade seridoense............69 5.3- ANEXO C – Imagens antigas do bairro Frei Damião (acervo de Ione Morais)........71 6- APÊNDICES....................................................................................................................... 74 6.1- APÊNDICE A – Fotos atuais do bairro e da escola Frei Damião...............................75 6.2- APÊNDICE B – Imagem de desenho da planta baixa e quadros demonstrativos da Escola Municipal Frei Damião..................................................................................................94 6.3- APÊNDICE C – O bairro Frei Damião e o CEDUC Caicó........................................97 8 LISTA DE SIGLAS AFESOL – Incubadora Articulação e Fortalecimento de Empreendimentos Solidários ASCAMARCA – Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Caicó CERES – Centro de Ensino Superior do Seridó EJA – Ensino de Jovens e Adultos IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte INICIES – Incubadora de Iniciativas e Empreendimentos Solidários LAMPEAR – Laboratório Internacional de Movimentos Sociais e Economia Solidária PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola PINCOL – Premoldados Indústria e Comércio Limitada PPP – Projeto Político Pedagógico SANTÔRRES S/A – Empresa de peças e serviços para ônibus, vans e caminhões SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem no Comércio SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem na Indústria UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 9 INTRODUÇÃO No momento em que nosso país vivencia experiências singulares de injustiças contidas no contexto de justiça apregoadas pelas instituições públicas que tentam administrar nosso país, nada mais pertinente do que retomamos os debates sociológicos para compreendermos melhor por onde tais experiências se instalaram em nossas vidas e por onde estas tentam enveredar na conjuntura política atual. Durante todo o curso de pedagogia, estive envolvida continuamente em vivencias no bairro e na escola Frei Damião. Todas essas vivencias diferem este trabalho dos demais pois tratar-se de observações e comparações feitas a partir de trabalhos de campo contínuos e não apenas de investigações pontuais como as elaboradas por outros pesquisadores em torno destes espaços. Este trabalho teve como objetivo inicial traçar um panorama acerca da contextualização sobre o bairro e principalmente a escola Frei Damião dentro da compreensão que temos sobre Território Educativo, apontando características específicas contidas nestes espaços educacionais. As metodologias utilizadas para nortear este trabalho foram, não apenas baseadas em visitas pontuais, mas numa vivência cotidiana tanto na escola quanto no território educativo desde o ano de 2007, na ocasião, a convite para auxiliar voluntariamente em práticas pedagógicas da escola. Faz-se importante ressaltar esse diferencial metodológico, pois indica outras dinâmicas que por vezes escapam a uma pesquisa restrita a tempos – espaços pontuais. Inicialmente, observei através da vivência cotidiana como se estruturam os processos decisórios, participativos, colaborativos e sistemáticos da gestão municipal e escolar sobre o planejamento educativo local. Partindo dessas observações, busquei a base de pesquisa iconográfica como parte integrante deste trabalho com a finalidade de compreender nuances territoriais sob o bairro e a escola partindo da comparação entre fotos antigas, recentes e de pinturas em tela elaboradas por artistas da cidade, estando disponíveis nos anexos e apêndices deste trabalho. A pesquisa etnográfica desenvolvida através do olhar do sensível (WHITAKER, 2012) envolveu a observação, a descrição e a análise das dinâmicas de interação e comunicação da cultura e do comportamento de determinado grupo social descrevendo suas ações cotidianas – 10 neste caso, o território educativo do bairro Frei Damião – onde o material pode ser observado no apêndice deste trabalho. Dividida em dois capítulos, este trabalho monográfico apresenta em seu capítulo I reflexões acerca de contextualizações do espaço enquanto território educativo e em seu segundo capítulo o trabalho apresenta discussões acerca das bases que devem constituir este território. No capítulo I, além da contextualização histórica e geográfica da região Seridó e da cidade de Caicó-RN, apresentamos a formulação da contextualização desses espaços bem como do espaço escolar enquanto território educativo. No segundo capítulo abordamos diferentes pontos de vista teóricos os quais fazem parte da base de elementos o qual se configura, estrutura e fundamenta o surgimento do conceito sobre o termo território educativo. Ao se formular a problemática em torno do que se pretende compreender como território educativo, esperamos conseguir formular discussões que direcionem a compreensões mais consistentes sobre o quanto de território educativo podemos consolidar no bairro e na escola Frei Damião em Caicó-RN. Após as referências bibliográficas, cujas referências principais ressalto, SINGER (2015), BAUMAN (2010), MORAIS (2005), MARIANA (2013), GARCIA (2009), DEMO (1994), WHITAKER (2012) e GADOTTI (2005), apresento o material iconográfico e etnográfico compilado para a pesquisa. 11 1- CAPÍTULO I – TERRITÓRIO EDUCATIVO: ANÁLISES E PERSPECTIVAS Falar sobre Território Educativo em tempos onde a escola pública atravessa dias de luto por ter suas conquistas alcançadas ao longo do tempo cerceadas e reduzidas em condições de trabalho e potencialidades, torna-se um debate de suma importância. Mas o que seria Território Educativo? Afim de responder a esta pergunta, observa-se o conceito com base em teóricos que apesar de partirem de abordagens por vezes distintas, concordam que trata-se dos espaços sejam eles públicos ou privados e da maneira pela qual estes estão/são compreendidos como parte integrante do e no processo educativo. Diante disso, é possível suscitar que o Território Educativo não só é capaz de ampliar as perspectivas do trabalho pedagógico, como também deintegrar todos os elementos que envolvem o desenvolvimento humano pleno quando o assunto é a educação. Definir objetivos, ações e práticas educativas tendo como base a ocupação constante de espaços em torno da escola, do bairro e da cidade, partindo de iniciativas próprias e coletivas, sem sombra de dúvidas dará visibilidade social ao trabalho docente, tornando-o cada vez mais significativo para educandos, suas famílias e a sociedade em geral. As diferentes experiências vivenciadas dentro desse processo de ocupação educativa, reforçam a compreensão por parte dos envolvidos sobre o sentido político que a ocupação do espaço público oferece. Empoderar-se politicamente sobre as potencialidades que existem em educar longe dos muros escola e ter consciência que não temos então tanta necessidade deste ambiente para educar a si e ao próximo, irá de certo romper com ideologias segregadoras projetando os alunos para um novo tipo de transformação social. SINGER (2015), reforça este pensamento quando explicita que: A educação integral propõe a relação entre os diversos espaços e agentes de um território para garantir o desenvolvimento dos indivíduos em todas as suas dimensões. Compreende-se que, para tão complexa tarefa, faz-se necessária a integração de todos os agentes em torno de um projeto que possa criar territórios educativos. (SINGER, 2015, p.11) Ademais, SINGER (2015), destaca que o território enquanto espaço educativo, deve priorizar estes requisitos fundamentais: Conta com um fórum intersetorial (poder local, inciativa privada e sociedade civil organizada) interdisciplinar (educação, saúde, cultura, rede de garantias de direitos, 12 desenvolvimento local, etc.) e intergeracional (crianças, jovens e adultos) dedicado a formular e gerir um plano educativo local. Suas escolas desenvolvem projetos políticos- pedagógicos democráticos (PPPs), alinhados com os princípios da educação integral. Elas reconhecem os saberes comunitários, envolvem-se com as problemáticas locais e promovem a apropriação do território. Sua rede sociopedagógica (educação, desenvolvimento social, saúde, direitos humanos) cumpre suas tarefas de forma integrada, alinhando princípios e construindo estratégias comuns para o trabalho. Reconhece e exercita o potencial educativo de seus diferentes agentes, ampliando e diversificando as oportunidades para todos: um restaurante cede espaço para cursos de informática em que adolescentes ensinam a idosos; museus desenvolvem programações voltadas para públicos comumente alijados desses espaços, como crianças pequenas, imigrantes ou deficientes; criam-se espaços de cultura geridos pela comunidade em escolas públicas; uma praça é revitalizada com intervenções criativas dos artistas e depois passa a ser utilizada para atividades de skate, malabares, horta, basquete, mostras e shows. (SINGER, 2015, p.11-12) Atrelado a estes requisitos, ainda segundo a autora, estão o conjunto de tecnologias sociais que dividas em três etapas, buscam conduzir os envolvidos no território a identificarem suas próprias problemáticas compartilhando diretamente de suas participações ativas e reflexivas sobre a coleta de informações. A etapa inicial deste processo se daria – segundo SINGER (2015) – a partir do conhecimento sobre o território e a sensibilização dos “atores- chave”, seguida pelo desenvolvimento de ações em parceria entre os agentes dos diversos setores e por último, a etapa onde a escola inicia seu desenvolvimento autônomo sobre o território o tornando de fato espaço educativo. Com isso, observa-se que para que seja possível a consolidação do território enquanto território educativo, é necessário algo muito além da formação: a participação ativa de todos os que pretendem o constituir. O desenvolvimento pleno da criança e do jovem nesse contexto dependerá diretamente dessa participação e como os cidadão serão direcionados a ampliar e fortalecer suas compreensões sobre o mundo de forma autônoma. Partindo desses elementos e destas etapas, estima-se que então seria possível resgatar aspectos sócio culturais e históricos do bairro onde a escola será capaz de conduzir suas práticas através de experiências exploratórias em torno de seu território, assim ser possível ampliar as 13 potencialidades sobre estes ambientes ao redirecionando o trabalho pedagógico de maneira prazerosa e significativa para todos. Desse modo, ao se compreender como parte da comunidade de aprendizagem, a escola pode visar agregar valores a suas finalidades educativas, promovendo formação de jovens agentes comunitários vislumbrando iniciativas criativas à integrar a comunidade, a escola e a cidade na perspectiva de ser o todo integrado, ou simplesmente, o território educativo. Muito se fala sobre comunidade embora muitos não compreendam ou discordem do entendimento apregoado a seu sentido. Para que seja possível associar o termo comunidade ao conceito sobre Território Educativo acima apresentado, faz necessário compreender se esta é parte integrante do território educativo?. Nesse sentido, é importante que os indivíduos inseridos em contextos que se propõem a serem reconhecidos enquanto comunidade, se compreendam e identifiquem-se como comunidade de aprendizagem dentro do contexto de cidade educadora percebendo portanto, as potencialidades educacionais existentes em sua própria comunidade. Entre os tantos espaços de aprendizagem é possível destacar ruas, vielas, praças e terrenos baldios como potenciais espaços de ocupação pública e extensão tanto dos saberes populares como dos saberes curriculares desenvolvidos nas salas de aula. TORRES (2003, apud FARIA, 2015) destaca que para que seja possível se constituir uma comunidade de aprendizagem, é necessário que esta comtemple um projeto educativo e cultural próprio para educar a si própria, suas crianças, seus jovens e adultos de maneira solidária e cooperativa com vistas a compreender suas carências e superá-las partindo da ressignificação de suas carências em potencialidades para tornar o espaço educativo. A cidade educadora neste contexto educativo, se apresenta como não apenas um território urbano mas também como um território vivo e intrinsecamente ligado ao desenvolvimento pleno sobre o trabalho educacional e pedagógico apresentado por nossas escolas. Neste sentido, vale ressaltar a importância em trabalhar coletivamente integrando todos os agentes formadores – instituições e parceiros –, em torno de causas comuns em intenções, ações e suas finalidades para com o tipo de sociedade que desejamos ter. A exemplos concretos sobre espaços físicos que possuem amplas possibilidades de atender as expectativas as quais se pretende no território educativo estão praças, parques, bibliotecas, museus, casas de cultura, igrejas, conselhos comunitários, galpões desativados, 14 becos, ruas, árvores, cemitérios, centros administrativos, rios, lagos, lagoas, mar, bares, restaurantes, supermercados, bodegas, comércio local, produção e comércio rural, industrias, escolas, universidades, companhias militares, enfim, são inúmeros os espaços que podem ser utilizados como base integradora do território na perspectiva educativa. Nesse sentido, apresento a seguir alguns elementos pertencentes ao Território Educativo, sejam aspectos gerais da região do Seridó e da cidade de Caicó destacando a localização geográfica, infraestrutura, saúde, educação, entre outros. No tocante ao bairro e a escola Frei Damião, apresentarei aspectos específicos relacionados a infraestrutura física e social de ambos bem como observações sobre o contexto educativo local. 1.1 REGIÃO SERIDÓ Localizada ao interior do Estado do rio Grande do Norte, atualmente, dividida cartograficamente como Região Seridó Oriental e Região Seridó Ocidental, ambas abrangem um total 23 municípios representados atravésdas cidades de Caicó, Acari, Jardim do Seridó, Carnaúba dos Dantas, Currais Novos, São Fernando, Jardim de Piranhas, Serra Negra do Norte, Timbaúba dos Batistas, São José do Seridó, Ouro Branco, Parelhas, Santana do Seridó, Florânia, Jucurutu, São João do Sabugi, Ipueira, Cruzeta, Cerro Corá, São Vicente, Lagoa Nova, Equador e Tenente Laurentino Cruz, em toda sua extensão territorial tendo como limites regionais algumas cidades do Estado da Paraíba. Em sua população, estima o IBGE, que a região ultrapassa os 300 mil habitantes de acordo com dados coletados no último censo. Nesta parte deste trabalho, de modo geral, discorreremos acerca da Região Seridó como um todo, muito embora estejamos focando nosso diálogo mais especificamente em uma parcela das demarcações Oriental e Ocidental localizadas ao sul desta região com ênfase na cidade de Caicó e nos municípios que anterior e atualmente esta margearam/iam. Segundo MORAIS (2005), desde o início de sua fragmentação interna em meados do ano de 1835, falar sobre Seridó confundia-se naquela época facilmente com a cidade de Caicó – então sua sede urbana. Sua história inicia-se entrecortada por vários rios, sendo estes então, palco de inúmeras batalhas entre português, franceses e indígenas, onde teve suas primeiras demarcações territoriais durante o processo de colonização de nosso país sendo então à época, pertencente à então capitania denominada de Rio Grande ou segundo MORAIS (2005), Capitania Real do Rio Grande. 15 Partindo da demarcação territorial nacional, iniciou-se então à época que compreende o período entre os anos de 1687 – 1697, o processo de ocupação interna da então capitania do Rio Grande. Nesse período, quando se perdera o valor a vida em detrimento da expansão territorial, intensos conflitos entre índios Tapuias e português foram deflagrados em toda a área à qual se pretendia ocupar por “estar vazia”: Como apresenta MORAIS (2005): Transcorrendo pelos séculos XVII e XVIII, a ocupação do Sertão foi marcada pela violência dos combates entre colonizadores e indígenas. Em sintonia com o espírito colonialista, o desbravador de terras partiu do princípio de que esse espaço deveria ser povoado, negando o reconhecimento de uma ocupação pré- existente¹². Aportado na pseudo-imagem de espaço vazio, por não está sendo apropriado segundo a racionalidade da política portuguesa, o colonizador não mediu esforços para viabilizar o seu projeto de ocupação, investindo sobre os nativos uma verdadeira caça que resultou em mortes, aprisionamentos e domesticação. (MORAIS, 2005, p.60) Afim de ampliar nosso conhecimento sobre o processo de ocupação que deu origem ao Seridó, MORAIS (2005) explica: [...], a extensão dos conflitos em termos espaço-temporais e a bravura dos índios no combate, apenas retardou a ocupação do interior, mas não impediu o processo. Assim, no momento em que passou a prevalecer os interesses da ocupação em detrimento do modo de vida indígena, a história do Seridó começou a inscrever-se sob os marcos da resistência, traço que assumirá maior nitidez no curso da formação da sociedade regional. Nesse contexto, coloca-se o povoamento do Seridó que somente efetivou-se após as guerras dos Bárbaros [...] (MORAIS, 2005, p.61) E assim, sob a ótica da resistência, da política extirpadora do processo de colonização, do amplo apoio da igreja católica e a uma concepção mais coerente sobre a origem do termo Seridó onde segundo MEDEIROS (1950, p.41 apud MORAIS, 2005) seria a junção de vocábulo indígena formado pelas sílabas ceri-toh, referenciando talvez a pouca folhagem existente nesta região. Assim, entre batalhas, resistências e sílabas, nasce a formação territorial do que hoje conhecemos como Região Seridó ou apenas Região Seridoense – em alusão ao “ser” norte-riograndense todos os que no Rio Grande do Norte são nascidos. 16 A partir do estabelecimento de sua nomenclatura e de sua ocupação, a Região Seridó inicia seu processo de desenvolvimento econômico. Em meio a inúmeras adversidades territoriais, entre eles o calor escaldante, vegetação espinhosa, solos rochosos e água por vezes escassa, os primeiros habitantes da região teve na criação de gado sua atividade econômica primária, seguida pelo extrativismo de minérios e cultivo do algodão. Diante do crescente processo de globalização e avanço tecnológico mundial, além de longos períodos de estiagem, a região seridoense atravessou severos processos de declínio econômico tendo que resistir a essas pressões e ao mesmo tempo reestruturar a economia regional para que fosse possível sua subsistência. Passado o período de adaptação sob o cultivo de novas formas de produção, a região passa a ter vasta diversidade produtiva se destacando atualmente como uma das maiores produtoras nacionais de derivados do leite, da agricultura familiar e da produção de bordados artesanais, tendo recentemente retomado sua visibilidade nacional em extrativismo de minérios e pedras preciosas. Nesse contexto, apresento então o cenário geral e atual da região com ralação a sua infraestrutura em saúde, educação, lazer, economia e mobilidade urbana. Em poucas palavras é possível descrever tais elementos pois apesar de alguns destaques econômicos, a região desde sua origem vivencia os desmandos do domínio público em ser político e falhar ao demonstrar sua ineficácia quanto qualidade na prestação dos serviços básicos essenciais. Com atualmente uma quantidade significativa de mais de 300 mil habitantes, em toda sua extensão territorial a região seridoense conta com o apoio de apenas dois hospitais regionais de grande porte. Nestes hospitais localizados nas cidades de Caicó e Currais Novos os habitantes deveriam receber atendimentos de urgência e emergência, e recebem. No entanto, a realidade é de caos, não só os hospitais mas toda a rede de saúde pública da região encontra-se abandonada pelo poder público a ponto de faltar luvas cirúrgicas e máscaras de proteção (itens básicos na área da medicina), tornando a população refém do serviço privado de saúde de cada cidade desta região. A estrutura educacional assim como a estrutura da saúde, enfrenta desafios tão limitadores quanto os anteriormente destacados. Escolas com parcial ou total infraestrutura física limitada ao desenvolvimento pedagógico e educacional são pontos parciais, além desse estão a qualificação profissional limitadora, sobrecarga de funções por parte dos profissionais, famílias em vulnerabilidade social sem acompanhamento psicossocial e projetos governamentais que em pouco favorece o desenvolvimento de crianças e jovens. 17 As atividades que envolvem o lazer e a cultura estão a cargo de pequenas áreas verdes públicas distribuídas estrategicamente em espaços que direcionam o beneficiamento da população mais abastada em toda a região e da forte religiosidade em seus diversos festejos em prol da igreja católica e seus padroeiros locais. Além desses pontos, bares, lanchonetes, botecos e restaurantes dão o tom de diversão na população regional, alguns quando em épocas de cheias advinda das chuvas, funcionam com mais intensidade tornando-se em espaços de lazer e confraternizações culturais. Desse modo, teatros, cinemas, pontos de cultura, shopping center, museus, parque de diversões e praças públicas, ora não existem, ora não comtemplam os critérios de qualidade, eficiência e eficácia seja na prestação de serviços, seja na oferta de espaços bem estruturados a atender a população de modo geral. Apesar de muitos avanços regionais no campo da economia, ainda se é perceptível que em vários municípios do Seridó sua produção, seja ela na área que for, se encontra em fase embrionária e artesanal. Esse tipo de produção faz com que a região seja desfavorecida diante da concorrência de mercado nacional direcionando cada vez mais para que ocorra baixaprocura pelos produtos desencadeando o processo de escravização da mão de obra desqualificada e cada mais barata. A mobilidade urbana da região por sua vez tende a sempre beneficiar apenas locais onde há maior fluxo de pessoas ou veículos, estando os veículos sempre a preferência do tráfego e dos espaços. Se deslocar entre o munícipios é de grande risco pois sua malha viária está sempre danificada onde nesse mesmo sentido, caminha o deslocando dentro das cidades pois o crescimento desordenado destas e a inexistência de ordenamento público sobre os passeios, ruas e avenidas evidenciam as limitações em mobilidade urbana principalmente quando em contato com imenso fluxo de veículos entre as cidades. Ressalto por tanto que apesar das inúmeras limitações encontradas no Seridó, esta é uma terra de gente forte, resistente, resiliente e acolhedora que com muita criatividade se reinventa renovando sua fé para superar as adversidades de um território tão singular e desafiador a condição de sobrevivência humana. 1.2 CIDADE DE CAICÓ A cidade de Caicó localizada na Região Seridoense a exatamente 280 km da capital Natal-RN, situa-se no sertão do interior do Estado do Rio Grande do Norte sendo apresentada 18 em referências municipais o ano de 1788 como de sua fundação, posteriormente o ano de 1868 como de sua emancipação política enquanto município da Região Seridó. Atualmente contabilizam dados do IBGE (2017), estima-se que em território caicoense habita uma população maior que 67 mil pessoas distribuídas entre 35 bairros (15 oficiais e 20 apenas com denominações) em uma área total de 1.228,583 mil hectares de extensão territorial urbana e rural (sua maior parte). Ainda segundo dados históricos do IBGE (2017), o nome da cidade até chegar a ser conhecida como hoje é, atravessou diversos momentos tendo sido primeiramente nomeada por Vila Nova do Príncipe através de alvará expedido no ano de 1748. Seguindo sua ascensão de vila à cidade e cidade sede, um decreto no ano 1890 determina que passará à chamar-se de Seridó em alusão a grandeza de seu principal rio e ao status agora adquirido. Passados os anos, um novo decreto institui a cidade o nome de Caicó referenciando a elementos indígenas e o forte a época instalados aqui. O novo decreto determinava que esta cidade seria distrito-sede regional em referência a divisões administrativas nacionais tendo sua evolução gradativa para a condição de município-sede, permanecendo assim desde então até o momento atual por sua condição de ser maior quanto aos números em território, habitantes e diversidade econômica. Assim como a região, teve sua história marcada por traços e marcos que envolvem a ideologia política e a fé apregoada pela igreja católica, Caicó tem em sua história boa parcela dos fatos ocorridos aquela época bem como da maneira como hoje encontramos estruturada a cidade e a região. CASADO (2009) apresenta que a cidade teve sua primeira demarcação territorial instituída por volta do ano de 1700 onde logo após o início da então conhecida Guerra dos Bárbaros, uma fortificação fora erguida com fins de ocupação territorial e resistência aos povos nativos que ali já habitavam a longos tempos. A invasão portuguesa adentrando ao interior dos estados, dizimou inúmeras etnias indígenas – neste caso, as pertencentes a região Seridó, especialmente as que viviam no entorno do Vale do Açú. O que se sabe é que a vida indígena sobrevivente foi em parte domesticada e forçada ao trabalho escravo, a outra parte recusa ao trabalho foi condenada a execução fazendo com que todo o legado indígena se desfacelace e inviabilizasse o conhecimento sobre sua história e seus descendentes até os dias atuais. 19 Assim como a região tem sua história marcada por traços e marcos que envolvem a ideologia política e a fé apregoada pela igreja católica a cidade também enveredou por este caminho e tornou-se referência em aspectos econômicos e culturais da região seridoense. Divida entre áreas urbanas e rurais, a cidade de Caicó concentra sua maior parte populacional entre os 23 bairros que a cidade comtempla na sua área urbana. Apesar de boa parte de seus bairros apresentarem inúmeras limitações quanto a sua infraestrutura, a cidade possui um dos melhores índices de desenvolvimento humano municipal (IDHM) do país segundo dados do IBGE (2017). Até meados do século XX, a principal fonte econômica da cidade de Caicó-RN, encontrava-se diretamente ligada à produção agrícola, estando nesta produção o cultivo do algodão, a pecuária e a mineração no foco produtivo e entre as atividades maior valia na cidade. Reconhecida atualmente como pólo regional produtor de derivados do leite e bordados artesanais, conta também com rica culinária derivada de antigas tradições culturais e ainda com diversificado comércio local abrangendo diversas opções em produtos e serviços. Pequenas indústrias e comércios que beneficiam e manufaturam materiais, produtos químicos e alimentos, bem como benefícios sociais, atividades artesanais informais e o funcionalismo público municipal, dão o tom do capital financeiro que gira na cidade. As dinâmicas de produção e exportação de bordados, alimentos e utensílios tem garantido a muito tempo o subsídio financeiro de inúmeras famílias na cidade de Caicó. No entanto, apesar de ter sido beneficiada por sua estratégica localização em relação aos demais municípios por ser cidade de passagem para o escoamento das demais produções dos municípios vizinhos, a renda per capita entre os moradores desta cidade atualmente é inferior a um salário mínimo por habitante/mês, dificultando assim, o acesso bens de consumo e serviços não ofertados pelo município. Embora a cidade possua significativo potencial para a geração de emprego e renda, todo o seu desenvolvimento está atrelado a condições hídricas impressas pela natureza distintamente em cada época que se sucedeu estiagens à cidade. Nesse sentido, MORAIS, (2005), referência esta relação entre evolução e retração econômica não apenas da região seridoense mas também e em especial da cidade de Caicó, como projetadas e desenvolvidas a partir das limitadas condições estabelecidas aos habitantes da cidade diante da falta e por vezes da escassez de água tanto para o consumo humano como para as demais atividades. 20 Desse modo, assim como os recursos naturais ofertados pela produção agrícola e seus derivados secundários, todos os demais tipos de produtos e serviços são extremamente limitados em épocas de estiagem prolongada no Seridó. Em resumo, como filha desta cidade, percebo que apesar de não suscitada, a economia caicoense encontrasse estruturada primariamente em torno da quantidade de água disponível para o consumo de modo geral, onde sua escassez ou reduzida oferta faz com que todos os produtos e serviços que dela necessitam ou não, sejam significativamente elevados instalando desequilíbrio financeiro entre bens, produtos e serviços ofertados pela cidade. A saúde do município de Caicó, apesar dos inúmeros recursos obtidos através de provimentos oriundos do Governo Federal, encontra-se em situação de calamidade pública. Os hospitais de urgência e emergência em pouco conseguem auxiliar os enfermos pois materiais de atendimento básico como luvas de proteção e seringas descartáveis são o mínimo do que falta nestes hospitais. O nível de insalubridade dentro destes hospitais – que alerta constantemente vigilância sanitária municipal – é tão alta que os mesmos funcionam sob o risco de incubarem bactérias difíceis de tratamento. Aproveitando a oportunidade do descaso público em relação a saúde, surgem a cada dia na cidade de Caicó clínicas médicas com inúmeras especialidades não apenas tratando os pacientes que do serviço de saúde necessitam, mas também usufruindo da mais valia sobre este trabalho explorandoviolentamente os que dele necessitam cobrando altos valores por sua consultoria. Assim como a saúde, a educação do município se apresenta em precárias condições. Escolas públicas são instaladas de maneira improvisada em pequenas casas, a merenda escolar se tornou de má qualidade e em quantidade insuficiente, os materiais e serviços que a secretaria de educação deveria fornecer ora não chega ora não serve para o que lhes foi demandado, e por último, professores trabalham sobre cargas horárias extenuantes em condições extremamente inadequadas e com seus salários defasados, atrasados e sem perspectiva de aposentadorias dignas. A cultura da cidade de Caicó firma sua base em torno de sua história e sua fé apresentando a população mais jovem reiteradas vezes as fases de sua constituição enquanto cidade e os elementos que dela fizeram parte. Entre os elementos os quais se estruturam a identidade, a história e o sentimento de pertença do povo caicoense estão um marco de 21 estruturas que compreende a Casa-Forte do Cuó, casarios antigos, capelas, igrejas, praças, o 21 Mosteiro das Clarissas, o Castelo do Engady, o mercado público, o museu do Seridó, escolas, o açude Itans, o poço de Sant’Ana e o CERES/UFRN, as quais apesar de algumas já abatidas pelo tempo, envolvem um misto de fé, mitos, lendas e verdades que se ancoram no inconsciente e encorajam esse povo a seguir em frente mesmo diante das adversidades impostas pelo sertão nordestino. Culturalmente desde sua fundação as festividades da cidade sempre envolveram os cultos religiosos, a culinária e o consumo de bebidas tradicionais – como as cachaças derivadas da cana de açúcar – como itens indispensáveis para a sua realização e sucesso. Entre os festejos mais importantes da cidade estão: a Festa de Santana e a Festa do Rosário e o Carnaval, sendo inegável a força econômica destes para a cidade. No entanto, vale ressaltar que cada um desses festejos atende claramente a um percentual específico da população caicoense. A igreja católica central – Catedral de Sant’Ana – hoje principal foco turístico da cidade, esteve desde a fundação da cidade sempre envolvida em sua evolução onde apesar das contradições encontradas em alguns dos princípios que regem a igreja católica com relação a sua doutrinação e desempenho político, esta teve singular participação para que sejamos o que somos hoje. As comemorações da festa de Sant’Ana ocorre sempre entre os dez últimos dias do mês do julho e eleva a imagem da santa Senhora Sant’Ana como ícone âncora em torno dos festejos. Diversas novenas, leilões e atrativos culturais são instalados nos arredores da igreja com fins lucrativos a arrecadação de fundos para as atividades desenvolvidas pela diocese de Caicó. Infelizmente, essas atividades estão sempre voltadas para atender o público burguês da cidade, pois o requinte glamoroso subentendido em vestimentas entre os visitantes e os elevados custos cobrados em bebidas e alimentos vendidos por ali, de certo estão muito além das condições financeiras da maior parte da população da cidade – carente, periférica e desprovida de oportunidade empregatícia. A Festa do Rosário assim como a de Sant’Ana, também possui sua vertente lucrativa para a igreja católica, porém, ao contrário da outra festa, esta contempla festejos relacionados a resistência de negros em manter seus cultos de origem africana por aqui desde o período abolicionista. Conhecidos como Negros do Rosário e também Irmandade do Rosário, uma legião de negros reúne-se em torno da santa católica por eles acolhida – Nossa Senhora do Rosário – dançam suas danças tradicionais e festejam sua liberdade sempre ao final do mês de outubro. Convidada a integrar a igreja católica, a Irmandade e a diocese se uniram e deram origem a festa que é conhecida popularmente como a “festa do pobre”, pois pela origem 22 humilde em torno de seus festejos, acolhe especialmente a massa populacional mais carente da cidade, ofertando-lhes condições mais favoráveis em torno dos festejos. O carnaval, assim como a Festa de Sant’Ana, atrai milhares de visitantes a nossa cidade. Os festejos carnavalescos promovidos pelo poder público e pela iniciativa privada são extremamente atrativos, o baixo índice de violência e atrativos culturais acessíveis a todas as classes sócias – a exceção das festas em clubes privados – são seus pontos mais positivos. Apesar da positividade em torno do setor econômico, o carnaval em Caicó tem gerado inúmeros problemas ao longo dos anos. Sempre após o término destes festejos, a cidade fica imersa a milhares de toneladas de lixo e sujeira por toda a parte, sua população já adoecida por esta sujeira, superlotam os hospitais e postos de saúde durante todo o ano que se seguirá. Além dessas questões, temos sempre muitos problemas que derivam das intensas e extensas crises hídricas em nossa região, algo significativamente agravado a cada edição carnavalesca em nossa cidade deixando a população mais carente sem acesso a água e sem recursos para adquiri- la pois não fazem parte do ciclo de empresários que lucram com esta festa. Entre os elementos socioculturais distribuídos pela cidade destacam-se bares, espetinhos, lanchonetes, praças, restaurantes, raros eventos de cunho publicitário e pontuais feiras empreendedoras promovidas pelo poder público municipal em parceria com empreendimentos privados. Analisando a cidade de maneira mais geral, é possível inferir que a cidade está mal conservada, suja, insegura, com pouca arborização, acesso à saúde precário e limitado, muitas ruas esburacadas e sem pavimentação, calçadas sem acessibilidade, trânsito irresponsável priorizando os veículos em detrimento dos pedestres, além de poucos e limitados espaços de socialização pública e coletiva – a exemplo de praças públicas, por aqui concentradas apenas em torno do centro da cidade e poucos bairros próximos a este. Além do risco de acidentes, espaços públicos como as bibliotecas, os museus, o teatro, as igrejas e as repartições públicas possuem políticas veladas de acesso limitado quando o assunto é o acesso de crianças a estes espaços e isso tem contribuído com que escolas limitem as atividades de ensino e pesquisa de seus alunos aos limites dos muros e dependências da escola. Diante de tantos desafios urbanos, questiono como seria possível uma cidade como esta se compreender e consolidar-se enquanto cidade educadora quando MOLL (2007, apud FARIA, 2011) apresenta que: O conceito de cidade educadora pode e deve alargar nossa compreensão de educação, permitindo-nos reinventar a escola no 23 mesmo movimento que busca reinventar a cidade e, nela, a comunidade como lugares de convivência, de diálogo, de aprendizagens permanentes, na perspectiva do aprofundamento da democracia e da afirmação das liberdades. (MOLL, 2007:12 apud FARIA, 2011, p.40) Ou ainda, como seria possível compreender esta cidade como parte integrante da comunidade de aprendizagem quando FARIA (2011), destaca que para que seja possível a comunidade de aprendizagem se configurar como tal, será necessário não apenas compreender, mas transformar o território urbano em um território potencialmente educativo. Com isso, ressalto que atualmente são poucos os profissionais da área da educação no município de Caicó que corajosamente inserem seus alunos em contato com espaços pedagógicos informais e, menos ainda, quando na intensão de ressignificar a cidade enquanto território educativo. 1.3 BAIRRO FREI DAMIÃO 1.3.1 – LOCALIZAÇÃO e HISTÓRIA Fundado oficialmente através da Lei municipal nº 3.410 de 27 de outubro do ano de 1992 e sob a denominação de “Conjunto Frei Damião”, o bairro Frei Damião como é conhecido na cidade de Caicó e desde então legalizado sob esta Lei, não possuía e ainda não possui – segundo a redação do Plano Diretor de Caicó (cap. III, art.55, secção II) apud ARAÚJO (2017, p. 25) – os elementos que de fato o constitua como sendo um bairro. Localizado as proximidades da BR427, mais precisamente na zona Oeste da cidade de Caicó-RN, é considerado parte periférica e uma das mais, se não, a parte populacional mais carente da cidade. Segundo dados cedidos pela agente de saúde comunitária local, estima-se que o bairro possui atualmente 89 domicílios (com cadastro na sec. de saúde) e outros 28 domicílios fechados (com cadastro na sec. de infraestrutura) sendo 60% de suas edificações em alvenaria, 30% em alvenaria e taipa e 10% em taipa ou espécie de barraco erguido com restos de madeira (fotos disponíveis no ANEXO C, imagem nº 1, 2, 3, 4 e 5 e no APÊNDICE A, imagens de nº 01 à 20). Entre os grupos familiares permanentes e nômades do local, o bairro apresenta em cada domicílio a quantidade de 01(uma) a 15(quinze) pessoas/domicílio, contabilizando pouco mais que 280 habitantes estando subdivididos entre 01(um) e 03(três) grupos familiares/domicílio. Em sua configuração etária o bairro se configura como tendo uma população majoritariamente 24 jovem quando comparado a outros bairros da cidade de Caicó apresentando por tanto aproximadamente 25% de sua população como sendo de crianças com 06 meses a 11 anos de idade, 20% de jovens e adolescentes variando entre 12 e 17 anos de idade, 40% formalizada por adultos com idade entre 18 e 60 anos e 15% com idosos acima dos 60 anos. Segundo relatos de filhos e netos de antigos moradores do bairro (talvez os primeiros após os indígenas que habitavam a região), o bairro teve seus primeiros habitantes em meados dos anos 80 quando pessoas da família Diniz, Leite e outras famílias se instalaram no local que há época ainda era considerado zona rural da cidade de Caicó. Em suas proximidades não existiam moradias, apenas pastagens de gado e pequenos lotes de terras com produção agrícola que com o passar dos anos, aos poucos outras famílias foram instalando-se no local. Entre as famílias que ali aos poucos se alojavam, era perceptível sua origem humilde, carente e por vezes desconhecida, mas que ali encontrara refúgio e possibilidades de estruturar um novo lar. Assim como a cidade, o bairro também crescia e junto com o crescimento e as crises geradas pelo declínio do algodão e da pecuária devido as intensas e extensas estiagens, vieram problemáticas de ordem política e pública que aos poucos elegeriam o futuro bairro Frei Damião – então chamado de comunidade – como o local mais apropriado para o depósito do lixo doméstico, comercial, industrial e hospitalar que toda a cidade produzia. Relatos orais de moradores apresentam que o fato do bairro – à época ainda considerado como uma pequena comunidade – estar se tornando naquele momento em um espaço determinado pelo poder público como sendo o depósito de todo o lixo da cidade, não incomodava pois se formava um pouco distante das residências e ao mesmo tempo os auxiliavam a conseguir seu sustento (fotos disponíveis no ANEXO C, imagem nº 4 e 5). Entre os relatos, é perceptível que por estarem na condição de ocupação “irregular” de terras públicas e em número considerado irrelevante de habitantes, evitariam de qualquer modo se opor ao poder público e assim a convivência entre as pessoas do bairro e o lixão ali sendo instalado foi aos poucos se consolidando como fonte de trabalho, renda e sobrevivência para os que naquele lugar viviam e ainda vivem. Ainda em conformidade com a história oral local, uma curiosidade surge sobre a estátua do frade conhecido mundialmente como Frei Damião que se encontra atualmente no bairro. As informações dão conta de que a estátua fora ali colocada pelo então deputado estadual Vivaldo 25 Costa em meados dos anos 90, logo após a “comunidade” ter ganhado status de bairro. A referida estátua antes de ser ícone religioso do bairro – apenas do bairro, pois boa parte de seus moradores pouco interagem com religiões –, exercia sua função religiosa no pátio da antiga Rádio Seridó, talvez em agradecimento do então deputado a visita do Frei a cidades do Sertão Norte-rio-grandense. Apesar de ser apenas uma curiosidade relatada e não ser o foco deste trabalho, me coloquei a refletir sobre quais seriam as intenções do então deputado ao inserir esta estátua naquele lugar? (foto disponível no APÊNDICE A, imagem nº 4). As inúmeras dificuldades enfrentadas pela população do bairro com relação a escassez de infraestrutura tanto urbana como social, transporte público ou mesmo privado, água, energia elétrica, saúde, educação e lazer e oportunidade de trabalho em meio a sociedade caicoense, fez emergir entre os moradores a crescente necessidade de utiliza-se do lixão como meio de renda e subsistência de suas famílias. Nos anos 90 o lixão já era algo consolidado no bairro e cada vez mais crescente era o número de adeptos a sua utilização como meio de trabalho e sobrevivência. MORAIS (1999), afirma em seus estudos que diversos núcleos comerciais foram disseminados por toda a cidade de Caicó na tentativa de suprir, através de atividades trabalhistas informais, necessidades oriundas das crises causadas pelo declínio algodoeiro e agropecuário na região seridoense. Neste interim, surgem diversos tipos de comércio, entre eles os comércios compradores e revendedores de materiais reutilizáveis e recicláveis coletados principalmente no lixão do Frei Damião e outros menores à céu aberto espalhados pela cidade – a exemplo do existente até recentemente no centro da cidade, em torno do que conhecemos como “Beco da Troca”. Apesar dos diversos núcleos comerciais terem sido muito difundidos entre os bairros da cidade, a população carente do bairro Frei Damião não foi capaz de estruturar nenhum tipo de empreendimento ou atividade comercial no bairro tendo sempre e ainda atualmente que se deslocar a outros bairros para conseguir obter diversos produtos e serviços que o bairro Frei Damião não possui. Todo o material recolhido no lixão do bairro era vendido em outros bairros até que nos anos 90, o senhor conhecido no bairro como Bonifácio, instalou o primeiro e ainda única atividade comercial empregatícia no bairro iniciando então o processo de compra direta dos materiais recicláveis coletados no lixão do bairro. 26 A instalação do pequeno comércio (foto disponível em APÊNDICE A, imagem nº18) facilitou a venda dos materiais coletados pelos moradores do bairro, no entanto, o preço pago pelo comprador estava muito distante do desejado ou talvez merecido pelos coletores. O fato do baixo valor pago sobre os materiais, explicou o senhor Bonifácio que: “se dava em virtude do baixo custo pago pelas empresas que beneficiavam os materiais as quais ele revendia a coleta e pelos altos custeios de transporte e armazenagem dos materiais que por vezes, eram roubados pelos próprios coletores do bairro que: os vendiam durante o dia e os roubavam a noite para revende-lo no dia seguinte”. O bairro Frei Damião apesar da resistência de seus moradores em sobreviver com tão pouco e dos esforços da escola e de seus parceiros em dar visibilidade social ao bairro, ainda é considerado e conhecido por muitos cidadãos caicoenses como sendo a “comunidade Frei Damião” e “a favela de Caicó” tendo seus significados associados de maneira pejorativa a algumas características sob conceito de favela existentes no bairro e disseminadas violentamente pela mídia televisiva acentuando o estigma sobre o bairro na cidade de Caicó. A oferta de moradias a baixos custos e poucos questionamentos sobre a origem de pessoas que por ali se instalam, ainda tem sido atrativos sedutores para muitos, sendo recorrente no bairro a chegada e a permanência de pessoas as quais a origem é desconhecida, sendo algumas destas o estopim em estimular e desencadear o aliciamento, a prostituição, o abuso infanto-juvenil e o tráficode drogas e entorpecentes dentro de alguns de seus núcleos familiares no bairro. No entanto, apesar dos estigmas e problemáticas sociais atrelados ao bairro serem em parte verdadeiros, assim como em muitos locais onde existem problemáticas sociais, no bairro também residem pessoas que apesar de humildes, são íntegras, idôneas e trabalhadoras, sendo por tanto, dignas de respeito e apoio social a sua condição de vida. 1.3.2 – INFRAESTRUTURA: Urbana, Social, Econômica, Educacional e Cultural Apesar de sua territorialidade ter sido garantida através da lei municipal nº 3.410 – do contrário a outros bairros –, o bairro Frei Damião está muito distante de ser exatamente o que se pretende a ser um bairro. O passar do tempo e ajustes políticos não foram suficientes para que o poder público municipal de fato percebesse o bairro enquanto parte da cidade. Ainda nos dias atuais uma triste realidade assola os moradores daquele lugar pois a condição em que vivem é extremante precária, suas limitações se iniciam na condição das moradias e transcorrem sobre elementos que envolvem educação, cultura, saúde e lazer. 27 Ao visitar o bairro facilmente perceberemos suas fragilidades. Logo a entrada constata- se primeiramente que suas ruas não possuem pavimentação e sua condição e agravada por esgotos e fossas à céu aberto por todo o bairro (fotos disponíveis no APÊNDICE A, imagens de 01 à 23). Empresas que prestam serviços de distribuição de água e energia elétrica desde sempre tiveram a qualidade de seu serviço precária no bairro. A limitação na prestação destes serviços com relação a qualidade ofertada em parte é justificada devido a uma parcela de seus moradores não conseguirem arcar com as custas das faturas da prestação destes serviços, arriscado sua liberdade e sua vida ao desregularem as redes de fornecimento fazendo desvios para obterem o acesso a estes bens. Desse modo, percebe-se que a condição da população do bairro Frei Damião diante da escassez de emprego, renda e serviços públicos essenciais tem se tornado cada vez mais limitada e distante do que se almeja por uma população socialmente ativa e incluída. O lixão apesar de ter sido a alguns anos remanejado do bairro para um pouco mais à diante, mais especificamente as margens do Rio Sabugi e a menos de 02 (dois) Km das margens da BR 427, deixou impregnado tanto na população caicoense como em parte dos moradores do bairro a ideia de que ali ainda é “o lixo da cidade”. Essa ideia ainda não desconstruída, faz com rotineiramente pessoas, empresas e os próprios moradores continuem a depositar diversos tipos de resíduos tanto na entrada quanto ao longo do bairro – parte ainda não habitada –. O poder público municipal por sua vez (segundo comentários de moradores do bairro), argumenta que aquela população não necessita de coleta de lixo pois já fazem uso deste para seu sustento subentendendo que estes façam uso de todo sua produção de lixo doméstico, limitando então, a coleta apenas a ao posto de saúde e a escola do bairro. Toda essa realidade de abandono, tem proporcionado aos moradores do bairro permanecerem imersos a sujeira e a notórias condições precárias de higiene e saúde. A muito tempo a população do bairro deslocava-se a outros bairros quando havia necessidade de uso dos serviços de saúde pública. Em parte as promessas feitas por gestões municipais anteriores foi cumprida com a recente construção de uma unidade de saúde básica no bairro. Apesar de suas instalações serem parcialmente adequadas, os serviços prestados deixam a desejar estando distante do serviço de saúde que deveria ser prestado aquela população que presencia frequentemente o posto de saúde com suas portas fechadas e sem atendimento. 28 As condições de saúde do bairro são precárias, para não dizer lastimáveis. A utilização de águas não tratadas e o contato dos moradores com resíduos contaminados durante o trabalho de coleta dos materiais reciclados, tem provocado diversos tipos de doenças, especialmente as que se manifestam através da pele e do intestino. Além disso, outro fator chama bastante atenção sobre principalmente a saúde das crianças do bairro que possuem famílias trabalhando na coleta dos resíduos recicláveis. Durante o processo de coleta várias famílias rotineiramente selecionam alimentos que por algum motivo foram descartados no lixo conduzindo-os para suas casas como alimento para seus filhos provocando severas infecções gastrointestinais e erupções subcutâneas no corpo destas crianças. O que surpreende nesta situação, é a passividade e naturalidade dos pais– que talvez seja fruto da pouca informação – quando os profissionais da escola relatam que estes pais tranquilamente, mesmo diante da criança doente, afirmam que: “não tem problema comer alimento vencido ou meio estragado, é só ferver e botar sal”, referenciando o consumo de alimentos processados vencidos e o cozimento de restos de carnes descartados por supermercados e frigoríficos no lixão e trazidos para o consumo da família. A intensa desigualdade social observada nas regiões periféricas da cidade é ainda mais acentuada no bairro. A empresa PINCOL, a recicladora do Sr. Bonifácio e o Matadouro público estão instalados no bairro a bastante tempo tendo o bairro recentemente, pouco mais de três anos, recebido as instalações da empresa SANTÔRRES S/A e uma distribuidora de leite sem identificação em sua entrada. É importante ressaltar que apesar da ideia inicial sobre a implementação desses empreendimentos articulados com o poder público tenha sido oferecer emprego, renda e melhorias ao bairro, em nada fora atendidos, pois o único empreendimento que oferta trabalho e auxilia os moradores do bairro é a recicladora do Sr. Bonifácio através deste. Além desses empreendimentos, o bairro conta com singulares iniciativas comerciais como uma pequena mercearia (já desativada), um precário bar, uma vendinha com revenda de carvão mineral e outra com venda de açaí e picolés. Apesar de vários dos moradores serem capacitados por cursos ofertados através do SENAI, do SENAC, do município de Caicó e do IFRN – como exemplos no bairro tem produtores de doces, salgados, artesãos, músicos em fase inicial, costureiras, bordadeiras e mecânicos de bicicleta –, a falta de incentivos financeiros públicos ou privados fazem com que estes não consigam exercer seus conhecimentos e desenvolver suas habilidades em prol de melhores condições de vida. 29 A principal fonte de renda dos moradores do bairro Frei Damião (aprox. 80% da renda) é originária de benefícios sociais e aposentadorias por invalidez, doenças crônicas e deficiências diversas. Em sua renda secundária mais relevante está a coleta de materiais recicláveis e o beneficiamento destes que apesar de ser matéria prima abundante, possui pouco beneficiamento tanto através da associação como por outros coletores autônomos. Assim, diante deste contexto, até o momento não se configurou ações coletivas entre produtores e possíveis investidores que promovessem a instalação de empresas ou oficinas que inseridas no próprio bairro direcionassem o beneficiamento e a produção de sua ação de reciclagem como oportunidade de emprego e renda – tão necessários ao desenvolvimento humano das pessoas deste lugar. Tornar-se um centro de referência em beneficiamento de materiais reciclados tem sido uma solicitação constante dos coletores do bairro que há anos sobrevivem quase que exclusivamente da coleta desses materiais. No entanto, apesar dos esforços em torno de sua principal fonte econômica, a desvalorização local tem afetado diretamente a venda da coleta e a possibilidade de beneficiamento feita pelos coletores. Após anos de expectativas, alguns dos moradores do bairro na tentativa de se configurarem como comunidade, iniciaram com o apoio da Cáritas Diocesanae o governo municipal, a estruturação de uma pequena cooperativa (ASCAMARCA) com fins de coleta, separação, armazenagem e venda de materiais reciclados coletados por todos os cooperados. Apesar da ASCAMARCA caminhar lentamente, bons frutos aos poucos são colhidos do trabalho árduo daquelas pessoas que embora se esforcem para trabalhar coletivamente, tem que administrar conflitos internos inevitáveis. Os conflitos ora configurados por ideologias, ora por debates sobre mais valia de mão obra trabalhista, fazem com que vários coletores prefiram seguir fazendo suas coletas de forma autônoma, pois algo que além dos fatores que geram os conflitos muito os incomodam são a longa espera pela venda dos materiais a espera e os baixos valores a serem divididos entre todos mesmo que um tenha trabalhado com menos intensidade que outros. Diante disso, é possível inferir que o incremento proporcionado em termos de infraestrutura urbana com relação a saneamento básico, saúde, educação, pavimentação, espaços de lazer e a instalação de novas instituições públicas ou privadas com fins de prestação de serviço ao bairro, certamente conduziriam este a interligar seus produtos frente as articulações com o mercado consumidor. 30 Para tanto, uma educação socialmente produtiva que se apresente como o eixo que eleva a condição da produção comunitária, neste caso de um bairro, a uma condição de identidade comunitária, destacando portanto, suas dimensões de crescimento econômico baseados em valores e metas envolvidos em princípios de vida que dão significado a sua história devem ser constituídos primeiramente por seus membros independentemente da atuação do Estado. Nesse ponto, GUTIÉRREZ (2005), afirma que: Essa educação socialmente produtiva supõe fazer da educação o elemento integrador e aglutinador de todo o processo que garanta a esses homens e a esses grupos produtivos chegar à condição de atores reais e conscientes dos processos sociais. (GUTIÉRREZ, 2005, p. 26). Nesse sentido, é necessário que a comunidade compreenda todos os processos os quais ela deverá apropriar-se para que sua estrutura seja conhecida e reconhecida como legítima por todos os seus membros. Ainda neste ponto, é importante salientar o quão importante se faz a participação dos grupos produtivos com fins educativos, pois assim será possível a tomada de consciência e a transformação de suas realidades em poder produzir, conduzir e gerir sua própria educação. Compreendendo a comunidade como parte integrante do processo educativo, GUTIÉRREZ (2005), define que diante da concepção educativa onde o homem é o gestor de seus processos de trabalho, não será possível uma “educação socialmente produtiva” se o crescimento e o desenvolvimento da comunidade forem vistos apenas com fins produtivos esquecendo da importância sobre a reflexão de suas ações. GUTIÉRREZ (2005), reforça esta análise: Ao refletir (práxis) sobre casos concretos da problemática produtiva e organizativa de cada dia, surgirão gestionáriamente as melhores e mais adequadas soluções. O crescimento de sua consciência organizativa será, portanto, produto da luta por superar seus problemas e aprender em sua práxis e através de conflitos que a vida organizativa dá vida à organização e força coletiva à vontade coletiva. (GUTIÉRREZ, 2005, p. 29) Desse modo, analiso que apesar dos esforços, o bairro Frei Damião percorre um caminho que, apesar de espinhoso e lento, inicia na formação da ASCAMARCA seus primeiros 31 ensejos a constituir-se de fato como comunidade, embora esteja claro que a participação dos sujeitos na ação socioeducativa deste processo ainda esteja longe de ser uma realidade. Inicialmente farei a apresentação geral sobre a educação do bairro, pois é extremamente delicado falar de EDUCAÇÃO em um lugar abandonado à própria sorte por quase todos e que depende apenas das fagulhas do que uma escola pode lhe oferecer como o que seria a base educativa do cidadão para a vida e para o mundo. Segundo informações de algumas professoras da escola, cerca de 20% dos moradores do bairro ora já adultos, ainda se encontram na condição de analfabetos ou alfabetizados funcionalmente. Entre as crianças este número é menor, porém, várias destas apresentam déficits no desenvolvimento e na aprendizagem escolar ingressando em ciclos contínuos de repetência escolar a partir do 3º ano do ensino fundamental até que a idade as direcione automaticamente ao Ensino de Jovens e Adultos em outras escolas. Durante todos esses anos observando as dinâmicas de desenvolvimento das pessoas que residem no bairro, percebi que fora da escola há um tipo de educação entre as relações sociais que desperta e ao mesmo tempo incentiva as pessoas a se sobressaírem frente as suas dificuldades. Trato aqui de um tipo de competição social a qual não saberia denominar, más que não existe dentro da escola, uma competição livre que faz com que uns queiram de algum modo, demostrar para os outros de mesma idade que consegue fazer melhor ou com maior rapidez o que está sendo proposto seja ao demonstrar maior competência ou melhor habilidade com relação ao assunto ou atividade em questão. Seja em brincadeiras entre as crianças, em trabalhos artesanais desenvolvidos pelos adultos ou mesmo a prestação de algum tipo de serviço mesmo que como forma de apoio, este tipo de educação competitiva está sempre presente e de alguma maneira estimula parte dos moradores a buscar conhecimentos além dos que o bairro tem a lhes oferecer. Falar sobre cultura e lazer diante de um cenário tão distinto quando colocamos a questão territorial em foco, de fato é lamentável. O bairro Frei Damião não é a única a enfrentar problemas sobre o acesso a bens e serviços públicos na cidade de Caicó, pois outros bairros desta cidade enfrentam o mesmo desafio cotidianamente, muito embora o Frei seja diferenciado por suas características precariamente singulares e extremamente carente. Ter o acesso a esses bens negativado pela má gestão municipal exercida a anos faz com que cada vez mais nossas crianças estejam a mercê de pessoas que ofertam as facilidades que a 32 vida do crime pode lhes proporcionar. Negar condições dignas de desenvolvimento social e prendê-las em escolas através de programasque prometem a integração mas que em pouco avança nesse contexto social, apenas denunciam o quanto abandonada a própria sorte este bairro está. Nesse sentido, é importante destacar que a escassez de infraestrutura social que envolve o bairro, tem provocado insatisfação entre seus moradores e significativa limitação em sua qualidade de vida. Os únicos espaços de socialização do bairro são o campo de chão batido com seus limites marcados por pedras e duas traves, um precário bar que dispõem de apenas três produtos e a escola que aos trancos e barrancos vem aos poucos e lentamente se estruturando. A exceção do apoio da escola, das igrejas, parceiros e projetos, não existe no bairro quaisquer outro meio que indique a possibilidade de conexão ou diálogo cultural com espaços fora do bairro como praças públicas, restaurantes, cinemas, bibliotecas, quadras esportivas, museus, entre outros. Sem que haja a conexão seria impossível aos moradores conhecerem e terem contato com esses elementos uma vez que o transporte público não chega até o bairro e suas condições financeiras não permite que façam uso do que pode ser considerado um capricho ou esbanjamento. Toda a infraestrutura social que deveriam fazer parte da estrutura do bairro enquanto bairro tornou-se parte do projeto imaginário de sociedade que os prefeitos que já passaram tem desta cidade e permanece nos sonhos dos habitantes do bairro Frei Damião em poder usufruir de um mínimo de dignidade social. Para DEMO (1994, p.16) “No contexto de uma realidade social determinada, a intervenção humana é sempre algo secundário, o que leva a assumir que desigualdade social é dada e invariante”, ou seja, que as desigualdades sociais não são frutos dos espaços onde estas se instalaram, más sim, da maneira pela qual a intervenção humana as constituíram e consolidaram histórico e socialmente em meio a fatores favoráveis ou não ao desenvolvimento humano enquanto um ser social. Partindo desses pressupostos, DEMO (1994), analisa o conceito de pobreza e do “ser pobre” como algo concebido de maneira errônea e equivocada, apesar de por vezes ser manipulado por e em prol da classe política. Nesse sentido, o autor demostra que ao longo dos anos o sentido de “ser pobre” foi construído em torno de manobras políticas sobre as quais se é possível identificar a mais valia sobre a falta de conhecimento do conceber sobre o termo por parte dos que assim são direcionados a fazer uso verbal desta definição atribuindo por vezes valores negativos a sua condição humana. 33 Nesse ponto, para reforçar DEMO (1994), apresenta a clara distinção entre desigualdade social e pobreza: Sob o prisma do bem estar social, desigualdade se traduz por pobreza. Na linguagem corrente, as autoridades públicas e, sobretudo, novos governos, prometem “combater a pobreza”, “erradicar a pobreza absoluta”, “acabar com a miséria”, e assim por diante. Entretanto, pobreza não se restringe ao problema da carência material, percebido através da fome sobretudo. Olhando bem as coisas, nossa visão comum de pobreza é muito mais “pobre”. De um lado ficamos apenas com a manifestação física, material, deixando de lado a “pobreza de espírito”. De outro, ignoramos aquilo que é marcadamente seu cerne: o fundo político da marginalização opressiva. Pobreza é o processo de repressão do acesso às vantagens sociais. (DEMO, 1994, p. 19). A recorrência em discursos persuasivos em torno da pobreza, cada vez mais direciona o cunho marginalizado que este se apresenta em discursos políticos manipuladores. É, no mínimo, preocupante quando o pobre se compreende como tal apenas por não possuir bens materiais quando na verdade, o direito de ascender socialmente lhes foi e é negado a todo instante em virtude de suas delimitadas condições educacionais. 1.3.3 APONTAMENTOS DO BAIRRO ENQUANTO COMUNIDADE Em parte, as condições limitadas em que se vive em alguns bairros da cidade de Caicó, é fruto de longos anos de improbidade administrativa. A cada período eleitoral, as gestões municipais se alternam, no entanto, famílias originárias de antigas oligarquias ainda perduram nos ciclos sobre o poder político na cidade, recaindo então, sobre práticas políticas que vão ao encontro de benefícios em torno de minorias mais abastadas. Por outro lado, não basta apenas que políticas públicas sejam repensadas e direcionadas para fins sociais coletivos. É portanto, necessário que a população busque seus próprios meios de organização social para que a articulação entre os territórios, a cidade, o bairro e a escola sejam fortalecidos na busca por sua consolidação junto ao espaço de aprendizagem na perspectiva de se constituírem de fato, como uma comunidade partindo então dos princípios comunitários exigidos para tal constituição. Neste ponto, BAUMAN (2003) argumenta que: 34 Os poderosos e bem sucedidos não podem dispensar com facilidade a visão meritocrática do mundo sem afetar seriamente o fundamento social do privilégio que prezam e do qual não têm intensão de abrir mão. E enquanto essa visão de mundo for mantida e considerada o cânone da virtude pública, o princípio comunitário do compartilhamento não pode ser aceito. [...]. Se qualquer coisa além do mérito imputado fosse reconhecida como título legítimo às recompensas oferecidas, aquele princípio perderia sua maravilhosa capacidade de conferir dignidade ao privilégio. Para os “poderosos e bem sucedidos”, o desejo de “dignidade, mérito e honra” paradoxalmente exige a negação da comunidade. (BAUMAN, 2003, p.57) Como resultado deste “paradoxo” destacado por BAUMAN (2003), identifica-se que enquanto o poder público pertencer a elite classista imperando sobre a maneira desorganizada pela qual os cidadãos mais carentes costumam viver e enquanto os moradores desta que se pretende ser uma “comunidade” se negarem a esta pertencer, esta elite terá sempre o privilégio de se beneficiar de suas ideologias individualistas onde certamente restringirão o bem estar da convivência e da coletividade social. Nesse sentido, BAUMAN (2003), configura comunidade como sendo: A “comunidade”, cujos usos principais são confirmar, pelo poder do número, a propriedade da escolha e emprestar parte de sua gravidade à identidade a que confere “aprovação social”, deve possuir os mesmos traços. Ela deve ser tão fácil de decompor como foi fácil de construir. Deve ser e permanecer flexível, nunca ultrapassando o nível “até nova ordem” e “enquanto for satisfatório”. Sua criação e desmantelamento devem ser determinados pelas escolhas feitas pelos que as compõem – por suas decisões de firmar ou retirar seu compromisso. Em nenhum caso deve o compromisso, uma vez declarado, ser irrevogável: o vínculo constituído pelas escolhas jamais deve prejudicar, e muito menos impedir, escolhas adicionais e diferentes. O vínculo procurado não deve ser vinculante para seus fundadores. (BAUMAN, 2003, p. 62) Percebe-se neste debate que ética e estética caminham inevitavelmente na mesma direção, pois embora suas finalidades com relação ao sentido de comunidade sejam distintos, ambas se relacionam para que seja possível a ressignificação de uma nova identidade comunitária assim seja necessário. Em sua atual conjuntura, contata-se no bairro que a propriedade de escolha, identidade e aprovação social que requer à constituição de uma comunidade, são limitadas as condições 35 de manipulação por meio de pessoas consideradas capacitadas – muito embora seja por sua oratória enganosa – sendo apenas a compreensão individual e inflexível as marcas deixadas por esse tipo de manipulação neste bairro. Diante disso, relacionando as nuances entre o real e o imaginário do que se pretende entender por “comunidade”, é possível inferir que as possibilidades de se instituir a composição do que seria os primeiros passos de uma comunidade no bairro
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