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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL JOÃO VICTOR GOMES DE FARIAS POPULAÇÃO TRANS E EDUCAÇÃO: Uma análise da evasão escolar de pessoas trans e travestis em Natal - RN NATAL - RN 2021 JOÃO VICTOR GOMES DE FARIAS POPULAÇÃO TRANS E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE DA EVASÃO ESCOLAR DE PESSOAS TRANS E TRAVESTIS EM NATAL - RN Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Rita de Lourdes de Lima. NATAL 2021 Farias, João Victor Gomes de. População trans e Educação: uma análise da evasão escolar de pessoas trans e travestis em Natal - RN / João Victor Gomes de Farias. - 2021. 57f.: il. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2021. Orientadora: Profa. Dra. Rita de Lourdes de Lima. 1. População trans - Monografia. 2. Evasão escolar - Monografia. 3. Educação - - Monografia. 4. Diversidade sexual - Monografia. I. Lima, Rita de Lourdes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 37 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 16 JOÃO VICTOR GOMES DE FARIAS POPULAÇÃO TRANS E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE DA EVASÃO ESCOLAR DE PESSOAS TRANS E TRAVESTIS EM NATAL - RN Monografia apresentada ao curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Aprovada em: 08/09/2021 BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Profa. Dr(a). Rita de Lourdes de Lima Orientador(a) Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________ Profa. Dr(a). Ilka de Lima Souza Membro interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________ Profa. Dr(a). Íris de Lima Souza Membro externo CRESS 1668-3 AGRADECIMENTOS À minha avó Maria Francinete, a quem carinhosamente chamamos de Neta. Seu apoio e amor, que desde que me entendo por gente foram incondicionais, significam o mundo para mim, e a vontade de continuar sempre te orgulhando é o que mais me motiva. Sem você, essa trajetória não teria sequer começado. Obrigado por ser a mulher mais forte, inteligente e guerreira que eu conheço. À minha mãe Ana Kaline, que apesar dos obstáculos enfrentados, nunca desistiu. Seu apoio também foi fundamental durante a minha vida. Obrigado por me ensinar a ser livre. À toda minha turma de Serviço Social. Em especial à Cecília, Hanna, Clarice e Matheus. Nossa identificação foi para além do ambiente acadêmico, o que fez com cada momento que compartilhamos dentro e fora de sala de aula fosse importante. Passar por todas as angústias, aflições e trabalhos que vem junto ao processo de formação foi mais fácil com a companhia de vocês. À minha orientadora Rita. Obrigado pelo cuidado, pela preocupação, pela paciência e por cada puxão de orelha. Obrigado também por me acolher e enxergar potencial em mim. Foi graças à inserção na iniciação científica que superei medos e quebrei inúmeras barreiras, com seu apoio, dei um grande salto no crescimento não só enquanto estudante, como também enquanto pessoa. À minha dupla de iniciação científica Maria Clara. Compartilhar angústias, tarefas, prazos e tardes na nossa querida sala do grupo de pesquisa foi mais leve com sua companhia. Aos meus amigos, dos quais a grande maioria já me acompanhava desde o período que antecedeu o início dessa trajetória. Todos aqueles que se juntaram a mim durante esse processo também tiveram papel essencial e são igualmente importantes. Os momentos de descontração, felicidade, de apoio e até mesmo de tristeza que compartilhei com vocês fez com que eu fosse capaz de concluir esse ciclo com a sanidade mental em dia. À minha primeira supervisora de estágio Danilma. Seu cuidado, sua postura profissional exemplar e sua amizade me ensinaram muito. Agradeço também à toda a equipe do IFRN Central. Com vocês me senti mais do que um mero estagiário, me senti acolhido e mais do que nunca senti que fazia parte da equipe. Sinto muitíssimo que esse ciclo tenha se encerrado de forma inadequada e tão abrupta como foi por causa do corona vírus. Espero reencontrar todas vocês em breve. Ao meu segundo supervisor de estágio Michael. Seu alto astral e seu bom humor, aliados à sua organização e inteligência me fizeram ter uma nova perspectiva da atuação profissional e tornaram mais tranquilo esse período conturbado que passamos desenvolvendo o estágio II em uma nova instituição em um período reduzido devido à pandemia. Por fim, agradeço imensamente a minha cachorrinha Lilica. Seu carinho nas várias madrugadas que passei em claro durante toda a graduação e as risadas que você me arrancou nos momentos mais tensos foram uma parte essencial dessa caminhada pelo ensino superior. RESUMO Esse trabalho objetivou entender os determinantes que causam o alto índice de evasão escolar da população trans e as principais demandas dessa população no ambiente escolar. A educação formal no Brasil surge por volta de 1500 em um contexto fortemente excludente, com seu acesso reservado, majoritariamente, à elite do país. Com o desenvolvimento da sociedade, e a forte ascensão do capitalismo, a educação adquire um novo significado, tornando-se um mecanismo de aumento da capacidade produtiva das classes trabalhadoras nesse novo sistema. Ao mesmo tempo, as lutas sociais pelo acesso as políticas públicas, entre elas, a educação, geram, ao longo da história, um processo de democratização do acesso ao ensino no país. Entretanto, a educação, que se tornou um direito, ainda passa por diversos problemas que afetam negativamente a universalização do seu acesso. Partindo desse cenário, identificamos que o Brasil se posiciona como o terceiro país da américa latina com maior índice de evasão escolar. Identificamos, ainda, que a população LGBTQIA+, em especial as pessoas trans e travestis, compõe o maior índice de evasão escolar. Por isso, esse trabalho, que se desenvolveu a partir da pesquisa bibliográfica e documental, objetivou analisar os determinantes que envolvem a evasão escolar dos estudantes LGBTQIA+, em especial de pessoas trans e travestis. A partir do desenvolvimento do estudo, entendemos que pessoas trans e travestis, por serem os principais responsáveis pelo rompimento com as barreiras impostas pelo molde heterossexista da sociedade, estão expostas à diversas violências no dia a dia, dentro das escolas e em seu ambiente familiar. Identificamos, portanto, que essa violência, somada a falta de medidas que atuem no processo de luta contra a violência experienciada por esses indivíduos, gera um processo de expulsão disfarçado de evasão, que faz com que os índices de evasão dessa população sejam ainda mais alarmantes do que os do restante da sociedade. Palavras-chave: POPULAÇÃO TRANS; EVASÃO ESCOLAR; EDUCAÇÃO. DIVERSIDADE SEXUAL. ABSTRACT The objective of this paper is to understand the determinants that cause the high rate of school dropouts of the transgender population and what are their main demands on the school environment. The formal education in Brazil first appeared around 1500, ina context that was highly exclusionary, and it’s access was reserved, mostly, to the elites. With the development of society, and the strong ascension of capitalism, the education gains a new meaning, becoming a mean to rase the productive capacity of the working class in that new system. At the same time, the social struggles for access to public policies, like education, created, in the course of history, a process of democratization of the access to education all around the country. Meanwhile, even though education became a right, still goes through a lot of trouble around the universalization of its access. Based on that, we identified a high rate of school dropouts on Brazil, that puts the country as the third in Latin America with the highest rates of school dropouts. On that context, we identified that the LGBTQIA+ population, especially transgender people, presents an even higher school dropout rate. That is why this paper, that was developed by bibliographic and documental research, aimed to analyze the determinants involving the school dropout of LGBTQIA+ students, specially transgender people and transvestites. During the development of the study, we understood that transgender people, who are the mainly responsible parties of breaking the boundaries imposed by the heterosexist mold of society, are even more exposed to violence on a daily base, inside the school environment and even at their homes. We identified that this violence, added to the lack of policies that fight against the violence experienced by those people, creates a process that disguised as dropout, expels those people, and that’s why their dropouts’ rates are even higher than the rates of the rest of society. Keywords: TRANSGENDER POPULATION; SCHOOL DROPOUT; EDUCATION; SEXUAL DIVERSITY. LISTA DE SIGLAS ABE Associação Brasileira de Educação ABGLT Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ANDIFES Associação Nacional de Dirigentes Federais de Ensino Superior CEFET Centros Federais de Educação Tecnológica CEMCID Centro Municipal de Cidadania LGBT de Natal CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONIF Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica Fies Fundo de Financiamento Estudantil FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico IBGE Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDH Índice de Desenvolvimento Humano LBCA Liga Brasileira Contra o Analfabetismo LDB Lei de Diretrizes e Bases MEC Ministério da Educação PCB Partido Comunista Brasileiro PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PEC Proposta de Emenda à Constituição PNE Plano Nacional de Educação PRONATEC Programa Nacional de Acesos ao Ensino Técnico e Emprego ProUni Programa Universidade para todos PT Partido dos Trabalhadores SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SUS Sistema Único de Saúde TCC Trabalho de Conclusão de Curso UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 8 2 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL........................................................ 14 2.1 EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITO SOCIAL: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES NO CONTEXTO CAPITALISTA.............................................. 14 2.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM RESGATE HISTÓRICO DO BRASIL COLÔNIA ATÉ OS DIAS ATUAIS.......................................................................... 17 2.2.1 A Educação Brasileira no Brasil Colônia (1500-1822)...................................... 17 2.2.2 Educação no Brasil Império (1822-1889).......................................................... 20 2.2.3 Educação no Período da República Velha (1889-1930)..................................... 22 2.2.4 Era Vargas (1930-1945)..................................................................................... 24 2.2.5 Educação na Quarta República (1945-1964)...................................................... 26 2.2.6 Educação no Período da Ditadura Militar (1964-1985)..................................... 27 2.2.7A Educação no Brasil Pós Redemocratização (1985 - Atualidade): Avanços e retrocessos.................................................................................................................... 28 2.3 EDUCAÇÃO EM NATAL E EVASÃO ESCOLAR: BREVE DISCUSSÃO..... 35 3 A VIVÊNCIA LGBT E O PRECONCEITO: IMPACTOS DA TRANSFOBIA NO ACESSO DE PESSOAS TRANS E TRAVESTIS À EDUCAÇÃO............... 38 3.1 A POPULAÇÃO LGBTQIA+ E LGBTFOBIA: CONCEITUAÇÃO E PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES............................................................................... 38 3.2 MOVIMENTO LGBT: UM BREVE RESGATE DO SEU PRIMEIRO LEVANTE E DO CONTEXTO BRASILEIRO.......................................................... 40 3.3 POPULAÇÃO TRANS E O ACESSO À EDUCAÇÃO...................................... 43 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 49 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 51 8 1 INTRODUÇÃO A aproximação com o problema de pesquisa se deu a partir do ingresso no estágio curricular obrigatório do curso de graduação presencial em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O estágio na grade curricular da UFRN se divide em dois momentos (Estágio em Serviço Social I e II). Iniciamos o estágio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) em 12/08/2019, concluindo a primeira parte do processo normalmente. Além da identificação pessoal com as questões LGBTQIA+ 1que existiu durante toda a vida por me reconhecer enquanto homem gay, e como já estudávamos por dois anos essa temática2, decidimos unir isso ao contexto da primeira instituição onde o estágio foi desenvolvido e trabalhar com a temática envolvendo a relação entre a assistência estudantil e evasão escolar dos estudantes LGBTQIA+ no IFRN. Para isso, elaboramos o projeto “Assistência estudantil e evasão escolar: Uma análise sobre as demandas da população LGBT no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).” No entanto, com o início da pandemia, visando a segurança dos estudantes e das pessoas em volta deles, a segunda parte do estágio na instituição foi interrompida em 18/03/2020 por tempo indeterminado. Permanecemos até 30/12/2020 sem saber como se resolveria esse problema. Com o retorno parcial das atividades que se deu com diversas restrições e protocolos de segurança, o IFRN optou por não retornar às atividades presenciais. Entendendo então que devido à natureza experiencial e da necessidade de observação inerentes ao processo de estágio, a atividade não poderia ser realizada à distância como as demais, e por isso, foi preciso trocar de instituição. Assim, reiniciamos a segunda parte do processo de estágio, e a sua retomada se deu em 18/01/2021, no Centro Municipal de Cidadania LGBT de Natal (CEMCID) - onde ficamos até 30/04/2021 -, pois lá poderíamos continuar nosso processo de aproximação com a temática já estudada, mas dessa vez, em conversa com a orientadora, decidimos modificar parcialmente a temática, continuando com os estudos sobre a população LGBTQIA+, mas não mais sobre assistência estudantil. 1 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais 2 Participamos como bolsista de iniciação científica no projeto “A vida da população LGBT nas residênciasuniversitárias da UFRN”, sob orientação da professora Rita de Lourdes de Lima. 9 Durante o período de vigência do estágio – enquanto componente fundamental na formação profissional – continuamos a aproximação com o cotidiano profissional, o que por si só gerou uma série de reflexões críticas acerca da realidade posta pelo modelo de sociedade em que vivemos. Portanto, o novo problema de pesquisa começa a tomar forma a partir da soma dessas reflexões somadas com o acompanhamento dos casos durante o período de estágio, usando como base as informações presentes no relatório público divulgado pelo Observatório LGBT de Natal. As dificuldades enfrentadas no cotidiano da população LGBTQIA+ são acompanhadas de perto na instituição, que apesar de nova, trabalha também em uma importante sistematização dos dados referentes a essa população. A partir desses dados, se explicita a necessidade de um estudo mais aprofundado que analise os determinantes da evasão dos estudantes LGBTQIA+ – em especial da população de trans e travestis, que são a grande maioria dos usuários do aparelho – às instituições de ensino, na medida em que se verifica a existência de um alto índice de evasão escolar desses alunos no nível médio, servindo também como material de referência para o setor, que atualmente não possui nenhum referencial teórico que aborde a temática do acesso da população LGBTQIA+ à educação. Deste modo, assinala-se a importância desse estudo e de outros referentes a tal temática para o mundo acadêmico e mais particularmente para o Serviço Social, considerando a necessidade de fortalecer o Projeto Ético-Político, que aponta para a construção de uma sociedade sem discriminação e exploração por questão de classe, raça/etnia, gênero/sexo ou orientação sexual. Assinala-se também a importância para a própria instituição campo de estágio, uma vez que possibilitará conhecer melhor as demandas de seus usuários e pensar estratégias de trabalho capazes de responder a tais demandas. Conforme já sinalizado, o estágio se desenvolveu no Centro Municipal de Cidadania LGBT de Natal (CEMCID) e no dia a dia do estágio, foi possível conhecer o trabalho dos/as assistentes sociais na instituição. O trabalho do Serviço Social na instituição se baseia, majoritariamente, no uso das políticas públicas integradas de forma a realizar uma articulação com a rede de proteção psicossocial na atuação contra as expressões da LGBTfobia. Além disso, através da escuta social qualificada realizada durante os atendimentos e acolhimentos de usuários na instituição, os assistentes sociais são capazes de identificar novas demandas e intervir de acordo com as condições apresentadas. Entre as atividades realizadas no cotidiano do Estágio curricular obrigatório, como já mencionado, foi possível conhecer as principais demandas vindas da população LGBTQIA+ em Natal, e, ao mesmo tempo, os limites das políticas públicas no atendimento dessas 10 demandas. Concomitantemente, uma informação que chamou atenção foi o índice de pessoas trans e travestis atendidas pelo centro que não concluiu o ensino médio, que corresponde a mais de 30% de acordo com relatório divulgado em 2021 pelo Observatório LGBT de Natal referente ao período de 2020.2. Frente a isso, passamos a nos questionar: Existe um índice significante de evasão de alunos e alunas trans e travestis no ensino médio em Natal? Caso exista, existe relação direta entre a evasão e a transfobia dentro da instituição de ensino? Quais os determinantes que levam a evasão desses alunos? E ainda: Quais as suas principais demandas? Frente a tais questionamentos, elaboramos o projeto de pesquisa que resulta nesse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e estabelecemos o seguinte objetivo geral: Analisar os determinantes que envolvem a evasão dos estudantes LGBTQIA+, em especial de pessoas trans e travestis. Estabelecemos ainda os seguintes objetivos específicos: Analisar o processo educacional no Brasil, considerando particularmente seus avanços e dificuldades; Conhecer e analisar o movimento LGBTQIA+ e seu processo de luta por acesso a direitos; Conhecer as principais dificuldade e demandas da população trans no que se refere a instituição escolar e mais, particularmente, os elementos envolvendo a questão da evasão escolar. Para atingir esses objetivos de acordo com a necessidade apresentada pelos questionamentos postos, optamos inicialmente por um método de caráter qualitativo, exploratório e explicativo, fundamentado a partir do método materialista histórico-dialético, uma vez que julgamos importante analisar as questões propostas a partir de uma perspectiva de totalidade. A pesquisa seria desenvolvida a partir de pesquisa bibliográfica e da realização de entrevistas, que devido a pandemia do novo corona vírus seriam realizadas de forma virtual com usuários atendidos pelo CEMCID e que se identificassem como pessoas trans, travestis ou de qualquer outra identidade de gênero que rompa com os padrões cisgêneros, de forma a entender a realidade e as condições específicas de cada um deles, além de analisar a relação entre suas demandas e a evasão escolar. Entretanto, durante o desenvolvimento do trabalho, optamos por não realizar mais as entrevistas. Isso ocorreu devido o tempo que necessitávamos para se aproximar adequadamente da população trans e estabelecer uma relação de confiança para que as entrevistas fossem realizadas. Além disso, mais uma vez, em função da pandemia, teríamos que estabelecer o contato de forma virtual e a população trans atendida no CEMCID tem dificuldade de acesso aos recursos tecnológicos. Desse modo, mais uma vez, optamos por modificar a estratégia metodológica e adequá-la ao que era possível no momento. 11 Considerando o tempo que tínhamos, terminamos optando por realizar um levantamento bibliográfico e documental, com materiais selecionados a partir da temática definida para a pesquisa, como teses de dissertação, monografias, blogs de divulgação científica, cartilhas etc. Os principais autores consultados durante o processo de desenvolvimento da pesquisa foram: Ferreira Junior (2010), Amorim (2018), Cisne e Santos (2018), Faccini (2010) e Silva Filho e Araújo (2017). Outra dificuldade que apareceu durante a realização da pesquisa foi no acesso aos dados referentes a educação no nível médio e aos índices de evasão não só em Natal como no Rio Grande do Norte como um todo. O blog de Claudia Santa Rosa, secretaria de educação do governo Robinson Faria (2015-2018) e alguns levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram algumas das poucas fontes de informação disponíveis sobre educação no estado. Vale ainda salientar, que os levantamentos do IBGE não tratavam exatamente das questões que o estudo busca responder. Para expor o estudo realizado esse trabalho se divide em 3 capítulos, dos quais o primeiro é essa introdução, que apresenta brevemente a temática, a justificativa do estudo, a metodologia de pesquisa e como os resultados serão apresentados. O segundo capítulo é dedicado a refletir sobre a educação. Para isso, parte do conceito de educação e de todo o contexto de surgimento da educação no país, partindo do Brasil Colônia (por volta de 1500) até o período da redemocratização (1985 – atualidade). Partimos da concepção da educação como um dos complexos que surge a partir do trabalho, processo humano de transformação da natureza e de si próprio. Apesar da educação ter um determinado proposito definido no momento de seu surgimento, dentro da sociabilidade capitalista ela assume outra forma, que será abordada durante o desenvolvimento do trabalho. No contexto brasileiro, o acesso à educação, sempre foi extremamente restrito e reservado quase sempre apenas para a elite. Partindo do Brasil Colônia, o estudo perpassa todos os grandes períodos que marcaram a históriado país, especificando o papel e a configuração da educação nesses contextos. No entanto, apesar da história do país possuir vários momentos distintos, a educação na grande maior parte do tempo se manteve elitista e estagnada em um modelo ultrapassado, mesmo depois de diversas mudanças propostas por governantes do país em diversos períodos da história. Partindo disso, analisamos que o processo de democratização do acesso ao ensino no país se intensifica durante os mandatos do Partido dos Trabalhadores (PT), que aconteceram entre 2003 e 2016. Isso se dá principalmente pela forte agenda de combate a pobreza e desigualdade que acontece nesse período, com o fomento de programas sociais já 12 existentes, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e criação de novos, como o Programa Universidade Para Todos (ProUni). Nesse cenário, nos deparamos com a problemática referente a evasão escolar, que já apresentava índices alarmante no país quando pensamos na questão como um todo – no nível médio, cerca de 24% dos alunos abandonam os estudos, sendo a terceira maior taxa de evasão entre os 100 países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) –. (SILVA FILHO, ARAÚJO, 2017). Esse processo se intensifica ainda mais quando fazemos o recorte para a população de pessoas trans e travestis. Por fim, ainda no segundo capítulo, apresentamos a evasão enquanto problema estrutural no Brasil e trazemos dados sobre o ensino médio público em Natal. No decorrer do terceiro capítulo, adentramos nas principais discussões referentes à temática LGBTQIA+ e mais particularmente da população Trans. Iniciamos introduzindo brevemente sobre quem é a população LGBTQIA+, como se dá a violência contra essa população no contexto da nossa sociedade heterocispatriarcal-racista-capitalista e um pouco sobre o processo de surgimento da organização do movimento LGBTQIA+, na medida em que fazemos os apontamentos e especificações que remetem ao recorte do estudo para a população trans. A população LGBTQIA+, em especial as pessoas trans e travestis, vem de um contexto de violência dentro da sociedade por fugirem do seu padrão cishetero. Com isso, o processo que leva a evasão escolar e existe no sistema educacional Brasil como um todo, atinge de forma mais violenta essa população, assim, os números que já eram altos, crescem. Como já apontado, o índice de evasão escolar no Brasil é de cerca de 24%, mas ao se tratar da população trans, esses números ultrapassam os 70%, o que fortalece a ideia de que pessoas trans e travestis possuem determinantes a mais que motivam sua evasão. A não utilização do nome social – tanto pelos professores quanto pelos colgas de classe – e a generificação dos banheiros são apenas algumas das violências enfrentadas por estes alunos. A experiência escolar se torna dolorosa, constrangedora e humilhante, o que se coloca como forte motivador para que abandonem os estudos. Ao mesmo tempo que passam por essas experiências no ambiente escolar, essa população vive outras questões no ambiente familiar e na sociedade como um todo. Isso acontece fortemente no período da adolescência, quando normalmente estão inseridos no ensino médio, pois na maioria das vezes é nesse momento que os estudantes começam a experienciar mais fortemente os impactos da expressão da diversidade sexual e de gênero, e 13 assim, caso essas expressões não sejam condizentes com os padrões cisheterossexistas postos pela sociedade, se iniciam as discriminações e conflitos familiares. A nível local e nacional, poucas medidas trabalham para combater a transfobia e, assim, garantir a permanência dessa população nas instituições de ensino. Para essas pessoas, a escola, que deveria ser um ambiente acolhedor e a esperança para melhores condições de vida, retoma aos seus moldes originários excludentes, reforçando a violência já vivenciada pela população trans e travesti. Nas considerações finais, enfim, retomamos brevemente todo o percurso realizado nesse trabalho, abordando de forma sucinta as discussões propostas no decorrer dos capítulos para apresentarmos as conclusões feitas a partir do que foi estudado. Concluímos, portanto, que o que acontece com essa população é um processo de expulsão que se disfarça como evasão escolar, sendo necessária uma mudança não só no sistema educacional, como também na sociedade enquanto um todo. Espera-se, portanto, que a partir desse estudo, seja possível contribuir com o trabalho do Serviço Social no Centro Municipal de Cidadania LGBT de Natal, por meio do conhecimento e análise acerca da realidade de vida de seus usuários e de suas demandas para o Serviço Social. 14 2 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL No decorrer do capítulo, serão feitas algumas aproximações teóricas que tratam dos conceitos iniciais de educação, perpassando pelo seu surgimento na humanidade e por sua função dentro da sociedade capitalista para em seguida entrar na contextualização histórica acerca da educação no Brasil, desde o período do Brasil colônia até a atualidade. No primeiro item, o enfoque da discussão é o surgimento da educação na história humana e o seu significado nessas primeiras comunidades. Depois, nos aproximaremos do conceito de educação que conhecemos hoje, e qual o significado social desse conceito no contexto organizacional da sociedade capitalista, finalizando com uma contextualização sobre o processo de luta da classe trabalhadora pelo acesso à educação no Brasil. No segundo item, será discutida a história da educação no Brasil, a partir de um resgate que parte do Brasil colônia até os dias atuais. O item se divide em sete subitens, que correspondem cada um a um marco histórico da educação no país, sendo eles: o Brasil Colônia (1500-1822); Brasil Império (1822-1889); República Velha (1889-1930); Era Vargas (1930-1945); Quarta República (1945-1964); Ditadura Militar (1964-1985) e Redemocratização (1985 – atualidade). Por fim, no terceiro item, serão feitas aproximações acerca da evasão escolar e suas principais causas. 2.1 EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITO SOCIAL: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES NO CONTEXTO CAPITALISTA Antes de iniciar qualquer discussão acerca da educação ou seus temas correlacionados, para entender o que é educação, o contexto de seu surgimento e qual a sua função, especialmente, na sociabilidade capitalista, é preciso fazer um breve resgate sobre o ser social. Utilizando-se de concepções lukacsianas, Lima (2021) explica, antes de tudo, que o ser social se origina a partir de um salto ontológico que impulsionará o seu desenvolvimento, sendo este salto resultado do processo de interação do ser humano com a natureza, visando atender as suas próprias necessidades de sobrevivência. Nesse processo o ser humano transforma a natureza, transforma o mundo a sua volta e nele ele próprio se transforma. Esse processo de transformação da natureza é o trabalho, ato fundante do ser social e por meio dele, surgem todos os complexos que são indissociáveis, dentre elas a educação. 15 Conforme Lima (2021), a educação, então, no seu momento de surgimento – anterior à gênese da sociedade de classes – pode ser entendida como um processo consciente de adequação aos acontecimentos, situações e ambientes aos quais o ser humano é submetido durante sua vida. Nesse sentido, a função social da educação na história humana é permitir que as gerações precedentes transmitam às novas gerações conhecimentos fundamentais para possibilitar sua sobrevivência em meio ao mundo, sendo realizada, inicialmente, de forma oral. Esse é o conceito de educação em seu sentido mais genérico. Nesse sentido, todas as atividades ativas e conscientes, que aproximam o ser humano cada vez mais da sociabilidade, o afasta da natureza, na medida em que estabelece cada vez mais mediações no seu processo de relação com a natureza. Contudo, ao mesmo tempoque se estabelece cada vez mais mediações entre o ser humano e a natureza, o ser humano nunca pode abolir totalmente a sua base ligada a ela, permanecendo, portanto, umbilicalmente e dialeticamente ligado a natureza e a vida social. Já a educação, como a conhecemos hoje, e que se torna escolarizada e formal tem sua gênese na sociedade de classes, e tem como função capacitar os indivíduos de forma a promover a reprodução social desta sociedade, inserindo-os no mercado de trabalho. À medida que se dá a consolidação da sociedade de classes, o desenvolvimento das forças produtivas e a complexificação da sociedade, se torna cada vez mais importante para as classes dominadas3, o acesso à educação formal e escolarizada, uma vez que sua inserção no mercado de trabalho passa a depender do acesso à tal forma de educação. Nesse sentido, a ascensão do capitalismo cria para a educação uma tendência à expansão. Tal expansão se dá por necessidade do próprio sistema capitalista, da burguesia e da própria complexificação da sociedade e, ao mesmo tempo e contraditoriamente, por necessidade também da classe trabalhadora que precisa encontrar formas de se inserir no mercado de trabalho para vender sua força de trabalho. Deste modo, a classe trabalhadora, passa a se organizar e lutar por acesso à educação formal, o que não quer dizer que a totalidade do conhecimento passa a ser acessado por todos, mas sim que mais pessoas da classe dominada tem acesso à educação com novos conteúdos rebaixados – ou seja, que não trabalham a criticidade da realidade, que não padronizam o conhecimento de maneira coletiva e que não estimulam a autonomia –, o que desqualifica o saber e traz uma educação limitada, desigual e alienante. (LIMA, 2021) 3 A partir do surgimento da sociedade de classes, a sociedade humana sempre estará dividida em 2 classes fundamentais: a dominante e a dominada. Na sociedade capitalista essa divisão se expressa na burguesia, proprietária dos meios de produção, e na classe trabalhadora, possuidora apenas de sua força de trabalho. 16 Portanto, entendemos que a sociabilidade capitalista imprime na educação um novo caráter totalmente voltado para o aumento de sua própria produção, como coloca Lima (2021, p. 63): Assim, o que se pode inferir é que a reprodução da totalidade capitalista produz e exige uma educação que não pode estar limitada à predominância daquela educação que se processa de forma frequentemente espontânea (informal). Esta expansão extensiva da educação do tipo formal para a qualificação profissional da classe trabalhadora não significa necessariamente maior expansão intensiva de conteúdos. Assim, a expansão da educação em sentido estrito, sobretudo para a classe trabalhadora é acompanhada de um rebaixamento da intensidade de conteúdos acessados, o que significa um acesso restrito da classe trabalhadora, pois ao capital interessa que seja oferecido à classe dominada apenas o necessário ao pleno desenvolvimento das forças produtivas indispensáveis à reprodução e valorização do capital, desconsiderando as necessidades de aprofundamento de conteúdos que possibilitem o desenvolvimento humano destes indivíduos. No Brasil, o acesso à educação escolar se dá através de um extenso contexto de luta e reivindicação advindo da classe trabalhadora. O processo se dá com o avanço da industrialização no país, que importa os modelos industriais dos maiores exponentes capitalistas mundiais, mas sem garantir aos trabalhadores as condições de vida e trabalho semelhantes, o que dá margem para a organização dos trabalhadores em prol da luta por melhorias em todos os aspectos, incluindo o acesso à educação. (CAMPOS, 1989) O acesso à educação nesse momento permanecia extremamente restrito e elitizado, de forma que apenas os membros da elite conseguiam estudar, enquanto o restante da população se mantinha analfabeta e impossibilitada de se educar. Em meio a esse processo de organização da classe trabalhadora, surgem as primeiras reivindicações de escolas para os filhos daqueles que não eram da elite, o que faz com que na década de 1920, sejam implementadas políticas educacionais que atuavam na ampliação do acesso às escolas públicas. Nas décadas seguintes, a organização dos trabalhadores ganha grande força, principalmente através dos sindicatos e associações de bairros. Nesse período, por volta de 1980, diversos congressos que propunham reflexões acerca da vida dos trabalhadores aconteceram, como o Congresso da Mulher Metalúrgica e dos Favelados da Região Metropolitana, o que aliados à aproximação político-partidária das classes populares com 17 alguns partidos do país, deu forte impulso no processo de luta por educação. (CAMPOS, 1989) Conforme Campos (1989, p. 163), “Sem luta não há escola”, o que explicita que a educação escolar é uma conquista árdua e cotidiana para a classe trabalhadora, e que apesar de avanços, ainda há muito a ser feito, porque não só é necessário garantir a democratização do acesso à educação, como também deve-se garantir a qualidade do ensino e possibilitar condições para a permanência de todos nas escolas. A fim de situar melhor o leitor acerca do processo de acesso da classe trabalhadora à educação no Brasil, a seguir, faremos um breve regaste histórico sobre esse processo de acesso ao longo dos anos na sociedade brasileira. 2.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM RESGATE HISTÓRICO DO BRASIL COLÔNIA ATÉ OS DIAS ATUAIS 2.2.1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO BRASIL COLÔNIA (1500-1822) O primeiro marco do processo de surgimento da educação brasileira se dá ainda no período do Brasil colonial4, com a chegada dos primeiros jesuítas, que tinham como missão “educar” e cristianizar os indígenas. Esse processo se inicia em 1549, a partir da carta que anuncia a chegada do Padre Manuel da Nóbrega no Brasil, mais precisamente na Bahia, para conduzir as primeiras ações de catequização comandadas pelos padres jesuítas no país. (WREGE, 1993) Os padres jesuítas em questão eram membros da Companhia de Jesus, instituição de ordem religiosa criada em 1534 por Inácio de Loiola. A principal função da Companhia de Jesus era catequizar e ensinar os costumes portugueses nas colônias dominadas pela Metrópole de Portugal, dando força ao catolicismo e indo contra o avanço da reforma protestante. (WREGE, 1993) Os Colégios de Meninos de Jesus – criados nos primeiros anos após a chegada dos jesuítas da Companhia no Brasil – uniam catequese católica e ensino, de forma a auxiliar no processo de conversão dos indígenas para a religião católica, se colocando contrária, portanto, aos costumes e religiões dos povos originários. Os filhos dos colonos também se adequavam a 4 Período em que o país foi colônia de Portugal. Iniciado efetivamente em 1534, a partir da expedição organizada pelo rei Dom João III e comandada por Martim Afonso de Sousa, com o objetivo de povoar o território brasileiro recém-descoberto, escravizar invasores e cultivar cana-de-açúcar. Teve fim em 1815, quando o Estado do Brasil é elevado para a condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. (FOGUEL, 2016) 18 esse tipo de educação para dar força e garantir a permanência da colonização portuguesa, o que conforme Wrege (1993, p.19) se relaciona com o atraso na chegada do ensino superior no país: A partir daí é que se explicou a não criação imediata do ensino superior no Brasil, mesmo com a insistência de Nóbrega em cria-lo para a formação de padres, por estarem em falta. No entanto, o motivo principal da sua não criação residia na falta de condições de manutenção do ensino superior porque o rei de Portugal enviava aos padres apenas alimentos, ferro para a sua comercialização na Colônia, vacas, escravos negros, condições tidas como insuficientes pelos padres. Nesse contexto, surgem as casas de ensino e colégios do país. As casas erammajoritariamente para índios, eram de menor porte e diretamente ligadas a um colégio, ensinavam a doutrina cristã e a escrita/leitura da língua portuguesa, mas, em alguns casos, ensinavam os primeiros elementos do latim. Já os colégios, além de ensinar tais elementos das casas de ensino, também tinham estudos secundários e superiores para os filhos de colonos e meninos órfãos vindos de Portugal. (WREGE, 1993) Em todo o Brasil as casas de ensino e colégios davam conta do ensino rudimentar (como ler, escrever e contar), pois eram as únicas instituições de ensino no país. Nos dois séculos seguintes se deu a expansão do ensino em toda a colônia brasileira, com o crescimento do ensino de humanidades (no qual encaixava-se o latim ensinado nas casas), filosofia e teologia. Com esse contexto, podemos entender que a educação do país se fundou de forma eminentemente religiosa até a expulsão dos missionários que acontece no século XVIII. É em meio a um fortalecimento do absolutismo dos reis e as acusações feitas contra os jesuítas de serem participantes ativos de um atentado contra o Marquês de Pombal no ano de 1758 que se dá a expulsão dos jesuítas do Brasil. Além disso, essa expulsou aconteceu porque a pedagogia dos jesuítas não estava mais dando conta dos avanços que ocorriam na sociedade e da “modernização” apregoada pela elite. A população, no momento, se manifestou a favor dos jesuítas, uma vez que perderiam seus Colégios com a saída deles do país, o que de fato aconteceu no ano seguinte a expulsão, com o Alvará Régio, que extinguia todas as escolas que bebiam do método jesuíta. Durante os quase dois séculos de predominância da educação jesuítica no país, a educação perdeu seu caráter primário de instrumento catequisador para os índios e passou também a ser um instrumento de formação e dominação para a elite do país. (SAVIANI, 2010) 19 Com a expulsão dos jesuítas, surgem as reformas pombalinas5, que não alteraram propriamente o modelo de educação existente no país, pois apesar da extinção das escolas jesuítas, ainda eram ensinados os mesmos conhecimentos no que agora passam a chamar de aulas régias. De acordo com Ferreira Junior (2010, p. 28) um dos principais motivos para tal é a própria expulsão dos jesuítas, que eram, basicamente, os professores do país, o que faz com que restem somente o clero que apostolava no Brasil (chamados de padres-mestres) e os membros da aristocracia agrária que tinham sido educados nos colégios jesuítas. Apesar da aparência de avanço do processo de educação no país que se deu com a extinção da educação jesuítica, a educação se mantém como um privilégio para as elites, pois além da população ser formada por escravos, o trabalho do país era em sua maior parte realizado no campo, não necessitando de mão de obra qualificada ou letrada e, não interessando, portanto, à classe dominante a qualificação da população, desse modo, nesse período a população é quase que inteiramente analfabeta. Nesse momento, era a partir da educação e escolarização que a elite agrária e escravocrata deveria realizar a manutenção do seu poder. (FERREIRA JUNIOR, 2010) Será em 1808, por ocasião da vinda da família Real para o Brasil, que se darão as primeiras medidas de implantação do ensino superior no pais, com o objetivo de instruir, principalmente, a elite portuguesa que chegava ao Brasil, mas tal medida também propiciou a educação da elite brasileira. Nesse ano são criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia, em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia) e de Anatomia e Cirurgia no Rio de Janeiro (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Academia de Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos mais tarde, em 1810, é fundada a Academia Real Militar, que se transformou em Escola Central, depois Escola Politécnica, hoje Escola Nacional de Engenharia da UFRJ. Em 1814, é criado o curso de Agricultura e, em 1816, a Real Academia de Pintura e Escultura. (SAMPAIO, s/d, p.2). Podemos entender que a educação no Brasil seguiu direcionada a elite em geral, com predomínio de seu modelo de caráter religioso, indo na contramão do processo que acontecia no restante do mundo. Recorde-se que, no século XVIII, o mundo passava por tremendas 5 As reformas pombalinas foram reformas de cunho educacional implementadas no Brasil pelo Marquês de Pombal entre 1750 e 1777 com o objetivo de alterar a educação do país, que até o momento era unicamente jesuítica, e fortalecer o poder de Portugal. (FERREIRA JUNIOR, 2010) 20 transformações econômicas, sociais e políticas, com a consolidação do sistema capitalista no mundo ocidental, que, nas palavras de Marx, solapou e destruiu o velho mundo. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. [...] A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os meios de produção e, com isso, todas as relações sociais. [...] Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. [...] Tudo o que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado. [...] Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar em toda a parte, criar vínculos em toda parte. [...] desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto a produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas. (MARX; ENGELS, s/d, p. 23, 24, 25). Desse modo, todo esse conjunto de transformações refletia-se também nos modelos e teorias educacionais que apostavam na necessidade de uma melhor formação e instrução desde a infância, a exemplo, das teorias de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)6. Contudo, nesse período, o Brasil ainda estava muito longe dessas discussões e inovações. Será preciso esperar um pouco mais até os trabalhadores em geral e os trabalhadores da educação organizarem um movimento de reivindicação de acesso à educação pública e de qualidade no país. 2.2.2 EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO (1822-1889) Em 1822 se inicia o processo de ruptura do Brasil enquanto colônia de Portugal, mas, apesar de agora independente, o Brasil ainda continua com seu modelo de produção escravista e sua economia agrária, enquanto o resto do mundo avançava para a era industrial-capitalista (FERREIRA JUNIOR, 2010) No ano de 1824, é outorgada a primeira Constituição Imperial, onde constava no Art. 179, inciso XXXII, que “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. No entanto, os 6 Em 1762, Rousseau escreveu seu famoso livro Emílio ou Da Educação, que até hoje é referência no âmbito da pedagogia. 21 cidadãos considerados brasileiros para a constituição eram, conforme o art. 6º (BRASIL, 1824): São Cidadãos Brazileiros I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II. Os filhos de pai Brazileiro, e os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio. III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em serviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil. IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia. V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas,para se obter Carta de naturalisação. Ou seja, os escravos – que constituíam boa parte da população do país – não eram considerados cidadãos, o que restringia o acesso à educação, em linhas gerais, para os filhos dos aristocratas agrários e de outras pessoas vinculadas à monarquia. Nos anos seguintes, a partir do Ato Adicional de 18347, o governo transfere para as províncias o dever de criar as escolas e garantir a educação para os brasileiros, o que de acordo com Ferreira Junior (2010), causou o seguinte efeito: o poder central do Império ditava a política educacional do ponto de vista pedagógico, enquanto desobrigava-se do seu financiamento. O não financiamento inviabiliza o funcionamento do ensino elementar nas pequenas províncias e naquelas que não eram produtoras de cana-de-açúcar, ouro ou café, que eram as províncias mais desenvolvidas. O método de ensino que vigorava nas escolas de primeiras letras que são criadas pelo Império era o de ensino “mútuo”, também chamado de monitorial ou lancasteriano. Tal método – que se pautava na utilização dos alunos mais avançados como monitores para ensinar seus colegas – vinha conquistando espaço por todo o continente americano durante a primeira metade do século XIX, principalmente por ser prático e de baixo custo. (FERREIRA JUNIOR, 2010) 7 Esse Ato comprometeu por mais de 150 anos o futuro da educação diante das inúmeras dificuldades financeiras, haja vista, não ter qualquer ação mais ampla por parte da União e por descentralizar a responsabilidade da educação (de criar e manter as escolas) para os estados e municípios. 22 O método lancasteriano foi criado para instruir um alto número de alunos com poucos professores e, portanto, não se adequava a realidade brasileira, pois apesar de haver poucos professores, também não havia muitos alunos. Desse modo, o método representava o que de mais moderno havia na época, porém os resultados de sua utilização no Brasil ficaram muito aquém do esperado, principalmente pela ausência de professores habilitados, pela falta de estrutura adequada e em função do baixo número de alunos que frequentavam a escola pública no Brasil. Ao mesmo tempo, haviam as críticas a real capacidade dos monitores, que se limitam a mera reprodução de fórmula e transmissão de conteúdos recentemente aprendidos, sem a maturidade adequada para o ensino. É nesse período que foi criada a primeira lei da educação brasileira (em 15/10/1827), a qual estabelece a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do império, contudo, tal lei não foi implementada devido a situação de guerra e questões econômicas deficitárias. Outro marco importante para a história da educação brasileira que aconteceu no período do Brasil Império foi a criação do Colégio D. Pedro II, em 1837, que foi a única instituição da época que concedia o diploma de bacharel no ensino médio, pré-requisito para ingressar nos cursos superiores de Direito e Medicina. Os cursos de direito possuíam uma grade curricular pautada no controle ideológico em função da sustentação da monarquia, sendo considerados fortes instrumentos de reprodução do status quo do Brasil. (FERREIRA JUNIOR, 2010) 2.2.3 EDUCAÇÃO NO PERÍODO DA REPÚBLICA VELHA (1889-1930) A partir das mudanças que acontecem na sociedade com o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre resultante da abolição da escravidão no Brasil em 1888, novas reformas educacionais acontecem. É nesse contexto que surgem duas novas escolas, sendo elas as Escolas Normais e os Grupos Escolares. A primeira visava formar professores, enquanto a segunda tinha como propósito ensinar os cidadãos da república conhecimentos como ler, escrever, ciências, história e geografia. (FERREIRA JUNIOR, 2010) Nos Grupos Escolares já existia o modelo atualmente conhecido por nós de divisão do ensino em séries anuais e é nos grupos que se inicia o processo de laicização do ensino 23 público, o que impedia a igreja de influenciar diretamente na educação, conforme garantido no parágrafo 6º do Artigo 72 da Constituição de 18918. (BRASIL, 1891) O método que nesse momento surge fortemente no Brasil é o de ensino-aprendizagem, defendendo que o aluno interagisse diretamente com o objeto de sua aprendizagem. No entanto, o que prevalece na educação local é a reprodução do método mais antigo, pautado na memorização do conhecimento. (FERREIRA JUNIOR, 2010) Apesar das mudanças importantes tais quais a laicização do ensino e os novos modelos de educação chegando ao país, podemos identificar que as bases da educação no Brasil e o seu caráter elitista excludente, herdados dos séculos passados, novamente, se mantêm intactos. Os estados mais pobres também ainda se viam em situação de descaso, enquanto os estados com maior investimento, como São Paulo, se destacavam no ensino. Com o fortalecimento do modelo de produção capitalista no Brasil, a partir dos anos 30 do século XX, quando o Brasil abandona o modelo agrário-exportador e assume o modelo urbano-industrial, se dá a aceleração do crescimento dos centros urbanos. Ao mesmo tempo, as condições de vida e trabalho faz com que se intensifiquem as lutas políticas e a organização sindical, fortemente influenciadas pelas vertentes anarquistas e comunistas trazidas para o Brasil pela mão de obra migrante europeia, cuja chegada se deu a partir do fim da escravidão no país9. Ferreira Junior (2010) explica que a falta de educação, era o principal problema que estancava o processo de avanço e progresso do país, o que impulsiona a incorporação das camadas populares ao ensino e cria associações como a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo (LBCA), que surge em 1915 e teve sede em vários estados do Brasil e a Associação Brasileira de Educação (ABE) que é fundada em 1924. A LBCA surge em abril de 1915, visando o combate ao analfabetismo no Brasil sob o lema “Combater o analfabetismo é dever de honra de todos os brasileiros.”. A atuação da Liga foi pensada para acontecer junto aos demais poderes e buscando comover o restante da sociedade para comemorar o centenário da independência com um país livre do analfabetismo. (NOFUENTES, 2008) 8 A constituição de 1891 era baseado nas ideias positivistas e liberais, portanto, propunha a separação Igreja- Estado, com a defesa da laicização da educação. 9 O governo brasileiro, por ocasião do fim da escravidão e da Proclamação da República, baseado em ideias higienistas da época, vai incentivar a imigração de trabalhadores e trabalhadoras europeus/ias, com vistas a modernizar o país e a torná-lo também “branco” (e assim, consequentemente, conforme as ideias higienistas, o país se tornaria melhor e mais desenvolvido, pois tudo era uma questão de raça). Essa política ficou conhecida como política de embranquecimento da população. 24 Já a ABE, sediada no Rio de Janeiro, era uma sociedade de adesão voluntária para todos que se interessavam pela educação, tais quais professores, jornalistas e intelectuais. Se manifestavam principalmente por meio de publicações, pesquisas e conferências, pautando temáticas como a da uniformização do ensino primário e criação de escolas. (FERREIRA JUNIOR, 2010) Dentro desse contexto de reivindicações e organização política e sindical, as elites que governavam o Brasil se aliam à Igreja Católica em um movimento que buscava frear o avanço dos movimentos de ordem política crescentes no país, o que dá fim ao preceito de laicidade das escolas públicas que vingava desde a constituição de 1891. (FERREIRA JUNIOR, 2010) A revolução de 1930 põe fim ao período chamado de República Velha a partir do fim da hegemonia da Política do Café com Leite10 e pode ser considerado um marco no início da transição brasileira do modelo de produção capitalista agrário-exportador para o modelo urbano-industrial. 2.2.4ERA VARGAS (1930-1945) O período conhecido como Era Vargas teve seu início em 1930 com a crise que dá fim a República Velha e o início do Governo Provisório de Getúlio Vargas. Historicamente, podemos dividi-la em três momentos: Governo Provisório (1930-1934); Governo Constitucional (1934-1937) e Estado Novo (1937-1945). Com as crises que afetavam o modelo agrário-exportador brasileiro, que tinha seu sustentáculo na cultura cafeeira, os sistemas políticos e econômicos do país já davam os seus primeiros sinais de esgotamento (SOUZA, 2010), e com a posse de Vargas, se inicia uma nova fase no país, com o impulsionamento do processo de transição para o modelo capitalista urbano-industrial. Durante seu governo provisório podemos destacar como marcos para a educação a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública11 (1930) e a Reforma Francisco Campos12 (1931). Ferreira Junior (2010) explica que essas e outras medidas, visavam fortalecer o Estado 10 Política que propunha o controle do país, por meio da chegada ao cargo da presidência da República, sendo realizado pelas oligarquias paulistas e mineiras em um regime de revezamento na presidência do país. 11 É a instituição, que deu origem ao atual Ministério da Educação. Desenvolvia atividades de setores como saúde, esporte e educação. Anterior a sua criação, os assuntos referentes à educação eram tratados pelo Departamento Nacional de Ensino, que se ligava diretamente ao ministério da justiça. 12 Política educacional implementada no primeiro momento do governo de Getúlio Vargas que se materializou a partir de medidas como a criação do Conselho Nacional de Educação e a organização do ensino secundário e da Universidade do Rio de Janeiro. 25 nacional com aparelhos administrativos e econômicos que servissem de instrumentos políticos para as transformações modernizadoras que ocorriam no país. Tais medidas fazem parte do processo de democratização do acesso ao ensino que se inicia junto ao governo populista13 de Getúlio Vargas, onde o país dará seus maiores passos em direção ao processo de construção de uma política de assistência estudantil, que terá papel fundamental na universalização do acesso à educação no país. (IMPERATORI, 2017) É a partir da Reforma Francisco Campos que se dá a instituição da Lei Orgânica do Ensino Superior, que acontece por meio do decreto de n. 19.851/1931. Era a Lei que dispunha sobre a organização do ensino superior, adotando agora o regime universitário e é com ela que surgem as primeiras medidas que visavam beneficiar o corpo discente do país, a partir da concessão de bolsas de estudos para os estudantes universitários mais pobres. Com o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova14”, que acontece no ano seguinte (em 1932), essas medidas ganham mais força, visto que o grupo de educadores renomados que propõem o manifesto reivindicavam e defendiam a existência de um ensino unificado, público, laico, obrigatório e gratuito. (IGNÁCIO, 2012). É a partir desse manifesto que se desperta a consciência nacional para a importância da educação, e nesse contexto surge a primeira geração de grandes educadores: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. O cenário no momento intensifica o conflito entre liberais e católicos pela hegemonia da educação brasileira, com os primeiros defendendo a educação laica e pública e os segundos defendendo o ensino religioso, subsidiado pelo Estado. De todo modo, os dois grupos mantinham-se nos limites da educação nos moldes da sociedade capitalista, com vistas ao acesso dos trabalhadores à educação para inserção no mercado do trabalho. O contexto mundial era de polarização entre o capitalismo anticomunista da Alemanha Nazista contra o comunismo anticapitalista que ganha força com a Revolução Russa. No Brasil, com apoio da Igreja Católica, as forças progressistas como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) – criado no Brasil em 1922 - realizam o levante comunista de 1935, o que resulta na aliança do presidente Vargas com os fascistas e no seu conseguinte golpe de 13 O populismo é um fenômeno político que através de um líder carismático tenta se aproximar do povo, dando certa importância para suas demandas, de forma a conquistar sua confiança e exercer uma hegemonia “legitimada” para a modernização do país. (CAPELATO, 2013) 14 Esse manifesto foi assinado por integrantes do movimento Escola Nova (ou Escolanovismo). O Escolanovismo é um movimento expressivo de educadores brasileiros que discutia novas ideias e práticas pedagógicas para as escolas da época, trazendo para a centralidade a função socializadora da escola, questões individuais referentes ao processo de aprendizado dos alunos e colocando a educação como mecanismo para combater as desigualdades sociais. (CAMPOS; SHIROMA, 2019). 26 Estado, instaurando a ditadura varguista do Estado Novo, que durou de 1937 até 1945. (FERREIRA JUNIOR, 2010) O novo modelo econômico adotado pelo Brasil chega com novas exigências educacionais, buscando uma mão de obra especializada para trabalhar nos centros urbanos, o que cria a necessidade – agora, para o capital – que a população tenha acesso rápido a educação. Para atender essa demanda surge, nos anos 40 do século XX, o Sistema S, conjunto de instituições patronais como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) que visavam o treinamento de mão de obra para a indústria e o comércio em desenvolvimento no país. (IGNÁCIO, 2010) Outro fator determinante para a expansão do ensino brasileiro foi o cunho populista do governo varguista, que atendia algumas das reinvindicações do povo, criando uma relação de dominação e obediência, garantindo apoio da população e freando parte da forte mobilização sindical que vinha se fortalecendo no país com medidas como a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que regulamentava e controlava a atuação sindical. 2.2.5 EDUCAÇÃO NA QUARTA REPÚBLICA (1945-1964) Esse período se inicia após a deposição de Getúlio Vargas que é causada pela derrota mundial do nazifascismo, que contava com seu apoio. É convocada então uma Assembleia Nacional Constituinte em fevereiro de 1946, de forma a reestabelecer o Estado democrático de direito. Com a promulgação da Carta de 1946, a União inicia o processo de legislação para as diretrizes e bases da educação Nacional. No entanto, a aprovação de seu texto sofreu grande atraso em função da disputa entre escolas públicas (laicas) e escolas privadas que tinham caráter religioso. Tal disputa se estendeu por anos, o que desencadeou a mobilização dos defensores das escolas públicas laicas para a “Campanha em Defesa da Escola Pública”, que resultou na publicação de um novo manifesto dos educadores, dessa vez o “Manifesto dos Educadores: mais uma vez convocados”. (FERREIRA JUNIOR, 2010) Somente em 1961 a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é aprovada no Brasil. O que de acordo com a análise de um dos mais importantes protagonistas da disputa ideológica entre a educação e a igreja, Anísio Teixeira, significou que: 27 Não se pode dizer que a Lei de Diretrizes e Bases, ora aprovada pelo Congresso, seja uma lei à altura das circunstâncias em que se acha o país em sua evolução para constituir-se a grande nação moderna que todos esperamos. Se isto não é, não deixa, por outro lado, de ser um retrato das perplexidades e contradições em que nos lança esse próprio desenvolvimento do Brasil. Afinal, é na escola que se trava a última batalha contra as resistências de um país à mudança (TEIXEIRA, 1962, p. 222). Por sua vez, Florestan Fernandes, outro dos protagonistas dessa disputa, coloca que: [...] os resultados da nossa análise não comportam nenhuma complacência em relação ao projeto de lei sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ACâmara Federal deu sua aprovação a uma peça monstruosa. Podemos avaliá-la em três planos: 1º) técnico, quanto às questões de ensino; 2º) administrativo, quanto à administração e à direção do sistema nacional de ensino; 3º) político, quanto à orientação seguida pelo Estado republicano no incentivo e na difusão do ensino. Os três planos se interpenetram de tal forma, que tivemos de examiná-los conjuntamente, por várias vezes, na apreciação de questões distintas. Todavia, em cada passo se estabelecia e repetia a mesma evidência: o projeto de lei é insustentável, porque padece de falhas substanciais e insanáveis em todos os planos (FERNANDES, 1960, p. 303-304 apud FERREIRA JUNIOR, 2010, p. 90). O que em linhas gerais, quis dizer que ambos concordaram que a LDB não era suficiente para lidar com as problemáticas existentes no modelo educacional brasileiro, que como pudemos analisar ao longo da discussão, datam de séculos atrás. Ou seja, o ensino continuava elitista, excludente e não dava conta de atingir as crianças, no mesmo passo em que os assuntos ensinados não exprimiam a realidade vivenciada pela sociedade brasileira. É importante ressaltar ainda o Plano Nacional de Educação, de Anísio Teixeira, em 1962, pretendia operacionalizar os 3 fundos que a LDB de 1961 (Lei 4024) havia criado. Era um Plano que pretendia aliar a educação a um esforço nacional de desenvolvimento. Contudo, diante do Golpe Militar de 1964, esse primeiro Plano de Educação não foi adiante. Vale salientar ainda que entre todo o contexto de embate acerca da educação que se formou no período e que se estendeu até o golpe militar de 1964, foram vários os momentos de explicitação das divergências políticas no país, que vão desde o suicídio de Getúlio Vargas (1954) até momentos como a posse presidencial de Juscelino Kubitschek (1955) e a renúncia de Jânio Quadros (1961). 2.2.6 EDUCAÇÃO NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR (1964-1985) 28 O golpe militar que instaurou a ditadura civil-militar no país aconteceu no dia 31 de março de 1964. Se deu a partir de uma aliança entre as elites e os militares que não eram a favor do processo nacionalista e populista que era vigente no país desde a Era Vargas. A política autoritária adotada pelos militares nesse momento levava à aceleração do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, ao mesmo tempo em que freava os avanços conquistados pelas reivindicações dos trabalhadores, principalmente a partir dos anos 60 do século XX. Os anos 60 no Brasil também são palco de grandes iniciativas no âmbito da educação como a educação pelo rádio, o método Paulo Freire e a campanha de Pé no Chão também se aprende a ler15. Durante o regime militar foram implementadas reformas educacionais que não só reformaram a universidade como também estabeleceram as Escolas de 1º e 2º graus, com o objetivo principal de aumentar a eficiência dos trabalhadores “produzidos” pelas universidades e alavancar o crescimento do país. Ferreira Junior (2010) explica que parte das medidas incorporadas nesse período, no que tange a educação, eram demandas reivindicadas pela população no período pré ditatorial, mas aplicadas agora de forma autoritária, ligando diretamente a educação com a concepção técnica defendida pelos militares e com a iniciativa privada. Uma das principais forças de oposição ao regime ditatorial brasileiro foi o movimento estudantil. Aliado às forças de esquerda do país e em uma conjuntura internacional que reforçava o radicalismo político dos estudantes, participaram fortemente da luta armada contra a ditadura, especialmente após o Ato Inconstitucional 5, que cassou as liberdades individuais e fortaleceu o contexto ditatorial no país. (FERREIRA JUNIOR, 2010) Foi esse contexto, somado ao crescimento da população no país – que salta de 41 milhões para 70 milhões de habitantes no intervalo pré-ditadura entre 1940 e 1960, – que pavimentou o caminho para a rápida expansão do ensino superior brasileiro. Já em 1960, o número de universitários presentes no país era de 95.691, distribuídos entre a rede pública e privada, saltando para cerca de 1,4 milhão de alunos em 1980 (BORTOLANZA, 2017). 15 Importantes iniciativas se dão em todo o país. O educador Paulo Freire (1921-1997) torna-se referência na área de educação com a sua contribuição ao movimento de Pedagogia Crítica e, particularmente, na área de alfabetização com a criação do seu método. Em Natal, nos anos 60, se dá o projeto “De pé no chão também se aprende a ler”. Já no Rio Grande do Norte, funcionou pioneiramente na cidade de Angicos, o projeto de alfabetização pelo método “Paulo Freire” sendo aplicado também em Natal, pelo período de um ano, em 1963. (Cf. GERMANO, 1989). Todas essas experiências foram liquidadas com a instauração da ditadura civil- militar. 29 Foi nesse período, também, que em 1964 é instituído o salário educação e, em 1968, foi criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para ser um órgão de execução de políticas públicas educacionais. Portanto, tal expansão do ensino e, consequentemente, das vagas disponíveis, abre cada vez mais espaço para a inserção da população de classe trabalhadora mais empobrecida nesses espaços. É importante analisar também que apesar do momento de forte expansão da educação, fruto dos projetos desenvolvimentistas internacionalistas dos governos militares, o curso da ditadura militar no país não atua diretamente na universalização do acesso à educação, uma vez que freia o avanço da assistência estudantil, peça fundamental nesse processo. Do mesmo modo, o acesso à universidade por meio do Vestibular funcionava como um grande filtro que dificultava o acesso da classe mais empobrecida ao ensino superior. 2.2.7 A EDUCAÇÃO NO BRASIL PÓS REDEMOCRATIZAÇÃO (1985 - ATUALIDADE): AVANÇOS E RETROCESSOS O novo e último período da história brasileira se inicia com o fim da ditadura militar em 1985 e a promulgação da Constituição Federal de 1988. É nesses termos que se inicia o processo de redemocratização do Brasil, que reflete diretamente no acesso à educação no país. Portanto, como explicita Minto (2014, p. 253): [...] a CF/1988 trouxe ganhos importantes em diversos aspectos. O primeiro deles é o que trata do Direito à Educação, que reafirmou a precedência do Estado no dever de promover o ensino (Art. 205); além disso, ampliou-se o significado e a extensão desse direito, inscrito a partir de então como direito social (Art. 6º). Um segundo refere-se à maior extensão e maior explicitação da gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais (Art. 206). Somados aos anteriores, um terceiro avanço verificou-se na maior abrangência da obrigatoriedade do ensino, a partir de então também estendida para os que não conseguiam se escolarizar na idade considerada adequada (Art. 208), bem como foi prevista a possibilidade de garantir condições de permanência no sistema de ensino. Apesar dos avanços que a Constituição de 1988 traz, nesse momento, ainda está longe de ser ideal e de seguir à risca as propostas da própria Constituição. As vagas ofertadas às classes populares ainda eram poucas, principalmente no que diz respeito ao ensino superior. Dentre os avanços da Constituição que dispôs os princípios da educação no país, podemos 30 destacar: o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais do ensino com piso salarial profissional; a gestão democrática e padrões de qualidade; o regime de colaboração e a vinculação de recursos. Em 1990, dois anos após a promulgação da Constituição, o Brasil registra uma forte intervenção internacional, à medida em que a nova ordem do capital vigente põe novas demandas para a educação. Em março do mesmo ano acontece a “Conferência Mundial Sobre Educação para Todos”, que tinha como seu principal eixo orientador a ideia de satisfazer asnecessidades básicas de aprendizagem da população, onde o Brasil, que possuía uma das maiores taxas de analfabetismo do mundo, foi posto em posição de desenvolver ações que impulsionassem as políticas educacionais não só na escola, como também na família, na comunidade etc. (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003) O contexto político vivenciado pelo Brasil no momento é de início do governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992), até o momento de seu impeachment, quando Itamar Franco (1992-1995), assume o cargo. É então com o fim do mandato de Itamar Franco que Fernando Henrique Cardoso (FHC) chega ao poder (1995-2003), e, como explicam Frigotto e Ciavatta (2003), seu governo é considerado um momento de retrocesso para o país, com uma forte onda de privatização do setor estatal brasileiro, apostando na entrada de capital externo no país. As políticas do governo FHC eram fortemente ligadas ao neoliberalismo, com o objetivo de tornar o Brasil um local seguro para entrada de capital estrangeiro. No que tange a educação, o que vigorou no momento foi uma educação voltada para a ideologia de mercado, ajustando a educação escolar – que já servia para a manutenção do capital – para atender às demandas postas pela nova forma da divisão internacional do trabalho. A partir da Lei nº 9.394 de 199616 é criada a nova Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece os parâmetros que dão suporte para a garantia de uma educação de qualidade e para a formação integral dos indivíduos, que se daria com a descentralização da educação e a inserção das camadas populares nas escolas. (BRASIL, 1996). Contudo, no Brasil, entre o que estabelece a lei e sua efetividade, geralmente, há uma longa distância, o que significou que não houve de fato garantia de educação de qualidade nem tampouco a inserção de camadas populares nas escolas. 16 Essa Lei reforçou a importância do Plano Nacional de Educação e do FUNDEF; fortaleceu o regime de cooperação entre os entes federados; obrigou que todas as escolas criassem o seu projeto pedagógico, a fim de recuperar e acelerar os estudos; estabeleceu o custo mínimo por aluno para assegurar a qualidade da educação. 31 Poucos anos depois, em 2001, FHC lança o Plano Nacional de Educação (PNE) para substituir o Plano Nacional da Educação da Sociedade Brasileira. A política do novo plano isentou parcialmente o Estado da responsabilidade de desenvolver e promover a manutenção do ensino, a partir de medidas como o incentivo ao envolvimento de organizações não governamentais e das comunidades onde as escolas funcionavam. Outro momento marcante do governo FHC é o fortalecimento da educação tecnológica, que emerge das reformas realizadas no país com um ideário liberal e mercantilista a partir do resgate do dualismo na educação: a separação entre educação média e técnica. Com isso, surgem os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), em um processo que objetivava a oferta da educação profissional em quatro níveis: médio, básico, técnico e tecnológico. (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003) Assim entendemos, portanto, que seu governo pautava a melhoria da economia a qualquer custo, e a educação nesse momento sofre fortes alterações com o objetivo principal de aumentar a produtividade a partir da preparação direta para o mercado de trabalho, com o ensino tecnológico que ganha grande força. Com o fim do mandato de FHC se inicia o período no qual o país será governado por 4 mandatos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Os dois primeiros são de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), entre 2003 e 2010. Em seu governo, Lula, situava a população mais pobre no centro das propostas, que incluíam a redução da pobreza e da desigualdade social, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, responde as demandas do capital nacional e estrangeiro. Com isso, se iniciou uma onda de democratização do acesso à educação como um todo, que se deu a partir da descentralização da gestão educacional e outras medidas como a criação do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica17 com a publicação da Lei nº 11.892/2008. (OLIVEIRA; GONÇALVES JUNIOR, 2015) Os programas sociais que surgem no governo de Lula eram em sua maioria assistenciais ou compensatórios, tendo como foco a população mais pobre. Já no seu primeiro ano de mandato (2003), as pesquisas do IBGE mostram que a taxa de miséria no país caiu 8% quando comparadas com as taxas do ano anterior. (OLIVEIRA, 2009) 17 O Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica é responsável pela instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 214 novas unidades foram criadas durante os dois mandatos de Lula, com uma proposta de interiorização da rede para Estados e municípios que ainda não possuíam unidades dos Institutos Federais. (OLIVEIRA; GONÇALVES JUNIOR, 2015) 32 Em meio a esse período de grande fomento aos programas sociais, é criado o Programa Universidade Para Todos (ProUni), regulamentado pela Lei nº 11.096/2005, que concede bolsas parciais e integrais a pessoas de baixa renda, de forma a garantir seu acesso em instituições privadas de ensino superior. Lula atua também ampliando o já existente Fundo de Financiamento Estudantil (Fies),18 aumentando o limite de financiamento disponível para os alunos. Outro marco em seu governo é a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)19, que a partir de parcerias com os governos locais dos estados e cidades, atuava diretamente na melhoria da qualidade da educação do país e buscava atingir o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)20 nota 6, que era a nota atingida pelos países desenvolvidos do resto do mundo. (OLIVEIRA, 2009). As medidas implementadas na educação pelos governos do PT apresentaram duas características principais: por um lado facilitaram o acesso da classe trabalhadora à educação em todos os níveis e principalmente à educação superior, por meio de diferentes programas; por outro lado, por meio desses mesmos programas, beneficiam enormemente o capital, por meio do incentivo ao ensino privado no país. A educação privada no país, assim, cresceu enormemente no período dos governos do PT. O Brasil fez significativos avanços no processo de combate à pobreza e desigualdade social, o que também se reflete positivamente no processo de democratização do acesso à educação no país, com grande força principalmente para o ensino superior – que nesse momento ganha grande fomento, principalmente com a influência do alto número de vagas do PROUNI e com a criação de novas universidades federais por todo o país. Ao mesmo tempo também cresce o incentivo à educação à distância, ao aligeiramento em geral nos processos de formação, com perda significativa na qualidade da educação ofertada. O atrelamento da educação ao mercado, como era de se esperar, termina trazendo o incentivo exacerbado a produtividade e a necessidade de diminuição do tempo de formação, com evidente rebaixamento da qualidade do ensino em todos os níveis. 18 O Fundo de Financiamento Estudantil é um programa do Ministério da Educação, instituído pela Lei nº 10.260 de 12 de julho de 2001. Seu objetivo é de financiar cursos superiores não gratuitos para estudantes. (MEC, 2020) 19 O Plano de Desenvolvimento da Educação se constituiu pela união de dezenas de programas educacionais com o objetivo de melhorar a qualidade da educação no país em todos os níveis. As ações do plano tentavam identificar e solucionar problemas que afetassem a educação, atuando também no combate de problemáticas sociais, com diversos programas que se distribuíam por toda a área de educação. 20 O índice de Desenvolvimento da Educação Básica foi criado no ano de 2007 e tinha como objetivo medir a qualidade da educação brasileira, mostrando as condições