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LEONARDO DE FREITAS SINDEAUX UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO LEONARDO DE FREITAS SINDEAUX PASSEIO DOS CAJUS: Proposta de parque linear e corredor ecológico para o bairro de Capim Macio, Natal/RN Natal/RN 2022.2 LEONARDO DE FREITAS SINDEAUX PASSEIO DOS CAJUS: Proposta de parque linear e corredor ecológico para o bairro de Capim Macio, Natal/RN Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no semestre 2022.2, como requisito para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. Orientadora: Anna Rachel Baracho Eduardo Julianelli Natal/RN 2022 Esta obra está licenciada com uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Permite que outros distribuam, remixem, adaptem e desenvolvam seu trabalho, mesmo comercialmente, desde que creditem a você pela criação original. Link dessa licença: creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode LEONARDO DE FREITAS SINDEAUX PASSEIO DOS CAJUS: Proposta de parque linear e corredor ecológico para o bairro de Capim Macio, Natal/RN Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no semestre 2022.2, como requisito para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. Aprovada em: 12/12/2022 BANCA EXAMINADORA Profa. Anna Rachel Baracho Eduardo Julianelli Orientador(a) Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof Hélio Takashi Maciel de Farias Membro interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte Profa. Adriana Carla de Azevedo Borba Membro externo Universidade Federal de Pernambuco AGRADECIMENTOS Ao fim desse processo construtivo que foi o curso de Arquitetura e Urbanismo, faz-se necessário enfatizar a relevância das pessoas que auxiliaram e fizeram parte dessa jornada. Desta forma, agradeço: Aos meus pais, Ana e Glaydistone, e minha irmã, Carol, por estarem ao meu lado e me fortalecerem em todos os momentos, dentro ou fora da universidade. Vocês são parte fundamental da minha história, nos momentos de dor e felicidade, em todas escolhas que já fiz e farei. Obrigado por tudo. À minha namorada Heloisa, por ser a melhor companheira que eu poderia pedir, sempre me apoiando durante todo o curso e aguentando os surtos constantes por causa dos trabalhos extensos. Sou grato por poder compartilhar esses cinco anos de luta ao seu lado. Te amo. À minha segunda família, tia Sissi, tio Mário, Lara e Marina, por me acolherem de coração aberto e sempre acreditar na minha competência, incentivando-me a dar o meu melhor. Saibam que o apoio de vocês (e as aulas de botânica de tia Sissi) foram e sempre serão fundamentais. À Elton, um verdadeiro exemplo de ser humano. Inspiro-me em você e sua forma de levar a vida, lidando com os problemas de forma leve, humorada e racional. Sou grato por ter te conhecido e te ter como amigo. Obrigado também pela ajuda com o tema, abriu meus olhos para uma ótima oportunidade! Aos meus amigos do Kinders, membros honorários da família, por sempre estarem presentes na minha vida, compartilhando momentos bons e ruins. Agradeço pelos momentos de descontração, cheios de piadas ruins, escolhas duvidosas e reflexões que eu levo para a vida. Obrigado por todos os veraneios lá em casa, e vamos para o próximo! Aos amigos que tive a felicidade de conhecer durante a faculdade, Gabriel, Kelvin, Laura, Duda, Ítalo, Cecília e tantos outros que fizeram parte dessa jornada. Sem vocês, esses cinco anos não teriam sido tão leves e divertidos, repletos de momentos felizes, mesmo que diante das adversidades. Fico feliz em ter participado de tantas Feijoarqs com vocês e espero que venham mais pela frente! A Yago, verdadeiro irmão que tive a honra de conhecer durante esse processo. Agradeço por todo o suporte, atenção e carinho durante todo esse tempo. Obrigado pelo companheirismo de sempre e que nossa parceria, agora, tenha início oficialmente! À Anna Rachel, minha orientadora, por me acompanhar de braços abertos na aventura que foi esse trabalho. Sou profundamente grato por todos os ensinamentos passados e que levarei comigo durante minha vida profissional. Obrigado pelos finais de semana e feriados dedicados à responder dúvidas e corrigir textos, sua paciência e dedicação, além do claro amor pelo paisagismo, foram fundamentais para o resultado final desse projeto! Ao prof. Paulo Nobre, que apesar de não poder estar presente durante o desenvolvimento do projeto, sempre se mostrou solícito e interessado com a realização do trabalho. Agradeço por todo o apoio fornecido durante os estágios iniciais da proposta, além da prestatividade e atenção durante todas as matérias que tive a oportunidade de cursar. Por fim, desejo uma recuperação boa e rápida, para que você possa voltar o quanto antes! RESUMO Ao analisarmos a cidade de Natal, vemos que esta apresenta uma grande proporção de massa vegetativa em seu perímetro urbano. Entretanto, essa cobertura vegetal é pouco presente no cotidiano dos cidadãos, visto que se encontram concentradas principalmente em lotes privados ou Zonas de Proteção Ambiental. Não obstante, sabe-se que a presença de áreas verdes em meio à zonas adensadas é de extrema importância para a melhora da qualidade de vida dos cidadãos, amenizando os efeitos da ilha de calor, reduzindo problemas de infraestrutura e os níveis de estresse. Por este motivo, o presente trabalho objetiva desenvolver uma proposta de parque linear e corredor ecológico por meio da aplicação de conceitos de infraestrutura verde e azul, para se obter uma expressão projetual de valor paisagístico no bairro de Capim Macio. Palavras-chave: Parque Linear; Infraestrutura verde; Paisagismo; Parque; Corredor ecológico. ABSTRACT When we analyze the city of Natal, we see that it has a large proportion of vegetation in its urban perimeter. However, this vegetation cover is rarely present in the daily lives of citizens, as they are concentrated mainly in private lots or environmental protection zones. However, it is known that the presence of green areas in densely populated areas is extremely important for improving the quality of life of citizens, mitigating the effects of the heat island, reducing infrastructure problems and stress levels. For this reason, the present work aims to develop a proposal for a linear park and ecological corridor through the application of green and blue infrastructure concepts, in order to obtain a project expression of landscape value in the Capim Macio neighborhood. Keywords: Linear Park; Green infrastructure; landscaping; Park; Ecological corridor. LISTA DE FIGURAS Figura 1:Exemplar de Ginko Biloba, planta asiática encontrada no Public Garden, Boston, MA ................................................................ 24 Figura 2:Exemplar de Pinheiro Australiano (Casuarina equisetifolia), encontrado na ZPA 2 (Parque das Dunas) em Natal-RN ................ 24 Figura 3: Mapa de cheios e vazios ............................................................................................................................................................. 26 Figura 4:Praça Hélio Galvão, no bairro de Capim Macio, Natal/RN ........................................................................................................... 27 Figura 5:Praça Dom Adelino Matias no bairro de Neópolis, Natal/RN ........................................................................................................ 27 Figura 6: Vista aérea do parque Ibirapuera ................................................................................................................................................29 Figura 7: Mapa do parque Ibirapuera ......................................................................................................................................................... 29 Figura 8: Planta baixa do parque Domino, Brooklyn, EUA. ........................................................................................................................ 30 Figura 9: Parque Domino ........................................................................................................................................................................... 31 Figura 10: Modelo de manejo da paisagem visando o estabelecimento da conectividade ......................................................................... 33 Figura 11: Corte esquemático de lagoa de captação ................................................................................................................................. 37 Figura 12: Lagoa de captação de Mirassol usada como campo de futebol ................................................................................................ 37 Figura 13: Lagoa de captação no bairro de Capim Macio, Natal/RN .......................................................................................................... 38 Figura 14: Corte esquemático de jardim de chuva ..................................................................................................................................... 39 Figura 15: Jardim de chuva em São Paulo, SP .......................................................................................................................................... 39 Figura 16: Corte esquemático de biovaleta ................................................................................................................................................ 40 Figura 17: Biovaleta do parque East Esplanade, Portland, EUA. ............................................................................................................... 40 Figura 18: Passeios laterais ao rio Cali, Colômbia ..................................................................................................................................... 47 Figura 19: Soluções para ampliar a vitalidade urbana ................................................................................................................................ 52 Figura 20: Decks sob o rio Capibaribe ....................................................................................................................................................... 53 Figura 21: Arquibancadas do parque Capibaribe ....................................................................................................................................... 53 Figura 22: Zoneamento do parque Capibaribe ........................................................................................................................................... 54 Figura 23: Mirante do parque Capibaribe, Recife PE ................................................................................................................................. 56 Figura 24: Imagem aérea do Parque das Dunas ........................................................................................................................................ 58 Figura 25: Mapa do Bosque dos Namorados ............................................................................................................................................. 58 Figura 26:Extrato arbóreo denso composto por espécies nativas .............................................................................................................. 59 Figura 27:Sinalização de espécies vegetais............................................................................................................................................... 60 Figura 28:Lago artificial com vegetação exótica ......................................................................................................................................... 60 Figura 29:Playground em madeira ............................................................................................................................................................. 61 Figura 30:Folha das artes .......................................................................................................................................................................... 61 Figura 31:Mapa de coeficiente de aproveitamento ..................................................................................................................................... 65 Figura 32: Classes de área da cobertura vegetal ....................................................................................................................................... 66 Figura 33: Delimitação das ZPAS 02 e 05 ................................................................................................................................................. 67 Figura 34: Timbu (Didelphis albiventris), animal comumente encontrado em áreas urbanas ...................................................................... 70 Figura 35: Tamanduá Mirim (Tamandua tetradactyla) avistado no Parque das Dunas .............................................................................. 71 Figura 36: Sagui de tufo branco (Callithrix jacchus) ................................................................................................................................... 71 Figura 37: Lagarto de Folhiço (Coleodactylos Natalensis), espécie endêmica de Natal ............................................................................. 72 Figura 38: Cobertura vegetal do Parque das Dunas, em Natal/RN gerando sombreamento e melhoria do microclima local ..................... 73 Figura 39: Bairro de Capim Macio inserido na cidade de Natal, RN ........................................................................................................... 74 Figura 40: Terrenos usados para proposição do trabalho .......................................................................................................................... 75 Figura 41: Mapa de recortes para análise .................................................................................................................................................. 75 Figura 42: Mapa de uso do solo ................................................................................................................................................................. 76 Figura 43: Mapa de gabarito ...................................................................................................................................................................... 77 Figura 44: Mapa de topografia ................................................................................................................................................................... 77 Figura 45: Situação atual do terreno .......................................................................................................................................................... 78 Figura 46: Mapa de hierarquia de vias ....................................................................................................................................................... 79 Figura 47: Mapa de linhas de transporte público ........................................................................................................................................ 79 Figura 48: Mapa explodido das áreas verdes, vegetação e ciclovias ........................................................................................................ 80 Figura 49: Levantamento florístico do terreno ............................................................................................................................................ 82 Figura 50: Legenda de espécies econtradas.............................................................................................................................................82 Figura 51: Painel conceito cajueiro ............................................................................................................................................................ 87 Figura 52: Croqui de estudos de travessia ................................................................................................................................................. 88 Figura 53:O terreno de projeto e seus equipamentos ................................................................................................................................ 89 Figura 54: Bar seu Chico, Localizado às margens da Av. Roberto Freire .................................................................................................. 90 Figura 55: Zoneamento do terreno ............................................................................................................................................................. 90 Figura 56:Croqui de estudo inicial sob de imagem de satélite .................................................................................................................... 93 Figura 57:Croqui de segundo estudo sob imagem de satélite .................................................................................................................... 93 Figura 58: Parcelamento original do loteamento Marina Praia Sul, década de 1990. ................................................................................. 94 Figura 59: Logomarca Passeio dos Cajus .................................................................................................................................................. 78 Figura 60: Planta baixa de alterações viárias ............................................................................................................................................. 80 Figura 61: Piso intertravado vibrado .......................................................................................................................................................... 82 Figura 62: Piso intertravado drenante ........................................................................................................................................................ 83 Figura 63: Piso de borracha ecológica ....................................................................................................................................................... 83 Figura 64: Mockup zona ativa/ zona social ................................................................................................................................................ 84 Figura 65: Área gastronômica com vegetação oculta ................................................................................................................................. 84 Figura 66: Zona ativa com vegetação oculta .............................................................................................................................................. 85 Figura 67: Xanana (Turnera subulata) ....................................................................................................................................................... 86 Figura 68: Planta chave Zona parque ........................................................................................................................................................ 87 Figura 69: Acesso principal da zona parque .............................................................................................................................................. 88 file:///C:/Users/leona/Downloads/Rev%2028_11_Anna_TFG-_PARQUE_E_CORREDOR_ECO._PASSEIO_DOS_CAJUS-_AJUSTES_DE_ORDEM%5b1%5d.docx%23_Toc120633970 Figura 70: Escorregador tamanduá mirim .................................................................................................................................................. 89 Figura 71: Playground 02 e playground natural com vegetação oculta ...................................................................................................... 90 Figura 72: Placa de sinalização botânica- cajueiro..................................................................................................................................... 90 Figura 73: Composteira e berçário de mudas, próximos a entrada 02 ....................................................................................................... 92 Figura 74: Planta chave zona da mata ....................................................................................................................................................... 92 Figura 75: Entrada principal do parque ...................................................................................................................................................... 93 Figura 76: Área gastronômica da zona social ............................................................................................................................................ 94 Figura 77: Vista abaixo da passarela, Zona parque ................................................................................................................................... 94 Figura 78: Vista interna da zona parque .................................................................................................................................................... 95 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Quadro resumo de referências ................................................................................................................................................... 62 Tabela 2:Tipos de domicílios no bairro de Capim Macio ............................................................................................................................ 65 Tabela 3: Programa de necessidades ........................................................................................................................................................ 85 Tabela 4: Funções e público alvo por zona ................................................................................................................................................ 91 Tabela 5: Programa de necessidades a partir do zoneamento................................................................................................................... 91 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS IBGE | Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas INPE | Instituto de Pesquisas Espaciais IFPE | Instituto Federal de Pernambuco INCIT | Incubadora de Empresas de Base Tecnológica de Itajubá ITEP | Instituto de Tecnologia de Pernambuco MMA | Ministério do Meio Ambiente SEL | Sistema de Espaços Livres SEMURB | Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo do Rio Grande do Norte UC | Unidade de Conservação UFPE | Universidade Federal de Pernambuco UFRN | Universidade Federal do Rio Grande do Norte ZPA | Zona de Proteção Ambiental SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................................................... 18 REFERENCIALTEÓRICO METODOLÓGICO ........................................................................................................................................... 22 1.1A RELAÇÃO ENTRE CIDADE E NATUREZA: PRINCÍPIOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS ....................................................................................................................................................................................... 22 1.2 O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NO TECIDO URBANO: CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES ....................................................... 25 1.3 COMPONENTES DA PAISAGEM........................................................................................................................................................34 2 ESTUDOS DE REFERÊNCIA................................................................................................................................................................. 42 2.1 PARQUE PAPROCANY- TYCHY, POLÔNIA ....................................................................................................................................... 42 2.2 PARQUE LINEAR E CORREDOR ECOLÓGICO DO RIO CALI-CALI, COLÔMBIA ............................................................................. 45 2.3 PARQUE LINEAR HXQ- HUIXQUILUCAN, MÉXICO........................................................................................................................... 47 2.4 PARQUE CAPIBARIBE- RECIFE, BRASIL .......................................................................................................................................... 50 2.5 BOSQUE DO NAMORADOS - PARQUE DAS DUNAS- NATAL, BRASIL ........................................................................................... 57 2.6 QUADRO RESUMO DE REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 62 3 ANÁLISE E CONDICIONANTES DO ENTORNO................................................................................................................................... 64 3.1 CAPIM MACIO - CONTEXTO E LEGISLAÇÃO ................................................................................................................................... 64 3.2 ZONAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (ZPAS): ATRIBUTOS DAS ZONAS 2 E 5 ............................................................................... 66 3.3 ÁREA DE INTERVENÇÃO: ASPECTOS AMBIENTAIS, URBANOS E SOCIOCULTURAIS ................................................................ 74 4.PROCESSO PROJETUAL ..................................................................................................................................................................... 84 4.1 EIXOS NORTEADORES ..................................................................................................................................................................... 84 4.2 PROGRAMA DE NECESSIDADES ..................................................................................................................................................... 84 4.3 CONCEITO .......................................................................................................................................................................................... 86 4.4 PARTIDO ARQUITETÔNICO .............................................................................................................................................................. 87 4.5 ZONEAMENTO.................................................................................................................................................................................... 89 4.6 ESTUDOS INICIAIS ............................................................................................................................................................................. 92 5 A PROPOSTA ........................................................................................................................................................................................ 78 5.1 INSERÇÃO URBANA .......................................................................................................................................................................... 78 5.2 SOLUÇÕES PROJETUAIS .................................................................................................................................................................. 81 5.3 VOLUMETRIA FINAL........................................................................................................................................................................... 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................................................................... 97 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................................................................... 98 INTRODUÇÃO 18 INTRODUÇÃO Ao pensarmos em Urbanismo e infraestrutura, costumeiramente associamos a elementos como saneamento, habitação e transporte urbano. Esses elementos compõem a chamada “infraestrutura cinza”, a forma tradicional de se pensar as cidades. Quanto aos elementos naturais, estes são muitas vezes deixados de lado, entrando na forma de se construir cidade como um elemento estético, ou até, como algo a ser dominado para favorecer ao desenvolvimento urbano (SANT’ANA, 2020). Entretanto, a partir do início do século XIX, a visão sobre o papel dos elementos naturais para a produção urbana vem se alterando. Autores como Frederick Law Olmsted (1822- 1903), abriram portas para a importância da relação cidade/ natureza no desenho urbano e suas consequências para a população. Assim, surge a ideia de infraestrutura verde e azul, como uma ferramenta capaz de aliar os aspectos tradicionais da infraestrutura cinza, com os fatores ambientais (recursos hídricos, áreas verdes e livres, ecossistemas locais e a arborização) de forma a garantir uma maior harmonia entre o viver da cidade para a população e a preservação e controle ambiental no local. A cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, possui 4.626 hectares de cobertura vegetal, representando 27,5% de toda sua extensão territorial (BARROS, CESTARO, TERTO, 2021). Contudo, ao analisarmos o mapa de vegetação do município, vemos que as áreas verdes se encontram distribuídas de forma irregular, concentrando-se nas áreas periféricas e nas zonas de proteção ambiental. Ainda segundo Barros, Ceastro e Terto (2021) 60% de toda cobertura vegetativa está localizada nas ZPAs. O mapa 01 ilustra a distribuição da cobertura vegetal dos bairros de Natal. Desta forma, o presente trabalho busca identificar a relação entre parque linear e a aplicação de conceitos de infraestrutura verde e azul, para se obter uma expressão projetual de valor paisagístico no bairro de Capim Macio. Define-se como universo de estudo o bairro Capim Macio, na cidade de Natal/RN. Sendo o recorte os terrenos que compõem o corredor verde entre as Zonas de Proteção 19 Ambiental 2 e 5, tendo como foco do desenvolvimento, os terrenos localizados entre as ruas José Wilsom Cabral Barbalho e Francisco Maciel da Costa. O objeto de estudo do presente trabalho pode ser definido como o bairro Capim Macio, na cidade de Natal/RN, compreendendo os oito terrenos alinhados entre as ruas José Wilsom Cabral Barbalho e Francisco Maciel da Costa e as ZPAs 2 e 5. Além disso, foi definido como objetivo principal propor um estudo preliminar paisagístico de parque linear e corredor verde, a partir do conceito de infraestrutura verde, a fim de estimular a relação homem-natureza, bem como preservar as características ambientais da área. E como objetivos específicos compreender as caraterísticas e necessidades da região em termos de arquitetura da paisagem, de um parque com espaços favoráveis à socialização, atividades físicas e comunicação com a biodiversidade; aplicar os conceitos de infraestrutura verde e azul, a fim de estimular a relação homem-natureza e requalificar a paisagem local; e elaborar uma proposta que demarque as características do corredor verde e propicie áreas de passagens de animais silvestres entre as ZPAs. O mote escolhido para o seguinte trabalho dá-se pela proximidade do autor com o tema de arquitetura da paisagem, além do interesse por métodos construtivos sustentáveis, voltados para a melhoria dos aspectosbioclimáticos. Destaca-se a importância de se atentar para que o projeto seja integrado à realidade local, de forma a não destoar de forma visual, cultural e biológica. O universo de estudo foi escolhido por causa de seu vínculo com a cidade, especialmente com o recorte territorial selecionado. Como mencionado anteriormente, o bairro de capim macio possui grande parte de sua cobertura vegetal em terrenos privados e ZPAs, enquanto os pertencentes ao poder público, muitas vezes se encontram abandonados. O terreno selecionado como universo de estudo é fonte de observações cotidianas do autor. O local é utilizado diariamente por moradores locais para se exercitar, passear com animais de estimação, brincar com crianças, entre outras atividades. Contudo, estes são obrigados a utilizar-se das ruas lindeiras ao lote, visto que o terreno permanece sem tratamento adequado para sua função. Face ao exposto, o seguinte trabalho é considerado pertinente e atual, com temática relevante visto que busca 20 propor uma forma de atender à demanda local existente, de uma área do município com abundante ocupação residencial e que apresenta poucas localidades voltadas à tais necessidades. 21 1. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO 22 1 REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO 1.1 A RELAÇÃO ENTRE CIDADE E NATUREZA: PRINCÍPIOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS A relação entre o desenvolvimento de cidades e os processos naturais é um tópico discutido há décadas, tendo em vista a constante mudança das cidades e seu desenvolvimento em relação aos seus sistemas de abastecimento de água, drenagem e esgoto. Anne Spirn, em seu livro “Jardim de Granito”, escrito em 1947, discorre sobre a importante relação da natureza para o desenvolvimento urbano e como a tomada de decisões que priorizavam o crescimento acelerado das cidades, sem considerar as consequências da antropização, levaram aos centros urbanos diversos problemas, desde enchentes e deslizamentos, à poluição, doenças e redução da qualidade de vida de seus habitantes. Ainda segundo a autora, “a desconsideração dos processos naturais na cidade é, sempre foi e sempre será tão custosa quanto perigosa” (SPIRN, 1947, p. 26). Cidades como Nova Iorque, Los Angeles, Cidade do México e Boston sofrem com problemas de poluição do ar, deslizamentos, contaminação de afluentes e até alto custo de manutenção de parques e vias, devido à negligência da relação existente entre o meio natural e o urbano. Por outro lado, há também, mesmo que em menor número, cidades que souberam conciliar seu crescimento com a natureza, à exemplo de Woodlands, no Texas, que utilizou de seus espaços livres e áreas verdes como sistema de drenagem das águas pluviais, ou Stuttgart, na Alemanha, que aproveitou de seus espaços livres para a canalização de ar limpo voltado ao centro com maior adensamento. Embora sejam vários os problemas causados pela urbanização desmedida, pequenos projetos se mostram viáveis para solucioná-los, de forma mais adaptada, e menos agressiva. O ambiente natural de cada região foi fator decisivo para diversas características das cidades, como sua localização, seu processo de desenvolvimento e até atributos mais específicos, como a configuração das edificações e parques existentes. 23 Spirn (1947, p. 28) ressalta que: Os recursos oferecidos e as dificuldades impostas pelo sítio natural de cada cidade compreendem uma constante com a qual sucessivas gerações tiveram que tratar sucessivamente, cada uma de acordo com seus próprios valores e tecnologias. Com efeito, as cidades passam por constantes transformações, com as mudanças de governanças políticas, alterações de costumes culturais e sociais e avanços tecnológicos, porém, os atributos naturais permanecem duradouros. Ainda assim, o adensamento populacional, o aumento no número de edifícios e veículos contribuem para a alteração do caráter original de seus climas e elementos. A identidade de cada cidade é definida por sua forma urbana, em conjunto com o ambiente natural. Também em “Jardim de Granito”, Spring (1947) utiliza-se do exemplo da cidade de Boston, Massachusetts, para elucidar as consequências da urbanização não condizente aos processos naturais. Isso porque, durante a colonização da cidade, a vegetação nativa, composta por arbustivas e algumas árvores de áreas pantanosas foram utilizadas para produção de combustível para abastecer a urbe que crescia. Em contrapartida, os colonizadores trouxeram consigo, espécies de árvores, frutíferas e ornamentais, vindas da Europa e Ásia (Figura 01). Durante os séculos XVIII e XIX, o uso de plantas exóticas foi bastante difundido na cidade, tendo seu ápice no século XIX, quando os jardins botânicos foram popularizados nos Estados Unidos e Europa. Assim, a flora local passou a apresentar um caráter internacional e, como consequência das alterações da massa vegetal da cidade e o adensamento da população, a vida selvagem sofreu alterações em sua composição. Espécies de animais silvestres, pertencentes às matas nativas, não só perderam espaço para as cidades, como passaram a ser presas de novas espécies de animais introduzidas, tiveram que se adaptar a novos ambientes, afastando-se dos limites da cidade, ao passo que animais exóticos, como pombos e ratos passaram a habitar o centro urbano, vivendo em abrigos criados pelo homem, como beirais de edifícios, jardins e esgotos. 24 Figura 1:Exemplar de Ginko Biloba, planta asiática encontrada no Public Garden, Boston, MA Fonte: Igboston- New England’s innovative photo community. (2018) A cidade de Natal, no Rio Grande do Norte apresenta um histórico de desenvolvimento similar, pois com o crescimento da cidade, sua vegetação nativa, composta principalmente por restingas, matas dunares e faixas de mata atlântica, passou por um intenso processo de desmatamento e transformação (Figura 02). Figura 2:Exemplar de Pinheiro Australiano (Casuarina equisetifolia), encontrado na ZPA 2 (Parque das Dunas) em Natal-RN Fonte: Google Maps (2022) Segundo a fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Natal possui apenas 15% da vegetação nativa preservada, localizada majoritariamente nas zonas de proteção ambiental. Ainda assim, a vegetação mantida difere da encontrada originalmente, tendo sido introduzidas novas espécies que 25 passaram a habitar as zonas, além da supressão de algumas espécies nativas. Tais mudanças acarretam não só em alterações na paisagem natalense, mas também, na contínua deterioração dos biomas locais, afetando os cursos dos afluentes, o clima local, e gerando perturbações no meio urbano, como alagamentos e a invasão de espécies animais nas cidades. Nesse sentido, é essencial destacar a importância do planejamento e manutenção dos espaços livres nas cidades, não apenas como espaços de convivência social, mas como mitigadores dos problemas ambientais decorrentes de uma urbanização que desconsidera a relevância dos condicionantes naturais. Assim, destaca-se no item a seguir, funcionamento do sistema de espaços livres, seus componentes e características. 1.2 O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NO TECIDO URBANO: CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES Segundo Macedo (1995) e Magnoli (1982), o espaço livre é definido como aquele não edificado na malha urbana, ou seja, aquele que se apresenta como um “negativo daquilo que é construído” (CALDEIRA, 2019, p.24). Ainda conforme Macedo (1995), os espaços livres se dividem em: áreas de lazer, áreas verdes e áreas de circulação. As áreasde circulação são compostas pelas vias urbanas presentes no sistema viário. As áreas de lazer podem apresentar funções de contemplação, com valor cenográfico/ paisagístico ou até disporem de atividades de lazer, como prática de esportes, encontros sociais, espaços para brincadeiras, etc. Já as áreas verdes são aquelas com forte presença vegetal e que apresentam um valor social para o meio. Válido destacar que nem todas as áreas com presença vegetal são classificadas como áreas verdes, visto que não necessariamente possui significado cultural ou social para a população local. Assim sendo, o Sistema de Espaços Livres (SEL) se dá por meio da correlação entre os espaços livres presentes em uma localidade. 26 Para Queiroga (2011), o sistema de espaços públicos é composto por elementos e as relações que organizam e estruturam o conjunto de todos os espaços livres de um determinado recorte urbano – da escala intraurbana à regional. Uma forma amplamente utilizada para se realizar a leitura do (SEL), é através de mapas de cheios e vazios (Figura 03). Este tipo de leitura cartográfica nos possibilita entender a relação entre os espaços livres, formando um “mosaico” com as conexões existentes. Figura 3: Mapa de cheios e vazios Fonte: Gonzaga (2011) 1.2.1 Praças As praças são elementos subsistemas da cidade, com potencial de interação da natureza com a sociedade, além de integrar elementos naturais com o ambiente construído (GOMES, 2020). Assim, apesar de serem espaços que contém elementos construídos, em sua maioria, as praças possuem vegetação de grande importância de caráter físico, biológico e social, sejam elas plantas introduzidas ou de brotação espontânea. A presença da vegetação nesses espaços atua de forma a amenizar os problemas gerados pela urbanização em excesso, aumentando as áreas verdes e permeáveis, bem como, reduzindo a poluição sonora e do ar e os efeitos da ilha de calor (figura 04). 27 Figura 4:Praça Hélio Galvão, no bairro de Capim Macio, Natal/RN Fonte: Igreja de Santo Agostinho na cidade Natal (worldorgs.com) (2022) No entanto, apesar de serem espaços de valor social, há exemplos em que os projetos e equipamentos pensados não são compatíveis com a realidade local (GOMES 2012), fazendo com que tais espaços sejam pouco utilizados e sem manutenção (Figura 05). Figura 5:Praça Dom Adelino Matias no bairro de Neópolis, Natal/RN Fonte: Google Maps (2022) Conforme observa-se, a praça Dom Adelino Matias, no bairro Neópolis, em Natal/RN, encontra-se em desuso ou até invadida por carros e caminhões, que usam as áreas livres e cobertas para se proteger do sol. Isso, pois não possui equipamentos adequados para a população que frequenta a região. 28 1.2.2 Parques e Corredores ecológicos Segundo Kraft e Gomes (2010), os parques são espaços públicos ou privados destinados ao lazer e à recreação, que em sua maioria possuem uma grande diversidade vegetativa como elemento compositor da paisagem. Os parques possuem diversas formas, divididos em 7 classificações: Parque zoológico, parque de diversões, parque aquático, parque urbano, parque ecológico, parque nacional e parque linear (KRAFT, GOMES, 2010). Para este trabalho, serão exploradas as definições de parque urbano e parque linear, visto que essas se relacionam com a proposta de projeto desenvolvida e melhor descrita nos capítulos 04 e 05. Os parques urbanos são áreas livres verdes, localizadas em centros urbanos. Esses locais apresentam diversas funções importantes no desenvolvimento de cidades, em aspectos sociais, ecológicos e paisagísticos. São, ainda, responsáveis por reduzir os efeitos de ilha de calor na cidade, graças à densa vegetação, abrigar diversos tipos de plantas e animais, garantindo a conservação de espécies nativas, fornecer espaços de lazer, entretenimento, atividades de educação ambiental e cultura, além de contrapor a estética “cinza” dos centros urbanos, amenizando a dura paisagem das cidades. É um exemplo de parque urbano, o Parque do Ibirapuera em São Paulo (figura 06). O parque Ibirapuera possui 158ha e está localizado na região centro-sul da cidade. Ele possui mais de 85 tipos de equipamentos, como jardins, museus e áreas culturais, espaços recreativos e esportivos, pontos de serviço, alimentação etc. Ainda sobre a temática, Kliass apud Scalise (2002) elucidam o conceito de parque urbano como sendo espaços públicos destinados a recreação, com dimensões expressivas e com abundância de elementos naturais. Conforme Scalise (2002), os parques urbanos devem ter dimensões superiores a um quarteirão, localizado próximo a acidentes naturais, como rios e córregos. 29 Figura 6: Vista aérea do parque Ibirapuera Fonte: Wikipedia (2022) Figura 7: Mapa do parque Ibirapuera Fonte: parqueibirapuera.org Já os parques lineares são ambientes voltados à preservação de percursos naturais e “surgem como uma resposta adaptativa a vários problemas derivados dos males de uma urbanização desordenada” (KRAFT, GOMES, 2010, p. 56). Eles fazem uma composição com a malha urbana, de forma a criar espaços de lazer voltados ao público, aumentar as áreas verdes da cidade e favorecer a relação da população com a paisagem natural. Além disso, são peças importantes para o controle de águas pluviais nos meios urbanos, por aumentar as áreas permeáveis. Ainda conforme Kraft e Gomes (2010), os parques lineares devem atender a algumas necessidades em sua elaboração, como a acessibilidade em todos os percursos, para que possa atender aos diferentes públicos. Ademais, deve ter a concordância com a população, tanto para que seus usos sejam adequados às necessidades, como para que haja a preservação dos ambientes, além de haver sinalização adequada e manutenção periódica. Nesse prisma, alguns lugares são propícios para o desenvolvimento de parques lineares, como leitos de rios ou https://parqueibirapuera.org/arquivos/mapas/Mapa1.pdf 30 áreas de preocupação com a preservação da vegetação em que se busca evitar ocupações irregulares. O Parque Domino (figuras 08 e 09), localizado no Brooklyn, em Nova York-EUA, conecta o bairro de Williamsburg ao East River e foi construído em uma zona industrial tradicional da cidade, onde se encontravam grandes fábricas de açúcar e se aproveita de 30 elementos recuperados do local, como as colunas da fábrica da Domino. O parque é elevado acima dos níveis de inundações determinados pela FEMA, com muitas espécies de plantas nativas que reduzem o escoamento de águas pluviais e funcionam como uma esponja absorvente e a primeira barreira de defesa para a vizinhança (Archdaily 2022). Uma das primeiras e mais importantes ações executadas nesse projeto foi a expansão da River Street, responsável por conectar o parque ao tecido urbano, melhorando as conexões Leste-Oeste entre a parte alta das propriedades e a orla, fato este que amplia a acessibilidade do parque. Figura 8: Planta baixa do parque Domino, Brooklyn, EUA. Fonte: Archdaily (2022) 31 Figura 9: Parque Domino Fonte: Archdaily (2022) A fragmentação florestal é o processo de redução da vegetação original que acarreta na criação de fragmentos em diferentes tamanhos e características na paisagem. A intensidade e a extensão dessa fragmentação são maiores devido às mudanças na dinâmica de uso e ocupação humana da terra (HADDAD et al., 2015), e trazem consequências consigo, como o aumento do risco de erosão, assoreamento de cursos d’água, afetando diretamente a biodiversidade (PEREIRA et al., 2007; CALEGARI et al., 2010; ARAGÓN et al., 2015). Para minimizar os efeitos causados pela fragmentação, a criação de Unidades de Conservação (UCs) e o uso de corredores ecológicos são consideradasações prósperas e demonstram bons resultados (MITTERMEYER et al., 1999; BOITANI et al., 2007; CARROL et al., 2012). As Unidades de Conservação (UC) embora tenham importante função para conservação da biodiversidade, tendem a sofrer as consequências do isolamento ao longo do tempo. Diante dessa problemática, o planejamento da conservação no Brasil passou a considerar também a relevância da construção de "estruturas de rede" (corredores ecológicos) e não apenas a definição de áreas únicas e isoladas, como é o caso de algumas UCs (AYRES et al., 2005; GANEM, 2010; AKASHI JR e CASTRO, 2010). 32 De acordo com Britto (2012), o uso de corredores ecológicos encontra-se em fase inicial no Brasil, com projetos que necessitam de discussões para garantir que as melhores estratégias de conservação sejam empregadas. Do ponto de vista teórico, os corredores ecológicos podem ser compreendidos como áreas entre zonas de conservação que permitem a circulação de animais silvestres ao longo de áreas urbanas. A Lei nº 9985, de 18 de julho de 2000 define corredor ecológico como: [...] porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais. 1 Os corredores ecológicos são áreas de vegetação ou habitats naturais que podem servir como conector entre fragmentos isolados e formar um mosaico de diferentes paisagens (AYRES et al., 2005; FONSECA et al., 2003). 1 Lei nº 9985, de 18 de julho de 2000 (BRASIL, 2000) Segundo Galinkin et al. (2004), os corredores ecológicos tem pontencial não só de promover esta conexão, como também atuam como ferramenta de redução das taxas de extinção, por permitirem a recolonização de fragmentos onde populações reduzidas se encontram, culminando em uma maior variabilidade genética. Vale destacar que, o bom funcionamento dessa ferramenta está diretamente relacionado ao quão a paisagem facilita ou dificulta a movimentação das espécies entre os fragmentos. Para Rudnik et al. (2012), a conectividade pode ser dividida em duas classificações: estrutural ou funcional. A conectividade estrutural diz respeito aos condicionantes físicos da paisagem, que possibilitam a movimentação. Já a conectividade funcional refere-se a como os genes são propagados e como os indivíduos circulam na paisagem. A Figura 10 mostra algumas formas utilizadas para estabelecer a conectividade de paisagens fragmentadas. 33 Figura 10: Modelo de manejo da paisagem visando o estabelecimento da conectividade Fonte: PEREIRA e CESTARO, 2016, p.3 O primeiro exemplo da figura 10 ilustra a conectividade através da gestão de mosaicos, não existindo interferência significativa no fluxo entre os fragmentos. Os exemplos “B” e “C” ilustram duas formas diferentes do uso de corredores ecológicos. A primeira imagem mostra o fluxo realizado entre pequenos fragmentos que atuam como trampolins ecológicos. Essa solução é ideal para espécies capazes de fazer movimentos curtos, através de ambientes perturbados. Já o exemplo “C” a conexão contínua feita pelo corredor ecológico. A solução empregada pode ser criada a partir da vegetação ao longo de leitos de rios ou por outros processos antrópicos. A respeito da ecologia da paisagem, LANG e BLASCKE (2009) afirmam que o enfoque volta-se par a a estrutura da paisagem, a partir dos componentes de matriz, mancha e corredor. Assim, podemos entender esses componentes como: A matriz é o elemento da paisagem mais extenso e conectado e que tem um papel predominante na dinâmica da paisagem. A mancha é definida como uma superfície não linear que apresenta diferenciação em aparência em relação ao entorno. Geralmente é originada a partir da fragmentação da matriz. O Corredor se constitui como uma área linear que difere da matriz em ambos os lados, podendo estar isolados ou unidos em algum lugar com manchas (ou fragmentos) de características similares. (DRAMSTAD et al., 1996). 34 1.3 COMPONENTES DA PAISAGEM Neste tópico, busca-se conduzir o olhar às componentes da paisagem que sintetizam os processos naturais. 1.3.1 Infraestrutura verde e azul O termo infraestrutura verde tem sua origem na Comissão de Corredores verdes da Flórida, que em 1994 definiu infraestrutura como sendo “a subestrutura ou fundamental fundação, [...] da qual a continuação e o crescimento da comunidade e do estado dependem” (Benedict; McMahon, 2006, p.6, apud SANT’ANA 2020). Assim, o termo cunhado teve como objetivo contrapor a visão tradicional e conservacionista de infraestrutura, 2 A Infraestrutura Verde e Sua Contribuição Para o Desenho da Paisagem na Cidade (SANT’ANA, 2020, p. 101) revendo as formas de pensar as áreas verdes e sua importância para o planejamento urbano. Ao longo do tempo, diversos autores buscaram ilustrar sua visão do que seria a infraestrutura verde e azul e seu papel para os meios urbanos, sociais e ambientais. Segundo Sant’Ana (2020), a infraestrutura verde pode ser definida como: Uma ferramenta multifacetada para se pensar o planejamento e projeto da paisagem, propondo a criação de uma rede composta por sistemas verdes e azuis no território que possibilite a expressão da estrutura da paisagem , no seu sentido mais amplo, envolvendo: (i) ação humana em harmonia com os processos naturais (ciclo do ar, hidrológico, de materiais, de plantas, produção) e suas características (vegetação, corpos d’ água, características do solo, fauna e flora) e, (ii) significado e percepção, de uso estético, cultural e patrimonial.2 35 Assim, a paisagem surge como elemento primordial para a conexão entre homem e natureza, possibilitando o desenvolvimento saudável e harmônico entre o meio natural e o meio antropizado. Tal conexão pode ser expressa na cidade por intermédio do pensamento holístico entre as infraestruturas “cinza” e “verde e azul”. Para o arquiteto americano Frederick Law Olmsted, precursor do movimento de planejamento da paisagem, esta surge como elemento de união entre o desenvolvimento humano e o desenvolvimento do ambiente. Olmsted foi responsável pelo termo “Landscape Architecture” ou “Arquitetura da paisagem”, que, segundo o autor, representa o campo de desenvolvimento que busca responder o conjunto de valores sociais, culturais, técnicos e estéticos de uma determinada localidade (SCHENK, 2008). Já Herzog (2010), ao comentar a obra de Benedict e McMahon afirma que: A infraestrutura verde consiste em redes multifuncionais de fragmentos permeáveis e vegetados, preferencialmente arborizados (inclui ruas e propriedades públicas e privadas), interconectados que reestruturam o 3 INFRAESTRUTURA VERDE: SUSTENTABILIDADE E RESILIÊNCIA PARA A PAISAGEM URBANA p. 97 mosaico da paisagem. Visa manter ou restabelecer os processos naturais e culturais que asseguram a qualidade de vida urbana3 Assim, podemos relacionar o conceito de infraestrutura verde apresentado por Herzog (2010) com o sistema de espaços livres de Queiroga (2011) na medida que ambos descrevem a relação existente entre fragmentos de vazios urbanos com funções sociais e ambientais, e que se relacionam, estruturando uma malha única interconectada. Ainda conforme Herzog, a forma do mosaico da paisagem “depende não apenas de seus aspectos geográficos, mas do uso e ocupação ao longo do tempo” (HERZOG, 2010, p. 97). Ademais, para Suassuna (2021), a infraestrutura verde pode ser entendida como um processo de desenvolvimento inteligente das cidades, permitindo um procedimento economicamente viável, alémde favorecer a habitabilidade e os métodos ecologicamente corretos, o que propicia qualidade de vida e uma melhor percepção da cidade. 36 1.3.1.1 Novas ênfases ao tratamento dos recursos hídricos Um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento de estratégias de infraestrutura são os recursos hídricos. Para Sant’Ana apud Mcharg (2020), a água pode ser vista como um “instrumento utilizado […] para ler e atuar no território da escala do planejamento a do projeto”. Os índices pluviométricos e a disposição de bacias hidrográficas4 e lençóis freáticos5 de uma localidade são fatores decisivos para determinar o clima, a umidade e a biodiversidade. Tais fatores podem servir como estratégias para melhoria do conforto ambiental, entretanto, se mal 4 Bacia hidrográfica: Área onde, devido ao relevo e geografia, a água da chuva escorre para um rio principal e seus afluentes. A forma das terras na região da bacia faz com que a água corra por riachos e rios menores para um mesmo rio principal, localizado num ponto mais baixo da paisagem. Disponível em: www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/29097- o-que-e-uma-bacia-hidrografica/ administrados, podem trazer danos graves para a cidade, como inundações e deslizamentos. Com o crescimento das urbes e o aumento na impermeabilização do solo, os efeitos climáticos tendem a ser mais sentidos pela população. A ausência de soluções compatíveis com os volumes de chuva, como lagoas de captação ou jardins de chuva, pode sobrecarregar os sistemas de drenagem e causar prejuízos. Segundo Barbosa (2021) as cidades com 70-90% de impermeabilização de solo podem perder até 83% das águas para o escoamento superficial. Para amenizar os efeitos da impermeabilização, pode-se utilizar de estratégias de redução do escoamento superficial das águas, a exemplo das lagoas de captação, os jardins de chuva e as biovaletas, melhor discutidas a seguir. 5 Lençol freático: é a camada superior das águas subterrâneas, que se encontra, geralmente, em pequena profundidade e é abastecida pelas águas das chuvas, de onde se extrai boa parte da água para consumo e produção humanos. disponível em: www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/educacaoambiental/pratelei ra-ambiental/lencol-freatico/ 37 As lagoas de captação (figura 11) são reservatórios de contenção de águas pluviais, que recebem a água vinda das vias e escoam para ela devido à gravidade (COMIER, PELLEGRINO, 2008). Essas possuem uma grande capacidade de absorção e são instrumentos valiosos para a drenagem em centros urbanos. Entretanto, por serem elementos de grande impacto na malha urbana, devem ser bem posicionadas para que não impactem negativamente a paisagem. Ainda assim, vale salientar que as lagoas de captação podem ser integradas à paisagem de forma a criar um elemento funcional, como a lagoa de captação localizada no conjunto de Mirassol, em Natal/ RN (figura 12), que é utilizada como campo de futebol durante períodos de estiagem, ou até como elementos cênicos, no caso das lagoas que mantém parte da água retida entre as precipitações (figura 13). Figura 11: corte esquemático de lagoa de captação Fonte: COMIER, PELLEGRINO 2008 Figura 12: Lagoa de captação de Mirassol usada como campo Fonte: Google Maps (2022) 38 Figura 13: Lagoa de captação no bairro de Capim Macio, Natal/RN Fonte: Google Maps (2022) Por sua vez, os jardins de chuva (figura 14 e 15) “são depressões topográficas, existentes ou afeiçoadas especialmente para receberem o escoamento da água pluvial proveniente de telhados e demais áreas impermeabilizadas” (COMIER, PELLEGRINO 2008). Nessa solução, o solo tratado com insumos atua de forma a absorver a água escoada, ao passo que as bactérias e microrganismos nele presentes fazem a 6 A evapotranspiração é toda a movimentação da água da forma líquida retornando à atmosfera. É a combinação da passagem da remoção dos poluentes. As características do solo e localização determinam o nível de absorção capaz de suportar, podendo ser utilizados extravasores para comportar o fluxo de água em períodos de pico. Ademais, o uso de vegetação nos jardins de chuva acarreta em uma maior evapotranspiração6, ajudando a melhorar o microclima local. água para o ar (Evapotranspiração: O que é e como pode te ajudar em sua produção (aegro.com.br)) 39 Figura 14: Corte esquemático de jardim de chuva Fonte: COMIER, PELLEGRINO 2008 Figura 15: Jardim de chuva em São Paulo, SP Fonte: Pinterest (2022) Já as biovaletas (figura 16), são similares aos jardins de chuva, diferindo-se por serem “depressões lineares preenchidas com vegetação, solo e demais elementos filtrantes, que processam uma limpeza da água da chuva” (COMIER, PELLEGRINO 2008). 40 Figura 16: Corte esquemático de biovaleta Fonte: COMIER, PELLEGRINO 2008 Têm como sua função principal, filtrar impurezas vindas das chuvas e, suplementarmente, ajudam a drenar parte da água. Por exemplo, temos as biovaletas do parque East Esplanade, em Portland, que filtram as águas pluviais antes que cheguem ao rio Willamette, que percorre a região. Figura 17: Biovaleta do parque East Esplanade, Portland, EUA. Fonte: COMIER, PELLEGRINO 2008 41 2. ESTUDOS DE REFERÊNCIA 42 2 ESTUDOS DE REFERÊNCIA Neste capítulo são apresentados projetos relacionados à temática de arquitetura da paisagem em parques, sendo propostas executadas ou idealizadas, de forma a trazer inspirações e referências para o desenvolvimento do projeto Parque Passeio dos Cajus. Desta forma, foram analisados os projetos de cinco parques: o projeto de reurbanização da orla do lago Paprocany (Polônia), o parque linear Hxq- huixquilucan (México), o parque linear e corredor ecológico do rio Cali-cali (Colômbia), o Parque Capibaribe (Recife/PE, Brasil) e o Bosque dos Namorados/Parque das Dunas, (Natal/RN, Brasil). 2.1 PARQUE PAPROCANY- TYCHY, POLÔNIA O parque Paprocany, foi um projeto de reurbanização realizado às margens do lago Paprocany (Figura 18), situado na cidade de Tychy, Polônia no ano de 2014. Desenvolvido pelo escritório de arquitetura RS+ Robert Skitek; o projeto engloba 2 hectares e 400m lineares de orla. A ideia foi transformar a área, que anteriormente era formada por um gramado à beira da estrada, em completo desuso, em um ambiente de lazer e entretenimento, com equipamentos que atendessem à população e criasse um novo ponto de encontro na cidade, de maneira a aproveitar o potencial cênico do lago e vegetação existente. 43 Figura 18 - implantação do Parque Paprocany Fonte: Archdaily, com alterações do autor Conforme descrito pela equipe do projeto, o conceito baseava-se na existência de caminhos sinuosos de madeira (figura 19), que seguem para o lago e depois retornam à terra, possibilitando diferentes pontos de vista de um mesmo espaço, ao longo da caminhada. No percurso, é possível encontrar redes para descanso e bancos de madeira projetados especificamente para o espaço, que além de funcionarem como equipamentos de lazer e descanso, servem também como arquibancadas para eventos aquáticos que ocorrem no lago. O projeto também contou com a criação de uma área de praia, academia ao ar livre e bicicletários, englobando um centro de lazer existente, com várias atividades recreativas e desportivas. Figura 19: Bancos e redes voltadas para o lago Paprocany Fonte: Archdaily (2016) 44 Os materiais (naturais) utilizados foram escolhidos de forma a valorizar as características da área (figura20). O uso da madeira nos passeios gera uma comunicação harmônica entre os elementos construídos e os naturais, como os gramados, áreas de terra batida com vegetação natural e até com o lago. Ademais, o uso de superfícies totalmente permeáveis (em áreas como a de academia ao ar livre e bicicletário) possibilita uma maior preservação dos condicionantes bioclimáticos locais, evitando assim, problemas como alagamentos e o aumento na temperatura local. A iluminação do parque dá-se pelo uso de LEDs de baixo consumo, sendo estes majoritariamente em tons quentes, trazendo um maior conforto ao espaço, tornando-o aconchegante e convidativo também durante a noite. Figura 20: Passeios do parque Paprocany em madeira Fonte: Archdaily (2016) Considerando os elementos apresentados, associados aos objetivos projetuais almejados, descritos no 45 capítulo 04, é possível obter referências valoráveis para o desenvolvimento do Parque Passeio dos Cajus. Destacam- se entre eles, o uso de caminhos sinuosos, possibilitando a criação de diversos pontos de vista que se aproveitam do grande potencial cênico local. Não obstante, o uso da madeira nos passeios internos valoriza a estética natural do espaço, além de permitir o desenvolvimento de passeios drenáveis, fator importante para a preservação das funções bioclimáticas do terreno para a região. Vale ressaltar que serão previstas e respeitadas rotas acessíveis conforme a norma de acessibilidade NBR 9050/2020. 2.2 PARQUE LINEAR E CORREDOR ECOLÓGICO DO RIO CALI-CALI, COLÔMBIA O projeto foi desenvolvido como parte do concurso realizado, que visava o reforço da estrutura ecológica municipal, restaurando as conectividades dos eixos de sistema do corredor ambiental urbano do Rio Cali, localizado na cidade de Cali, Colômbia. A região conta com uma vegetação densa e exuberante, clima úmido e precipitações constantes. A proposta de um parque linear abrangendo uma área de 88 ha, desenvolvida pelo escritório A1V2 - Engenharia Civil e Arquitectura, Lda, objetivou ampliar a cobertura vegetal em 20%, utilizando-se de espécies nativas ou adaptadas aos condicionantes climáticos, de forma a ampliar os índices de áreas verdes por habitante na localidade (A1V2, 2018). Ademais, as espécies foram selecionadas para a proteção da região ribeirinha, floração e frutificação chamativa que servisse de alimentação para a avifauna, além de apresentarem potencial paisagístico. 46 Figura 21: Área de influência do parque do Rio Cali Fonte: A1V2 (2018) disponível em https://www.a1v2.pt/portfolio/rio-cali-colombia/ Figura 22: Imagem ilustrada do parque linear do Rio Cali Fonte: A1V2 (2018) disponível em https://www.a1v2.pt/portfolio/rio-cali-colombia/ Ainda conforme o escritório responsável, o projeto atentou também para o restauro de baixo impacto, a criação de estruturas de contenção da erosão causada pelo fluxo fluvial e a criação de abrigos fluviais para a fauna. O desenho urbano teve enfoque na criação de áreas abertas, formando janelas visuais para dentro e fora do parque, formadas pela interrupção da cobertura vegetal. A criação desses espaços permitiu a conexão entre o ambiente urbano e o natural, transitando da área de cidade para a ribeirinha, onde seriam realizadas as atividades sociais, culturais, desportivas e equipamentos, voltados para o usufruto coletivo. Figura 23: Imagem ilustrada do parque linear do Rio Cali Fonte: A1V2 (2018) disponível em https://www.a1v2.pt/portfolio/rio-cali-colombia/ 47 No mais, o projeto estabeleceu pontos de referência temáticos, relacionados às características históricas, culturais e ambientais, visto a importante relação do rio com a fundação da cidade. Assim, esses pontos estão relacionados com atividades distribuídas na implantação conforme sua relação com o meio em que se encontram, estabelecendo uma conectividade entre os eixos de orientação visual, que se relacionam ao desenho urbano lindeiro, trazendo uma maior sensação de segurança e pertencimento ao trajeto. Temas como artes, música e dança são representados por intermédio da delimitação de pequenos espaços e anfiteatros, sendo zonas de descompressão visual e equipamentos construídos com aspecto parcialmente natural. A arquitetura e a escultura são representadas por jardins de esculturas, que acompanham a margem esquerda do rio onde este se alarga, criando espaços amplos e abertos, em que se encontram os equipamentos de apoio ao parque. A pintura e a literatura foram retratadas através de longos caminhos que formam pontos de vista que se projetam na margem esquerda do rio para sua contemplação (Figura 18). Por fim, a temática da agricultura foi desenvolvida na zona final do rio, por meio de hortas urbanas. Figura 24: Passeios laterais ao rio Cali, Colômbia Fonte: A1V2 (2018) disponível em https://www.a1v2.pt/portfolio/rio-cali-colombia/ 2.3 PARQUE LINEAR HXQ- HUIXQUILUCAN, MÉXICO 48 Desenvolvido pelo escritório de arquitetura mexicano RA!, o parque linear HXQ, localizado na cidade de Huixquilucan, México, foi concebido em 2018, com o objetivo de conectar três parques existentes, anteriormente divididos por vias urbanas, valas e áreas em desuso. Dessa forma, o parque HXQ busca recuperar esses espaços, trazendo equipamentos de lazer, comércio e áreas de serviço conectadas por ciclovias e vias pedonais. O parque é setorizado em três áreas: Tecamachalco, La Herradura e Bosques de Minas, baseado nos recortes formados pelos parques existentes. Figura 25: Implantação parque HXQ Fonte: RA! (2018) Conta com equipamentos desportivos, como quadras, campos de futebol, pista de skate, campos de mini golfe, paredes de escalada e academias a céu aberto, além de espaços de cultura e lazer, como cafés, restaurantes e 49 áreas de exposição artísticas. Outrossim, o local conta com equipamentos urbanos, como lagoas de captação e postos policiais, todos dispostos de forma heterogênea, atendendo, assim, a diversos públicos em locais distintos. Figura 26: Campo de futebol, parque HXQ Fonte: Archdaily (2018) O desenho do parque foi desenvolvido de forma a valorizar a topografia acidentada, utilizando-se disso para delimitar seus caminhos e disposição dos equipamentos separados pelas diferentes elevações. A composição utilizada resulta em formas orgânicas e ramificadas, possibilitando diferentes caminhos e opções de mobilidade e lazer para o usuário. Figura 27: Imagem ilustrativa dos caminhos curvos, parque HXQ Fonte: Archdaily (2018) 50 Figura 28: Disposição de equipamentos esportivos Fonte: Archdaily (2018) Figura 29: Perspectiva do parque HXQ Fonte: Archdaily (2018) 2.4 PARQUE CAPIBARIBE- RECIFE, BRASIL O Parque Capibaribe é um projeto de parque urbano desenvolvido para a cidade de Recife, às margens do rio Capibaribe no ano de 2019. Inicialmente, o projeto foi pensado como um parque linear que possibilitasse o lazer e o transporte ativo. Contudo, o estudo realizado pelo INCIT 51 (Incubadora de Empresas de Base Tecnológica de Itajubá) juntamente com a Secretaria do Meio Ambiente mostrou que a região ribeirinha do Capibaribe apresenta um grande potencial de regeneração urbana, por seu vasto ecossistema, cheio de espécies animais e vegetais, característica que ficaria limitada pelo conceito de parque linear. Assim, o projeto tomou outros rumos, alinhando-se com o plano Recife 500 Anos7. Desta forma, o Parque Capibaribe abrange 42 bairros, com 7.444ha de influência, e contemplando 30km de margens de rio e 51km de ruas parque e 40km de sistema cicloviário. Para o desenvolvimento da proposta, a equipe responsável resolveu traçar características importantes da capital pernambucana, que se desenvolvemao longo do rio e são marcantes no viver da cidade. Assim, foram agrupadas em: Recife Estuarino, Recife Tropical, Recife Patrimônio, Recife Radial, Recife Desigual, Recife Inventivo e Recife Multicultural. 7 O plano Recife 500 Anos é um projeto de desenvolver estratégias que “direcionam o desenvolvimento da capital pernambucana sob o marco temporal dos 500 anos da Cidade[...] com o propósito de pensar estrategicamente o desenvolvimento de longo Cada classificação criada diz respeito a um fator presente às margens do rio e que foram fundamentais para a criação do conceito, partido e o zoneamento do parque. O conceito do parque foi estabelecido através dos chamados cinco verbos norteadores, que são: chegar, atravessar, abraçar, percorrer e ativar. Cada um deles tem seus significados atrelados às atividades planejadas para o parque e permitem seu rebatimento em soluções projetuais específicas. Ainda conforme a Prefeitura do Recife (2020, p. 162): A ação de chegar é bidirecional. Concebemos os modos e as estruturas tanto para se chegar às margens do rio com segurança e conforto como para acessar os diversos espaços públicos da cidade, articulando equipamentos e lugares antes fragmentados. Assim, a “chegada” ao parque Capibaribe se dá por meio de vias sombreadas com a cobertura vegetal contínua, com espaços preferenciais de pedestres e compartilhados prazo do Recife, contribuindo para inclusão social, para redução das desigualdades, para a resiliência ambiental da cidade frente às mudanças climáticas.” Disponível em www.recife500anos.org.br/plano/o-que-e-o-plano-recife-500-anos/ 52 com carros e bicicletas, ampliando a vitalidade urbana e a movimentação nas margens. Figura30: Soluções para ampliar a vitalidade urbana Fonte: (MONTEIRO, VIEIRA, SALAZAR, MONTEZUMA, 2020) “Atravessar” implica à conexão entre os locais, então separados por barreiras naturais. Desta forma, foram propostas conexões que integrem as margens opostas, por intermédio de pontes e travessias. Essa integração acarreta não só na melhoria da mobilidade urbana, mas também na inclusão social, permitindo acesso às margens mais beneficiadas por uma parcela da população. Já o verbo norteador “abraçar”, implica nas conexões afetivas da população com a paisagem. Lugares onde a velocidade diminui, onde as pessoas se deixam estar e despertam o encanto. Abraça-se a cidade ao se promoverem espaços de permanência para atividades de lazer, encontros, convivência e contemplação da paisagem, tanto em uma escala local como em lugares de relevância metropolitana. Pensa-se o Parque Capibaribe como sistemas de espaço de abraço, conectados através de uma malha de infiltrações. Eles aproximam os cidadãos da cidade, promovendo um ambiente de restauração psicológica: as crianças têm espaço para brincar; os adultos, para relaxar. Assim, ocorre também reconexões no tecido social, quando as comunidades podem voltar a se reconhecer no território urbano. (MONTEIRO, VIEIRA, SALAZAR, MONTEZUMA, 2020 p. 163) 53 Nesse sentido, algumas estratégias de contemplação e valorização da paisagem foram distribuídas ao longo do trajeto, como decks flutuantes, janelas visuais, terraços, passarelas e arquibancadas. Figura 31: Decks sob o rio Capibaribe Fonte: (MONTEIRO, VIEIRA, SALAZAR, MONTEZUMA, 2020) Figura 32: Arquibancadas do parque capibaribe Fonte: (MONTEIRO, VIEIRA, SALAZAR, MONTEZUMA, 2020) “Percorrer” representa os deslocamentos ao longo do rio, que levam a diferentes paisagens do Recife e possibilitando alternativas de mobilidade para o transeunte. Esse verbo norteador também se relaciona com a reconquista da paisagem, as modalidades ativas em locais de predominância da natureza, a sensação de pertencimento e a aproximação dos moradores aos espaços públicos. Por fim, o verbo norteador “ativar” aponta para a provocação de novos usos. 54 É um processo que convida as pessoas e os grupos interessados a participar da transformação do Recife. É um convite ao engajamento em atividades, eventos culturais e sociais em seu próprio território e em outros espaços urbanos. A ativação estimula a reapropriação dos espaços com ações de prototipagem urbana que testam soluções de mobiliário, de equipamentos e de mobilidade customizadas para os problemas específicos de cada lugar através de experiência e avaliação do uso dos espaços. O ativar busca ampliar o papel das pessoas no planejamento urbano, permitindo um protagonismo não apenas em escolher as melhores soluções, mas em acompanhar as transformações e gerir o funcionamento dos espaços. (MONTEIRO, VIEIRA, SALAZAR, MONTEZUMA, 2020) Destarte, o conceito de “ativar” está voltado para o incentivo cultural e à participação comunitária, a fim de garantir o avanço e manutenção do parque, de forma a assegurar espaços para eventos culturais e transformar lugares em polos de convivência. Analisando o zoneamento do parque (figura 22), vemos que este foi dividido baseando-se nas características distintas da cidade, mencionadas acima. Assim, temos ao todo sete zonas e quatro portas de entrada. Figura 33: Zoneamento do parque Capibaribe Fonte: (MONTEIRO, VIEIRA, SALAZAR, MONTEZUMA, 2020) As portas são os limites geográficos e o contato entre o rio e diferentes biomas da região as quais se relacionam com os fatores naturais da capital pernambucana contemplados no projeto. Assim, foram definidas a porta do mar, que representa porção estuarina e o contato do rio com o oceano 55 Atlântico; a porta da mata, marcada pela conexão do rio Capibaribe com as reservas de mata Atlântica; a porta do rio, que marca o início do rio Capibaribe na cidade do Recife, e; a porta do mangue, onde o rio Capibaribe se encontra com a bacia do rio Tejipió, formando uma área de manguezal importante para a renovação das águas. Já as sete zonas, dividem as áreas em características ambientais, sociais e construtivas. Para o presente trabalho, serão discutidas apenas três das Zonas criadas, visto que estas foram consideradas mais relevantes para o desenvolvimento do projeto. A zona do “saber” foi batizada desta maneira por ser a região onde se encontram as instituições de ensino superior, como a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), IFPE (Instituto Federal de Pernambuco e o Itep (Instituto de Tecnologia de Pernambuco), além de dois centros culturais, escolas municipais, estaduais e privadas, bem como agências de pesquisa tecnológica. No mais, a região é marcada pela ausência de integração com as margens do rio, agravada pela presença de corredores de mobilidade da avenida Caxangá e da BR- 101. Desta forma, o projeto visou explorar o potencial de centro de conhecimento da localidade, buscando integrar urbanisticamente os equipamentos que se encontram dispersos, de forma a trazer a sensação de centralidade. Além disso, o projeto objetivou o resgate e liberação das áreas de leito, atualmente ocupadas de forma irregular, com o objetivo de transformá-las em espaços públicos e ampliações do sistema de mobilidade. “As Águas da Natureza”, por sua vez, é o território próximo à porta da mata, onde o rio encontra com as áreas de mata Atlântica, criando espaços ideais para o desenvolvimento de parques públicos com o intuito de aproximar a população da natureza local. Assim, foi prevista a criação de um complexo ambiental formado pela integração do Açude Apipucos, o Parque de Apipucos, a Ilha do Bananal e o rio Capibaribe. Nesse pórtico, o projeto conta com soluções de jardins filtrantes, viveiros de espécies nativas e equipamentos que favoreçam o desenvolvimento de pesquisas e educação ambiental. Também foi projetada uma ponte de acesso entre o centro ambiental (localizado na ilha) e o parque Apipucos, além de um corredor ecológico conectando Apipucos
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