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DAVI SANTANA SANTOS UMA CONTRIBUIÇÃO À MODELAGEM DE LICITAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO URBANO EM NATAL/RN NATAL-RN 2020 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL Davi Santana Santos Uma contribuição à modelagem de licitação de transporte público urbano em Natal/RN Trabalho de Conclusão de Curso na modalidade Monografia, submetido ao Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Bacharel em Engenharia Civil. Orientador: Prof. Dr. Rubens Eugênio Barreto Ramos Natal-RN 2020 Santos, Davi Santana. Uma contribuição à modelagem de licitação de transporte público urbano em Natal/RN / Davi Santana Santos. - 2020. 78 f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Tecnologia, Curso de Engenharia Civil, Natal, RN, 2020. Orientador: Prof. Dr. Rubens Eugênio Barreto Ramos. 1. Transporte Público - Monografia. 2. Ônibus - Monografia. 3. Licitação - Monografia. 4. Concessão - Monografia. I. Ramos, Rubens Eugênio Barreto. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 656.1:624 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede Elaborado por FERNANDA DE MEDEIROS FERREIRA AQUINO - CRB-15/301 Davi Santana Santos Uma contribuição à modelagem de licitação de transporte público urbano em Natal/RN Trabalho de conclusão de curso na modalidade Monografia, submetido ao Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Bacharel em Engenharia Civil. Aprovado em 16 de dezembro de 2020: Natal-RN 2020 Àquele que me concedeu incontestavelmente a vida eterna e a fé salvífica sem que eu houvesse vencido nenhuma concorrência. AGRADECIMENTOS O trabalho aqui exposto traz em si o empenho e a dedicação de mais pessoas além de seu autor. Portanto, faz-se necessário reconhecer os seus respectivos méritos e, deste modo, demonstrar minha sincera gratidão pelas suas contribuições: A Iasmim, meu tesouro, por sua enorme compreensão e apoio, fundamentais nos momentos mais difíceis da escrita deste trabalho. Aos meus pais, que, como meus verdadeiros mecenas e com grande amor filial, deram- me o fundamento necessário para desenvolver minhas atividades intelectuais na Universidade. A Mariane, que, com abundante generosidade, auxiliou-me na escrita deste texto com lições valiosas acerca de como realizar e se expressar numa pesquisa científica. Ao Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial o seu corpo docente, que me propiciou esta jornada pelos conhecimentos da Engenharia Civil nos últimos cinco anos. E, por fim, ao meu orientador, Prof. Dr. Rubens Ramos, que, antes de tudo, provocou em mim a curiosidade e o interesse pela Engenharia dos Transportes, e, neste Trabalho de Conclusão de Curso, mostrou-me diligentemente o caminho a percorrer e forneceu-me as ferramentas necessárias para a realização desta monografia. RESUMO Uma contribuição à modelagem de licitação de transporte público urbano em Natal/RN A prestação dos serviços de transporte público urbano por ônibus através de processo licitatório tem enfrentado dificuldades para seu efetivo funcionamento nas capitais brasileiras. Em 2020, quatro capitais ainda prestam o serviço por meio empresas não licitadas. Uma destas cidades, Natal, teve duas licitações sem concorrentes e os operadores atuais alegam dificuldades para a prestação do serviço devido ao modelo de concessão praticado. Nesse contexto, esta pesquisa objetiva analisar as experiências de concessão de serviços públicos no Brasil realizadas desde a edição da Lei 8.897/1995, tanto no transporte público urbano, como em outros setores, a fim de contribuir para a discussão de um novo modelo de concessão do transporte público urbano por ônibus, tendo por contexto a cidade de Natal/RN. Através de elementos baseados na Teoria dos Mercados Contestáveis e em estudos sobre regulação do transporte público urbano, foi realizada uma análise de seis casos de serviços públicos no Brasil: transporte aéreo público doméstico, telefonia fixa comutada, distribuição de energia elétrica no Rio Grande do Norte e o transporte público urbano por ônibus em Curitiba, São Paulo e Natal. O estudo concluiu que podem ser observadas diferenças entre os modelos de concessão nos casos estudados, de modo que tais variações podem fornecer alternativas úteis para mudanças substanciais e aprimoramentos nos modelos praticados em Natal e no Brasil. Palavras-chave: Transporte Público. Ônibus. Licitação. Concessão ABSTRACT A contribution to competitive tendering modeling of urban public transport in Natal/RN The provision of urban public transport services by bus through a bidding process has faced difficulties for its effective functioning in Brazilian capitals. In 2020, four capitals still provide the service through non-bidding companies. One of these capitals, Natal, had two bidding processes without competitors and the current operators claim difficulties in providing the service due to the concession model practiced. In this context, this research aims to analyze the experiences of public service concession in Brazil implemented since the enactment of Law 8,897/1995, both in urban public transport and in other sectors, to contribute to the discussion of a new concession model of urban public transport by bus, with the city of Natal as context. Using elements based on the Theory of Contestable Markets and studies on the regulation of urban public transport, an analysis of six public service cases in Brazil was carried out: domestic air transport, landline telephone, electric power distribution in the state of Rio Grande do Norte and urban public transport by bus in Curitiba, São Paulo, and Natal. The study concluded that differences between the concession models can be observed among the cases in study, and such variations can provide useful alternatives for substantial changes and improvements in the models practiced in Natal and in Brazil. Keywords: Public Transport. Bus. Bidding Process. Concession Agreement. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................................................................ 14 1.2 OBJETIVO .................................................................................................................. 17 1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO ....................................................................................... 18 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 19 2.1 TEORIA DOS MERCADOS CONTESTÁVEIS ................................................................... 19 2.1.1 Definição ....................................................................................................................... 19 2.1.2 Monopólio natural ......................................................................................................... 21 2.1.3 Custo fixos e custos irrecuperáveis (sunk costs) ........................................................... 22 2.1.4 Livre entrada................................................................................................................. 23 2.1.5 Contestabilidade do transporte coletivo por ônibus ...................................................... 25 2.2 ASPECTOS REGULATÓRIOS DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO POR ÔNIBUS ............ 26 2.2.1 Justificativas econômicas para a regulação ................................................................... 27 2.2.2 Elementos essenciais de uma concessão do transporte coletivo urbano por ônibus ..... 29 2.2.3 Desafios regulatórios para as concessões dos ônibus urbanos ...................................... 30 3. METODOLOGIA .............................................................................................................. 32 3.1 TIPOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................................... 32 3.2 A ESCOLHA DOS CASOS .............................................................................................. 32 3.3 ESTRUTURA DE ANÁLISE ........................................................................................... 33 3.3.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 34 3.3.2 Organização Industrial .................................................................................................. 34 3.3.3 Gestão da Concessão ..................................................................................................... 34 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES ..................................................................................... 36 4.1 TRANSPORTE AÉREO PÚBLICO DOMÉSTICO ................................................................ 36 4.1.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 36 4.1.1.1 Autoridade regulatória ............................................................................. 36 4.1.1.2 Tipo de outorga ......................................................................................... 36 4.1.1.3 Prazo dos contratos .................................................................................. 36 4.1.1.4 Critérios para a entrada ........................................................................... 37 4.1.1.5 Característica dos contratos ..................................................................... 37 4.1.1.6 Restrições legais ....................................................................................... 37 4.1.2 Organização industrial ................................................................................................... 37 4.1.2.1 Estrutura de mercado ............................................................................... 37 4.1.2.2 Investimento em capital ............................................................................ 38 4.1.2.3 Natureza de capital ................................................................................... 38 4.1.2.4 Tipologia societária .................................................................................. 38 4.1.2.5 Origem do capital ..................................................................................... 39 4.1.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 39 4.1.3.1 Responsabilidade pelo planejamento ....................................................... 39 4.1.3.2 Responsabilidade pela gestão ................................................................... 39 4.1.3.3 Tipo de receita .......................................................................................... 39 4.1.3.4 Características de precificação ................................................................ 40 4.1.3.5 Reajuste e revisão tarifária ....................................................................... 40 4.1.3.6 Liberdade empresarial .............................................................................. 40 4.2 TELEFONIA FIXA COMUTADA .................................................................................... 40 4.2.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 41 4.2.1.1 Autoridade regulatória ............................................................................. 41 4.2.1.2 Tipo de outorga ......................................................................................... 41 4.2.1.3 Prazo dos contratos .................................................................................. 41 4.2.1.4 Critérios para a entrada ........................................................................... 41 4.2.1.5 Característica do contrato ........................................................................ 42 4.2.1.6 Restrições legais ....................................................................................... 42 4.2.2 Organização industrial ................................................................................................... 43 4.2.2.1 Estrutura de mercado ............................................................................... 43 4.2.2.2 Investimento em capital ............................................................................ 43 4.2.2.3 Natureza de capital ................................................................................... 44 4.2.2.4 Tipologia societária .................................................................................. 44 4.2.2.5 Origem do capital ..................................................................................... 44 4.2.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 45 4.2.3.1 Responsabilidade pelo planejamento ....................................................... 45 4.2.3.2 Responsabilidade pela gestão ................................................................... 45 4.2.3.3 Tipo de receita .......................................................................................... 45 4.2.3.4 Características de precificação ................................................................ 45 4.2.3.5 Reajuste e revisão tarifária ....................................................................... 46 4.2.3.6 Liberdade empresarial .............................................................................. 46 4.3 DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE ......... 46 4.3.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 47 4.3.1.1 Autoridade regulatória ............................................................................. 47 4.3.1.2 Tipo de outorga ......................................................................................... 47 4.3.1.3 Prazo dos contratos .................................................................................. 47 4.3.1.4 Critérios para a entrada ........................................................................... 47 4.3.1.5 Característica do contrato ........................................................................ 48 4.3.1.6 Restrições legais ....................................................................................... 48 4.3.2 Organização industrial ................................................................................................... 48 4.3.2.1 Estrutura de mercado ............................................................................... 48 4.3.2.2 Investimento em capital ............................................................................ 48 4.3.2.3 Natureza de capital ................................................................................... 49 4.3.2.4 Tipologia societária ..................................................................................49 4.3.2.5 Origem do capital ..................................................................................... 49 4.3.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 49 4.3.3.1 Responsabilidade pelo planejamento ....................................................... 49 4.3.3.2 Responsabilidade pela gestão ................................................................... 50 4.3.3.3 Tipo de receita .......................................................................................... 50 4.3.3.4 Características de precificação ................................................................ 50 4.3.3.5 Reajuste e revisão tarifária ....................................................................... 51 4.3.3.6 Liberdade empresarial .............................................................................. 51 4.4 TRANSPORTE COLETIVO URBANO POR ÔNIBUS DE CURITIBA ..................................... 51 4.4.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 51 4.4.1.1 Autoridade regulatória ............................................................................. 51 4.4.1.2 Tipo de outorga ......................................................................................... 51 4.4.1.3 Prazo dos contratos .................................................................................. 52 4.4.1.4 Critérios para a entrada ........................................................................... 52 4.4.1.5 Característica do contrato ........................................................................ 52 4.4.1.6 Restrições legais ....................................................................................... 52 4.4.2 Organização industrial ................................................................................................... 53 4.4.2.1 Estrutura de mercado ............................................................................... 53 4.4.2.2 Investimento em capital ............................................................................ 53 4.4.2.3 Natureza de capital ................................................................................... 53 4.4.2.4 Tipologia societária .................................................................................. 54 4.4.2.5 Origem do capital ..................................................................................... 54 4.4.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 54 4.4.3.1 Responsabilidade pelo planejamento ....................................................... 54 4.4.3.2 Responsabilidade pela gestão ................................................................... 54 4.4.3.3 Tipo de receita .......................................................................................... 55 4.4.3.4 Características de precificação ................................................................ 55 4.4.3.5 Reajuste e revisão tarifária ....................................................................... 55 4.4.3.6 Liberdade empresarial .............................................................................. 55 4.5 TRANSPORTE COLETIVO URBANO POR ÔNIBUS DE SÃO PAULO .................................. 56 4.5.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 56 4.5.1.1 Autoridade regulatória ............................................................................. 56 4.5.1.2 Tipo de outorga ......................................................................................... 56 4.5.1.3 Prazo dos contratos .................................................................................. 56 4.5.1.4 Critérios para a entrada ........................................................................... 57 4.5.1.5 Característica do contrato ........................................................................ 57 4.5.1.6 Restrições legais ....................................................................................... 57 4.5.2 Organização industrial ................................................................................................... 58 4.5.2.1 Estrutura de mercado ............................................................................... 58 4.5.2.2 Investimento em capital ............................................................................ 58 4.5.2.3 Natureza de capital ................................................................................... 58 4.5.2.4 Tipologia societária .................................................................................. 58 4.5.2.5 Origem do capital ..................................................................................... 58 4.5.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 59 4.5.3.1 Responsabilidade pelo planejamento ....................................................... 59 4.5.3.2 Responsabilidade pela gestão ................................................................... 59 4.5.3.3 Tipo de receita .......................................................................................... 59 4.5.3.4 Características de precificação ................................................................ 59 4.5.3.5 Reajuste e revisão tarifária ....................................................................... 59 4.5.3.6 Liberdade empresarial .............................................................................. 60 4.6 TRANSPORTE COLETIVO URBANO POR ÔNIBUS DE NATAL .......................................... 60 4.6.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 60 4.6.1.1 Autoridade regulatória ............................................................................. 60 4.6.1.2 Tipo de outorga ......................................................................................... 61 4.6.1.3 Prazo dos contratos .................................................................................. 61 4.6.1.4 Critérios para a entrada ........................................................................... 61 4.6.1.5 Característica do contrato ........................................................................ 62 4.6.1.6 Restrições legais ....................................................................................... 62 4.6.2 Organização industrial ................................................................................................... 62 4.6.2.1 Estrutura de mercado ............................................................................... 62 4.6.2.2 Investimento em capital ............................................................................ 63 4.6.2.3 Natureza de capital ................................................................................... 63 4.6.2.4 Tipologia societária .................................................................................. 63 4.6.2.5 Origem do capital ..................................................................................... 63 4.6.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 63 4.6.3.1 Responsabilidade pelo planejamento ....................................................... 63 4.6.3.2 Responsabilidade pela gestão ................................................................... 64 4.6.3.3 Tipo de receita .......................................................................................... 64 4.6.3.4 Características de precificação ................................................................ 64 4.6.3.5Reajuste e revisão tarifária ....................................................................... 64 4.6.3.6 Liberdade empresarial .............................................................................. 65 4.7 SÍNTESE DOS RESULTADOS ........................................................................................ 65 5. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 68 5.1 PRINCIPAIS RESULTADOS ........................................................................................... 68 5.1.1 Estrutura regulatória ...................................................................................................... 68 5.1.2 Organização industrial ................................................................................................... 68 5.1.3 Gestão da concessão ...................................................................................................... 68 5.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO ............................................................................................ 69 5.3 RECOMENDAÇÕES À CONCESSÃO DE NATAL ............................................................. 69 REFERÊNCIAS.............................................................................................................71 LISTA DE FIGURAS, TABELAS E EQUAÇÕES Figura 1 – Situação legal dos municípios brasileiros com sistema de transporte coletivo por ônibus ....................................................................................................................................... 15 Figura 2 – Parcela de mercado do transporte aéreo doméstico ................................................ 38 TABELAS Tabela 1 – Regulação do sistema de transporte coletivo por ônibus das capitais brasileiras que ainda não realizaram a licitação do serviço .............................................................................. 15 Tabela 2 – Descrição dos elementos de análise da dimensão Estrutura Regulatória ............... 34 Tabela 3 – Descrição dos elementos de análise da dimensão Organização Industrial ............. 34 Tabela 4 – Descrição dos elementos de análise da dimensão Gestão da Concessão................ 35 Tabela 5 – Market share da telefonia fixa comutada no Brasil em outubro de 2020 ............... 43 Tabela 6 – Síntese dos resultados na dimensão Estrutura Regulatória..................................... 66 Tabela 7 – Síntese dos resultados na dimensão Organização Industrial .................................. 66 Tabela 8 – Síntese dos resultados na dimensão Gestão da Concessão ..................................... 67 EQUAÇÕES Equação 1 – Produção total de uma indústria com k empresas ................................................ 21 Equação 2 – Definição de subaditividade de custos ................................................................. 21 FIGURAS PÁGINA 14 1. INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização A Constituição Federal (CF), em seu artigo 30, inciso V, atribui aos municípios a competência de “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (BRASIL, 1988). Porém, a Política Nacional de Mobilidade Urbana – Lei Federal 12.587/2012 –, estabelece as atribuições dos estados da seguinte forma: Art. 17. São atribuições dos Estados: I - prestar, diretamente ou por delegação ou gestão associada, os serviços de transporte público coletivo intermunicipais de caráter urbano, em conformidade com o § 1º do art. 25 da Constituição Federal ; II - propor política tributária específica e de incentivos para a implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; e III - garantir o apoio e promover a integração dos serviços nas áreas que ultrapassem os limites de um Município, em conformidade com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal. Parágrafo único. Os Estados poderão delegar aos Municípios a organização e a prestação dos serviços de transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano, desde que constituído consórcio público ou convênio de cooperação para tal fim. (BRASIL, 2012) As formas de concessão1 e permissão2, previstas no artigo 175 da Constituição, tem suas regras dispostas na Lei 8.897/1995. O artigo 14 desta lei determina que o Poder Público deve sempre realizar licitação3 em toda concessão de serviço público (BRASIL, 1995a). O transporte público coletivo pode ser classificado em três grupos: por ônibus, sobre trilhos e outros sistemas (barcas, teleféricos, aeromóveis etc.). No contexto das cidades brasileiras, destaca-se o transporte público coletivo por ônibus como mais utilizado (SUMMIT MOBILIDADE URBANA, 2020). De acordo com Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP (2020, p. 7), 85% das viagens diárias de transporte coletivo nas cidades com mais de 60 mil habitantes são feitas por ônibus. No entanto, em 2017, após 29 anos da CF/88 e 22 anos da Lei 8.897/1995, 39% dos municípios brasileiros dotados de um sistema de transporte coletivo por ônibus intramunicipal ainda não haviam realizado a licitação do serviço (ver Figura 1), como revelou a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentre as 27 capitais brasileiras, até 2020, 4 ainda não tiveram sucesso em realizar a licitação: Aracaju, Belém, Macapá e Natal. Belém e Natal operam por meio de permissão sem 15 licitação, já Aracaju e Macapá por autorização. A Tabela 1 a seguir detalha a modalidade de regulação praticada por estas cidades. Figura 1 – Situação legal dos municípios brasileiros com sistema de transporte coletivo por ônibus Fonte: Adaptado de IBGE (2017) Tabela 1 – Regulação do sistema de transporte coletivo por ônibus das capitais brasileiras que ainda não realizaram a licitação do serviço Município Caracterização do órgão gestor Concessão Permissão Permitida através de licitação Autorização Não regulamentado Aracaju Secretaria exclusiva Não Não - Sim Não Belém Órgão da administração indireta Não Sim Não Não Não Macapá Órgão da administração indireta Não Não - Sim Não Natal Secretaria em conjunto com outras políticas setoriais Não Sim Não Não Não Fonte: Adaptado de IBGE (2017) Segundo Cunha (2009, p. 1), os efeitos da falta de licitação nos contratos do transporte público coletivo vão além da irregularidade. O processo licitatório proporciona a isonomia, incentiva a eficiência, estabelece a competição, define direitos, obrigações, responsabilidades e riscos entre o ente público e a empresa prestadora de serviço. Além disso, a licitação 16 proporciona um ambiente de participação dos usuários desde a sua elaboração, bem como na fiscalização e avaliação dos serviços. No caso de Natal, o sistema atual da cidade se mantém com seis empresas que operam 80 linhas: Guanabara, Nossa Senhora da Conceição, Cidade do Natal, Reunidas, Santa Maria e Transflor (ViaSul). Estas seis também compõem atualmente o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros do Município de Natal, conhecido como SETURN (SETURN, 2020). Segundo o Portal da Transparência da Mobilidade Urbana de Natal, mantido pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), órgão gestor do sistema, todas as seis empresas são permissionárias, sendo as permissões distribuídas por linha. As primeiras obtidas pelas empresas são de 01 de julho de 1983, data anterior às legislações citadas anteriormente, numa época que se prescindia de licitação para a prestação do serviço de transporte público (STTU, 2020). De acordo com matéria do jornal Tribuna do Norte (2020a), os estudos da Prefeitura para uma licitaçãodo transporte público remontam a 2006, porém uma decisão judicial prorrogou os contratos então vigentes até 2010. Somente em 2013, os estudos para um edital foram retomados, resultando na Lei Complementar nº 149 de 2015, que é o marco legal para o transporte coletivo urbano de passageiros em Natal. Em seu artigo 4º, determinou-se um prazo de 18 meses, a partir da publicação da lei, para que um novo sistema de transporte coletivo por ônibus devidamente licitado fosse implantado. Apesar disso, os editais lançados em 2016 e 2017 resultaram em licitações desertas, isto é, não houve propostas por parte de empresas interessadas. O último edital encaminhado pelo Executivo, lançado em 2019, foi devolvido pela Câmara Municipal para adequações. Um novo edital, previsto para março de 2020, foi adiado devido às alterações na demanda causadas pela pandemia do COVID-19 no transporte coletivo. No entanto, os adiamentos e insucessos para a realização da licitação do ônibus da cidade é apenas parte do problema, tendo em vista que a indefinição contratual derivada desta situação causa outros efeitos colaterais negativos no sistema, como, por exemplo, a aversão à realização de novos investimentos para melhoria do serviço e o desequilíbrio econômico- financeiro provocado pelo modelo de concessão4 pensado para a realidade de Natal nos anos 1980. Em relação à dificuldade para investimentos por parte das empresas, em pronunciamento à Tribuna do Norte (2019b), o consultor técnico do SETURN, Nilson Queiroga, declarou acerca dos adiamentos para a publicação do novo edital de licitação que “é 17 no edital que vão estar todas as regras e requisitos que vamos precisar cumprir, portanto, não podemos fazer uma renovação da frota, por exemplo, sem que o edital tenha sido lançado”. Quanto ao modelo de concessão vigente, o diretor da Federação das Empresas de Transporte do Nordeste (FETRONOR) criticou a forma de financiamento praticada, de receita privada, onde todo o risco ocasionado pela demanda incide sobre as empresas: “Da forma como está hoje, não se sustenta. E não há nenhum lugar no mundo com um transporte de qualidade que se sustente nesse modelo” (TRIBUNA DO NORTE, 2020b). Entretanto, a realização do processo licitatório não garante por si próprio um sistema de transporte público econômica e financeiramente equilibrado. Uma modelagem de licitação que não tenha uma adequada base na teoria econômica e na realidade da operação da tecnologia adotada pode levar ao seu posterior insucesso, inutilizando o trabalho realizado pela concorrência. Em São Paulo, maior sistema de ônibus urbano do país, onde havia concessão do ônibus desde 2003, lidou desde o seu término, em 2013, com a necessidade de firmar contratos emergenciais com as operadoras até a nova licitação, em 2019 (BAZANI, 2019). Em Salvador, capital mais populosa da região Nordeste, em 2018, as empresas vencedoras da licitação em 2014 quiseram devolver a responsabilidade pelo serviço ao Poder Público, alegando a insustentabilidade da operação devido ao desequilíbrio econômico-financeiro do sistema (PELEGI, 2018). Nesse contexto, a necessidade da celebração de um novo contrato entre a Prefeitura e os operadores privados gera uma oportunidade singular nos últimos 37 anos: realizar mudanças na realidade do transporte público coletivo por ônibus de Natal através de um modelo de concessão que concilie os interesses do ente público concedente e de empresas do setor. As experiências de modelos de concessão oriundas de outros sistemas de transporte público, e até mesmo de outros serviços públicos, podem fornecer importantes subsídios para o caso em estudo. 1.2 Objetivo Este trabalho tem por objetivo analisar as novas experiências de concessão de serviços públicos no Brasil realizadas desde a edição da Lei 8.897/1995, tanto no transporte público urbano, como em outros setores, a fim de contribuir para a discussão de um novo modelo de concessão do transporte público urbano por ônibus tendo por contexto a cidade de Natal/RN. 18 1.3 Estrutura do trabalho O presente estudo se encontra subdividido em cinco capítulos. Sendo o presente o primeiro deles, possui a intenção de situar o leitor acerca do objeto de estudo e da problemática sobre a qual o trabalho se debruça. Em seguida, o capítulo 2 apresenta de forma concisa as teorias que subsidiam as análises realizadas, a saber: a Teoria dos Mercados Contestáveis e os estudos acerca da regulação do transporte público urbano. Logo após, o capítulo 3 aborda a metodologia empregada para a realização da pesquisa, esclarece os critérios utilizados para seleção dos modelos de concessão pública analisados, fornece informações sobre os casos em estudo e explica os procedimentos de análise e interpretação praticados. O capítulo 4 se propõe a exibir os resultados obtidos pela análise dos contratos de concessão pública selecionados e legislações setoriais. Ao final do capítulo, há um resumo das alternativas encontradas. Por fim, o capítulo 5 conclui o trabalho, apresentando comentários acerca dos resultados encontrados, sugestões de encaminhamentos para trabalhos posteriores e considerações finais acerca da pesquisa. 19 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para atingir os objetivos desta pesquisa, é necessário compreender os aspectos teóricos de trabalhos anteriores que fundamentarão o estudo posterior dos modelos de concessão. A Teoria dos Mercados Contestáveis, que inicia este capítulo, fez contribuições para o aumento da eficiência de indústrias com poucas empresas (oligopólio) ou até mesmo uma empresa (monopólio), trazendo lições para os gestores de políticas públicas. Em seguida, os estudos sobre a regulação, no contexto das concessões do serviço público de ônibus urbano, situam o leitor acerca do motivo de sua existência, sua composição básica e os principais desafios elencados pelos especialistas para sua eficácia. 2.1 Teoria dos Mercados Contestáveis A Teoria dos Mercados Contestáveis surge através dos estudos acerca das estruturas industriais realizados por um grupo de economistas encabeçado por William J. Baumol. As publicações realizadas pelo grupo serviram de base para o livro “Contestable Market and the Theory of Industry Structure”5 (“Mercado Contestável e a Teoria da Estrutura Industrial”), em 1982, sendo considerado um marco inicial desta teoria. Ganhou destaque por afirmar ter dois méritos importantes: primeiro, obter uma generalização dos resultados obtidos pelos mercados perfeitamente competitivos6 para incluir também os oligopólios e monopólios; e, segundo, tornar possível identificar endogenamente qual estrutura certa indústria irá possuir quando estiver em equilíbrio (MARTIN, 2000, p. 5). 2.1.1 Definição O termo “contestable” (“contestável” em inglês) é um adjetivo relacionado semanticamente ao substantivo “contest”, definido como “uma disputa por superioridade ou vitória”. (MERRIAM-WEBSTER, 2020) Sendo assim, um mercado contestável é um mercado que permite a disputa com chances reais de vitória das empresas já estabelecidas (incumbentes) com as empresas que tenham o interesse em entrar no mercado (entrantes). No caso da teoria em estudo, o conceito que subsidia todas as análises e os resultados obtidos é o de “mercado perfeitamente contestável”. Baumol (1982, p. 3-4, tradução nossa) define mercado contestável e suas condições necessárias da seguinte maneira: 20 “Um mercado contestável é aquele no qual a entrada é absolutamente livre, e a saída é absolutamente sem custos. Nós utilizamos “liberdade de entrada” […] não significando que ela é sem custos ou fácil, mas que o entrante não possui nenhuma desvantagem em termos de técnicas de produção ou percepção da qualidade do produto em relação às incumbentes, e que os entrantes em potencial acham apropriadoavaliar a lucratividade da entrada de acordo com os preços pré-entrada das empresas incumbentes” Em suma, tal mercado coloca as empresas entrantes em condições de igualdade competitiva com aquelas que já estão estabelecidas. As empresas incumbentes não gozariam de nenhum privilégio devido ao seu status. Nessa situação, apenas a possibilidade de entrada de uma nova empresa já criaria um ambiente semelhante a um mercado competitivo. É neste sentido que Baumol (1982, p. 2) afirma que a teoria produz uma generalização do conceito de mercado perfeitamente competitivo para uma ampla variedade de estruturas industriais, trazendo consigo os resultados econômicos da concorrência perfeita. A semelhança entre os efeitos da competição e da contestabilidade fica mais evidente quando se observa que a junção de liberdade de entrada com a saída sem custos possibilita que uma empresa, ao observar uma oportunidade de lucro – mesmo que temporária –, entre no mercado e, antes que as outras empresas respondam, abaixando os seus preços, a entrante saia gratuitamente, assegurando seus ganhos. Esta estratégia, conhecida como hit-and-run, torna qualquer empresa que obtenha lucro econômico maior que zero, vulnerável à entrada de um novo competidor lucrativo. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para o caso de empresas incumbentes que produzam ineficientemente (BAUMOL, 1982, p. 4). Portanto, a vulnerabilidade ao hit-and-run teria um efeito disciplinador sobre a indústria como um todo. Estes resultados são de especial interesse para setores onde há forte regulação estatal, baseada na ideia de que os monopólios e oligopólios (abundantes nos serviços públicos) são inerentemente ineficientes ou onerosos. O objetivo das políticas regulatórias passaria então a se concentrar no aumento da contestabilidade destes mercados. No entanto, as condições para que um mercado seja considerado perfeitamente contestável são restritivas e difíceis de se obter na realidade. Baumol (1982, p. 3, tradução nossa) reconhece que “mercados reais são raramente, se muito, perfeitamente contestáveis. Contestabilidade é meramente um ideal mais amplo, um benchmark de aplicabilidade mais abrangente que a concorrência perfeita”. Para aprofundar a compreensão acerca dos mercados contestáveis, será discutido a seguir conceitos fundamentais para a teoria e de interesse para esta pesquisa: monopólio natural, custos fixos e irrecuperáveis, barreiras de entrada e de saída. Ao fim, discute-se a pertinência da contestabilidade ao setor do transporte coletivo por ônibus. 21 2.1.2 Monopólio natural Um conceito conciso e geral acerca dos monopólios naturais é uma das contribuições de Baumol (1977). Por “monopólio natural”, entende-se que uma empresa (ao invés de duas ou mais) é capaz de produzir a demanda necessária a um custo social menor. A concepção naquele momento tinha como fundamento as economias de escala como condição suficiente e necessária para identificar uma indústria como monopólio natural. Este paradigma foi então refutado (as economias de escala são uma característica suficiente, porém não necessária) e o conceito de “subaditividade de custos” surgiu como uma característica intrínseca aos monopólios naturais. De acordo com a definição dada por Baumol, Panzar e Willig (1982, p. 17), uma dada função custo C(y) de uma indústria é considerada estritamente subaditiva em y, sendo este último definido como: 𝑦 = 𝑦 (Eq. 1) Se para qualquer e todas as quantidades de produção y1, ... , yk; yj ≠ y; j = 1, ... , k, tivermos: 𝐶(𝑦) < 𝐶(𝑦 ) (Eq. 2) Em suma, nesta indústria, para tal função custo, é mais barato que uma única empresa produza toda a quantidade y do que o conjunto de duas ou mais. Produzir em partes custa mais que produzir o total. A partir dessa conclusão, a relação entre este conceito e o monopólio natural se torna evidente. O monopólio natural é então definido como uma indústria na qual, para todo intervalo relevante de produção, a função custo é subaditiva. (BAUMOL; PANZAR; WILLIG, 1982, p. 17). Os monopólios naturais podem ser encontrados na realidade. Setores fiscalizados por agências reguladoras e com alto investimento em infraestrutura, geralmente, são monopólios naturais. No entanto, esta análise da estrutura da indústria não possui um caráter comportamental, mas sim normativo. Ela define qual será a estrutura mais eficiente em dada circunstância (BAUMOL, 1982, p. 7). Não obstante, pode haver monopólios naturais que funcionem como oligopólios, por exemplo. 22 Quanto ao transporte público por ônibus, Evans (1991) levantou a hipótese de que o setor seria um monopólio natural e realizou estudos com base nos serviços de ônibus urbano prestados no Reino Unido, que, na época, vivia um momento de desregulamentação e incentivo à competição. A pesquisa chegou à conclusão de que, no nível de rota, o transporte coletivo por ônibus é, de fato, um monopólio natural. 2.1.3 Custo fixos e custos irrecuperáveis (sunk costs) Os custos fixos e os custos irrecuperáveis (ou enterrados, “sunk cost”) são duas componentes do custo total de produção que podem ser facilmente confundidas, ainda assim, suas diferenças possuem efeitos importantes na contestabilidade de uma indústria. Portanto, é necessário conhecer suas definições e as distinções entre eles a fim de identificá-los. Baumol e Willig (1981, p. 406, tradução nossa) definem os custos fixos como “aqueles custos que não são reduzidos, nem mesmo no longo prazo7, por decréscimo na produção, desde que ela não seja descontinuada completamente”. Ou seja, apenas a paralisação completa da produção é capaz de zerar os custos fixos. Já os custos irrecuperáveis, por outro lado, são custos que, exceto no longo prazo, não podem ser recuperados nem mesmo através da interrupção completa da produção. No entanto, no longo prazo, por definição, este tipo de custo é igual a zero (BAUMOL; WILLIG, 1981, p. 406). Para aclarar ainda mais esta distinção, Baumol e Willig (1981, p. 407, tradução nossa) dão dois exemplos esclarecedores: “[…] compare as operações de uma ferrovia e uma linha de montagem automobilística. Se o preço do petróleo subir de tal maneira a restar apenas um mercado para poucas centenas de carros por ano [...] Carros poderiam ser montados manualmente, mesmo a um custo maior por veículo, e o custo total dos equipamentos seriam reduzidos drasticamente. Portanto, o custo do equipamento de uma linha de montagem pode até ser irrecuperável, mas não é fixo. Por outro lado, se uma ferrovia opera entre Nova York e Chicago, há uma despesa mínima devido ao uso da ferrovia que incorre mesmo se os vagões viajarem virtualmente vazios. [...]. Mas mesmo no longuíssimo prazo, o custo da ferrovia não pode ser reduzido para um nível insignificante se a quantidade de serviço for positiva. Portanto, custos irrecuperáveis não precisam ser fixos. E, ainda mais importante, custos fixos não precisam ser irrecuperáveis.” Porém, a importância desta separação é explicada pela caracterização dos custos irrecuperáveis como uma barreira de entrada em potencial e, portanto, um obstáculo à perfeita contestabilidade. A necessidade de “enterrar” capital causa um aumento no risco associado à entrada no mercado e um comprometimento do entrante com a indústria, sendo assim uma barreira de saída. Portanto, a existência de custos irrecuperáveis impede o hit-and-run. Já por 23 outro lado, os custos fixos não se configuram como uma barreira de entrada, já que afetam semelhantemente as empresas incumbentes e as entrantes em um mercado perfeitamente contestável; no caso da saída, a paralisação da produção zera os custos fixos, não impedindo a saída sem custos (BAUMOL; WILLIG, 1981, p. 425). Estes resultados geram aplicações para as políticas regulatórias de serviços públicos. Bailey (1981, p. 179)afirma que setores com alta proporção de custos irrecuperáveis são problemáticos apenas se as empresas incumbentes tiverem acesso permanente e exclusivo ao capital. As soluções para o problema desses custos seriam então: o poder público ou um consórcio privado assumi-los, ou ainda, promover contratualmente instrumentos que facilitem a transferência dos custos irrecuperáveis. Já no caso de alta proporção de custos fixos, tais setores possuem uma tendência natural a serem bens públicos e monopólios naturais, como mostram Baumol e Willig (1981, p. 424-425). No caso do transporte público, os veículos, que são o principal equipamento de produção e exigem um alto investimento, consistem no que é conhecido como “capital sobre rodas” e podem ser transferidos facilmente para outro mercado por meio de venda, desse modo, recuperando o valor investido, mesmo que não totalmente por causa das esperadas perdas por desvalorização e uso do capital (BAUMOL; PANZAR; WILLIG, 1982, p. 281-282). Sendo assim, o setor de ônibus urbano faz parte de uma indústria onde os custos irrecuperáveis podem ser significativamente reduzidos. No caso da infraestrutura de terminais, garagens e sistemas de bilhetagem; que são potencialmente fontes de custos irrecuperáveis, a solução mais utilizada tem sido a propriedade por parte do ente governamental (ANTP, 2015, p. 39). A exigência de que os custos irrecuperáveis sejam ausentes num mercado contestável é uma fonte de crítica à aplicabilidade da teoria. Shepherd (1984, p. 577) afirma que toda atividade produtiva necessita de recursos específicos intransferíveis como pesquisa e desenvolvimento, propaganda, consultorias técnicas etc. Martin (2000, p. 19), num mesmo tom, caracteriza os custos irrecuperáveis como onipresentes nas empresas do mundo real. Desse modo, a eliminação completa desses custos serve mais como um objetivo do que como uma realidade. 2.1.4 Livre entrada As condições de livre entrada são tão proeminentes nos mercados contestáveis, que Shepherd (1984, p. 572-573), num tom crítico à teoria, afirma que “ultra livre entrada” é um termo mais adequado do que “contestável”. Em última análise, todas as condições para se obter 24 a perfeita contestabilidade podem ser reduzidas, de alguma forma, à livre entrada. A seção anterior sobre sunk costs serve como um primeiro exemplo. A livre entrada pode ser impedida pela presença de barreiras de entrada. No livro-texto da teoria, Baumol, Panzar e Willig (1982, p. 5) destacam duas definições relevantes para as barreiras de entrada. A primeira delas caracteriza as barreiras de entrada como a diferença de custos entre um entrante e uma empresa incumbente. Essa definição é também chamada de custos de entrada. Já a segunda define barreira de entrada como um impedimento ao fluxo de recursos numa indústria como consequência de proteção social excessiva às incumbentes. Num mercado perfeitamente contestável, a ausência de custos de entrada também eliminaria as outras barreiras de entrada no sentido da segunda definição. No entanto, Shepherd (1984, p. 581) destaca alguns exemplos clássicos de barreiras de entrada: diferenciação de produto, economias de escala, vantagens de custo, patentes, pesquisa e desenvolvimento, integração vertical, redes de venda etc. A abundância de fontes de barreiras de entrada torna a sua quantificação complexa e, consequentemente, sua completa eliminação difícil. O conceito de barreira de saída é definido por Caves e Porter (1976) como fatores estruturais, estratégicos e gerenciais que mantêm as empresas num mercado mesmo quando elas obtêm lucros baixos ou negativos. No entanto, esse conceito carrega consigo também a mesma complexidade das barreiras de entrada. As barreiras de saída têm o potencial em impedir uma entrada livre num sentido mais amplo (BAUMOL, 1982, p. 4). O risco de adentrar numa indústria em que uma saída difícil é esperada pode ser encarado como uma barreira de entrada. Mas uma característica de livre entrada contestada por críticos é a suposição feita acerca da reação das empresas incumbentes a um entrante. Baumol (1982, p.4) define como uma característica de um mercado contestável que as empresas entrantes avaliam suas oportunidades de lucro como se o resultado de uma ocasional entrada não fosse capaz de alterar os preços, seja por aumento da oferta ou por resposta das concorrentes. Martin (2000, p. 10-12) explica que este tipo de suposição é uma herança direta da teoria dos mercados competitivos e é plausível apenas para o caso de empresas pequenas o suficiente para que as alterações na demanda e nos preços causadas pela sua entrada sejam tão pequenas que possam ser desprezadas. No entanto, para uma teoria que pretende atender setores monopolistas, tal suposição não parece adequada. Uma forma encontrada por Baumol, Panzar e Willig (1983, p. 493) para vencer esta dificuldade teórica foi definir que os entrantes não precisariam dar os preços do mercado como fixos permanentemente, mas somente durante a sua permanência no mercado. Mesmo assim, em mercados onde as empresas podem fazer reajustes de preços rapidamente, um novo entrante pode não ter lucro ainda que o hit-and-run seja possível8. 25 Contratos de longo prazo ou regras que dificultem a mudança de preços podem servir como proteção aos entrantes e resolver o imbróglio citado (BAUMOL; PANZAR; WILLIG, 1983, p. 493). Entretanto, o desafio passaria a ser a manutenção da possibilidade de entrada reversível (ou saída sem custos) nos termos destes contratos. Tal situação é possível dentro do contexto brasileiro do transporte público por ônibus, tendo em vista que contratos de longo prazo já são uma prática corrente. Além disso, os princípios da isonomia, igualdade, impessoalidade e julgamento objetivo presentes na Lei 8.666/93 (BRASIL, 1992, Art. 3º) dificultam a resposta em tempo hábil das empresas incumbentes às ofertas dos entrantes. 2.1.5 Contestabilidade do transporte coletivo por ônibus Gagnepain, Ivaldi e Vibes (2011, p. 15) listam as seguintes condições para um mercado ser perfeitamente contestável: Livre entrada; Ausência de custos irrecuperáveis; Um entrante deve ter acesso às mesmas tecnologias que as empresas incumbentes; O entrante tem acesso a todos os clientes de um mercado tanto quanto as incumbentes, ou seja, não existe diferença na percepção do produto do entrante em relação às incumbentes; Apesar de não ser possível pensar em um mercado perfeitamente contestável no transporte, pelas dificuldades já expostas à sua concretização, o setor possui características vantajosas para a contestabilidade. O mercado para ônibus usados é significativo; as tecnologias utilizadas na operação não são, geralmente, exclusivas a poucas empresas; o usuário tende a escolher o primeiro ônibus a chegar na parada a despeito de outras características, como qualidade, conforto e empresa; e a regulação no setor proporciona espaços de tempo entre a decisão de mudança de preço até sua efetivação no mercado, permitindo que outras empresas possam decidir sair do mercado (hit-and-run). No cenário do Reino Unido, Landridge e Sealey (2000) concluíram que as desregulamentações ocorridas no serviço de ônibus urbano em todo o país nos anos 1980 promoveram resultados condizentes com as expectativas de um mercado contestável apenas no curto prazo, porém, no longo prazo, movimentos estratégicos das empresas incumbentes levantaram barreiras de entrada e a contestabilidade foi perdida. Cowie (2011) estudou a contestabilidade do serviço de ônibus em um cenário regulado, onde a competição ocorre “para a entrada no mercado” e não “no mercado”. Através da análise de 90 mercados britânicos nos 26 aspectos de nível de tarifa, margem de lucro e eficiência técnica, o estudo chegou à conclusão de que há evidências da existência de contestabilidade. Dewey,Muñoz e Paget-Seekins (2015, p. 427,435), num estudo sobre a regulação dos serviços de ônibus na América Latina, destacaram a importância de produzir e manter a contestabilidade como a preocupação principal na formulação das políticas regulatórias e na intervenção governamental do setor. No contexto brasileiro, Ramos (1997, p. 54-55), através de revisão bibliográfica de estudos acerca da desregulamentação do transporte público por ônibus, afirma que apesar da imperfeição na contestabilidade deste setor, ações baseadas na teoria contribuíram para o aumento da competitividade do mercado. Já Nitzke, Nodari e Senna (2015, p. 3) destacam a franchising, que serve de fundamento teórico para as licitações brasileiras, como respaldado pela Teoria dos Mercados Contestáveis. Portanto, o estudo da contestabilidade ocupa um lugar eminente no arcabouço teórico necessário para um desenho regulatório eficiente das concessões do transporte coletivo. 2.2 Aspectos regulatórios do transporte coletivo urbano por ônibus O serviço de ônibus urbano tem passado por mudanças ao longo dos últimos 50 anos quanto ao papel do governo e das empresas na sua realização. Até os anos 70, os serviços de transporte público urbano eram normalmente disponibilizados através de empresas públicas que possuíam o monopólio sobre o mercado, mas as crises do petróleo (1973 e 1979) promoveram desequilíbrios econômico-financeiros, de modo que, a partir dos anos 1980, a liberalização e a privatização apareceram como uma solução. Entretanto, este modelo rendeu problemas de segurança, ambientais e sociais, acompanhados do encarecimento das tarifas. Dos anos 1990 até o momento, passou a imperar um modelo híbrido, onde o ente público e o privado compartilham responsabilidades (ESTACHE; GOMÉZ-LOBO, 2005, p. 139). A concessão pública discutida neste estudo aparece como um exemplo de configuração híbrida para a provisão do serviço. Nas seções a seguir, serão explicitados os motivos que tornam a intervenção governamental necessária no setor, as características que compõem a concessão deste serviço e os principais desafios regulatórios enfrentados pelos gestores da mobilidade urbana. 27 2.2.1 Justificativas econômicas para a regulação A regulação de um serviço surge como uma resposta à incapacidade do mercado de provê-lo de modo a maximizar o bem-estar social, resultado esperado para um mercado perfeitamente competitivo. Os fatores que causam este desvirtuamento são denominados “falha de mercado” e requerem uma intervenção externa, normalmente governamental, para anular – ou ao menos mitigar – estas falhas (CARVALHO; GOMIDE, 2016, p. 8). O transporte coletivo urbano por ônibus possui falhas de mercado. Estache e Gómez- Lobo (2005) e Carvalho e Gomide (2016) citam: a falta de direitos de propriedade sobre os meios-fios, os incentivos contratuais dados aos motoristas, as externalidades, a entrada excessiva ocasionada pela competição nas ruas e as economias de densidade. A falta de direitos de propriedade sobre os meios-fios é uma limitação à competição por conta da necessidade de se induzir a demanda numa nova parada quando um sistema de ônibus urbano é implantado. Essa indução da demanda, isto é, a oferta de um serviço contínuo e suficientemente confiável, é um investimento feito pelo operador e normalmente deficitário no seu começo. O problema ocorre então pela possibilidade de um outro competidor se aproveitar da demanda criada e aproveitar-se do investimento realizado anteriormente por outro concorrente por causa do uso público dos meios-fios. Por consequência, ao não se recuperar o investimento realizado, o operador deixa de ofertar o serviço e a demanda é então perdida. A concessão governamental de direitos exclusivos sobre as paradas tem sido a solução utilizada para evitar esta falha (ESTACHE; GÓMEZ-LOBO, 2005, p. 143). Em relação aos contratos dos motoristas, no caso de um cenário desregulamentado, normalmente, a remuneração é relacionada unicamente ao número de passageiros. Sendo assim, os proprietários estão propensos a agregarem na remuneração dos motoristas algum bônus por desempenho atrelado ao número de passageiros atendidos. Este tipo de incentivo, no entanto, se configura como uma falha devido à tendência de os motoristas agirem de forma insegura no trânsito ao disputar o passageiro na parada com um concorrente e realizar paradas excessivas para embarque, afetando a eficiência do serviço. A solução seria dissociar a remuneração dos motoristas ao número de passageiros transportados, porém num cenário de livre concorrência, isto não seria natural. Em última análise, apenas uma mudança na forma de remuneração poderia desestimular tal prática, o que demandaria um sistema independente para coleta da receita e posterior distribuição entre os operadores (ANTP, 2015, p. 31-32). A entrada excessiva é uma falha que ocorre em decorrência da falta de regulação da tarifa. Gagnepain, Ivaldi e Vibes (2011, p. 18-19) discutem sobre o fato de não haver lealdade 28 do consumidor a um operador no transporte coletivo urbano, o passageiro tende a embarcar no primeiro ônibus que chega na sua parada e que vá em direção ao seu destino, sendo pouco sensível a diferenças de empresa, qualidade e, em certo nível, até em preço. Ceteris paribus, um ônibus que irá chegar em dez minutos numa parada não é um perfeito substituto para um ônibus que chegará em um minuto. Desse modo, a competição nas ruas, no contexto do ônibus, costuma ser em termos de frequência e não em preço. Sendo assim, as empresas são pressionadas a aumentar a oferta para conquistar mais clientes, ao mesmo tempo que oneram a tarifa devido ao maior custo por passageiro transportado. A regulação entraria então com a função de limitar a oferta a uma quantidade ótima por meio da restrição do nível da tarifa. A entrada acima dos níveis sociais adequados gera efeitos negativos na cidade, como congestionamentos e poluição, que são identificados como “externalidades”. As externalidades ocorrem “quando uma atividade causa efeitos negativos ou positivos para outrem, mas não internaliza os custos ou os benefícios gerados por ela. No caso de custos, ter-se-ia externalidades negativas; no caso de benefícios, externalidades positivas” (CARVALHO; GOMIDE, 2016, p. 10). A redução do uso de veículos individuais particulares ocasionados pelo transporte coletivo, em termos de diminuição de congestionamentos e poluição, é um exemplo de externalidade positiva. A falha ocorre pelo fato de o preço da tarifa não refletir adequadamente os custos e benefícios gerados pelo serviço de ônibus. Como os benefícios ocasionados pelo transporte público atingem toda a sociedade, é razoável que subsídios governamentais ajustem a tarifa ao seu verdadeiro preço para o usuário direto. Por outro lado, especificações tecnológicas e de qualidade da frota precisam ser definidas de modo a atenuar os custos decorrentes de externalidade negativas (CARVALHO; GOMIDE, 2016, p. 10). Por fim, as economias de densidade (também conhecidas como economias de rede), diferentemente das economias de escala, que são relacionadas ao decréscimo do custo médio de produção com o aumento do volume produzido, dizem respeito à diminuição do custo unitário do serviço pelo aumento da capacidade de uma estrutura de rede (GAGNEPAIN; IVALDI; VIBES, 2011, p. 4). Sendo assim, quanto maior a densidade de uma rede, menor será o custo por passageiro e maior será a oferta. Por esse motivo, a criação de uma rede integrada e densa é uma solução para a melhoria do serviço. No entanto, a falha de mercado decorre do fato que, num cenário desregulamentado, os operadores competem nas ruas pelos passageiros com linhas sobrepostas e horários coincidentes nas mesmas áreas. Outra consequência negativa é a restrição do alcance da rede a regiões que são rentáveis financeiramente,excluindo áreas de pouca densidade populacional e periféricas. Neste cenário competitivo, as economias de densidade seriam desperdiçadas às expensas do usuário. A intervenção governamental surge 29 então para estabelecer uma rede capaz de absorver essas economias de densidade, de modo a promover um sistema racionalizado, integrado e acessível à toda população (CARVALHO; GOMIDE, 2016, p. 8-9). De maneira geral, a substituição da competição no mercado por uma competição pelo mercado tem sido a solução adotada para manter, até certo nível, as características de um mercado competitivo sem deixar o setor vulnerável às falhas de mercado. A licitação por concorrência é o instrumento legal utilizado no Brasil para promover a competição das empresas para a entrada no mercado. 2.2.2 Elementos essenciais de uma concessão do transporte público urbano por ônibus De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012), os contratos de outorga do serviço público de transporte público urbano devem seguir as seguintes diretrizes: Art. 10. A contratação dos serviços de transporte público coletivo será precedida de licitação e deverá observar as seguintes diretrizes: I - fixação de metas de qualidade e desempenho a serem atingidas e seus instrumentos de controle e avaliação; II - definição dos incentivos e das penalidades aplicáveis vinculadas à consecução ou não das metas; III - alocação dos riscos econômicos e financeiros entre os contratados e o poder concedente; IV - estabelecimento das condições e meios para a prestação de informações operacionais, contábeis e financeiras ao poder concedente; e V - identificação de eventuais fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, bem como da parcela destinada à modicidade tarifária (BRASIL, 2012). Carvalho e Gomide (2016, p. 11) estabeleceram, baseados em literatura especializada, oito variáveis regulatórias que resumem as características de um modelo de concessão de transporte público e servem de guia para a sua análise: critérios para a entrada no mercado, prazos dos contratos, organização da oferta, modelo de remuneração do operador, forma de fixação da tarifa para os usuários, incentivos à qualidade e produtividade dos serviços, financiamento da operação, e participação e controle social. Nitzke, Nodari e Senna (2015, p. 9-10), em adição às variáveis citadas, também citam o fator “incerteza e risco”. Esse fator diz respeito à divisão dos riscos inerentes ao negócio entre o ente público e o ente privado. Estes riscos podem ser descritos como: risco de especificação do produto, risco de construção e cronograma, risco de operação, risco de demanda, risco de mudanças de preferências e risco de regulação. Os contratos de concessão devem então ser desenhados de modo a eliminar o máximo possível estes riscos (ANTP, 2015, p. 41). 30 O primeiro tipo de risco diz respeito à possibilidade de o produto (nesse caso, o serviço de ônibus urbano) não ser especificado corretamente no contrato, afetando a precisão das obrigações contratuais. Já o risco de construção e cronograma é relacionado à variação de preços dos insumos e mão-de-obra, atraso na liberação de licenças e autorizações, e práticas aquém da eficiência técnica que podem afetar os custos de produção e atrasar o retorno dos investimentos realizados. Quanto ao risco de operação, os elementos causadores acarretam alterações na entrega do serviço em quantidade ou qualidade acordadas. O risco de demanda decorre da possibilidade de variação na quantidade requerida do serviço, o que pode afetar a remuneração das concessionárias a ponto de tornar o serviço inviável. O risco de mudanças de preferências tem relação com a possibilidade de ser necessário realizar alterações nas especificações do serviço devido a novas preferências dos usuários. Por último, o risco de regulação surge da possibilidade de mudanças não previstas na legislação que regula o serviço prestado, afetando o cenário previsto pelas concessionárias (IOSSA; SPAGNOLO; VELLEZ, 2007 apud ANTP, 2015). Os objetivos do contrato de concessão devem então, segundo Iossa, Spagnolo e Vellez (2007 apud ANTP, 2015) fornecer os incentivos necessários para que as partes ajam eficientemente, mesmo quando não sejam observáveis, e fornecer salvaguardas para a parte mais avessa ao risco. ANTP (2015, p. 41) elenca dois princípios norteadores para a alocação de riscos: se as partes tiverem uma aversão ao risco similar, então o risco deve ser alocado para a parte que possui mais controle sobre suas causas; e, inversamente, se o controle sobre as causas do risco é similar entre os envolvidos, o risco deve ficar sob responsabilidade daquele que tem menor aversão a ele. Um exemplo notável no caso do ônibus urbano é o risco de demanda. Para incentivar ações eficientes por parte dos operadores, a sua remuneração deveria ser relacionada à demanda. No entanto, alterações na demanda causadas por fatores exógenos e fora de controle das concessionárias advogam pela via contrária, tendo em vista que o poder público possui menor aversão a esse tipo de risco. Os incentivos econômicos contratuais, portanto, possuem um papel relevante no processo de distribuição do risco. 2.2.3 Desafios regulatórios para as concessões dos ônibus urbanos Apesar de todos os benefícios ao transporte coletivo apresentados, o sistema de concessão pode se tornar ineficiente. Após o fim da concorrência e estabelecimento da operação, há pouco incentivos no curto prazo para manter as concessionárias em nível 31 competitivo. Por outro lado, o poder concedente tem grande interesse em mantê-las, tendo em vista que o processo licitatório e de mudança na concessão é dispendioso politicamente. Sendo assim, as empresas possuem uma vantagem em termos de poder de barganha para renegociar contratos ao seu favor. A exploração da possibilidade de renegociação dos contratos enfraquece as características positivas da licitação (ESTACHE; GOMÉZ-LOBO, 2005, p. 151). O órgão regulador, portanto, deve proteger a contestabilidade do mercado ao facilitar e instrumentalizar a organização de novas licitações (DEWEY; MUÑOZ; PAGET-SEEKINS, p. 435). A assimetria de informações, isto é, quando uma das partes possui melhores informações do que a outra, é um obstáculo ao sucesso dos contratos de concessão. Uma opção disponível para lidar com esta barreira seria produzir mais de uma alternativa de contrato, formando assim um “cardápio” de contratos, onde os concorrentes poderiam escolher aquele que mais se adeque aos seus interesses ao se levar em conta as informações assimétricas (ESTACHE; GOMÉZ-LOBO, 2005, p. 152). Por fim, ANTP (2015, p. 41-42) destaca a importância do desafio regulatório em torno da criação de incentivos contratuais que conduzam os operadores aos objetivos pretendidos pelo órgão concedente. As variáveis levadas em conta para a formulação destes incentivos são: atendimento à demanda, frequência e regularidade do serviço, segurança da operação, risco de receita e acesso ao setor financeiro, e capacidade de planejamento e monitoramento. As complicações surgem na busca pelo equilíbrio entre essas variáveis num único modelo de concessão. Deste modo, os decisores políticos se veem diante do trabalho de compor contratos que estimulem uma performance competitiva de modo a gerar um melhor custo-benefício para a sociedade. 32 3. METODOLOGIA 3.1 Tipologia da pesquisa A metodologia consiste nas “atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo de produzir conhecimentos válidos e verdadeiros” (LAKATOS; MARCONI, p. 83). Com este fim, será realizado uma investigação de abordagem qualitativa, de método comparativo e de natureza exploratória. Isso significa, primeiramente,que o estudo se deterá a aspectos que não podem ser quantificáveis, nos remetendo ao universo dos valores e significados (MINAYO, 2001). A metodologia qualitativa é amplamente usada nas ciências sociais, sendo, portanto, útil para um estudo que intenta investigar fenômenos complexos, de difícil separação entre causas e motivações isoladas e exclusivas (MARTINS, 2004, v.30, p. 291), como são os modelos de contratos de concessão pública. Em segundo lugar, pode-se compreender que o trabalho irá se valer da comparação a fim de “verificar similitudes e explicar divergências” (LAKATOS; MARCONI, p. 107). Por último, significa também que será desenvolvida um tipo de pesquisa (exploratória) que tem "como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou construir hipóteses" (GIL, 2002, p. 41). Dadas as características específicas do estudo, escolhemos como procedimento metodológico a pesquisa documental. Conforme aponta Gil (2002, p. 46), essa pesquisa “apresenta uma série de vantagens. [...] Há que se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados”. Os documentos utilizados são as legislações que criam as autoridades regulatórias e regulamentações das atividades, além de editais de licitação e contratos firmados entre o Poder Público e as empresas. 3.2 A escolha dos casos A pesquisa documental propriamente dita, por sua vez, terá como amostra seis casos de concessão pública no Brasil: o transporte aéreo público doméstico, a telefonia fixa comutada, a distribuição de energia elétrica no Rio Grande do Norte, o transporte público urbano por ônibus em São Paulo, em Curitiba e em Natal. O transporte público aéreo doméstico é de interesse deste trabalho por, apesar de se tratar também de um setor de transporte de passageiros (ainda que aéreo), ter diferenças no modelo de concessão empregado, principalmente no grau de liberdade das empresas e na 33 estrutura de mercado. O enfoque no tipo doméstico se deve ao fato desta ocorrer exclusivamente no território nacional, o que elimina a influência da operação de transporte em outros países, que está além do objetivo deste trabalho. O estudo do serviço de telefonia fixa comutada se dá pela experiência do setor com a abertura gradual do mercado para a livre concorrência. A restrição a somente o serviço de telefonia fixa comutada ocorre devido ao seu caráter de serviço de interesse coletivo e oferta em regime público (isto é, com metas de universalização e continuidade do serviço). A distribuição de energia elétrica no estado do Rio Grande do Norte foi escolhida para estudo devido ao fato de ser um setor sob concessão pública que atende a mesma população que o sistema de transporte público urbano de Natal. Já em relação ao sistema de transporte público urbano por ônibus de Curitiba, a sua rede, conhecida como Rede Integrada de Transportes (RIT), é um case de relevância internacional em transporte público de qualidade, servindo de inspiração para outros sistemas, como o de São Paulo e o de Bogotá, este último mais conhecido como Transmilênio (VASCONCELLOS, 2019, p. 9). Portanto, seu estudo neste trabalho é justificado pela experiência positiva de Curitiba no âmbito do transporte público urbano. Quanto ao sistema de transporte público urbano por ônibus de São Paulo, a inclusão neste estudo tem relação com o seu status de maior rede de ônibus municipal do Brasil, tanto em número de passageiros, quanto em quilômetros rodados por ano, bem como em quantidade de veículos (ANTP, 2014). Sendo então uma rede tão extensa, sua maior complexidade pode fornecer subsídios para a modelagem de licitações. Por fim, o caso do transporte público urbano por ônibus de Natal, como contexto desta pesquisa, é um caso escolhido pela sua pertinência ao objetivo desta pesquisa. Portanto, o estado atual de seu funcionamento e as propostas para o sistema a partir da última tentativa de licitação são de interesse para esta análise 3.3 Estrutura de Análise A partir da pesquisa documental serão identificadas alternativas entre as variáveis escolhidas para a análise. As variáveis escolhidas possuem relação com a Teoria dos Mercados Contestáveis e com os estudos acerca da regulação do transporte público urbano, porém restritas ao sentido organizacional. Portanto, as variáveis que dizem respeito a rede e a tecnologia não serão abordadas por estarem além do escopo do trabalho. Os elementos da análise a serem 34 estudados foram classificados em três dimensões: estrutura regulatória, organização industrial e gestão da concessão. 3.3.1 Estrutura regulatória A Tabela 2 abaixo dará detalhes acerca dos elementos da análise e sua descrição. Tabela 2 – Descrição dos elementos de análise da dimensão Estrutura Regulatória 3.3.2 Organização Industrial Os elementos a serem estudados no grupo Organização Industrial são detalhados na Tabela 3 abaixo: Tabela 3 – Descrição dos elementos de análise da dimensão Organização Industrial Identificação Conceito Estrutura de Mercado Forma de organização do mercado: monopólio, oligopólio, duopólio etc. Investimento em Capital (CAPEX) Despesas com capital requeridos a partir do momento de entrada no setor. Natureza de capital Definição acerca do caráter público ou privado do capital. Tipologia Societária Classificação das empresas do setor quanto ao seu tipo de sociedade (S/A, LTDA etc.). Origem do Capital Abrangência da procedência da composição societária das empresas. 3.3.3 Gestão da Concessão O estudo dos elementos referentes ao grupo Gestão da Concessão se dará de acordo com o descrito a seguir pela Tabela 4: Identificação Conceito Autoridade Reguladora Responsabilidade pela regulação e fiscalização do sistema. Tipo de Outorga Definição acerca da forma de prestação do serviço (por concessão, permissão, autorização ou mais de um tipo). Prazo dos Contratos Duração prevista para os contratos. Critérios para entrada Condições necessárias para a participação no mercado. Característica dos contratos Principais atributos dos contratos e editais de licitação. Restrições legais Impedimentos à participação no mercado. 35 Tabela 4 – Descrição dos elementos de análise da dimensão Gestão da Concessão Identificação Conceito Responsabilidade pelo Planejamento Entidade com as competências de realizar o planejamento do sistema. Responsabilidade pela Gestão Entidade com as competências de realizar a gestão do sistema. Tipo de Receita Se a arrecadação é direcionada diretamente às empresas (receita privada) ou se algum órgão ligado ao Poder Público centraliza as receitas e faz sua distribuição (receita pública). Características da Precificação Formas de definição dos preços e da remuneração das empresas. Reajuste e Revisão Tarifária Formas e prazos para a alteração da remuneração das empresas. Liberdade Empresarial Abrangência da autonomia das empresas na sua atividade. Por fim, será realizada uma síntese das alternativas encontradas, seguida pelas discussões pertinentes a uma visão geral sobre a análise. 36 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 Transporte aéreo público doméstico De acordo com a Lei Federal nº 7.565/1986, os serviços aéreos podem ser privados ou públicos. Os serviços aéreos privados não são remunerados pelo seu uso e ocorrem em benefício do próprio operador, diferentemente dos serviços aéreos públicos. Quanto a estes últimos, abrangem os serviços aéreos especializados públicos e os serviços de transporte aéreo público de passageiros, carga ou mala postal, regular ou não regular, doméstico ou internacional. O caso em estudo será o serviço aéreo público doméstico, isto é, aquele em que os pontos de partida, intermediários e de destino estejam situados em Território Nacional
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