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Exclusão social - 500 anos SAWAIA, Cap 02 O tema da exclusão social no Brasil não é novo, pois desde os tempos coloniais ele se faz presente. Porém, o processo de globalização vem dando novos contornos. Já é inequívoco que os processos de globalização afetaram sensivelmente a todos os países, em especial o quadro social daqueles do chamado terceiro mundo. Antes vista como pobreza, uma consequência das migrações internas que esvaziavam o campo da região nordeste, do norte, e “incharam" as cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Entendia-se, à época, que os problemas urbanos de moradia, delinquência etc. poderiam ter suas raízes nesses processos migratórios. Na relação com a questão urbana, muitos entendiam que os processos de pobreza na cidade tinham a ver com desorganização transitória, pois, em uma analogia com processos metabólicos, novos membros, em esforço de adaptação, invasão e sucessão, iriam progressivamente assimilar-se ao cenário urbano. Outros autores colocavam o fenômeno da pobreza urbana como uma cultura diferenciada do restante da sociedade. Partindo de outra ótica, as décadas de 60 e 70 apresentam também outro debate, enraizando a pobreza (e a exclusão subjacente) às contradições do modo de produção capitalista. Fazendo parte de um exército industrial de reserva, pessoas se deslocam do campo esvaziado e buscam melhores condições de vida na cidade. Não são marginais, mas integram as engrenagens produtivas de forma desigual. As populações marginais aparecem como consequência da acumulação capitalista. A marginalidade como consequência de um modelo de desenvolvimento que tem como característica básica a exclusão de vastos setores da população de seu aparato produtivo principal. Após o período nacional desenvolvimentista, em plena etapa do chamado “milagre econômico”, os militares e setores conservadores propuseram falsas “soluções” para as questões sociais, desde as propostas habitacionais para os setores populares até o controle da vida sindical dos trabalhadores, a falta de liberdade política de expressão e organização e assim por diante. Alguns dos intelectuais brasileiros, assumindo o preconceito contra as “classes perigosas”, viam os pobres como “populações marginais” ou atrasadas, que poderiam integrar-se ao novo mundo urbano e moderno. Aqui chama-se a atenção para o componente territorial da exclusão. Não só os habitantes deveriam ter acesso aos bens e serviços indispensáveis, mas é necessário que haja uma gestão adequada dos mesmos, assegurando os benefícios para a coletividade. Aponta-se que o terceiro mundo tem "não cidadãos" porque se funda a sociedade do consumo, da mercantilização. Em lugar do cidadão surge o consumidor insatisfeito. Cada homem vale pelo lugar onde está. O seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. A possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Há em todas as cidades, uma parcela da população que não dispõe de condições para se transferir da casa onde mora. AÍ condições existentes nesta ou naquela região determinam essa desigualdade no valor de cada pessoa, tais distorções contribuindo para que o homem passe literalmente a valer em função do lugar onde vive. É curioso que a cidadania, por outro lado, é também o direito de permanecer no lugar, no seu território identitário, o direito a seu espaço de memória. O capitalismo e as políticas urbanas que privilegiam interesses privados e o sistema de circulação acabam, muitas vezes, por descaracterizar bairros, expulsar moradores como favelados sem teto, num nomadismo sem direito às raízes.. Nos anos 90, Atkinson coloca que o conceito de exclusão social é dinâmico, multidimensional e refere-se tanto a processos quanto a situações consequentes dos mesmos. Estabelece a natureza dos mecanismos através dos quais os indivíduos e grupos são excluídos das trocas sociais, das práticas componentes e dos direitos de integração social e de identidade. A exclusão, portanto, vai além do desemprego, englobando os campos da habitação, educação, saúde e acesso a serviços, e portanto à não cidadania. Enfoca-se a emergência da relação contratual de trabalho - e os que dela eram “excluídos” - como os vagabundos, desempregados, pobres e outros, ao longo da constituição da sociedade burguesa. Chega ao período atual, em que a vulnerabilidade se expressa não só no aumento da “exclusão” do emprego, mas também pela precarização das relações contratuais, das formas de sociabilidade perversas e um panorama quanto ao futuro que passa, também, pelo “desmonte” do chamado Estado do Bem-Estar Social. As políticas econômicas atuais (neoliberais) acabam por provocar não políticas de exclusão, mas de inclusão precária e marginal, ou seja, incluem pessoas nos processos econômicos, na produção e circulação de bens e serviços estritamente em termos daquilo que é conveniente e necessário à mais eficiente e barata reprodução do capital. Estas diminuem o caráter perigoso das classes dominadas que de certa forma adequam-se ao funcionamento do sistema capitalista. Coloca ainda que a exclusão é estruturante do sistema capitalista, que excluir para poder incluir de nova forma. Chama-se a atenção, aqui, que para que o termo exclusão seja concebido como expressão das contradições do sistema capitalista e não como estado de fatalidade, é preciso vivenciar a contradição que se expressa na exclusão, desenvolvendo algum nível de consciência da contradição que se vive ao agir. O excluído hoje é aquele que além de estar em situação de carência material é aquele que não é reconhecido como sujeito, pois não se reconhece a si como tal e portanto não atual como tal. O fato de ter acesso à esfera do consumo, principalmente através do consumismo dirigido, constrói um sujeito que imita os ricos, adquirindo mercadorias semelhantes e partilhando das ideias individualistas e competitivas. Só que as oportunidades não são iguais, o valor dos bens é diferente e a ascensão social é bloqueada, caracterizando a sociedade da imitação. Há que se atentar para a exclusão social como face econômica do neoliberalismo e para ela não existe nenhuma política assistencialista, pois as classes dominantes não querem mais integrar. Os pobres passam a desconfiar de si próprios, numa culpabilidade popular: caminhando sobre o chão pavimentado pelo preconceito dos pobres contra pobres.
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