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Processos psicossociais de exclusão SAWAIA, Cap 03 Há um nível onde uma abordagem da exclusão pode fazer sentido: o nível das interações entre pessoas e entre grupos, que dela são agentes ou vítimas. Este nível é próprio da Psicologia Social. Com efeito, a exclusão induz sempre uma organização específica de relações interpessoais ou intergrupos, de alguma forma material ou simbólica, através da qual ela se traduz: no caso da segregação, através de um afastamento. Decorrendo de um estado estrutural ou conjuntural da organização social, ela inaugura um tipo específico de relação social. Sendo o resultado de procedimentos de tratamento social, ela se inscreve em uma interação entre pessoas ou entre grupos. O modo através do qual a Psicologia Social tenta dar conta das relações sociais apresenta dupla característica. Uma, consiste em focalizar as dimensões ideais e simbólicas e os processos psicológicos e cognitivos que se articulam aos fundamentos materiais dessas relações. A outra aborda estas dimensões e processos, considerando o espaço de interação entre pessoas ou grupos, no seio do qual elas constroem e funcionam. A psicologia social tenta compreender de que maneira as pessoas ou grupos que são objetos de uma distinção, são construídos como uma categoria à parte. Para dar conta dessa construção social, diversos modelos teóricos foram propostos. Referindo-se a dinâmicas psíquicas ou a processos cognitivos, eles colocam em jogo noções elaboradas no seio da Psicologia Social, tais como as de preconceito, estereótipo, discriminação, identidade social, ou ainda apelam, através da análise dos discursos sociais, às representações sociais e à ideologia. Uma mesma questão abrange todas as pesquisas: o que é que faz com que em sociedades que cultuam valores democráticos, as pessoas sejam levadas a aceitar a injustiça, a adotar ou tolerar frente àqueles que não são seus pares ou como eles, práticas de discriminação que os excluem? A atenção dirige-se, primeiramente, aos comportamentos hostis que dão à exclusão manifestações extremas, sendo as primeiras delas os linchamentos. A teoria da frustração agressão, acentua a existência de motivações hostis que podem ser ativadas por uma situação de frustração. O impedimento de atingir um objetivo, o entrave de uma necessidade provocaria um estado de cólera que aumentaria a tendência agressiva. Quando esta última não pode se descarregar diretamente sobre a causa da frustração, porque ela é ou muito poderosa ou mal identificada, ela seria deslocada para alvos mais acessíveis ou frágeis. Este mecanismo pode lançar à escala coletiva, em situações que provocam privações ou competições por bens materiais ou simbólicos, o deslocamento da hostilidade, levando a discriminação de grupos minoritários. O fenômeno de deslocamento sobre um "bode expiatório" nem sempre faz aparecer comportamentos abertamente agressivos, mas mesclados de atitudes depreciativas, sob a forma de preconceitos e de estereótipos negativos. Ele pode ser entravado, em sua expressão, pelo temor de desaprovação social. A propensão para prejudicar o outro encontra justificações nas concepções de senso comum, sobretudo aquelas que dizem respeito à explicação causal e à atribuição de responsabilidade das situações nas quais a pessoa se acha vitimizada. Personalidade autoritária Um grupo de pesquisadores pertencentes à escola de Frankfurt, com a teoria da personalidade autoritária, associam a ideologia e a personalidade para dar conta das tomadas de posições racistas e anti democráticas. Eles postulam que crenças que, à primeira vista, parecem sem relação, são ligadas por uma relação psico-dinâmica. Assim, atitudes políticas e econômicas do tipo conservador, caracterizado por uma tendência rígida a aceitar aqueles que são culturalmente semelhantes e a rejeitar aqueles que são diferentes, fazem parte do anti-semitismo e dos fatores de personalidade que definem o autoritarismo. Esta última, modelada por uma educação familiar autoritária, determinaria uma disposição de espírito geral: convencionalismo e desejo de punir aqueles que vão contra os valores convencionais, repressão e projeção nos bodes expiatórios de sentimentos negativos, etc. A educação determinaria igualmente um estilo cognitivo que utiliza clichês e estereótipos, de maneira rígida, generalizando-os a todas as pessoas de uma mesma categoria, sem levar em conta as diferenças individuais, e não é capaz de mudá-los na presença de informações novas ou contraditórias. Preconceitos e estereótipos Os modelos psicodinâmicos fazem intervir dois mediadores importantes da exclusão, os preconceitos e os estereótipos. Estas duas noções designam os processos mentais pelos quais se operam a descrição e o julgamento das pessoas ou de grupos, que são caracterizados por pertencer a uma categoria social ou pelo fato de apresentar um ou mais atributos próprios a esta categoria. O preconceito é um julgamento positivo ou negativo, formulado sem exame prévio a propósito de uma pessoa ou de uma coisa e que, assim, compreende vieses e esferas específicas. A atenção está hoje colocada nas representações que fundam os preconceitos, nos processos de comunicação e nos contextos sócio-históricos em função dos quais seus conteúdos se elaboram, muito mais do que na sua forma. Os estereótipos são esquemas que concernem os atributos pessoais que caracterizam os membros de um grupo ou de uma categoria social dada. Categorização social Na literatura psicossociológica, o termo categorização tem dois sentidos. Aquele da classificação em uma divisão social: colocamos as pessoas em uma categoria dada, por exemplo, homens e mulheres.; aquele da atribuição de uma característica a alguém, caso este que podemos relacionar com a estigmatização ou estereótipo. Existe, é claro, uma relação entre esses dois sentidos: imputar uma característica a um conjunto de objetos pode servir para constituí-lo em uma classe definida pela divisão desta característica; inversamente, basta ser afetado por uma categoria, para que se veja atribuir-se a si mesmo uma característica que é típica dela: mulher rima com doçura, homem com agressividade. Haveria uma tendência para selecionar e interpretar as informações de que dispomos sobre os indivíduos e os grupos de maneira congruente com o que nós pensamos da categoria na qual nós as colocamos. Assim, a categorização segmenta o meio social em classes cujos membros são considerados como equivalentes em razão de características, ações e intenções comuns. O mundo social está simplificado e estruturado, baseado em um processo que foi posto em evidência a propósito da percepção e da classificação de objetos físicos, a saber, a assimilação entre elementos semelhantes e o contraste entre elementos diferentes. A explicação desses vieses refere-se à força da necessidade do pertencimento social: o engajamento e a implicação emocional com relação ao grupo ao qual pertencemos, conduzem a nele investir sua própria identidade. A imagem que temos de nós próprios encontra-se assim ligada àquela que temos do nosso grupo, o que nos conduz a defendermos os valores dele. A proteção de nós incitaria, portanto, a diferenciar e, em seguida, a excluir aqueles que não estão nele. De um outro ponto de vista, estas experiências indicam que o modo de se relacionar com seu grupo é tributário de status que este último goza socialmente. Nos grupos dominantes, haveria uma acentuação das particularidades e uma diferenciação das identidades, enquanto que os membros dos grupos dominados manifestariam uma tendência a uma homogeneização e a definição da identidade social, fundando-se em características atribuídas a seu grupo. A partir desta constatação, pesquisas apontam que um status marginalizado, privado de poder, interioriza imagens negativas veiculadas na sociedade e seus membros demonstram sentimentos de insegurança e inferioridade, Os preconceitos e os estereótipos alimentam-se do discurso social para servir às forças de poderna regulação das relações entre grupos que se confrontam em situações sociais e políticas concretas. Os estereótipos de deslegitimação visam excluir moralmente um grupo do campo de normas e de valores aceitáveis, por uma desumanização que autoriza a expressão do desprezo e do medo e justifica as violências e penas que lhe infligimos. A exclusão, portanto, se instaura e se mantém graças a uma construção da alteridade que se faz baseada nas representações sociais que a comunicação social e midiática contribui para difundir.
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