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AS EXPERIÊNCIAS DO PROJETO POPULARIZANDO A LIBRAS NAS ESCOLAS BRAGANTINAS Gláucia Caroline Silva de Oliveira Janaina de Sousa Santos Luane Costa da Silva Universidade Federal do Pará; Faculdade de Ciências Naturais; Programa Institucional de Bolsas de Extensão Universitária. gcoliveira@ufpa.br; janainadesousasantos@gmail.com; luanecosta4@gmail.com Eixo temático: Os desafios da educação inclusiva no contexto da sala de aula Modalidade de apresentação: Relato de Experiência Resumo Temática da experiência: A experiência vivenciada enquadra-se na temática educação inclusiva para surdos. Fundamentação teórica: A inclusão escolar dos surdos perpassa inicialmente pelo direito a língua materna. A construção de uma escola bilíngue que oportunize o uso da Libras como primeira língua é muito importante para promover o acesso a um desenvolvimento mais pleno, tanto linguístico, cognitivo como de conhecimento de mundo. Contexto em que foi desenvolvida: neste contexto, nasceu o projeto de extensão “Popularizando a Libras nas escolas Bragantinas” que objetivou levar a língua de sinais e gerar discursões sobre questões relacionadas à cultura surda e a educação de surdos a comunidade escolar em 12 escolas de Bragança, Pará em 2016. Metodologia: o projeto levou as escolas ações em rodas de conversas e oficinas, que ocorreram em três etapas (1) Apropriando-se da realidade das escolas; (2) Na trilha das escolas: divulgando a Libras em espaços escolares e (3) Mãos à obra: Aprendendo e exercitando a Libras no contexto escolar. Resultados: Houve grande participação e interesse da comunidade escolar no projeto. A construção deste espaço para discussão e reflexão gerou também momentos de partilha de vivências, das dificuldades mútuas que sentem professores e alunos. O clímax destas ações foi alcançado quando os participantes expressavam que atitudes viáveis de comprometimento e responsabilidade pelo processo inclusivo, não são de responsabilidade exclusiva do governo, mas sim de toda a sociedade. Palavras chave: Escola inclusiva, Cultura Surda, Libras na Escola. INTRODUÇÃO A história da educação de surdos é fortemente marcada por situações que colocam a linguagem em destaque. O fato de usarem uma língua de mailto:gcoliveira@ufpa.br mailto:janainadesousasantos@gmail.com mailto:luanecosta4@gmail.com modalidade viso-espacial em um mundo em que a maioria utiliza a oral- auditiva fez com que os surdos fossem mal compreendidos, marginalizados e subutilizados em diversas sociedades. O contexto diluído (nascer em famílias ouvintes e em territórios variados) com que se apresentam socialmente não permite uma demarcação efetiva como se observam comumente na organização de diversos povos com seus territórios, línguas e culturas. Contudo, os surdos costumam se organizarem em grupos, comunidades e associações que permitem o desenvolvimento da identidade e a sobrevivência da cultura surda (GESUELI, 2006) O contato com duas irmãs surdas, na França (séc. XVIII) permitiu que o abade Charles-Michel de l'Épée conhecesse a forma de expressão por sinais e a partir daí iniciasse um processo que culminaria na fundação da primeira escola pública para surdos, o Instituto Nacional de Surdos Mudos de Paris. O desenvolvimento de metodologias que combinavam caráter visual e gestual ao oral possibilitou o desenvolvimento escolar de muitos surdos neste instituto e a formação dos primeiros professores surdos que se tem registro na história (CARVALHO, 2012). No Brasil (séc. XIX) a educação de surdos foi difundida pelo educador surdo francês Hernest Huet, que a convite do imperador D. Pedro II fundou o Imperial Instituto de Surdos Mudos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) no Rio de janeiro (HONORA, 2008). No entanto, em 1860 uma determinação mundial determina que a metodologia para o ensino de surdos deveria centrar-se na oralidade, pois o uso de sinais é julgado prejudicial para o desenvolvimento da linguagem oral. Surdos foram privados de sua natureza expressiva e passaram por diversas situações escolares opressoras e limitantes que resultaram em atraso escolar, emocional e social, como podemos verificar em Fernandes e Moreira (2014): Uma língua oprimida, uma cultura dizimada, um atraso social que perpetuou o esterótipo de deficiência e incapacidade dos cidadãos surdos, até o século XIX, se manifestava prioritariamente em termos linguísticos (FERNANDES; MOREIRA, 2014, p. 54). O reconhecimento das línguas de sinais no mundo foi impulsionado pelos estudos do linguista americano William Stokoe (séc. XX) com a língua Americana de Sinais-ASL, na década de 60 e influenciou profundamente o reconhecimento das línguas de sinais como língua legítima do povo surdo. No Brasil o reconhecimento da língua brasileira de sinais (LIBRAS) ocorreu em 2002, e foi regulamenta em 2005 pelo decreto 5.626 com as diretrizes de como esta língua deveria ser incorporada a vivência social e como o caráter bilíngue deveria ser assegurado para os surdos. Dessa forma, a língua de sinais passou a ser reconhecida como primeira língua (L1) dos surdos e o português como segunda língua (L2), na modalidade escrita. A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) nos últimos cinco anos vem ganhando destaque na mídia e nos currículos das escolas e universidades brasileiras. A partir do decreto 5.626 de dezembro de 2005, o ensino da LIBRAS passou a ser obrigatório nos cursos de Licenciatura e de Fonoaudiologia. No entanto, mesmo sendo considerada como a segunda língua oficial do Brasil, ainda permanece desconhecida por grande parcela da sociedade. As línguas de sinais são naturais das comunidades surdas e a proposta educacional do bilinguismo vem a consolidar tal peculiaridade, defendendo a aquisição da língua de sinais como primeira língua (L1) do surdo e o português como segunda língua (L2) (LACERDA, 1998; KUBASKI E MORAES, 2009). Entretanto, o processo de efetivação desta proposta caminha a passos lentos encontrando inúmeras barreiras, como: a falta de profissionais especializados para trabalhar com os surdos (FESTA; OLIVEIRA, 2012). Muitos surdos nascem em famílias ouvintes e crescem em meio a um ambiente que não os estimula a adquirir a LIBRAS de forma natural, sendo muitas vezes tolhido do convívio com a comunidade surda. Este indivíduo recebe estímulos sonoros e por necessidade desenvolve um sistema de sinais, gestos e mímicas identificáveis, quase especificamente, pelos familiares (DE PAULA, 2009). Tal aspecto reflete negativamente no processo de escolarização e aquisição da língua portuguesa na modalidade escrita e, consequentemente, em outras disciplinas e na interação destes com a própria comunidade surda. Por isso, é errôneo pensar que todo surdo sabe LIBRAS, pelo contrário, surdos precisam aprender LIBRAS para poderem atuar melhor na sociedade, facilitando também a aprendizagem da sua segunda língua que é o português. Por outro lado, muitos ouvintes também desconhecem a LIBRAS e a cultura surda. Por isso, para uma sociedade integradora que acredita nas aptidões e potenciais individuais, que busca inclusão das diferenças, é imprescindível que os ouvintes (membros da sociedade majoritária) compreendam o universo da cultura Surda, assim como a língua de expressão deste povo. Diante deste contexto, o projeto “Popularizando a LIBRAS nas escolas Bragantinas” oportunizou ações nas escolas para a divulgação e discussão sobre a LIBRAS, cultura surda e educação de surdos, sendo uma oportunidade para trabalhar as questões que envolvem o preconceito, o respeito às expressões linguísticas e culturais, a aquisição de uma nova língua e o contato maior entre surdos e ouvintes. Além de possibilitar campo prático para atividades dentro da disciplina Tópicos de Letramento para a Educação de Surdos e LIBRAS dos cursos de Licenciatura em Letras-Língua Portuguesa e Ciências Naturais da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Bragança. OBJETIVOS Buscando fortalecer a integração entre surdos e ouvintes e projeto buscou divulgar a cultura Surda e a LIBRAS nas escolas públicas de Bragança e ofertar oficinas que possibilitassem uma melhoraria na integração entre ouvintes e surdos. METODOLOGIA O projeto teve a duração de 12 meses e aconteceu no período letivo de 2016. Dentre as escolas frequentadas por surdos em Bragança (total 24), doze foram selecionadas por meio de sorteio para receberem as ações do projeto. O projeto iniciou com uma atividade de abertura que apresentou os objetivos do mesmo a comunidade, palestra com professores surdos e uma oficina para professores do ensino fundamental menor. O projeto ocorreu em três etapas: A primeira etapa foi realizada com auxílio de um cheklist (recursos materiais e humanos) para o conhecimento da realidade escolar, por meio do levantamento das condições e recursos materiais e humanos das escolas, sendo realizada duas visitas em cada escola. A segunda e terceira etapa ocorreu em turmas (ensino fundamental maior) frequentadas por alunos surdos durante cinco tempos de aula em cada uma das escolas selecionadas. Nos dois primeiros tempos de aula realizaram-se discussões e reflexões sobre questões de estereótipos, curiosidades da comunidade surda, aspectos voltados para o conhecimento da surdez como diferença, por de roda de conversa, tendo como embasamento teórico algumas indagações extraídas da obra de Gesser (2009): A língua de sinais- LS é universal? A LS tem gramática? A língua dos surdos é mímica? É possível expressar conceitos abstratos na LS? A LS é exclusivamente icônica? A LS é o alfabeto manual? A LS é uma versão sinalizada da língua oral? Surdo, surdo-mudo ou deficiente auditivo? O surdo vive no silêncio absoluto? O surdo tem uma identidade e uma cultura própria? O surdo não fala porque não ouve? O surdo tem dificuldade de escrever porque não sabe falar o português? O uso da LS atrapalha a aprendizagem da língua oral? Todos os surdos fazem leitura labial?). A terceira etapa ocorreu nos outros três tempos de aula com dinâmicas em grupos do conteúdo focado na aprendizagem da língua: o alfabeto manual, o uso da datilologia na comunicação e de diálogos no contexto escolar. Para a realização destas atividades contou-se com o apoio do Centro de Referência em Atendimento Terapêutico Especial Moendy Akã, das secretarias de Educação Municipal, que mobilizaram os professores sobre a importância de participar das atividades do projeto. Além disso, o projeto contou com uma equipe multidisciplinar formada por pedagogos, intérpretes de Libras, alunos bolsistas (PIBEX-UFPA) e voluntários dos cursos de graduação em letras Libras, letras língua portuguesa, licenciatura em matemática, ciências naturais e da comunidade surda de Bragança (Figura). Figura: Atividades realizadas durante o projeto “Popularizando a LIBRAS nas escolas Bragantinas”. A- Membros da comunidade surda de Bragança, apoiadores e participantes do projeto; B- Alunos surdos participando das atividades em suas sala de aula; C e D- Oficinas e e rodas de conversas. RESULTADOS E DISCUSSÃO A comunidade escolar e a comunidade surda foram convidadas para participarem da apresentação dos objetivos do projeto que contou, pela primeira vez, em Bragança, com professores palestrantes surdos, reunindo no auditório da Universidade Federal do Pará, professores e familiares de surdos somando um público de mais de 300 pessoas. As palestras apresentadas, neste momento, foram direcionadas a importância da escola bilíngue para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança surda e sobre a necessidade do protagonismo surdo na sociedade. Este momento inicial de abertura permitiu visualizar uma série de impressões do público participante como a fala de um menino de 12 anos (irmão de surdo) direcionada a palestrante surda: “Eu queria saber ... se a senhora é surda mesmo? Como que pode ser professora?” O que foi seguido da resposta da palestrante: “Nasci surda, numa época onde era proibido sinalizar. Na minha turma a professora nos obrigava a sentar com as mãos presas debaixo das pernas para não fazer sinais, pois isso era feio e dificultava falar. Quem sinalizava levava palmatória na mão! Eu só fui aprender a lê e a escrever aos 16 anos, quando e fato começou a estudar a LIBRAS. E hoje sou professora tenho formação em pedagogia e letras libras e estou tentando entrar no mestrado”. Percebemos que aquela indagação era de fato, compartilhada por muitas pessoas, pela tensão e atenção gerada, seguida de muitas outras questões que foram pouco a pouco sendo esclarecidas. As reações e o discurso das pessoas apontaram para a necessidade das referências de identidade e cultura, por isso a presença dos professores surdos possibilitou visualizar o surdo como sujeito capaz e protagonista de sua história. Góes (1998) ressalta a necessidade do contato dos surdos com seus pares linguísticos para que ocorra a construção de referenciais indentitários. Em Bragança a maioria dos surdos recebem benefícios do governo, não exercem atividades formais de trabalho e não possuem nível superior o que torna compreensíveis as reações observadas durante as palestras. No entanto, os surdos desejam para além do direito à língua, assegurar condições plenas de desenvolvimento com se percebe nas palavras de Lane (1984): Agora, cem anos depois, as águas parecem refluir ligeiramente em alguns estados norte-americanos, na Dinamarca e na Suécia, na França, o que permite um vislumbre de algumas agitações preliminares de vida: aqui, vemos as mãos de um intérprete em movimento; lá, uma atriz surda sinaliza; em outro lugar, um professor sinaliza em sua sala de aula. Ainda assim, em lugar nenhum, há comunidades sinalizando a exemplo do estatuto de outras minorias linguísticas, em nenhum lugar é oportunizado aos surdos exercer influência significativa na educação das crianças surdas, em nenhum lugar os surdos são capazes de concluir a educação básica em números substanciais, em nenhum lugar a política nacional executa o que os ideais nacionais exigem: a autorrealização para os surdos como para todos os outros cidadãos (LANE, 1984, p. 377). No dia da atividade de apresentação do projeto foi ofertada uma oficina de alfabetização e letramento de crianças surdas, contando com 60 professores inscritos. A oficina foi ministrada por professora surda com apoio dos interpretes de Libras. E oportunizou o esclarecimento de várias dúvidas dos docentes. As atividades do projeto na escola iniciaram com o levantamento da situação dos recursos materiais e humanos apresentado para o atendimento dos surdos e apontou para uma grande precariedade, como pouca disponibilidade de recursos tecnológicos que contemple a pedagogia visual, bem como a ausência de interpretes de Libras, professores bilíngues e professores surdos. Escolas bilíngues para surdos no Pará são bastante escassas. As escolas que atendem os surdos em Bragança não apresentam as condições necessárias para promoverem um ensino de qualidade para estes alunos. Além da falta de recursos tecnológicos que influenciam nas metodologias, os interpretes de Libras não estão presentes em sala de aula e o atendimento no contraturno não possui especialista em Libras. As crianças que estudam na rede municipal são atendidas no Moendi akã, mas os alunos do ensino fundamental maior são atendidos na própria escola. Tal situação coloca em risco o direito ao desenvolvimento bilíngue assegurado por lei para estes alunos. Outra situação que acentua estas dificuldades é a ausência lideranças composta por surdos, grupo de pais e associação de surdos para reivindicar este direito. Este contexto contribui para o apagamento (MARTINS, 2006) da identidade surda na escola e deve ser combatido para que a educação bilíngue em Bragança se torne uma realidade. As rodas de conversa proporcionaram discutir sobre a cultura surda e geraram ricos debates e reflexões importantes na busca da construção de uma sociedade com ampla oportunidade de desenvolvimentos para todos. Percebeu-se que muitos alunos de fato desconheciam os aspectos relacionados à surdez e a cultura, permitindo o desenvolvimento de um olhar mais empático e percebendo que a inclusão é uma responsabilidade de todos, e não somente centrada no governo e em leis. As relações de entrosamento construídas nesta interação permitiu que alguns alunos surdos se sentissem à vontade e relatassem as dificuldades que enfrentavam no cotidiano familiar, escolar e social. Estes relatos fizeram com que os colegas tivessem comportamentos de acolhimento e de assombro, pois não imaginavam o que se passava com o aluno “mudinho” que sentava ao lado deles naquela sala. Alguns alunos surdos mostraram-se prestativos e se voluntariaram para auxiliar a equipe do projeto durante as oficinas de Libras. Neste momento, observou-se que estes alunos assumiam uma posição de protagonistas e expressavam com satisfação e alegria o papel de instrutores durante as oficinas de Libras. Tal atitude surpreendeu alunos e professores. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escola é um espaço importante para formação cidadã por propiciar o desenvolvimento intelectual, emocional e social. Para que as condições de desenvolvimento e de autonomia estejam disponíveis para os surdos, e que o processo de inclusão se concretize é necessário considerar a identidade e a cultura surda. A forma como a educação de surdos vem ocorrendo em Bragança não contempla esta especificidade e o resultado é percebido pela ausência de referenciais surdos e de uma comunidade que não visualiza o surdo como ser capaz e produtivo socialmente. As ações deste projeto além de divulgar a Libras possibilitaram momentos importantes de reflexão, sendo o início de uma longa caminhada de conscientização e resgate da língua e identidade dos surdos bragantinos. REFERÊNCIAS CARVALHO, P.V. de. O Abade de L’Epée no Século XXI. In: Jornada da Língua Gestual Portuguesa, Língua, Ensino, Interpretação. Coimbra, 2012. 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