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Revolução Francesa História Contemporânea das Relações Internacionais Eric Hobsbawm, importante historiador inglês, escreveu o clássico livro A Era das Revoluções (1962), no qual ele aborda a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, sinalizando-as como um marco do início do mundo contemporâneo e consolidando um projeto político e econômico dos burgueses. Portanto, é sobre ambas que nos dedicaremos nesta etapa. Interessa-nos entender os processos, as fases, as permanências e as rupturas de cada revolução, bem como entender de que maneira essas revoluções modularam importantes aspectos da sociedade atual. A França no final do século XVIII, assim como boa da Europa, era, sobretudo, rural. Esse dado é extremamente relevante para compreendermos o processo que desencadeou a Revolução Francesa. A estrutura feudal ainda estava muito presente França em 1789, baseada na economia agrária e na sociedade estamental, que dividia os franceses em três grupos, chamado de três ordens ou três Estados: o Clero (primeiro Estado), a nobreza (segundo Estado) e o povo (terceiro Estado). O Clero, grupo no qual se encontravam os religiosos da Igreja Católica, era formado por cerca de 120 mil pessoas e se dividia entre Alto Clero e Baixo Clero. O primeiro era composto especialmente por bispos, de origem nobre, portanto, viviam uma vida de luxo e ostentação, boa parte deles vivam na corte e não precisavam pagar impostos. Já os membros do baixo clero eram os vigários de aldeias, recrutados entre o povo, e que, portanto, vivam uma vida humilde e partilhavam as mazelas das pessoas pobres. Calcula-se que em torno de 850 mil pessoas faziam parte da nobreza. Este grupo social se caracterizava como os privilegiados, na medida em que não pagavam impostos, obtinham os cargos mais altos do Estado, além de manter direitos feudais. Viviam uma vida extravagante. Porém, mesmo dentro da nobreza havia uma hierarquia, uma diferenciação de status social entre a nobreza da corte e do campo. Ademais, havia uma diferença entre os nobres de espada ou de sangue, descendentes das antigas famílias feudais e os nobres de toga ou de serviço, oriundos da burguesia, que haviam conquistados tal título. O terceiro Estado era formado pelo povo, representava a maioria esmagadora da população, com aproximadamente 24 milhões de pessoas. No entanto, este grupo também não era homogêneo, era composto pela alta burguesia (empresários, grandes comerciantes, banqueiros), pela média burguesia (burocratas, médicos, advogados) e pela pequena burguesia artesões, pequenos lojistas) e também pelos trabalhares do campo e das cidades. Trata- se de um grupo bastante diverso, com aspirações e interesses divergentes, no entanto todos eles pagavam impostos. Figura 1 – Charge de 1789 que critica a desigualdade entre os grupos sociais da França. A nobreza e o clero estão montados nas costas de um camponês Figura 2 – Palácio de Versalhes, 1668 Quando Luís XVI assumiu o trono, o país passava por uma crise financeira significativa, que perdurou bastante tempo. A crise econômica tinha múltiplas razões. A participação na Guerra dos Sete Anos (1756- 1763) e na Guerra de Independência dos Estados Unidos (1775-1783) afetou demasiadamente os cofres do Estado. Somado a isso, os nobres, com suas pensões e gratificações, consumiam uma parte expressiva dos gastos públicos. Além disso, o estilo de vida extravagante do rei e da sua Maria Antonita também contribuíam para aumentar os gastos públicos. Guerra dos Sete Anos (1756-1763): conflito entre a Inglaterra e França que disputavam terras na América do Norte e no continente asiático e que envolveu ainda outros reinos, como a Prússia, Áustria, Portugal e Espanha. Para tentar contornar essa situação, os ministros da economia aumentaram os impostos, o que acarretou numa carestia de vida ainda maior para o povo. Ainda, tentaram criar uma arrecadação de impostos sobre as propriedades fundiárias, mas essa ideia foi rechaçada pelo clero e pela alta nobreza, que não estavam dispostos a perder nenhum privilégio. Porém, o rei Luís XVI precisava encontrar uma solução para melhorar os cofres públicos. Assim, decidiu convocar os Estados Gerais para se discutir sobre o assunto. Havia mais de século que ele não era consultado. Em 1774, seguindo a linhagem absolutista monárquica, Luís XVI, neto do famoso rei Sol Luís XIV, assumiu o poder. Cabe mencionar que Luís XIV foi o grande expoente do absolutismo francês. Durante seu reinado, que durou mais de setenta anos, ele construiu o Palácio de Versalhes, grande símbolo do absolutismo na França. Para somar ao déficit econômico, Uma má safra em 1788 9e 1798) e um inverno muito difícil tornaram aguda a crise. As más safras faziam sofrer o campesinato [...] Obviamente também [...] faziam sofrer os pobres das cidades, cujo custo de vida – o pão era o alimento principal- podia duplicar. (Hobsbawm, 2005, p. 93). Figura 3 – Tomada da Bastilha. Jean- Pierre Houël, 1789 Os Estados Gerais eram um antigo órgão consultivo da monarquia, constituído pelos três estados: clero, nobreza e povo. Todavia, cada ordem tinha direito apenas a um voto, de maneira que, frequentemente, o clero e a nobreza se uniam, totalizando dois votos. Assim, o voto do povo se tornava indiferente. Nesse processo inicial revolucionário, os sans-culottes merecem um destaque. Eles faziam parte do terceiro Estado. Tratava-se do proletariado urbano, como artesões, jornaleiros, assalariados em geral que, quando atingidos pela fome, miséria e carestia, se revoltavam contra o governo e sempre eram reprimidos. O resultado mais sensacional de sua mobilização foi a queda da Bastilha, uma prisão estatal que simbolizava a autoridade real e onde os revolucionários esperavam encontrar armas. Em tempos de revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos. A queda da Bastilha, que fez do 14 de julho a festa nacional francesa, ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o princípio de libertação. [...] O que é mais certo é que a queda da Bastilha levou a revolução para as cidades provincianas e para o campo. (Hobsbawm, 2005, p. 94) Tinham esse nome em função da roupa que vestiam, usavam uma calça de modelo diferente da burguesia e nobreza. Sua marca registrada era calça comprida e boina vermelha. No início da Revolução Francesa os sanscullotes foram fundamentais, na medida em que radicalizaram todas as ações. A primeira Assembleia dos Estados Gerais aconteceu no Palácio de Versalhes e já foi bastante tensa. Líderes do povo reivindicavam que o voto fosse por cabeça e não por Estado. A partir daí, a convocação dos Estados Gerais serviu para escancarar os abusos, as desigualdades, as injustiças sociais presentes na sociedade francesa. Diante desse cenário hostil, o rei ficou com medo de perder sua autoridade e resolveu suspender a Assembleia. Em reação, os representantes do Terceiro Estado ocuparam o salão de jogos do palácio e determinaram que continuariam em Assembleia e só sairiam dali quando fosse votada uma nova Constituição para o reino. Assim, naquele momento, foi criada a Assembleia Nacional, que foi transformada em Assembleia Constituinte. A partir daí, o clima na França ficou cada dia mais dramático, a população se mobilizou e em 14 de julho de 1789 a invadiram a Bastilha, prisão de Paris, onde ficavam encarcerados os inimigos políticos do rei. Sobre esse episódio, o historiador Eric Hobsbawm pontua que