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A INICIATIVA PRIVADA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA: O caso do Programa 
Acelera Brasil 
Carmen Cunha R. de Freitas1 
Claudia L. Piccinini2 
Leticia Bezerra de Lima3 
Ligia Karam Corrêa de Magalhães4 
 
 
RESUMO: O objetivo do presente trabalho é fazer uma análise do Programa Acelera 
Brasil, do Instituto Ayrton Senna, que pretende solucionar o problema da distorção 
idade-série a partir de medidas específicas como a realização de dois anos em um, 
redução de alunos por turma, o uso de um material próprio e por fim, a aplicação de 
uma “avaliação externa”, por outra empresa privada, a Fundação Carlos Chagas. 
Percebeu-se a falta de autonomia do professor neste projeto, pois há uma baixíssima 
participação na realização deste como um todo. O Programa se insere em um contexto 
específico político, econômico e social, que tem como característica a forte presença de 
empresas privadas na elaboração, execução e avaliação das políticas educacionais, 
quando se tem a ideia de que o Estado se mostra ineficaz na realização das suas funções. 
 
 
GT: A REORDENAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA E A 
EDUCAÇÃO: EMPRESARIAMENTO E RESISTÊNCIAS 
1. Contexto 
 
Nas últimas décadas, tem havido grandes mudanças na concepção do papel da 
educação e do professor na sociedade que são acompanhadas por transformações 
ocorridas nas políticas públicas para a educação no Brasil. Para compreender estas 
mudanças ocorridas no âmbito educacional, faz-se necessário uma breve análise das 
transformações conjunturais que vêm atingindo as esferas política e econômica no 
Brasil e no mundo. 
Estas mudanças em curso na realidade educacional brasileira têm suas raízes em 
um processo global, que ocorre a partir das transformações da organização do 
capitalismo, o qual, especialmente a partir da década de 1980, entrou no período que 
comumente se chama de globalização, ou seja, a internacionalização do capital 
(WOOD, 2003), na qual ocorreram transformações nas esferas: (1) econômica, com o 
domínio do capital financeiro sobre o conjunto da produção; (2) produtiva, incluindo a 
transnacionalização da produção e a chamada revolução tecnológica; e, (3) política, com 
a diminuição do papel do Estado na garantia dos direitos sociais ao mesmo tempo em 
que continua sendo peça-chave na regulação econômica, na flexibilização dos direitos 
dos trabalhadores e na imposição de uma lógica de privatização (LEHER, 2003), 
medidas necessárias à expansão dos mercados dos países centrais. Neste contexto, os 
países capitalistas dependentes foram “incentivados” a abrir seus mercados e realizar 
 
1 Graduada em Pedagogia e Mestranda em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: 
carmencunha@gmail.com 
2 Professora Adjunta da da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. 
3 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestranda em Educação 
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora de Sociologia da rede estadual do RJ. 
Email: leticia.sociologia@gmail.com 
4 Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ.e-mail: 
ligiakaram@gmail.com 
reformas políticas através do condicionamento à concessão de empréstimos, processo 
no qual tiveram importância fundamental o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o 
Banco Mundial (BM). 
A educação, então, passa a fazer parte desta engrenagem, já que é necessário 
educar para o consenso e a aceitação das transformações ocorridas, e também formar 
um novo tipo de trabalhador para uma nova ordem capitalista, a partir dos discursos da 
empregabilidade e do empreendedorismo (MOTTA, 2009). Além disso, a escola entra 
na lógica privatista, através da atuação de grandes grupos financeiros não apenas no 
setor privado, mas também na escola pública, legitimada pelo “fracasso” da educação 
pública e do discurso de “entregar na mão de quem sabe fazer”, isto é, o empresariado5. 
É nestes moldes que se encontra o Movimento Todos Pela Educação (MTE), 
que, segundo seus organizadores, 
 
...é um movimento financiado exclusivamente pela iniciativa privada, que 
congrega sociedade civil organizada, educadores e gestores públicos que tem 
como objetivo contribuir para que o Brasil garanta a todas as crianças e 
jovens o direito à Educação Básica de qualidade (site Movimento Todos Pela 
Educação). 
 
A organização é composta por grandes fundações da iniciativa privada, como o 
Itaú Social e a Fundação Bradesco, entre muitos outros6, e tem exercido grandes 
influências nas decisões de políticas educacionais, sob o pretexto de melhorar a 
qualidade da educação pública. Este movimento propõe a execução de cinco metas para 
a educação brasileira: 
 
Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; toda criança plenamente 
alfabetizada até os 8 anos; todo aluno com aprendizado adequado à sua série, 
todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; investimento em 
Educação ampliado e bem gerido (Site Movimento Todos Pela Educação). 
 
As metas propostas pelo movimento incorporam bandeiras da luta dos 
educadores, se utilizando também do senso comum sobre o fracasso da escola pública e 
a necessidade da qualidade da educação e, desta forma, não são questionadas por grande 
parcela da população. Entretanto, suas metas para a educação também estão ligadas aos 
organismos internacionais, como o BM, cujas políticas estão comprometidas com a 
conservação da atual estrutura da sociedade, o que inclui a reprodução das 
desigualdades econômicas e sociais (idem, ibidem). Ainda segundo os organizadores: 
 
O Todos Pela Educação entende ser dever primordial do Estado oferecer 
Educação de qualidade a todas as crianças e jovens. No entanto, diante da 
dimensão e importância dessa tarefa e do quadro histórico da Educação 
Básica no Brasil, somente a ação dos governos não será suficiente para 
alcançá-la (Site Movimento Todos Pela Educação). 
 
Assim, legitima-se a lógica privatista de que o Estado é incapaz de fornecer um 
serviço público de qualidade, devendo, portanto, ser entregue às mãos da iniciativa 
privada, além de reforçar o caráter tecnocrático da gestão eficiente e a meritocracia. 
 
5 Segundo a Profª Aparecida Tiradentes, em palestra proferida na mesa-redonda “Educação pública: 
responsabilidade do Estado”, no Seminário “A educação brasileira nos 80 anos da publicação do 
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, ocorrida entre 30 e 31 de maio de 2012, na Universidade 
Federal do Rio de Janeiro. 
6 A lista completa das organizações está disponível em: <www.todospelaeducacao.org.br>. 
Exemplo forte da influência tanto dos organismos internacionais como dos 
empresários brasileiros no poder público federal é o Plano de Metas Compromisso 
Todos Pela Educação, criado através do decreto 6.094/2007 e também do Plano de 
Desenvolvimento da Educação (PDE), de 2007. Este decreto, em seu artigo 2º, institui 
28 diretrizes para a educação básica, a serem implementadas nos municípios e estados 
que aderirem ao Compromisso, e que absorverem as metas fixadas pelo Movimento 
Todos Pela Educação. O decreto tem como uma de suas diretrizes constituir um comitê 
local com representantes de diversos setores sociais envolvendo empresas, 
trabalhadores, alguns setores do poder público como Ministério Público, Conselho 
Tutelar e Representantes da Educação, que a partir da mobilização social, metas (como 
a evolução do IDEB) poderiam ser acompanhadas. Prevê também que: 
 
Podem colaborar com o Compromisso, em caráter voluntário, outros entes, 
públicos e privados, tais como organizações sindicais e da sociedade civil, 
fundações, entidades de classe empresariais, igrejas e entidades 
confessionais, famílias, pessoas físicas e jurídicas que se mobilizem para a 
melhoria da qualidade da educação básica (Decreto 6.094/2007). 
 
Além disso, prevê “firmar parcerias externas à comunidade escolar,visando a 
melhoria da infra-estrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações 
educativas”. Desta forma, este decreto institucionaliza a atuação de entes privados na 
escola pública, através da atuação de ONGs, fundações, e outros atores, na realização de 
projetos e ações educativas. Estas iniciativas compreendem uma grave ameaça à 
educação brasileira e ao seu caráter público, já que a iniciativa privada passa, a partir 
destes projetos, a decidir conteúdos de aprendizagem, materiais, entre outros, para os 
alunos das escolas públicas, que são os filhos da classe trabalhadora. 
 
2. Problematizando as políticas de aceleração da aprendizagem 
 
Dados do Relatório de Monitoramento de Educação para Todos produzido pelo 
MEC em 2010 indicam que o Brasil é o país que apresenta o maior índice de repetência 
escolar da América Latina. Esse resultado é apontado como um dos ‘responsáveis’ pela 
manutenção do país na 88ª posição no chamado Índice de Desenvolvimento 
Educacional. Ao cenário marcado por altas taxas de repetência, somam-se baixos 
índices de conclusão da educação básica e baixos conceitos em exames de avaliação do 
Ministério da Educação e do exterior7. 
A elevada taxa de repetência ocasiona o que os burocratas do ensino denominam 
de “defasagem idade/série”, e este ‘insucesso ou fracasso escolar’ é alardeado como um 
grande problema educacional brasileiro, fato que tem servido repetidamente como fator 
de desqualificação do sistema educacional público. 
O ‘conceito’ de fracasso escolar pode ser assim definido: 
(...) fracasso escolar seria o mau êxito na escola, caracterizado, na 
compreensão de muitos, como sendo a reprovação e a evasão escolar. 
Consideramos essa expressão no seu sentido mais amplo, indo além da 
 
7 Referimo-nos ao PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, criado pela OCDE 
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) cujo objetivo inicial foi coordenar o 
Plano Marshall. Hoje, é uma organização internacional e intergovernamental, composta por 30 países 
membros, cujo objetivo é “trocar informações e definir políticas com o objetivo de maximizar o 
crescimento econômico e o desenvolvimento dos países membros” (OECD, 2012 IN: 
<http://www.cgu.gov.br/ocde/sobre/informacoes/index.asp>.Acesso em 27 maio 2012). O Brasil não é 
membro da organização. 
reprovação e evasão, incluindo a aprovação com baixo índice de 
aprendizagem (FORGIARINI E SILVA, 2007, p.1). 
 
O fracasso escolar tem sido objeto de várias pesquisas (PATTO, 1990; 
ANGELUCCI et al., 2004), sendo que a maioria destas apontam, fatores que a 
precariedade das condições funcionais e estruturais das escolas contribuem 
significativamente para o avanço de tais índices. No entanto, é comum observar que a 
responsabilidade do insucesso da aprendizagem escolar também é atribuída ora ao aluno 
e sua família, ora ao professor e seus métodos. 
Politicamente, outros discursos sobre o fracasso escolar não conseguem 
desvencilhar a “culpa do Estado”, responsável direto pela gestão da escolarização 
pública. Afinal, cabe ao Estado criar, implementar e levar a termo programas para 
“resolver” o “fracasso escolar”, principalmente dos alunos multirrepetentes, que antes 
de tudo representam números nas estatísticas e na elevação dos custos de sua longa 
permanência no sistema educacional. Trata-se de apagar as reais causas de um processo 
histórico, o Estado conformando a escola como reprodutora das condições de classe 
(ALTHUSSER, 1999). 
 
2.1 A política do Programa Acelera Brasil 
Políticas educacionais têm sido criadas para mitigarem o fracasso e também o 
fluxo escolar. A diminuição da distorção idade/série vem recebendo atenção especial. 
(CORDIÉ in BOSSA, 2002, p.18), conforme discutimos a seguir. 
Data de fins dos anos de 1960 as primeiras iniciativas que tratavam da 
defasagem idade/série, mas somente com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases 
da Educação Nacional (LDB) em 1996, é que as ‘Classes de Aceleração’ passam a 
compor políticas de correção do fluxo escolar (SALES, 2001, p. 66). Desde então, como 
versões de uma mesma sátira, programas de aceleração da aprendizagem surgem de 
norte a sul do país. 
Em 1994, no governo Fernando Henrique Cardoso, nasce o Programa Acelera 
Brasil, criado sob iniciativa do Instituto Ayrton Senna (IAS)8, e que iria se tornar o 
modelo para programas de aceleração de aprendizagem por todo o território brasileiro. 
Em seu primeiro ano de existência, 15 municípios implementaram o Programa, o que se 
estendeu para 24 municípios no ano seguinte. Atualmente são 727 municípios, 25 
Estados e DF, com maior concentração na região Nordeste do Brasil, segundo o mapa 
abaixo. 
 
 
8 O Instituto Ayrton Senna é “uma Organização não governamental sem fins lucrativos, criada pela 
família Senna em 1994, com o objetivo de interferir positivamente nas realidades de crianças e 
adolescentes brasileiros, dando-lhes condições e oportunidades para o desenvolvimento pleno como 
pessoas, cidadãos e futuros profissionais”. (Site Instituto Ayrton Senna) 
. 
 Mapa de Abrangência do Programa Acelera no Brasil. Fonte: Instituto Ayrton Senna (2012) 
 
O Programa tem como orientação a “Pedagogia do Sucesso” de João Batista 
Araújo e Oliveira (1999), que propõe ao aluno uma efetiva contribuição à formação 
básica, e, portanto, ao sucesso (LALLI, 2000), contrapondo ao discurso da chamada 
“cultura da repetência”. Segundo o IAS, o principal objetivo do Programa é: 
 
(...) contribuir para que o aluno, em um ano, alcance o nível de conhecimento 
esperado para a primeira fase do Ensino Fundamental, de maneira que possa 
avançar em sua escolaridade. Alunos do Acelera Brasil chegam a realizar 
duas séries em um ano letivo, de acordo com seu aproveitamento (...) (IAS, 
site). 
 
O material utilizado pelos professores é preparado pelo próprio IAS, de acordo 
com dois grupos: os alfabetizados e não-alfabetizados. As turmas são compostas por até 
25 alunos. Os professores passam por capacitação, inclusive a distância, e 
frequentemente, são avaliados por um supervisor. A avaliação do aluno acontece ao 
longo do ano, porém ao final, é critério do professor ou do colegiado de professores 
decidir se o aluno seguirá para a próxima etapa. Porém, o aluno passa por uma avaliação 
externa aplicada pela Fundação Carlos Chagas (FCC), no qual deverá apresentar 
“competência equivalente ao resultado do SAEB”. 
No Município do Rio de Janeiro, além da Fundação Ayrton Senna, a mesma 
linha de aceleração da aprendizagem também está sendo trabalhada através do 
Programa Autonomia Carioca, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, desde 
fevereiro de 2010. E está presente em, aproximadamente, 350 comunidades, 
empregando 330 professores e, segundo dados do IAS, já tendo formado 8,5 mil alunos 
do Ensino Fundamental. Em 2011, o Projeto deveria atingir 28 mil alunos do 6º ao 8º 
ano. O Programa, originado de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação 
do Rio de Janeiro e a Fundação Roberto Marinho9 (FRM), tem como objetivo a 
conclusão do Ensino Fundamental em apenas um ano, com a consequente correção da 
defasagem idade-série10 de alunos entre 14 e 18 anos, do 7º ao 9º ano. 
Segundo informações do Programa Autonomia Carioca os alunos aprendem 
conceitos fundamentais de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e 
 
9 A Fundação Roberto Marinho foi criada em 1977 pelo jornalista Roberto Marinho, visando mobilizar 
pessoas e comunidades, por meio da comunicação, de redes sociais e parcerias, em torno de iniciativas 
educacionais que contribuam para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. 
10 Os alunos considerados defasados são aqueles que têm dois anos ou mais que a idade correta para a 
série. 
História, tendo como base o materialdidático do Telecurso 2000 da FRM e da 
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)11. 
As aulas são ministradas, por um único professor, ou seja, ele é responsável por 
ministrar todas as matérias do Ensino Fundamental, independentemente da sua área de 
conhecimento. Esse professor é capacitado na ‘metodologia Telessala’ que tem como 
principal foco a educação por meio de recurso audiovisual. Assim os alunos assistem 
aos vídeos do Telecurso e acompanham estes conteúdos visuais através dos livros do 
programa. 
Ano a ano percebe-se o alto investimento do poder público em ampliar projetos 
dessa natureza. Em 2012, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, 
disponibilizou mais de 12 milhões de reais (DO de 07/03, p.22) para a Fundação 
Roberto Marinho, que desenvolve o Projeto Autonomia nas escolas estaduais, com as 
mesmas características do Autonomia Carioca, no município. Percebe-se que esse 
modelo de “pedagogia” tem ganhado força e investimento, especialmente no Estado do 
Rio de Janeiro. 
Enquanto isso, enchem-se salas de aula com alunos para justificar recurso e 
estrutura pública; fecham-se turmas e escolas; reduz-se a carga horária de disciplinas 
que trabalham com a percepção reflexiva e crítica do aluno, no caso a Sociologia e 
Filosofia no Ensino Médio; desvaloriza-se a carreira docente perversamente, fazendo-o 
como um executor de planos educacionais pensados “de cima para baixo”, exonera-se 
do cargo aqueles que não se adequam a esse modelo de educação12. Ou seja, o que 
presenciamos hoje na educação pública, especificamente do Rio de Janeiro, é um grande 
ataque aos trabalhadores da educação pública, tirando praticamente toda a sua 
autonomia e participação no processo educativo. 
3. A (falta de) autonomia do professor no Programa Acelera Brasil 
 
Segundo Kuenzer (1999), ao novo paradigma educacional corresponde um novo 
papel do professor. Para a autora, não se pretende uma educação de qualidade para os 
trabalhadores, já que estes provavelmente estarão na informalidade ou até mesmo 
desempregados. Além disso, não mais se podem ensinar habilidades específicas aos 
trabalhadores, já que, graças à chamada revolução tecnológica, estas habilidades 
provavelmente estarão obsoletas amanhã. Desta forma, é necessário apenas transmitir 
um mínimo de sociabilidade para a convivência em sociedade. 
Ainda segundo a autora, para este tipo de educação, precisa-se apenas de um 
professor que possa cumprir tarefas, “a quem compete realizar um conjunto de 
procedimentos preestabelecidos” (op.cit, p. 182), retirando de seu trabalho a dimensão 
de cientista e pesquisador de educação, e transformando-o em um profissional que a 
autora denomina como “professor tarefeiro”. Neste sentido, Freitas (2012) discute que 
são retirados do trabalho docente as etapas do planejamento e da execução, restando-
lhe, portanto, apenas o papel de executor de planos e programas elaborados por outrem. 
Este processo se materializa com a introdução, na escola pública, de um número cada 
vez maior de apostilas e programas prontos, além de avaliações da aprendizagem 
elaboradas pelas secretarias de educação e pelo MEC. 
 
11 A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) é a principal entidade de representação 
das indústrias do estado de São Paulo. Juntamente com a FRM lança em 1994 o projeto de educação 
Telecurso 2000 voltado para jovens e adultos que, por algum motivo, não concluíram os Ensinos 
Fundamental e Médio. 
12 No último dia 01 de junho de 2012, foram exonerados cerca de 20 diretores das escolas estaduais, 
inclusive a primeira diretora escolhida por voto direto, na escola estadual Rangel Pestana, no município 
de Nova Iguaçu. 
Desta forma está organizado o Programa Acelera Brasil, um programa do 
Instituto Ayrton Senna, uma organização sem fins lucrativos que, segundo seus 
organizadores, “trabalha para desenvolver o potencial das novas gerações, ajudando 
estudantes a ter sucesso na escola e a ser cidadãos capazes de responder às exigências 
profissionais, econômicas, culturais e políticas do século 21”13 e é “financiado com 
recursos próprios, de doações e de parcerias com a iniciativa privada”. O programa tem 
por objetivo a aceleração da aprendizagem de alunos com defasagem idade/série, 
corrigindo o fluxo e é utilizado, segundo o site do programa, nas escolas públicas de 
oito redes estaduais e 727 redes municipais, através de parcerias do instituto com as 
secretarias estaduais e municipais de educação. 
Para compreender o papel do professor neste programa, bem como suas 
possibilidades de realizar um trabalho com autonomia, realizamos uma entrevista com a 
professora Sandra14, que trabalha desde 2011 em uma classe do Acelera, em uma escola 
municipal na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. 
Segundo Sandra, o material do Acelera é composto por quatro livros bimestrais, 
que contem o conteúdo a ser trabalhado com os alunos, um livro do professor, contendo 
instruções sobre como o conteúdo e as atividades devem ser trabalhadas, e em que 
ordem devem ser realizadas, etc., além de um livro contendo tabelas bastante detalhadas 
sobre o aproveitamento de cada aluno, que deve ser preenchido diariamente pelo 
professor. 
Sandra explica como funciona o programa: 
 
O Programa Acelera é um ano letivo, que a Secretaria contrata um pacote, no 
caso agora ela está contratando da Fundação Roberto Marinho ou do Instituto 
Ayrton Senna, para atender aos alunos que estão com defasagem idade/ano 
escolar. 
 
Assim, os alunos passam um ano no acelera e depois “pulam” algumas séries, 
dependendo do seu desempenho nas avaliações a que são submetidos: no programa e da 
FCC. Quanto ao papel do professor, Sandra explica que este praticamente não tem 
autonomia para trabalhar com os projetos externos, como o Programa Acelera Brasil. 
Ainda afirma que mesmo os Cadernos Pedagógicos, material elaborado pela Secretaria 
Municipal do Rio de Janeiro, que a princípio é um material de apoio às aulas do 
professor, torna-se obrigatório, especialmente quando se está em reunião com 
coordenadores pedagógicos: 
 
A prova do município [Prova Rio, utilizada para avaliar a aprendizagem dos 
alunos das escolas municipais do Rio de Janeiro] é toda em cima desses 
cadernos pedagógicos. Então nós [professores] temos, somos obrigados a 
usar, e é a mesma coisa: a gente não tem a participação na elaboração destes 
projetos pedagógicos. Inclusive, eles chegam já pra gente aplicar. 
 
Ao contrário do que os documentos oficiais anunciam, a execução das aulas e a 
avaliação são previamente estabelecidas, ou seja, a professora diz: 
 
[as avaliações] Desse Programa Acelera, como vem também da secretaria as 
provas pra gente aplicar. Na realidade, nós estamos trabalhando com pacotes, 
o tempo todo, né? Tanto nas séries regulares quanto nas séries do Acelera. 
 
 
13 Disponível em: www. http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna. 
14 O nome foi alterado a pedido da professora. 
Se não bastasse o controle exercido sobre o professor, Sandra ainda afirma que 
“a gente tem que assinar um termo de compromisso de que a gente vai seguir à risca a 
proposta deles, a gente não vai fugir da proposta deles”. 
Assim, através do depoimento da professora, podemos ver que o nível de 
autonomia pedagógica de Programa Acelera Brasil é baixíssimo (ou inexiste), e isto se 
estende também às classes regulares do município. Portanto, podemos confirmar, no 
âmbito deste programa, a concepção de professor tarefeiro, que não participa das etapas 
da elaboração do processo de ensino-aprendizagem, com especial atenção com o grupo 
de alunos com os quais trabalha, levando em consideração contextos específicos e a 
complexidade do trabalho que passa pela organização de conteúdos, até as propostas de 
avaliação do referido processo. 
Na contramão desse movimento de formatação do trabalho do professor,presencia-se a organização dos profissionais da educação através do Sindicato dos 
Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEPE) para que haja o 
protagonismo desses profissionais da educação pública. No último mês de maio foi 
realizado o lançamento da Escola de Formação, chamado pelo Coletivo de Formação do 
SEPE/RJ e em apoio, participou alguns professores com forte expressão no que tange à 
luta em defesa da escola pública, como o Prof. Roberto Leher (FE/UFRJ) e Profª. Vânia 
Motta (FE/UFRJ). 
A principal proposta da Escola é a construção coletiva do trabalho docente da 
escola pública, um espaço de contínua reflexão e participação ativa da categoria nos 
espaços que circundam a atuação docente. Será na Escola que seus participantes terão 
nas mãos a possibilidade de construir e retomar o protagonismo que há muito lhe foi 
tirado. 
 
Ao mesmo tempo em que nos culpam pelo caos em que se encontra a 
educação, tramam novas medidas de arrochos orçamentários, seja pelo 
fechamento de turmas, de turnos ou de escolas, seja pelo achatamento 
salarial. Alteram o modo como vemos o mundo, nos tiram a esperança, a 
autoconfiança e nos esvaziam de nós mesmos pra nos orientar aos objetivos 
da formação para o capital (Manifesto Coletivo Formação SEPE, 2012). 
 
A partir da união da categoria, inclusive no seu processo de formação, é que 
pode-se pensar a construção de uma proposta efetiva de educação pública de qualidade. 
 
 (...) a Escola de Formação do SEPE, aprovada pela categoria no último 
Congresso de nossa entidade, tem se mostrado uma grande oportunidade de 
rearticulação política da categoria dos profissionais da educação. Nela 
consolidaremos um espaço plural, horizontal e fraterno de formação política 
PELA categoria e PARA a categoria, com vistas aos interesses que nos unem 
e às nossas necessidades (Manifesto, 2012). 
 
4. Considerações Finais 
 
Ao longo deste trabalho procuramos contextualizar a política educacional 
desenvolvida em âmbito nacional chamada de “aceleração de aprendizagem” através de 
projetos realizados por empresas da iniciativa privada. 
No caso desta comunicação, especificamente, o Projeto Acelera Brasil, criado 
pelo Instituo Ayrton Senna, que tem com principal objetivo corrigir a distorção idade-
série de alunos da escola pública, basicamente fazendo dois anos em um, a partir de 
material didático próprio e uma metodologia específica, que como vimos exclui o 
professor de todo o processo pedagógico. 
Ao desconsiderar o todo do processo de ensino-aprendizagem, inclusive as 
condições estruturais e sociais dos alunos, entende-se que o objetivo geral desse projeto 
não é o de efetivamente oferecer uma formação de qualidade, mas superar taxas, índices 
preocupantes, sem dúvida. 
Uma alternativa a esse processo é a protagonização da educação pelos 
educadores, ou seja, por aqueles que efetivamente estão no dia a dia escolar, como 
apresenta o projeto de Escola de Formação do SEPE. Para que isto seja possível, é 
necessário que, além de uma formação de qualidade (a ser discutida coletivamente, a 
partir dos anseios da sociedade), o professor disponha de boas condições de trabalho e 
remuneração, e também de autonomia pedagógica, podendo organizar todas as etapas 
do seu trabalho. Portanto, faz-se necessário o resgate do papel do professor enquanto 
intelectual e cientista da educação, que organiza pesquisa e elabora suas metodologias 
de trabalho, estabelece práticas pedagógicas inovadoras, a partir dos conteúdos a serem 
trabalhados com os alunos. 
 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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