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H E M A T O L O G I A ANEMIAS HEMOLÍTICAS MARÇO/2022 P R O F . H U G O B R I S O L L A Anemias Hemolíticas APRESENTAÇÃO: PROF. HUGO BRISOLLA /estrategiamedt.me/estrategiamed Estratégia MED @profhugobrisolla @estrategiamed Olá, Revalidando(a), bem-vindo(a) a nosso segundo livro do curso de Hematologia focado nas provas de Revalidação. Eu sou Hugo Brisolla, médico hematologista e hemoterapeuta, professor da disciplina de Hemato no Estratégia MED, como você já viu em nosso primeiro livro. Revisei todos os Revalidas do passado para preparar este material e trazer exatamente o que você precisa saber para sua preparação. O gráfico a seguir mostra justamente as questões já cobradas no passado. Veja com atenção: https://www.facebook.com/estrategiamed1 https://t.me/estrategiamed https://www.youtube.com/channel/UCyNuIBnEwzsgA05XK1P6Dmw https://www.instagram.com/profhugobrisolla/ https://www.instagram.com/estrategiamed/ Anemias Hemolíticas Você pode notar que a anemia falciforme é, de longe, o tema historicamente mais cobrado de Hemato nas provas do Revalida. Esse será nosso foco, Estrategista! Enquanto no primeiro livro estudamos conceitos gerais de anemias e, principalmente, a anemia ferropriva, aqui trataremos inicialmente de hemólises em geral para posteriormente focarmos este tópico-chave: a doença falcêmica. Vamos lá! 11% 7% 8% 8% Anemia ferropriva Anemia falciforme 27% 15% 4% 4% 1% 4% 4% 4% LLA Anemias hemolí�cas em geral Anemia aplásica Linfoma de Hodgkin Talassemia Anemia megaloblás�ca Mieloma múl�plo Esplenomegalia nas doenças hematológicas SAF Hemostasia básica Figura 1: Hematologia nas provas de revalidação. 4Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas SUMÁRIO 1.0 HEMÓLISE 5 2.0 CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS 10 3.0 ANEMIA FALCIFORME 13 3.1 FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFO RME 13 3.2 CRISES ÁLGICAS 18 3.3 SÍNDROME TORÁCICA AGUDA 21 3.4 AUTOESPLENECTOMIA 25 3.5 SEQUESTRO ESPLÊNICO 27 3.6 OUTRAS COMPLICAÇÕES AGUDAS E CRÔNICAS DA ANEMIA FALCIFORME 30 3.7 TRATAMENTO DA ANEMIA FALCIFORME 32 4.0 LISTA DE QUESTÕES 37 5.0 VERSÕES DAS AULAS 38 6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38 7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 39 5Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 1.0 HEMÓLISE CAPÍTULO Como vimos em nosso primeiro livro, as hemácias ou eritrócitos são células anucleadas que guardam em seu interior grande quantidade de hemoglobina, molécula usada para o transporte de oxigênio. Perdendo seu núcleo quando saem da medula óssea, onde são produzidas, as hemácias são incapazes de sintetizar novas proteínas, o que as faz ter uma sobrevivência limitada: a vida média de um eritrócito é de 120 dias, período após o qual é destruído por macrófagos do sistema reticuloendotelial. Chamamos de hemólise justamente a destruição prematura das hemácias, encurtando sua vida média de 120 dias e podendo desencadear estados de anemia caso supere a capacidade da medula óssea em repor os eritrócitos perdidos. Essa destruição eritrocitária levará a alterações laboratoriais típicas, que nos ajudam a diagnosticar a hemólise. Vamos revisar esses achados? O primeiro deles você já conhece de nosso primeiro livro: a reticulocitose. Quando ocorre destruição periférica das hemácias, a medula óssea reage produzindo novas células eritroides, liberadas justamente sob a forma jovem de reticulócitos. Por isso, as anemias hemolíticas são hiperproliferativas, isto é, marcadas pela proliferação eritroide na medula, o que identificamos pela contagem reticulocitária aumentada (>2%). É pela reticulocitose que as anemias hemolíticas podem ser macrocíticas: os reticulócitos são maiores que as hemácias maduras, elevando o volume corpuscular médio (VCM). No entanto, na maioria dos casos, as anemias hemolíticas serão normocíticas (VCM entre 80 e 100 fL), com a exceção das talassemias, tipicamente microcíticas (VCM < 80 fL), como vimos no livro anterior. 6Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Outras alterações que marcam a hemólise decorrem da liberação dos componentes intracelulares das hemácias. Aumenta, por exemplo, a concentração sérica de desidrogenase lática (DHL ou LDH), uma enzima abundante no citoplasma de todas as células, relacionada ao metabolismo energético. Esse aumento, contudo, é pouco específico: qualquer situação de destruição celular ou apoptose pode ocasionar elevação de DHL. Uma alteração mais específica de estados hemolíticos é o consumo da haptoglobina, uma proteína hepática presente no plasma, com função de capturar a hemoglobina: qualquer hemoglobina livre no plasma deve ser prontamente ligada à haptoglobina, para evitar que cause danos oxidativos ou que seja filtrada pelos rins e eliminada na urina, o que ocasionaria perda de ferro ao organismo. O complexo haptoglobina-hemoglobina é muito grande para ser filtrado pelos rins e é retirado da circulação pelos macrófagos, que destruirão a hemoglobina. Assim, na hemólise, teremos intensa redução dos níveis de haptoglobina, que será consumida para clarear a hemoglobina livre no plasma. Um macete rápido: a haptoglobina é a "RAPTOglobina"! Ela tem função de RAPTAR a hemoglobina livre no plasma, evitando que reaja com outra substância ou que seja perdida na urina. Quando captura a hemoglobina, a haptoglobina é consumida, explicando por que estados hemolíticos cursam com níveis reduzidos dessa proteína hepática. A metabolização da hemoglobina pelos macrófagos fará com que seja quebrada em seus componentes básicos: protoporfirina, ferro e globinas. Enquanto o ferro será reutilizado, a globina é degradada em aminoácidos, e a protoporfirina dará origem à bilirrubina indireta ou não conjugada. Todo esse mecanismo de degradação de hemoglobina pode ser visto na imagem a seguir: 7Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 2: Ação da haptoglobina: essa proteína hepática tem a função de clarear a hemoglobina livre no plasma, ligando-se à hemoglobina liberada com a destruição das hemácias e evitando que seja filtrada pelos rins e eliminada na urina. O complexo hemoglobina-haptoglobina sofre, então, endocitose pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial, que metabolizarão a hemoglobina em seus componentes básicos: globina e grupo heme. Enquanto a globina será degradada em aminoácidos, a protoporfirina do grupo heme dará origem à bilirrubina indireta, e o ferro será reaproveitado, seja ele armazenado em ferritina ou transportado pela transferrina no soro. 8Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas É pela degradação da protoporfirina que a hemólise cursa com icterícia à custa de bilirrubina indireta. Após ser transportada ao fígado, a bilirrubina indireta será convertida pelos hepatócitos em bilirrubina direta ou conjugada, que então sofre excreção pelas vias biliares. Isso explica por que portadores de anemias hemolíticas crônicas frequentemente cursam com litíase biliar: o metabolismo aumentado das bilirrubinas e a grande excreção de bilirrubina direta fazem com que haja propensão à formação de cálculos biliares pigmentados. Hora de resumir o quadro das anemias hemolíticas, antes de vermos uma questão sobre elas! Quadro clínico-laboratorial das anemias hemolíticas Anemias normocíticas (VCM 80 a 100) ou macrocíticas (VCM > 100 fL) Anemias hiperproliferativas: reticulócitos > 2% Liberação do conteúdo intracelular das hemácias: aumento de DHL e BI, consumo de haptoglobina Quadro clínico: síndrome anêmica, icterícia, cálculos biliares CAI NA PROVA (REVALIDA INEP - 2011) Mulher com 48 anos de idade, parda, comerciante, procura o posto de saúde por apresentar astenia, palidez e fadiga fácil ao realizar suas tarefas diárias. Na história da doença atual relata que esteve bem de saúde até há 15 dias, quando iniciaram estes sinais e sintomas. Nega doenças como diabetes,hipertensão, doenças da tireoide. Nega também o uso de medicamentos. Ao exame físico apresenta palidez, icterícia (2+/4+), esplenomegalia de 4 cm do rebordo costal esquerdo e hepatomegalia de 2 cm do rebordo costal direito. Exames laboratoriais realizados mostram hemoglobina = 4,2 g/ dL; hematócrito = 13 %; VCM = 110 fL (VR = 80 – 100 fL); HCM = 32 pg (VR = 26 – 34 pg); leucograma = 10.500 / mm3 com diferencial normal; plaquetas = 240.000 /mm3; reticulócitos aumentados; bilirrubina total = 4,0 mg/dL (VR=0,3 -1,2 mg/dL) com fração direta de 0,8 mg/dl (VR = 0 - 0,2 mg/dL). Qual o diagnóstico mais provável para a anemia da paciente? 9Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas A) Anemia por déficit de produção ocasionada por deficiência de vitamina B12. B) Anemia do tipo regenerativa provocada por doença hemolítica adquirida. C) Anemia arregenerativa por deficiência quantitativa de células progenitoras associada à hepatite viral. D) Anemia por deficiência na síntese do heme durante a diferenciação das células eritroides. E) Anemia por deficiência na síntese da globina durante a diferenciação das células eritroides. COMENTÁRIO: Veja só, Estrategista: estamos diante de uma anemia macrocítica (VCM > 100 fL), icterícia à custa de bilirrubina indireta e reticulocitose. Só faltaram a presença de aumento de DHL e o consumo de haptoglobina para completar o quadro clássico das anemias hemolíticas, certo? Veja as alternativas: Incorreta a alternativa A: anemias carenciais, como a ferropriva ou a megaloblástica, são hipoproliferativas, isto é, resultado de menor produção de hemácias. Cursam, portanto, com reticulócitos baixos, não elevados, como em nosso caso. CORRETA a alternativa B. É isso! Anemias hemolíticas são marcadas justamente por reticulocitose, icterícia à custa de bilirrubina indireta, aumento de DHL e consumo de haptoglobina. Incorreta a alternativa C: deficiências de células progenitoras hematopoiéticas, como vemos na anemia aplásica, são hipoproliferativas e, assim, cursam com reticulocitopenia (≤ 2%), não reticulocitose. Incorreta a alternativa D: a anemia sideroblástica ocorre por deficiência de síntese de heme, mas é uma anemia hipoproliferativa, cursando, assim, com reticulócitos baixos. Incorreta a alternativa E: as talassemias são anemias hemolíticas marcadas por deficiência de síntese de globina e, portanto, cursam, sim, com reticulocitose e icterícia por hiperbilirrubinemia indireta. Mas são condições congênitas, que não surgiriam na idade de 48 anos. 10Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 2.0 CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS CAPÍTULO Agora que sabemos reconhecer o quadro clínico-laboratorial da hemólise, doutor(a), podemos conhecer os vários tipos de anemias hemolíticas. Para tal, habitualmente as dividimos em: aquelas causadas por defeitos das próprias hemácias e aquelas ocasionadas por fatores externos a elas, como mostra a imagem abaixo: Figura 3: Classificação das anemias hemolíticas de acordo com sua relação com as hemácias. 11Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Você pode ver, por exemplo, que temos anemias hemolíticas causadas pela presença de anticorpos IgG ou IgM, que podem ser originários de outros indivíduos (aloimunes, como vemos na doença hemolítica do recém-nascido) ou produzidos pelo próprio indivíduo (autoimunes, nos quadros de anemias hemolíticas autoimunes). O principal exame que é usado no diagnóstico dessas condições é o teste de Coombs direto ou teste da antiglobulina direta, que verifica a presença dos anticorpos na superfície das hemácias do paciente. Por outro lado, as anemias hemolíticas microangiopáticas, como a púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) e a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), são marcadas pela presença de esquizócitos, isto é, fragmentos eritrocitários ("hemácias despedaçadas"), resultantes da destruição dos glóbulos vermelhos ao colidirem com trombos presentes na microcirculação, surgidos por diferentes motivos. Uma última causa de hemólise por fatores externos às hemácias é o hiperesplenismo, uma condição em que o baço aumenta de tamanho por outras circunstâncias, como hipertensão portal ou infiltração por linfomas, levando à destruição das hemácias em seu interior e, assim, à anemia hemolítica. Em contrapartida às anemias hemolíticas por causas externas às hemácias, temos os defeitos intrínsecos eritrocitários, em que uma alteração de um componente da hemácia leva a sua destruição. É o caso da esferocitose hereditária, uma doença autossômica dominante em que o indivíduo não produz algumas proteínas do citoesqueleto das hemácias (espectrina, anquirina), fazendo com que elas percam seu formato bicôncavo habitual e se tornem esferócitos. Os esferócitos são habitualmente hipercrômicos (CHCM elevado) e menos deformáveis do que o normal, sendo destruídos no baço, fazendo da esferocitose hereditária uma anemia hemolítica crônica marcada por hipercromia e esplenomegalia. O tratamento dessa condição é a esplenectomia, considerada, inclusive, curativa. Enquanto a esferocitose é um defeito da membrana, a deficiência de G6PD (glicose-6-fosfato- desidrogenase) é uma doença hereditária de herança ligada ao sexo (relacionada ao cromossomo X), em que a produção da enzima G6PD é diminuída, reduzindo a proteção das hemácias contra o estresse oxidativo. Em situações de oxidação aumentada, como infecções ou uso de medicações, esses pacientes sofrem surtos hemolíticos agudos, que devemos tratar apenas com suporte clínico. Por fim, as hemoglobinopatias são doenças que afetam a molécula de hemoglobina, principal componente das hemácias. Já estudamos as talassemias no livro anterior e estudaremos a seguir a anemia falciforme, a anemia hemolítica mais cobrada nas provas de Revalidação. As doenças falcêmicas e talassêmicas são as únicas hemólises que já foram abordadas no Revalida e, por isso, não nos aprofundaremos nas demais. Mesmo assim, guarde estas noções gerais sobre o restante das anemias hemolíticas, como trazemos no resumo a seguir: 12Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 4: Características das principais anemias hemolíticas. Por fatores intrínsecos às hemácias Hemoglobinopatias Enzimopatias Membranopatias Por anticorpos Por aumento do braço Por trombos na microcirculação Anemia falciforme: principal anemia hemolítica das provas Talassemia: anemia microcítica, com esplenomegalia Deficiência de G6PD: surtos de hemólise após infecções ou uso de medicações Esferocitose hereditária: anemia hipercrômica (CHCM elevado) com esplenomegalia Anemias hemolíticas autoimunes e aloimunes: Coombs direto positivo Anemias microangiopáticas: presença de esquizócitos Hiperesplenismo: aumento do baço secundário a outras condições Por fatores externos às hemácias Anemias hemolíticas EM RESUMO - ANEMIAS HEMOLÍTICAS 1. Anemias hemolíticas são anemias hiperproliferativas resultantes da destruição periférica de hemácias por fatores intrínsecos ou extrínsecos a elas. 2. Quadro clínico laboratorial: anemia normocítica (VCM 80-100 fL) ou macrocítica (VCM > 100 fL), reticulocitose (> 2%), icterícia à custa de bilirrubina indireta, aumento de DHL e consumo de haptoglobina. 3. Anemias hemolíticas por fatores intrínsecos às hemácias: hemoglobinopatias (talassemia, anemia falciforme), membranopatias (esferocitose hereditária), enzimopatias (deficiência de G6PD). 4. Anemias hemolíticas por fatores extrínsecos às hemácias: anemias hemolíticas autoimunes e aloimunes, anemias microangiopáticas (PTT, SHU), hiperesplenismo. 13Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 3.0 ANEMIA FALCIFORME CAPÍTULO A anemia falciforme ou hemoglobinopatia SS não é só a anemia hemolítica mais comum nas provas deRevalidação: é simplesmente o tema mais cobrado de todas as questões de Hematologia do Revalida, eventualmente sendo cobrado até mais de uma vez no mesmo ano! Isso não é por acaso: mais comum em afrodescendentes, a doença falcêmica falciforme é uma das doenças genéticas mais comuns no Brasil e no mundo, considerada a doença monogênica mais comum existente! A importância da anemia falciforme não decorre apenas de sua alta prevalência. Acometidos por uma série de complicações de elevada morbimortalidade, indivíduos falcêmicos possuem uma sobrevida média muito menor do que a população geral, com expectativa de vida girando em torno de 40 a 50 anos. São justamente as intercorrências que acometem os portadores de anemia falciforme que você deve saber identificar, Estrategista. Mas, antes de estudá-las, vamos conhecer a fisiopatologia por trás dessa grave doença. 3.1 FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFO RME Como vimos em nosso primeiro livro, a hemoglobina é formada por quatro cadeias de globina ligadas cada uma a um grupo heme (ferro + protoporfirina). No indivíduo normal, cerca de 97% das moléculas de hemoglobina serão de HbA, formada por 2 cadeias de alfa globina e 2 cadeias de beta globina, enquanto teremos pequenas quantidades de HbA2 (α2δ2) e HbF (α2γ2). Na anemia falciforme, uma mutação pontual, de herança autossômica recessiva, substitui o ácido glutâmico pela valina como sexto aminoácido na cadeia de beta globina, alterando a HbA e gerando a HbS, uma hemoglobina anômala que, quando não ligada ao oxigênio, perde solubilidade e forma longas fibras no interior das hemácias. Essa capacidade de polimerizar-se quando desoxigenada faz com que a HbS altere o formato bicôncavo habitual da membrana eritrocitária, dando- lhe uma característica aparência de foice ou meia-lua, como podemos ver no esquema a seguir. Essas hemácias em foice também são chamadas de drepanócitos. 14Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 5: Fisiopatologia da anemia falciforme: o evento fisiopatológico básico da anemia falciforme é a mutação pontual que substitui o ácido glutâmico pela valina como sexto aminoácido da cadeia de beta globina, gerando a HbS, hemoglobina anômala capaz de polimerizar-se em situações de desoxigenação. Quando polimerizada, a HbS em fibras altera o formato da membrana eritrocitária, gerando as hemácias em foice ou drepanócitos. 15Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Menos deformáveis que as hemácias normais, os drepanócitos sofrem hemólise precoce, possuindo uma meia-vida diminuída, bem menor do que o normal de 120 dias. Assim, as alterações típicas de hemólise estarão presentes: aumento de DHL e bilirrubina indireta, consumo de haptoglobina, reticulocitose, litíase biliar. Até mais importante que isso é o fato de que as hemácias em foice obstruem a microcirculação de órgãos e tecidos por onde passam, levando a episódios repetidos de vaso-oclusões em diversos órgãos, justamente a principal manifestação da anemia falciforme. Em resumo, a anemia falciforme é uma hemoglobinopatia qualitativa congênita resultante da mutação pontual que substitui o ácido glutâmico pela valina na molécula de beta globina, gerando a HbS. Essa hemoglobina anômala é capaz de formar fibras, criando as hemácias em foice ou drepanócitos, que, por possuírem deformabilidade diminuída, levarão ao quadro típico da anemia falciforme, caracterizado por anemia hemolítica crônica e eventos vaso-oclusivos. A confirmação do diagnóstico é feita pela verificação de grande quantidade de HbS nas hemácias do paciente, por meio dos exames da eletroforese de hemoglobinas ou da cromatografia líquida de alta performance, sendo essa última o exame padrão-ouro para o diagnóstico da doença falcêmica. Vamos ver isso em uma questão? CAI NA PROVA (REVALIDA INEP - 2015) Uma mulher de 16 anos de idade, parda, foi avaliada em um ambulatório de atenção especializada por apresentar fraqueza, cansaço e episódios de dores musculares e articulares, principalmente em mãos e pés. Ela relata apresentar o quadro desde a infância, com crises frequentes de dor de início súbito. Ao exame físico apresentava- se com mucosas hipocoradas e escleróticas ictéricas, além de edema de articulações de mãos e pés. Os sinais vitais aferidos mostraram pressão arterial = 90 x 50 mmHg; frequência cardíaca = 108 bpm; frequência respiratória = 18 irpm e temperatura axilar = 37,1 °C. Os exames laboratoriais revelaram: Hemoglobina = 8,3 g/dL (VR = 11,5 - 15 g/dL); Hematócrito = 25,2% (VR = 35 - 45%); VCM = 90 fL (VR = 80 - 96 fL); Leucócitos = 7.500/mm³, com contagem diferencial normal; Plaquetas = 197.000/mm³ (VR = 100.000 - 400.000 mm³); Reticulócitos = 7,4% (VR = 0,5 - 1,5%); Desidrogenase láctica = 870 U/L (VR = 240 - 480 U/L); Aspartato aminotransferase = 52 U/L (VR = até 38 U/L). Com base no quadro descrito, qual exame complementar deveria ser realizado a fim de se obter o provável diagnóstico etiológico? 16Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas A) Teste de Coombs direto. B) Hematoscopia de sangue periférico. C) Teste de solubilidade da hemoglobina. D) Cromatografia líquida de alto desempenho. COMENTÁRIO: Veja, caro(a) doutor(a): temos uma mulher que apresenta, em seu hemograma, anemia normocítica com reticulocitose e aumento de DHL. Sem dúvidas, estamos diante de uma anemia hemolítica. Note ainda que essa paciente, parda, apresenta frequentes episódios de crises de dor e edema em articulações e músculos. O que está acontecendo, Estrategista? Certamente estamos diante de uma portadora de anemia falciforme, uma anemia hemolítica crônica marcada por diversas vaso-oclusões, especialmente em território de ossos e músculos. Enquanto o Coombs direto serve para identificar as anemias hemolíticas imunes, a hematoscopia e o teste de solubilidade da hemoglobina são testes que até ajudam na identificação da anemia falciforme, mas não são sensíveis o suficiente para firmar o diagnóstico. Como vimos, o melhor exame para confirmar a doença falcêmica é a cromatografia líquida de alta performance, como afirma a alternativa D. CORRETA a alternativa D. Nem todo indivíduo com HbS é portador de anemia falciforme! Lembra-se de que a mutação para essa hemoglobina anômala é autossômica recessiva? Isso significa que, para ter a anemia falciforme em si, o paciente precisa ter dois genes mutados, isto é, ser homozigoto, produzindo predominantemente HbS (> 90%). Já heterozigotos, com um gene normal e um gene mutado, produzem cerca de 60% de HbA e 40% de HbS, o que impede as falcizações. Esses heterozigotos são totalmente assintomáticos, não tendo nem mesmo anemia! Chamamos esses indivíduos de portadores de traço falcêmico, e a única conduta a ser adotada nesses casos é orientação genética, uma vez que eles podem ter filhos com anemia falciforme. A diferença entre anemia falciforme e traço falcêmico está resumida nos esquemas a seguir: 17Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 6: Eletroforese de hemoglobinas na anemia falciforme: a eletroforese de hemoglobinas é um exame em que separamos as hemoglobinas normais do adulto por meio de uma carga elétrica. Normalmente, temos grande quantidade de HbA e quantidades residuais de HbA2 e HbF. Já no traço falcêmico e na anemia falciforme, existe uma mutação no gene da beta globina, levando à formação da hemoglobina anômala HbS. A quantidade de HbS produzida será maior em indivíduos homozigotos (dois genes afetados) do que nos heterozigotos (um gene normal e um gene afetado). Dois alelos produtores de HbS Eletroforese de hemoglobinas: > 90% HbS Um alelo produtor de HbS e um alelo produtor de HbA Eletroforese de hemoglobinas: 60% HbA, 30% HbS Sem polimerização e sem falcização Assintomáticos Polimeração da HbS levando à falcização Hemóliose Vaso-oclusõesHomozigotos para a HbS Heterozigotos para a HbS Anemia falciforme Traço falcêmico 18Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 3.2 CRISES ÁLGICAS Começaremos nosso estudo das complicações da anemia falciforme pelas crises dolorosas, justamente a intercorrência mais comum da doença e principal causa de internação nessa população. Também chamados simplesmente de crises vaso-oclusivas, esses episódios de dor são ocasionados pela isquemia tecidual secundária à obstrução do fluxo sanguíneo pelas hemácias falcizadas, principalmente no território de ossos e músculos. As vaso-oclusões levam à dor de intensidade variável, difusa ou localizada em membros, abdome ou dorso, com duração média de 4 a 6 dias. Alguns fatores são desencadeantes conhecidos, como hipóxia, desidratação, infecções, exposição ao frio e estresse físico ou emocional. Diante de um paciente falcêmico com quadro doloroso, devemos prontamente instituir analgesia imediata, potente e proporcional a sua dor, muitas vezes com opioides fortes; realizar hidratação vigorosa por via oral em crises leves e via endovenosa em crises moderadas a graves (evitando-se hiper- hidratação); e afastar e tratar quaisquer fatores desencadeantes, se presentes. Apesar de serem as principais complicações na vida do portador de anemia falciforme, as crises álgicas não costumam surgir até os seis meses de idade, o que faz os pacientes falcêmicos serem assintomáticos nesse período! Isso porque, ao nascimento, a hemoglobina mais produzida é a HbF (α2γ2), não afetada pela mutação da HbS (α2βs2). É só por volta da metade do primeiro ano de vida que a produção de HbF (α2γ2) decai, sendo substituída pela HbS (α2βs2) como hemoglobina predominante. O aumento da concentração da HbS fará, então, com que essa molécula anômala seja capaz de polimerizar-se, levando à falcização das hemácias e aos quadros agudos que marcam a hemoglobinopatia SS. A primeira crise álgica na vida do paciente falcêmico costuma ser a dactilite falcêmica, que acomete especialmente as mãos e pés, causando edema e dor. Ocorre principalmente em crianças de até 2 anos de idade, sendo também chamada de síndrome mão-pé. Veremos nas próximas questões que as provas de Revalidação gostam de cobrar a dactilite falcêmica, mas, antes disso, veja um pequeno resumo sobre as crises álgicas no esquema a seguir. 19Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 7: Crise álgica. 20Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas CAI NA PROVA (REVALIDA INEP 2014) Um lactente, negro, com um ano de idade, foi encaminhado ao Ambulatório de Pediatria pelo surgimento de quadro recente de febre e palidez acompanhadas de dor e inchaço nos dedos das mãos e pés. Na ocasião foi colhido hemograma e prescrito analgésico. O lactente, nascido com 38 semanas de gestação, foi amamentado exclusivamente até quatro meses de vida, quando foi introduzida alimentação complementar. A mãe acha que a criança não aceita bem a refeição salgada e toma quatro mamadeiras por dia. Nega doenças anteriores. Ao exame físico, a criança encontra-se descorada ++/4+, sem outras alterações. A mãe traz hemograma anterior: Hemoglobina = 8,5 g/dl (Valor de referência = 10,5 - 13,5 g/dl); Hematócrito = 25% (Valor de referência = 33% - 39%); VCM = 85 fl (Valor de referência = 70 - 86 fl); RDW normal; reticulócitos = 4% CVSs (Valor de referência = 0,5% - 2,5% CVSs); leucócitos = 14,400/mm³ (Valor de referência = 6,000 - 17,000/mm³); plaquetas = 323,000/mm³ (Valor de referência = 150,000 - 350,00/mm³). Com base no quadro clínico e no hemograma apresentados, qual o diagnóstico correto e qual exame laboratorial deve(m) ser solicitado(s) para confirmação do diagnóstico? A) Anemia ferropriva; perfil de ferro sérico. B) Talassemia; eletroforese de hemoglobina. C) Anemia falciforme; eletroforese de hemoglobina. D) Anemia megaloblástica; dosagem de vitamina B12 e ácido fólico sérico. COMENTÁRIO: Criança com anemia normocítica e reticulocitose apresentando edema e dor em mãos e pés. Certamente, trata-se de um portador de anemia falciforme em crise de dactilite falcêmica! Nenhuma das demais condições listadas nas alternativas leva à síndrome mão-pé, como temos em nosso caso. Mas, como firmar o diagnóstico, colega Revalidando? Podemos usar a eletroforese de hemoglobinas, como afirma a alternativa C, ou a cromatografia líquida de alta performance, essa, sim, o padrão-ouro para confirmação. CORRETA a alternativa C. 21Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas (REVALIDA UFMT - 2019) Criança de 2 anos é levada ao pronto atendimento com quadro de dor nas pernas, na região lombar e nas mãos que se encontram edemaciadas. Febre baixa não aferida. Ao exame físico apresenta-se chorosa, não permitindo a mobilização dos membros e das mãos. Palidez 3+/4, escleras ictéricas. Frequência cardíaca = 154 bpm; baço palpável a 4 cm do RCE; edema no dorso das mãos e dedos, com discreta hiperemia. Exames laboratoriais iniciais: Hb = 6,5 g/dl; Htc = 19%; VCM = 78; reticulócitos = 6%; leucócitos totais = 18.640/mm³; neutrófilos = 48%; linfócitos = 56%; eosinófilos = 1%; plaquetas = 180.000/mm³; bilirrubinas totais = 9,0 mg/dl; bilirrubina direta = 2,8 mg/ dl; bilirrubina indireta = 6,2 mg/dl; TGO = 40 UI/L; TGP = 51 UI/L. Em relação ao quadro acima, o diagnóstico mais provável é: A) Anemia falciforme em crise de falcização. B) Hepatite viral com reação articular. C) Anemia ferropriva em paciente com artrite idiopática juvenil. D) Leucemia linfoide aguda. COMENTÁRIO: Agora você já sabe identificar a anemia falciforme, não é, Estrategista? Temos uma criança com anemia com reticulocitose e icterícia à custa de bilirrubina indireta, acompanhada de uma clara síndrome mão-pé. Ou seja, estamos diante de um portador de anemia falciforme em crise de dactilite falcêmica. Assim, a resposta da questão é a alternativa A! CORRETA a alternativa A. 3.3 SÍNDROME TORÁCICA AGUDA Se as crises álgicas são o principal motivo de internação em pacientes falcêmicos, a síndrome torácica aguda (STA) é a causa mais comum de óbito em adultos portadores de anemia falciforme. Isso porque a STA é um grave quadro pulmonar marcado pela combinação de sintomas respiratórios e opacidade pulmonar à radiografia de tórax. Frequentemente precedida de uma crise álgica, a STA tem origem multifatorial, envolvendo vaso-oclusão na circulação pulmonar, tromboembolismo e infecção. 22Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Sempre devemos suspeitar de síndrome torácica aguda diante de um paciente falcêmico com sintomas respiratórios, como tosse, dispneia e dor torácica. Nesses casos, é preciso solicitar uma gasometria arterial, a fim de verificar a presença de hipoxemia, a alteração mais precoce e marcante desse quadro. Além disso, a radiografia de tórax será essencial para confirmar o quadro, já que seu diagnóstico é feito pelo achado de opacidade pulmonar em conjunção à sintomatologia respiratória. De elevada mortalidade (3% dos casos), a síndrome torácica aguda deve ser manejada em internação hospitalar, por meio das medidas abaixo: • Medidas comuns a uma crise vaso-oclusiva: afastamento de desencadeantes, hidratação endovenosa e analgesia adequada à dor do paciente. • Oxigenoterapia: corrigir hipoxemia se presente, evitando fornecer oxigênio se não for necessário. • Antibioticoterapia empírica: uso de cefalosporinas de terceira ou quarta geração, associado a macrolídeos (ceftriaxona + claritromicina, por exemplo), com objetivo de cobrir os microrganismos causadores mais comuns (Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae). • Suporte transfusional: indicado sempre que houver acentuada dispneia ou sinais de hipoxemia, como queda de saturação ou redução do conteúdo arterial de oxigênio. Em casos de hematócritoabaixo de 30%, pode-se utilizar a transfusão simples de hemácias. Já com hematócrito maior que 30%, preferimos a exsanguineotransfusão parcial, com fins de evitar-se a hemoviscosidade. A síndrome torácica aguda é a principal causa de morte em adultos falcêmicos e, por isso, é preciso que você saiba identificá-la e tratá-la. Não só isso: a STA já foi cobrada no Revalida, então revise rapidamente essa condição no esquema abaixo antes de vermos como ela é cobrada. 23Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 8: Fisiopatologia, quadro clínico e tratamento da síndrome torácica aguda. 24Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas CAI NA PROVA (REVALIDA INEP - 2017) Uma criança com 6 anos de idade, portadora de anemia falciforme, é internada com quadro de febre de 38,5°C, associada a tosse, dispneia intensa e dor torácica há 3 dias. Ao exame físico, encontra-se hipoativa, hipocorada +++/4, taquipineica, taquicárdica, com sopro sistólico de ++/6, fígado a 2 cm do rebordo costal direito e baço não papável, saturação de O2 = 92% em ar ambiente. Radiografia de tórax revela opacificações em lobos inferiores. O hemograma revela hemoglobina = 6,0 g/dL (valor de referência: 12 a 16 g/dL), sendo a hemoglobina do mês anterior igual a 7,2 g/dL. Foram iniciados os procedimentos de oxigenioterapia com máscara com reservatório a 10 L/min, hidratação venosa e analgesia, observando-se elevação da saturação de O2 para 94%. Nesse caso, a conduta terapêutica adequada é A) transfusão de concentrado de hemácias e início de antibioticoterapia empírica de amplo espectro. B) transfusão de concentrado de hemácias e instalação de BIPAP. C) antibioticoterapia empírica de amplo espectro e surfactante. D) exsanguineotransfusão parcial e instalação de BIPAP. COMENTÁRIO: Vamos lá, Estrategista! Um paciente com anemia falciforme apresentando sintomas respiratórios (tosse, dispneia, dor torácica) e opacidade pulmonar à radiografia de tórax. Há alguma dúvida? Isso é síndrome torácica aguda! O tratamento dessa condição é feito por meio de analgesia, hidratação, afastamento de fatores desencadeantes e uso de antibioticoterapia profilática. Em casos com queda de saturação (hipoxemia) também está indicada a suplementação de oxigênio e a transfusão de hemácias. Veja as alternativas: CORRETA a alternativa A. perfeito! Sempre devemos iniciar antibiótico de amplo espectro na STA e, em caso de hipoxemia ou muita dispneia, fazer transfusão de hemácias. Incorreta a alternativa B: não há indicação estabelecida de BIPAP para o tratamento da STA. Incorreta a alternativa C: não há indicação de surfactante na STA. Incorreta a alternativa D: novamente, não há indicação estabelecida de BIPAP na STA. 25Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 3.4 AUTOESPLENECTOMIA Se a STA é a causa mais comum de óbito em adultos, a mortalidade em crianças falcêmicas decorre principalmente de infecções por bactérias encapsuladas, como pneumococo, meningococo e hemófilo. Isso porque o portador de anemia falciforme é imunossuprimido. Vamos entender como isso acontece? As vaso-oclusões típicas da anemia falciforme afetam os ossos e músculos, levando às crises álgicas, mas também acometem os órgãos internos, causando múltiplas disfunções. Um dos mais afetados é o baço, que, ao longo da vida do paciente falcêmico, sofre inúmeros microinfartos, levando à fibrose progressiva de seu parênquima e, consequentemente, à perda de sua função até os 5 anos de idade. De fato, após os 5 anos de idade, quase a totalidade dessa população terá o baço atrofiado e sem função, sendo muita rara a verificação de esplenomegalia nesses pacientes. Chamamos esse estado de autoesplenectomia, condição em que o baço sofre fibrose e se torna incapaz de exercer sua habitual função de fagocitose de patógenos. A perda de atividade do baço leva a verdadeiro estado de asplenismo funcional, fazendo com que os pacientes falcêmicos não tenham uma adequada proteção contra bactérias encapsuladas, que normalmente sofrem fagocitose pelos macrófagos esplênicos. A autoesplenectomia e o consequente estado de asplenismo funcional explicam por que a sepse por Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae tipo b é a causa mais comum de morte em crianças com anemia falciforme, levando à mortalidade de até 30% de todos os falcêmicos com menos de 5 anos! A triagem neonatal tem um papel essencial na prevenção dessas mortes: a identificação precoce dos pacientes falcêmicos permite-nos tomar medidas específicas para evitar a sepse por encapsulados. É o caso da vacinação estendida, que deve incluir a vacina antipneumocócica polissacarídica 23-valente, e da antibioticoterapia profilática, indicada para todo paciente falciforme, com uso diário de penicilina V oral ou eritromicina (para os alérgicos à penicilina) dos 3 meses aos 5 anos de idade. 26Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 9: Autoesplenectomia e suscetibilidade a infecções por bactérias encapsuladas. Além disso, crianças falcêmicas com febre devem ser prontamente internadas e submetidas à antibioticoterapia empírica endovenosa, justamente pelo elevado risco de evolução para sepse fulminante. Todas essas medidas estão resumidas abaixo. Leia-as com atenção antes de vermos como a doença já foi cobrada em provas: Anemia falciforme Mutação autossômica recessiva que determina a presença de HbS Falcização das hemácias, levando a vaso-oclusões em diversos órgãos, incluindo o baço Risco infeccioso aumentado Suscetibilidade a sepse por bactérias encapsuladas S. pneumoniae, N. meningitidis, H. influenzae Autoesplenectomia Microinfartos repetidos no parênquima esplênio Fibrose e perda da função do baço Perda da fagocitose de patógenos pelos macrófagos do baço Cuidados anti-infecciosos Profilaxia com penicilina V oral até 5 anos de idade Vacinação estendida Sempre internar se suspeita de infecção CAI NA PROVA (REVALIDA INEP - 2011) Criança do sexo masculino, com três anos de idade e que apresenta anemia falciforme, é levado pela mãe à consulta na Unidade Básica de Saúde porque está tendo febre há quatro dias, chegando a 39°C. Apresenta tosse produtiva que aumentou de intensidade. Encontra-se em estado geral de prostração e a mãe notou que a criança está mais pálida e ictérica nos últimos dias. O pediatra encaminhou a criança de imediato para o hospital de referência, considerando que A) as infecções são as complicações mais frequentes na anemia falciforme, acompanhadas de esplenomegalia que se acentua após os cinco anos de idade. B) a importância das infecções como complicações na anemia falciforme, deve-se à maior susceptibilidade à bactéria Salmonella na faixa etária abaixo dos cinco anos. C) a mortalidade entre crianças falcêmicas menores de cinco anos é elevada, sendo as complicações mais frequentes as infecções por Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e por pneumococo. D) as infecções são as complicações mais frequentes, e o uso de profilaxia com penicilina é contraindicado pelos riscos de aumento da taxa de colonização por cepas de pneumococos resistentes. E) as infecções são as complicações mais frequentes, o que leva à necessidade de profilaxia com penicilina, recomendada do momento do diagnóstico da anemia falciforme e mantida por toda a vida. 27Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas COMENTÁRIO: Vamos julgar os itens, Estrategista? Incorreta a alternativa A: pelo contrário. Após os cinco anos de idade, é muito raro que vejamos esplenomegalia em um portador de anemia falciforme, uma vez que o baço já sofreu fibrose. Incorreta a alternativa B: existe, sim, suscetibilidade aumentada a infecções no paciente falciforme, mas por bactérias encapsuladas, como pneumococo, meningococo e hemófilo. CORRETAa alternativa C. É isso, Revalidando(a)! Como vimos, até 30% das crianças falcêmicas de 0 a 5 anos morrem por sepse, desencadeada pela infecção por pneumococo, meningococo e hemófilo. Incorreta a alternativa D: a profilaxia com penicilina V oral (ou eritromicina para alérgicos) está, sim, indicada em todos os pacientes falcêmicos com até 5 anos, já que o risco de sepse por encapsulados é muito elevado. Incorreta a alternativa E: mantemos a profilaxia antibiótica até os 5 anos de idade, período de maior incidência de infecções por encapsulados. 3.5 SEQUESTRO ESPLÊNICO Vimos logo acima que é rara a verificação de esplenomegalia em pacientes falcêmicos, devido à autoesplenectomia. A única situação em que esperamos encontrar aumento de tamanho do baço nessa população é uma complicação clínica grave resultante do aprisionamento das hemácias falcizadas na circulação esplênica, justamente mais prevalente em crianças de até 5 anos. Estamos falando, Estrategista, da crise de sequestro esplênico, justamente a segunda maior causa de morte nesses pacientes, atrás apenas da sepse por encapsulados. 28Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas A sequestração esplênica é uma complicação com mortalidade de cerca de 10% dos casos, marcada por grande esplenomegalia e piora da anemia basal do paciente, podendo levar a choque hipovolêmico. Como a medula óssea produz novas hemácias para tentar repor aquelas presas no baço, reticulocitose é uma característica marcante dessa condição. Pela gravidade do quadro, sempre deve ser tratado em internação, por meio de suporte hemodinâmico, hidratação endovenosa e transfusão de concentrado de hemácias. Passado o episódio agudo, a esplenectomia profilática deve ser programada, já que há risco de recorrência. Figura 10: Sequestro esplênico. 29Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Eu gosto de lembrar do sequestro esplênico como a crise dos "ÃO": ocorre em criança falcêmica com anemiÃO e baçÃO, sendo tratada com internaçÃO, hidrataçÃO e transfusÃO. Apesar de nunca ter sido cobrada nas provas do Revalida, a sequestração esplênica é uma importante complicação da anemia falciforme e pode ser alvo de questões no futuro, sendo importante, inclusive, considerar seus diagnósticos diferenciais. O sequestro esplênico faz parte de um grupo de condições que pode levar à piora da anemia basal do paciente falcêmico, em conjunto com a crise aplásica e a crise hiper-hemolítica. Essas duas condições são bem menos cobradas nas provas que a sequestração esplênica, mas saber diferenciá-las é importante. A crise aplásica decorre da infecção pelo parvovírus B19 ou eritrovírus B19, que possui um especial tropismo pelas células precursoras eritropoiéticas. Também causador do eritema infeccioso, esse vírus invade os progenitores eritroides na medula óssea, levando a sua destruição. Instala-se, assim, uma parada temporária na produção de hemácias, com consequente piora da anemia e reticulocitopenia. Não esperamos encontrar esplenomegalia. Por fim, a crise hiper-hemolítica é um estado de aumento da destruição das hemácias do paciente falcêmico, precipitado por eventos como infecção por micoplasma, deficiência de G6PD e reações transfusionais. Haverá aumento de provas de hemólise, como elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, além de grandes reticulocitoses. Novamente, não esperamos encontrar esplenomegalia. Autolimitadas, as crises aplásica e hiper-hemolítica são tratadas apenas com suporte clínico, como resume a tabela a seguir. Leia-a com atenção! 30Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 3.6 OUTRAS COMPLICAÇÕES AGUDAS E CRÔNICAS DA ANEMIA FALCIFORME Sequestro esplênico Crise aplásica Crise hiper-hemolítica Mecanismo fisiopatológico Aprisionamento de hemácias no baço Parada temporária na produção de hemácias por infecção pelo parvovírus B19 Aumento das taxas de hemólise precipitado por diversas condições Quadro comum Piora da anemia basal Piora da anemia basal Piora da anemia basal Baço Com esplenomegalia Sem esplenomegalia Sem esplenomegalia Contagem de reticulócitos Reticulocitose Reticulocitopenia Reticulocitose Tratamento Internação, hidratação e transfusão de hemácias Suporte clínico em internação Suporte clínico em internação Acabamos de estudar as principais crises falcêmicas cobradas nas provas, mas isso não encerra o quadro da hemoglobinopatia SS, Estrategista! Muitos outros órgãos podem ser afetados pelas crises de falcização, como é o caso da pele, em que frequentemente vemos úlceras maleolares, e dos ossos longos como o fêmur e o úmero, muito acometidos por necrose avascular e osteomielite. 31Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Uma complicação muito comum em pacientes falcêmicos, atingindo até 12% dessa população, a osteomielite tem uma característica importante: enquanto na população geral a principal etiologia é, de longe, o S. aureus, em portadores de anemia falciforme, esse posto é ocupado pela Salmonella. Isso é importante na hora de escolhermos a antibioticoterapia empírica para tratar casos de osteomielite em pacientes falcêmicos, que sempre deve cobrir tanto o estafilococo quanto a Salmonella. Os corpos cavernosos do pênis também podem ser acometidos pela vaso-oclusão, levando ao priapismo, ereções prolongadas, dolorosas e indesejadas, com risco de perda de função do órgão. Muito frequente, o priapismo acomete até 30% dos homens falcêmicos, principalmente após a puberdade, e deve ser manejado com medidas comuns a crises vaso-oclusivas (analgesia, hidratação, afastamento de desencadeantes), avaliação urológica (com possível drenagem de corpos cavernosos) e, em casos refratários, transfusões de troca. Explicada na imagem abaixo, a transfusão de troca ou exsanguineotransfusão parcial também é usada no tratamento de acidentes vasculares encefálicos (AVEs), outra frequente complicação da doença falciforme, especialmente em crianças. Estima- se que 11% dos pacientes falcêmicos terão um episódio de AVE isquêmico até os 20 anos de idade, enquanto esse é um evento raro na população pediátrica normal. Entre adultos jovens, na segunda e terceira décadas de vida, predomina o AVE hemorrágico, enquanto o AVEi volta a ser mais comum após os 30 anos. Figura 11: Exsanguineotransfusão parcial ou transfusão de troca: nesse procedimento, utilizamos uma máquina de aférese, capaz de separar as hemácias e o plasma por meio de uma centrífuga. As hemácias com HbS são, então, desprezadas, enquanto reconstituímos o sangue do paciente, unindo seu plasma a concentrados de hemácias normais e o reinfundimos, levando a uma diminuição da concentração de HbS. Além desse método automatizado, podemos realizar a exsanguineotransfusão de forma manual, fazendo uma sangria (que retira hemácias com HbS), seguida de uma transfusão de hemácias normais. 32Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Paciente falcêmico com suspeita de AVEi deve ser prontamente submetido à transfusão de troca, mesmo que tenha tomografia de crânio normal! Passado o evento agudo, o paciente deverá ser mantido em um regime transfusional crônico como medida de profilaxia secundária, com objetivo de manter os níveis de HbS sempre abaixo de 30% e, assim, evitar a recorrência dos episódios de AVEi. O regime transfusional crônico é tão importante na prevenção de AVEi na população falcêmica que também é utilizado na profilaxia primária: todo paciente falcêmico de 2 a 16 anos de idade deve ser submetido a um ultrassom Doppler transcraniano anual, e aqueles em que a velocidade de fluxo sanguíneo cerebral for maior de 200 cm/s são considerados de alto risco para AVEi, devendo ser encaminhados para avaliação de transfusões crônicas para manter a HbS abaixo de 30%.Por fim, outro alvo comum de falcizações é a medula renal, um ambiente de relativa hipóxia. Por isso, é comum que portadores de anemia falciforme apresentem hematúria, crises de necrose de papila renal e isostenúria (incapacidade de concentrar a urina). O acometimento renal também faz com que pacientes falcêmicos sejam mais acometidos por quadros de doença renal crônica, sendo a doença falcêmica uma clássica causa de insuficiência renal crônica com rins de tamanho normal ou aumentado. 3.7 TRATAMENTO DA ANEMIA FALCIFORME Como vimos, a anemia falciforme é uma doença complexa, com complicações agudas e crônicas que acrescentam importante morbimortalidade na vida de seus portadores, ocasionando uma sobrevida cerca de 10 a 20 anos menor do que a população geral. Por isso, o manejo da doença envolve acompanhamento multidisciplinar e especializado, com inúmeras particularidades. Atualmente, o transplante alogênico de medula óssea e a terapia gênica são as duas opções curativas para a anemia falciforme, ainda que pouco disponíveis e possíveis apenas em crianças ou adolescentes, quando as disfunções orgânicas típicas ainda não se instalaram. Além do manejo específico de cada intercorrência a que esses pacientes estão sujeitos, é importante abordar dois pontos específicos do tratamento da anemia falciforme: o uso da hidroxiureia e o suporte transfusional. 33Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas A hidroxiureia ou hidroxicarbamida foi a primeira medicação a comprovadamente aumentar a sobrevida de pacientes com anemia falciforme, agindo pelo bloqueio da síntese de DNA por meio de inibição da ribonucleotídeo redutase, enzima envolvida na produção de nucleotídeos. Por meio dessa inibição, a hidroxiureia ocasiona diversos benefícios ao paciente falcêmico, como aumento de hidratação das hemácias, efeito vasodilatador por aumento de síntese de ácido nítrico pelo endotélio, menor atividade inflamatória pela redução do número de neutrófilos. Sua principal ação, contudo, é aumentar a síntese de hemoglobina fetal (HbF) e, assim, reduzir a concentração de HbS, o que impede a falcização. O uso da hidroxiureia é recomendado para pacientes que sofram crises álgicas recorrentes ou episódios vaso-oclusivos graves. O Ministério da Saúde possui indicações precisas de uso da medicação, mas elas nunca foram cobradas na prova do Revalida. Mais importante é lembrar seu mecanismo de ação: o aumento da concentração de HbF. Além da hidroxiureia, uma das mais usadas terapias no tratamento da anemia falciforme é a transfusão de hemácias. De fato, esses indivíduos receberão inúmeros concentrados de hemácias ao longo da vida, muitos deles sem qualquer indicação clínica. Lembre-se: transfusões não são isentas de riscos, podendo precipitar reações ou transmitir infecções, principalmente quando são recorrentes. Por isso, sempre precisamos ter indicações clínicas precisas para indicar transfusões em pacientes falcêmicos, como mostra o esquema abaixo. Não se preocupe em decorá-las, elas nunca foram cobradas especificamente nas provas de Revalidação, mas lembre-se de uma informação importante: crise álgica simples não é uma indicação de transfusão na anemia falciforme! 34Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Figura 12: Suporte transfusional na anemia falciforme. 35Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas EM RESUMO - ANEMIA FALCIFORME 1. Hemoglobinopatia qualitativa congênita marcada pela presença da HbS. 2. Fisiopatologia: uma mutação pontual autossômica recessiva determina a formação da HbS, uma hemoglobina anômala capaz de polimerizar-se quando desoxigenada, alterando a forma bicôncava eritrocitária habitual, gerando os drepanócitos ou hemácias em foice. De deformabilidade diminuída, esses eritrócitos alterados possuem sobrevida diminuída, sofrendo hemólise e obstruindo a microcirculação de órgãos e tecidos. 3. Quadro clínico-laboratorial: anemia hemolítica crônica marcada por inúmeros eventos vaso- oclusivos. 4. Traço falcêmico: heterozigoto para a mutação da HbS, assintomático. 5. Diagnóstico: cromatografia líquida de alta performance (padrão-ouro) ou eletroforese de hemoglobinas (mais disponível). 6. Crises álgicas: episódios de dor de intensidade e duração variáveis, decorrentes de vaso-oclusões no território de ossos e músculos. Devem ser tratadas com afastamento de fatores precipitantes, hidratação endovenosa (evitando hiper-hidratação) e analgesia adequada à dor do paciente. Não é indicação de transfusão de hemácias. 7. Autoesplenectomia: estado de asplenismo funcional secundário à fibrose do baço por repetidas vaso-oclusões em seu parênquima. Leva a uma suscetibilidade aumentada a infecções por bactérias encapsuladas (pneumococo, meningococo e hemófilo), fazendo necessária a antibioticoterapia profilática com penicilina V oral até os 5 anos de idade, vacinação estendida com pneumo-23 e cuidado infeccioso redobrado. 36Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 8. Sequestro esplênico: quadro grave de aprisionamento de hemácias falcizadas na circulação esplênica, levando à piora da anemia basal do paciente e esplenomegalia de rápida instalação. Tratado com hidratação e transfusão de hemácias. 9. Crise aplásica: episódio de parada temporária da produção de hemácias decorrente de infecção pelo parvovírus B19, levando à piora da anemia basal do paciente. Tratamento de suporte. 10. Acidente vascular encefálico isquêmico: especialmente prevalente em crianças falcêmicas. Exsanguineotransfusão parcial deve ser usada como profilaxia primária, profilaxia secundária e tratamento. 11. Síndrome torácica aguda: quadro multifatorial de sintomas respiratórios (especialmente hipoxemia) associados a infiltrado pulmonar novo. Tratada com afastamento de desencadeantes, hidratação endovenosa, analgesia potente, antibioticoterapia empírica (voltada contra pneumococo, micoplasma e clamídia), oxigenoterapia e suporte transfusional (se hipoxemia). 12. Priapismo: ereção indesejada, prolongada e dolorosa, decorrente de vaso-oclusões nos corpos cavernosos do pênis. Pode levar à disfunção do órgão. Tratado com analgesia, hidratação e drenagem de corpos cavernosos, se indicada. Transfusões de troca indicadas em casos refratários. 13. Complicações ósseas: necrose asséptica de fêmur e osteomielite por Salmonella. 14. Complicações crônicas: retinopatia, insuficiência renal, úlceras maleolares, insuficiência cardíaca, hipertensão pulmonar, complicações obstétricas. 15. Tratamento: suporte transfusional com hemácias filtradas e fenotipadas, quelação de ferro, hidroxiureia (aumenta produção de HbF), transplante alogênico de medula óssea, terapia gênica. 37Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Baixe na Google Play Baixe na App Store Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ou busque na sua loja de apps. Baixe o app Estratégia MED Preparei uma lista exclusiva de questões com os temas dessa aula! Acesse nosso banco de questões e resolva uma lista elaborada por mim, pensada para a sua aprovação. Lembrando que você pode estudar online ou imprimir as listas sempre que quiser. Resolva questões pelo computador Copie o link abaixo e cole no seu navegador para acessar o site Resolva questões pelo app Aponte a câmera do seu celular para o QR Code abaixo e acesse o app 4.0 LISTA DE QUESTÕES https://estr.at/5bTJ https://estr.at/5bTJ 38Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 5.0 VERSÕES DAS AULAS CAPÍTULO CAPÍTULO Caro aluno! Para garantir que o curso esteja atualizado, sempre que alguma mudança no conteúdo for necessária, uma nova versão da aula será disponibilizada. 6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Williams Hematology, 9th edition. Kenneth Kaushansky, Marshall A. Lichtman, Josef T. Prchal, MarcelM. Levi, Oliver W. Press, Linda J. Burns, Michael Caligiuri. 2016. 2. Clinical Laboratory Hematology, 2nd Edition. Shirlyn B McKenzie, J. Lynne Williams. 2010. 3. Doença falciforme: condutas básicas para tratamento. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada, 2012. 4. Manual de eventos agudos em doença falciforme. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada, 2009. 5. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Doença Falciforme. Portaria SAS/MS no 55, de 29 de janeiro de 2010. 39Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas 7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS CAPÍTULO Estrategista, chegamos ao fim de mais um livro de nosso curso Revalida Exclusive. Lembre-se de que este é provavelmente o livro mais importante para sua prova: historicamente, a anemia falciforme é o tema mais cobrado nas provas de Revalidação, especialmente quando falamos do Revalida-INEP. Fiz uma lista de questões complementares para você testar os conhecimentos que revisamos sobre essa importante doença, mas, antes de resolvê-la, leia, a seguir, o pequeno resumo que fiz sobre as anemias hemolíticas, trazendo de novo os principais conceitos sobre elas. Até o próximo livro! Anemia falciforme Hemoglobinopatia qualitativa congênita, marcada pela presença de HbS HbS: hemoglobina anômala resultante de mutação pontual que substitui o ácido glutâmico pela valina na cadeia de beta globina Condição de grande morbimortalidade, com sobrevida reduzida em relação à população geral Herança genética Herança autossômica recessiva Homozigotos: doença falciforme em sua total extensão Heterozigotos: portadores do traço falcêmico, assintomáticos Quadro clínico Causa mais comum de morte em adultos: síndrome torácica aguda Causa mais comum de morte em crianças: sepse por encapsulados e sequestro esplênico Crise álgica Desencadeantes: hipóxia, desidratação, estresse físico ou emocional Tratamento: analgesia potente e adequada à dor, hidratação vigorosa sem hiper-hidratar, afastar desencadeantes Anemia leve a moderada, normo/normo, de componente hemolítico crônico e marcada por eventos vaso-oclusivos Dor decorrente de vaso-oclusão em território de ossos e músculos Anemias hemolíticas Quadro clínico-laboratorial: anemia normocítica ou macrocítica, reticulocitose, aumento de DHL e bilirrubina indireta, queda de haptoglobina Resultantes da destruição precoce das hemácias, reduzindo sua vida média habitual de 120 dias Hemólise por defeito intrínseco da hemácia Hemólise por fatores externos às hemácias Hiperesplenismo: aumento do baço levando à destruição das hemácias Microangiopatias: destruição das hemácias na microcirculação, presença de esquizócitos Anemia hemolítica aloimune e autoimune: destruição das hemácias do paciente por anticorpos, Coombs direto positivo Síndrome torácica aguda Agentes infecciosos envolvidos: pneumococo, micoplasma e clamídia Quadro: sintomas respiratórios + infiltrado pulmonar novo Tratamento: internação, antibiótico empírico, O2 e transfusão se hipoxemia Autoesplenectomia Ocasiona aumento de risco de infecções por bactérias encapsuladas: pneumococo, meningococo e hemófilo Sequestro esplênico Tratamento da anemia falciforme Transfusões: preferencialmente filtradas e fenotipadas, não indicadas em crise álgica simples Principais indicações de transfusões: queda do Hb basal, síndrome torácica aguda, sequestro esplênico Fibrose progressiva do baço, levando à involução do órgão e perda de sua função Principal crise pulmonar do paciente falcêmico, com mortalidade de cerca de 3% dos casos Quadro: piora da anemia basal, grande esplenomegalia, reticulocitose Diagnósticos diferenciais: crise aplásica (parvovírus B19) e crise hiper-hemolítica Tratamento: internação, hidratação e transfusão. Depois da crise: esplenectomia Grave crise de aprisionamento das hemácias falcizadas no baço, mais frequente até os 5 anos de idade Hidroxiureia: aumenta níveis de HbF, indicada na prevenção de crises vaso-oclusivas recorrentes e/ou graves Medidas protetoras: triagem neonatal, vacinação estendida para pneumococo, antibiótico profilático até 5 anos de idade, sempre internar criança com febre Hemoglobinopatias - Talassemia: deficiência congênita na síntese de globina - Anemia falciforme Membranopatias - Esferocitose hereditária: anemia hipercrômica (CHCM elevado) com esplenomegalia Enzimopatias - Deficiência de G6PD: surtos de hemólise desencadeados por infecções ou medicações 40Prof. Hugo Brisolla | Hematologia | Março 2022 Anemias Hemolíticas Anemia falciforme Hemoglobinopatia qualitativa congênita, marcada pela presença de HbS HbS: hemoglobina anômala resultante de mutação pontual que substitui o ácido glutâmico pela valina na cadeia de beta globina Condição de grande morbimortalidade, com sobrevida reduzida em relação à população geral Herança genética Herança autossômica recessiva Homozigotos: doença falciforme em sua total extensão Heterozigotos: portadores do traço falcêmico, assintomáticos Quadro clínico Causa mais comum de morte em adultos: síndrome torácica aguda Causa mais comum de morte em crianças: sepse por encapsulados e sequestro esplênico Crise álgica Desencadeantes: hipóxia, desidratação, estresse físico ou emocional Tratamento: analgesia potente e adequada à dor, hidratação vigorosa sem hiper-hidratar, afastar desencadeantes Anemia leve a moderada, normo/normo, de componente hemolítico crônico e marcada por eventos vaso-oclusivos Dor decorrente de vaso-oclusão em território de ossos e músculos Anemias hemolíticas Quadro clínico-laboratorial: anemia normocítica ou macrocítica, reticulocitose, aumento de DHL e bilirrubina indireta, queda de haptoglobina Resultantes da destruição precoce das hemácias, reduzindo sua vida média habitual de 120 dias Hemólise por defeito intrínseco da hemácia Hemólise por fatores externos às hemácias Hiperesplenismo: aumento do baço levando à destruição das hemácias Microangiopatias: destruição das hemácias na microcirculação, presença de esquizócitos Anemia hemolítica aloimune e autoimune: destruição das hemácias do paciente por anticorpos, Coombs direto positivo Síndrome torácica aguda Agentes infecciosos envolvidos: pneumococo, micoplasma e clamídia Quadro: sintomas respiratórios + infiltrado pulmonar novo Tratamento: internação, antibiótico empírico, O2 e transfusão se hipoxemia Autoesplenectomia Ocasiona aumento de risco de infecções por bactérias encapsuladas: pneumococo, meningococo e hemófilo Sequestro esplênico Tratamento da anemia falciforme Transfusões: preferencialmente filtradas e fenotipadas, não indicadas em crise álgica simples Principais indicações de transfusões: queda do Hb basal, síndrome torácica aguda, sequestro esplênico Fibrose progressiva do baço, levando à involução do órgão e perda de sua função Principal crise pulmonar do paciente falcêmico, com mortalidade de cerca de 3% dos casos Quadro: piora da anemia basal, grande esplenomegalia, reticulocitose Diagnósticos diferenciais: crise aplásica (parvovírus B19) e crise hiper-hemolítica Tratamento: internação, hidratação e transfusão. Depois da crise: esplenectomia Grave crise de aprisionamento das hemácias falcizadas no baço, mais frequente até os 5 anos de idade Hidroxiureia: aumenta níveis de HbF, indicada na prevenção de crises vaso-oclusivas recorrentes e/ou graves Medidas protetoras: triagem neonatal, vacinação estendida para pneumococo, antibiótico profilático até 5 anos de idade, sempre internar criança com febre Hemoglobinopatias - Talassemia: deficiência congênita na síntese de globina - Anemia falciforme Membranopatias- Esferocitose hereditária: anemia hipercrômica (CHCM elevado) com esplenomegalia Enzimopatias - Deficiência de G6PD: surtos de hemólise desencadeados por infecções ou medicações Anemia falciforme Hemoglobinopatia qualitativa congênita, marcada pela presença de HbS HbS: hemoglobina anômala resultante de mutação pontual que substitui o ácido glutâmico pela valina na cadeia de beta globina Condição de grande morbimortalidade, com sobrevida reduzida em relação à população geral Herança genética Herança autossômica recessiva Homozigotos: doença falciforme em sua total extensão Heterozigotos: portadores do traço falcêmico, assintomáticos Quadro clínico Causa mais comum de morte em adultos: síndrome torácica aguda Causa mais comum de morte em crianças: sepse por encapsulados e sequestro esplênico Crise álgica Desencadeantes: hipóxia, desidratação, estresse físico ou emocional Tratamento: analgesia potente e adequada à dor, hidratação vigorosa sem hiper-hidratar, afastar desencadeantes Anemia leve a moderada, normo/normo, de componente hemolítico crônico e marcada por eventos vaso-oclusivos Dor decorrente de vaso-oclusão em território de ossos e músculos Anemias hemolíticas Quadro clínico-laboratorial: anemia normocítica ou macrocítica, reticulocitose, aumento de DHL e bilirrubina indireta, queda de haptoglobina Resultantes da destruição precoce das hemácias, reduzindo sua vida média habitual de 120 dias Hemólise por defeito intrínseco da hemácia Hemólise por fatores externos às hemácias Hiperesplenismo: aumento do baço levando à destruição das hemácias Microangiopatias: destruição das hemácias na microcirculação, presença de esquizócitos Anemia hemolítica aloimune e autoimune: destruição das hemácias do paciente por anticorpos, Coombs direto positivo Síndrome torácica aguda Agentes infecciosos envolvidos: pneumococo, micoplasma e clamídia Quadro: sintomas respiratórios + infiltrado pulmonar novo Tratamento: internação, antibiótico empírico, O2 e transfusão se hipoxemia Autoesplenectomia Ocasiona aumento de risco de infecções por bactérias encapsuladas: pneumococo, meningococo e hemófilo Sequestro esplênico Tratamento da anemia falciforme Transfusões: preferencialmente filtradas e fenotipadas, não indicadas em crise álgica simples Principais indicações de transfusões: queda do Hb basal, síndrome torácica aguda, sequestro esplênico Fibrose progressiva do baço, levando à involução do órgão e perda de sua função Principal crise pulmonar do paciente falcêmico, com mortalidade de cerca de 3% dos casos Quadro: piora da anemia basal, grande esplenomegalia, reticulocitose Diagnósticos diferenciais: crise aplásica (parvovírus B19) e crise hiper-hemolítica Tratamento: internação, hidratação e transfusão. Depois da crise: esplenectomia Grave crise de aprisionamento das hemácias falcizadas no baço, mais frequente até os 5 anos de idade Hidroxiureia: aumenta níveis de HbF, indicada na prevenção de crises vaso-oclusivas recorrentes e/ou graves Medidas protetoras: triagem neonatal, vacinação estendida para pneumococo, antibiótico profilático até 5 anos de idade, sempre internar criança com febre Hemoglobinopatias - Talassemia: deficiência congênita na síntese de globina - Anemia falciforme Membranopatias - Esferocitose hereditária: anemia hipercrômica (CHCM elevado) com esplenomegalia Enzimopatias - Deficiência de G6PD: surtos de hemólise desencadeados por infecções ou medicações 1.0 HEMÓLISE 2.0 CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS 3.0 ANEMIA FALCIFORME 3.1 FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFO RME 3.2 CRISES ÁLGICAS 3.3 SÍNDROME TORÁCICA AGUDA 3.4 AUTOESPLENECTOMIA 3.5 SEQUESTRO ESPLÊNICO 3.6 OUTRAS COMPLICAÇÕES AGUDAS E CRÔNICAS DA ANEMIA FALCIFORME 3.7 TRATAMENTO DA ANEMIA FALCIFORME 4.0 Lista de questões 5.0 VERSÕES DAS AULAS 6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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