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trabalho introdução a sociologia da religião

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Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Sociologia
Introdução à Sociologia da Religião
As Religiões Afro-brasileiras e seus adversários no Brasil 
contemporâneo: intolerância e resistência
Ian B. F. S. Carmo - nº USP: 10325828
Sofia C. Santalucia - nº USP:11547182
Jéssica T. Silva - nº USP: 11368092
Diego Zebele nºUSP: 8028728
Prof. Ricardo Mariano
Noturno
São Paulo
Setembro de 2019
Introdução
Este trabalho pretende abordar a intolerância religiosa a partir da perspectiva das religiões afro-brasileiras. Para isso, pretende-se discutir as estruturas que constituem as religiões desde o seu início, para pensarmos no momento atual, onde continuamos a presenciar atos de intolerância como invasões e destruições de casas tradicionais onde se realizam esses cultos, atentando ao fato de que esses ataques não são novidade exclusiva desses últimos tempos que experimentamos no Brasil. 
Discutiremos ainda, o preconceito constituído em torno dos rituais afro-brasileiros; a relação entre a perseguição contra grupos religiosos de matriz africana e outros grupos religiosos; a eterna tentativa de negar o espaço das religiões de origem negra-africana; e por fim, pretendemos levantar como os adeptos da umbanda e do candomblé — que são as maiores religiões afro-brasileiras — têm se organizado para agir no sentido inverso dessa intolerância.
Portanto, o objeto central desse trabalho consiste na investigação entre as relações estabelecidas entre as maiores religiões de matriz africana e a sociedade brasileira, dando enfoque a perseguição histórica dessas religiões e a reação de seus praticantes diante do preconceito e violência da qual são historicamente vitimizados. Pretende-se afinal, verificar como os praticantes dessas religiões enxergam a questão da intolerância religiosa, e sobretudo, como se organizam para resistir a ela.
Como método, além da análise bibliográfica, realizamos pesquisas em veículos de comunicação de massa, em redes sociais e ainda nos utilizamos de duas entrevistas dirigidas com sacerdotes da umbanda e do candomblé: Pai Luciano do Terreiro de Umbanda “Nosso Chão” e Mãe Paula de Yansã do Axé Ilê Obá, uma casa de candomblé muito tradicional no bairro do Jabaquara, zona sul de São Paulo. 
Apesar de termos realizado somente duas entrevistas, acreditamos que foram fundamentais para percebermos como resistem os barracões e terreiros da cidade de São Paulo.
Por debaixo dos panos - As religiões afro-brasileiras que insistem em existir
Historicamente, o Brasil desde o início de sua colonização sempre teve uma grande influência cultural da Igreja Católica. O catolicismo foi trazido como religião pelos portugueses e desde essa época até o fim do Império foi a religião oficial do Estado e como tal condicionou que todas as outras formas de manifestação de fé fossem severamente reprimidas. Este foi o caso das religiões afro-brasileiras. Assim, conta-nos Prandi (2004), que todo o indivíduo que vivia no Brasil, incluindo-se os negros, era obrigado a se declarar católico. Deste modo, os negros que recriaram no Brasil as religiões africanas, agiam como católicos, e eram obrigados a esconder suas práticas religiosas, até mesmo após o advento da República, no final do século XIX, pois mesmo com a separação entre o Estado e a Igreja e a possibilidade de participar de outros cultos que não o católico, a descriminação contra os cultos afro-brasileiros ainda se fazia presente.
 Portanto, desde o início, as religiões afro-brasileiras foram obrigadas a se submeter e valorizar os ritos e sacramentos da Igreja Católica, caracterizando-se como religiões sincréticas, afinal, eram obrigadas a velar seus cultos aos orixás e ancestrais, em rituais pertencentes da liturgia católica.
Os ritos africanos que cultuam os orixás e outras divindades africanas foram iniciados no Brasil a partir de meados do século XVI por negros africanos escravizados durante o processo de colonização (SIQUEIRA, 2009). Contudo, de acordo com Prandi (2004), o candomblé teve sua origem na Bahia e constituiu-se, até a metade do século XX, uma instituição de resistência cultural à escravidão e aos mecanismos de dominação da sociedade branca e cristã, mecanismos estes que por um longo período marginalizaram os negros africanos e os afro-brasileiros até mesmo após a abolição da escravatura, que ocorreu em 1888. Inicialmente, constituída como religião de preservação cultural-étnica, o candomblé, já no final da década de 1940 e início de 1950, transformou-se numa religião de dimensão universal, desprendendo-se, portanto, das “amarras étnicas, raciais, geográficas e de classes sociais” (PRANDI, p. 223, 2004).
Por sua vez, já no início do século XX, formou-se uma nova religião afro-brasileira no Rio de Janeiro, que recebeu a denominação de umbanda. A umbanda surgiu a partir da síntese do candomblé bantu e de caboclo, que foram transportados da Bahia para o Rio de Janeiro e criou o discurso que prometia ser a única religião afro-brasileira capacitada para ser universal e estar presente em todo o Brasil. “Chamada de a ‘religião brasileira’ por excelência, a umbanda juntou o catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra, símbolos, espíritos e rituais de referência indígena, inspirando-se, assim, nas três fontes básicas do Brasil mestiço” (PRANDI, 2004, p.223). 
No curso da década de 1960, o candomblé reagiu ao grande fervor da umbanda e se colocou como um importante concorrente da nova religião afro-brasileira. Por meio de um processo de transformação, se adaptando às novas condições culturais e sociais, o candomblé alargou seus laços territoriais, se expandindo da Bahia para todo o Brasil, além de acrescentar a si uma classe intelectualizada do Rio de Janeiro e São Paulo, que valorizava a cultura negra-baiana, fato responsável por uma grande parcela de sua legitimidade social. Recentemente, o candomblé requereu para si a constituição como religião autônoma, abandonando os símbolos, práticas e crenças católicas, um movimento chamado de africanização do candomblé (PRANDI, 2004).
Passadas as dificuldades históricas, o candomblé e a umbanda enfrentam agora um outro problema, a religião de mercado. De acordo com Prandi (2004), esse mercado religioso impõe mudanças constantes em seu cenário, que nem sempre as religiões afro-brasileiras conseguem assumir. Ainda muito agarradas às suas tradições, elas não conseguem se atualizar e entrar no mercado religioso de modo competitivo e enfrentar os seus “concorrentes” que, muitas vezes, agem de forma agressiva e impiedosa, crescendo às custas das religiões afro-brasileiras, com ataques aos deuses e entidades do candomblé e da umbanda. 
As próprias estruturas da umbanda e do candomblé são impedimentos para que essas possam se expandir e conquistar o mercado religioso com a mesma competitividade das demais religiões existentes no país, especialmente com as neopentecostais, que nas últimas décadas vêm crescendo rápida e fortemente.
Além do problema dos ataques dos neopentecostais, como veremos mais adiante, as religiões afro-brasileiras enfrentam outras dificuldades: sua própria estrutura e organização. Segundo Prandi (2004), grande parte da fragilidade das religiões afro-brasileiras está em sua própria constituição, como reunião não organizada e dispersa de grupos pequenos, que são os terreiros. Ao contrário das religiões de massa, como é o caso da católica e, especialmente, das neopentecostais, que a partir dos anos 80 do século passado transportaram suas reuniões religiosas para grandes templos e igrejas, localizados em regiões de grande visibilidade, fluxo intenso e contínuo de pessoas. Além disso, começaram a utilizar a mídia — principalmente o rádio e a televisão — para oferecerem seus cultos, disponibilizando às pessoas, de forma imediata e fácil, seus discursos religiosos, além de treinarem seus pastores para uma pregação uniforme e imediatista (como é o caso das igrejas evangélicas neopentecostais), e criarem grandes espetáculos para uma quantidade enormede pessoas em missas dançantes celebradas por padres cantores (no caso da igreja católica). 
Seria impossível para as religiões afro-brasileiras promoverem esse tipo transformação realizada pelos mais bem-sucedidos grupos religiosos, devido as suas próprias característica de rituais e cultos. O candomblé e a umbanda não são capazes de massificar suas reuniões a este ponto, e isso devido à própria vida religiosa que se pauta pelo desempenho de papéis sacerdotais dentro de um grupo com características familiares e cultos a divindades de características completamente diferentes. Além disso, no candomblé particularmente, o sacerdote costuma assumir um papel de tamanha acessibilidade para com os adeptos que são chamados de “pai” ou “mãe” por todos seus “filhos-de-santo", que recorrem diretamente a eles quando necessário.
Ainda segundo Prandi, esse massacre imposto pelo mercado religioso é mais visível na umbanda do que no candomblé, já que ela vem perdendo adeptos constantemente por não conseguir se adaptar às novas demandas impostas pela sociedade. Por sua vez, o candomblé, embora seja um século mais antigo do que a umbanda, tem se mostrado mais ágil para se adequar aos novos tempos, promovendo mutações em seu interior na busca pela expansão. O candomblé vem passando por profundas mudanças desde o final do século XX, e sua mais marcante transformação foi a sua universalização, passando de uma religião étnica para a religião de todos, incorporando novos adeptos da classe média e de origem não africana, promovendo mudanças importantes em sua base social. No entanto, apesar do esforço do candomblé, no conjunto geral, as religiões afro-brasileiras nitidamente sofrem com o massacre de outras religiões por não conseguirem se inserir de forma competitiva no mercado religioso.
Enfim, o conjunto das religiões afro-brasileiras constitui-se, no cenário atual, de religiões fragmentadas em pequenos grupos, caracterizadas pela ausência de uma organização ampla. Elas não se expõem e não buscam angariar adeptos por meio da mídia ou templos enormes e majestosos, localizados em locais de grande fluxo de pessoas. E, por isso, segundo Prandi, elas têm poucas chances de saírem melhor na competição desigual com outras religiões. “Silenciosamente, assistimos hoje a um verdadeiro massacre das religiões afro-brasileiras” (PRANDI, 2004: p. 231). Sem um projeto de reorganização e expansão para se colocar de modo competitivo no mercado religioso, as religiões afro-brasileiras tendem ao aniquilamento. E, a religião que “não muda, não sobrevive” (PRANDI, 2004: p. 233).
Apesar de todas as transformações no cenário das religiões afro-brasileiras, especialmente no candomblé, resultados da busca pela legitimação social, pelo crescimento e pelo reconhecimento como religiões universais, na atualidade, o conjunto dos afro-brasileiros passam por dificuldades, como, por exemplo, a perda de adeptos. De acordo com Prandi (2004), em 1980, cerca de 0,6% da população se declaravam membros das religiões afro-brasileiras. Já em 1991, apenas 0,4% da população. E mais recentemente, baseando-se no censo de 2000, Prandi nos informa que, apenas 0,3% da população no Brasil declaram-se membros das religiões afro-brasileiras, o que corresponde a pouco mais de 470 mil seguidores, números que vêm revelando o declínio do segmento das religiões afro-brasileiras. Se não bastasse o problema da perda de adeptos do conjunto das religiões afro-brasileiras, nos tempos atuais, o candomblé e a umbanda continuam sofrendo agressões e perseguições, agora não mais por órgãos oficiais que tinham uma ligação com a igreja católica, mas pelos seus rivais neopentecostais, e seguem sobre enorme preconceito. Deste modo, é comum, mesmo atualmente quando a liberdade da escolha religiosa já faz parte da vida brasileira, muitos seguidores das religiões afro-brasileiras ainda se declararem católicos. Isso faz com que as religiões afro-brasileiras apareçam subestimadas nos censos oficias do Brasil (PRANDI, 2004, p. 225).
 Prandi mostra como as religiões de matrizes ficavam escondidas nos censos demográficos sob a rubrica de outras denominações religiosas, a saber, catolicismo, kardecismo, portanto:
Pesquisas feitas com metodologia mais acurada indicam números de seguidores
maiores, da ordem de pelo menos o dobro das cifras encontradas pelo censo (Pierucci e
Prandi, 1996). Assim, não se deve usar o censo para definir em que lugar é maior ou
menor o número real de adeptos das religiões afro-brasileiras: as diferenças observadas
podem simplesmente resultar do fato de que numa região os afro-brasileiros declaram
mais frequentemente que noutras sua identidade religiosa sem o disfarce católico ou
Espírita. (PRANDI, 2012, p. 3)
Enfim, como já dissemos, o possível “declínio” do conjunto das religiões afro-brasileiras não se resume unicamente às suas condições históricas e estruturais. Existem outras razões que revelam ainda sua queda, como as novas condições da expansão das religiões no Brasil e o novo contexto do mercado religioso e os ataques das igrejas neopentecostais. 
Pau que bate em Chico, não bate em Francisco – Como a intolerância acomete principalmente as religiões de matrizes africanas
 Segundo Prandi (2004), além de enfrentar o problema de sua própria estrutura e organização para se inserirem no mercado religioso, as religiões afro-brasileiras enfrentam hoje, principalmente, a concorrência e a violência física e simbólica das igrejas neopentecostais. As religiões afro-brasileiras finalmente não são mais perseguidas pelos órgãos oficiais e estão em paz com a polícia nos tempos atuais, devido à possibilidade de liberdade religiosa existente no Brasil, mas enfrentam outros inimigos dispostos a expulsá-las do cenário religioso, adversários que fazem da perseguição às crenças afro-brasileiras um ato de fé, o que pode ser testemunhado tanto nos templos e igrejas neopentecostais, como nos horários comprados na televisão e no rádio. De acordo com o referido autor, muitas igrejas neopentecostais, com frequência, submetem “desertores” da umbanda e do candomblé a rituais de exorcismo em cerimônias transmitidas pela televisão, com o objetivo de humilhar as entidades espirituais afro-brasileiras, supostamente incorporadas, as quais eles consideram manifestações do demônio.
Por sua vez Silva (2004), afirma que os neopentecostais, representados fortemente pela Igreja Universal do Reino de Deus, Deus é Amor, Igreja Internacional da Graça e outras, utilizam-se constantemente de um discurso que diz que é necessário eliminar a presença e a manifestação do demônio no mundo e adotam, com frequência, uma estratégia de classificar as outras congregações religiosas de pouco participar desse desígnio. Acusam, inclusive, algumas denominações religiosas, mais especificamente, as religiões afro-brasileiras, de favorecimento ao demônio, propiciando espaços privilegiados para ele se manifestar disfarçadamente em divindades cultuadas nesses sistemas, onde deuses são vistos como manifestação do demônio.
Silva (2004) tenta entender a escolha das igrejas neopentecostais em atacar as religiões afro-brasileiras, já que, num primeiro momento, tal investida carece de sentido, visto que, segundo os dados do censo do IBGE de 2000, as denominações afro-brasileiras agregam apenas 0.3% da população. Pergunta ainda se o melhor ataque não seria contra o catolicismo que, segundo o próprio IBGE, representa cerca de 73,7% da população. De acordo com o autor, a investida aberta contra o catolicismo torna-se mais complicada e onerosa diante do monopólio religioso da igreja católica e de seus fortes vínculos construídos historicamente com diversos setores da sociedade. Nesse combate, ainda que nas últimas décadas o catolicismo venha perdendo fiéis, ele sairia vitorioso e fortalecido, produzindo até mesmo uma imagem negativa das igrejas neopentecostais. Nesse sentido, os ataques às religiões mais frágeis e menos estruturadas se justificam.
 Silva revela inúmeros exemplos de ataques neopentecostais às religiões afro-brasileiras.O primeiro deles consiste em ataques feitos no âmbito dos cultos das igrejas neopentecostais, onde são realizadas, com frequência, sessões de exorcismo de entidades originárias das religiões afro-brasileiras, onde inicialmente são chamadas a incorporar e, em sequência, são desqualificadas e expulsas do corpo do fiel, revelando a sua libertação espiritual. “Dos púlpitos, este ataque estende-se aos programas religiosos transmitidos pela Rede Record (de propriedade da IURD) e por outras emissoras que têm seus horários comprados pelas igrejas neopentecostais” (2004: p.217).
Também são comuns agressões contra terreiros e seus membros. Não é raro, de acordo com Silva, membros das igrejas neopentecostais invadirem terreiros com o objetivo de destruírem altares, quebrarem imagens e “exorcizarem” seus frequentadores, resultando, quase que sempre, em agressões físicas, pancadarias e casos de polícia. Do mesmo modo, são frequentes os ataques dos neopentecostais a cerimônias religiosas afro-brasileiras realizadas em locais públicos ou a seus símbolos. Segundo o autor, quando os eventos das religiões afro-brasileiras são realizados em espaços públicos, seus adeptos ficam mais expostos aos ataques, que vão desde distribuição de panfletos ao público presente que propagam contra esses eventos, até a tentativa de interrupção forçada dos rituais. E, se não bastasse tudo isso, os símbolos das religiões afro-brasileiras, colocados nos locais públicos, frequentemente são alvos de ataques de fanáticos religiosos neopentecostais que não aceitam a diversidade religiosa e veem essas imagens como símbolos que representam o diabo.
Por outro lado, esclarece o autor, as reações dos religiosos afro-brasileiros vêm crescendo nos últimos anos diante dos ataques dos neopentecostais, embora ainda estejam muito longe de representar um movimento articulado que faça frente ao movimento bem articulado e estruturado dos evangélicos. Existe uma necessidade de reação cada vez mais forte e organizada para buscar a preservação da aceitação e da legitimidade conquistada duramente junto à sociedade brasileira. É certo, porém, que os primeiros passos já foram dados. Várias ações judiciais foram impetradas pelos líderes das religiões afro-brasileiras contra pastores e suas igrejas neopentecostais que insistem em atacar publicamente as religiões afro-brasileiras, afirmando que são demoníacas e as desqualificando, sendo que muitas dessas ações vêm dando algum resultado favorável aos impetrantes, ao ponto que algumas igrejas neopentecostais, bem como as redes de televisão que exibem programas ofensivos estão sendo notificadas e punidas.
O Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (RIVIR) do antigo Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, que compilou dados relativos à intolerância e violência religiosa no país entre os anos de 2011 a 2015, corrobora as análises de Prandi e Silva. 
O que é interessante de analisar, no que concerne a esse trabalho, é, em primeiro lugar, como a mídia trata os casos de intolerância religiosa no país. No período em questão foram analisadas 409 reportagens em diversos veículos de imprensa pelo país, a tabela abaixo demonstra as matérias com mais repetição em veículos de imprensa no período analisado, vê-se que das 5 matérias mais repetidas na imprensa, 4 têm como temática a violência e intolerância religiosa às religiões de matriz africana. 
Tabela 1 – Temas das matérias com mais repetições nos veículos
 
	Tema
	Matérias
	“Menina é atingida por pedrada na cabeça ao sair de culto de
candomblé”(2015)
	44
	“Para juiz, candomblé e umbanda não são religiões” (2014)
	22
	“Justiça obriga igreja evangélica a indenizar terreiro após morte de ialorixá em Camaçari” (2015)
	10
	“Terreiro de candomblé é incendiado no Distrito Federal” (2015)
	10
	“Briga religiosa entre Henri Castelli e a ex vai parar na delegacia” (2015)
	9
 Fig. 1 – Tabela de tema das matérias com mais repetições nos veículos de imprensa. (Fonte: RIVIR nº 409, 2016)
O gráfico 1, a seguir, corrobora essa informação, assim como as teses dos autores acima apresentadas, vê-se que a maioria das vítimas nos casos veiculados (53%) têm como religião as de matriz africana, já o gráfico 2, que demonstra a religião dos agressores nas reportagens veiculadas, apresenta um dado curioso, cerca de 65% dos agressores identificados, não declaram sua religião, e dos que o fazem, a maioria, 17%, são evangélicos.
Gráfico 1 – Religião das Vítimas nas reportagens
 
Fig. 2 – Gráfico das Religiões das Vítimas das reportagens veiculadas (Fonte: RIVIR nº 409, 2016)
Gráfico 2 – Religião dos Agressores nas reportagens
 
Fig. 3 – Gráfico das Religiões dos Agressores das reportagens veiculadas (Fonte: RIVIR nº 409, 2016)
 De acordo com o RIVIR: 
A pesquisa nos jornais teve como resultado um número menor de notícias do que o esperado. As conclusões podem ser várias, ou esses casos nem chegam a tomar uma dimensão pública, ficando na esfera particular ou ao chegar à esfera pública são vistos como questões de menor importância. Uma observação dos casos encontrados é a dificuldade das próprias autoridades em lidar com os conflitos religiosos, identificar os agressores e o próprio tipo penal. (RIVIR, 2016, p 55)
Assim, é importante notar, como mostra o gráfico sobre a religião dos agressores, que é difícil precisar a religião da maioria daqueles que cometem atos de intolerância e violência religiosa, este dado é importante, pois demonstra que a maior parte dos crimes de intolerância religiosa são manifestações corriqueiras de preconceito, onde muitas vezes a motivação de ataque a outra religião não fica explícita, fazendo uso assim, da agressão psicológica como mostra o gráfico 3 abaixo:
Gráfico 3 - Tipos de violência por motivação religiosa nas denúncias recebidas por Ouvidorias (2011-2015)
Fig. 4 – Gráfico dos tipos de violência por motivação religiosa coletados nas Ouvidorias no período de 2011 a 2015. (Fonte: RIVIR nº 450, 2016)
Vê-se que a forma de violência psicológica é a que predomina nas denúncias feitas em ouvidorias públicas acerca dos crimes de intolerância religiosa, corroborando assim o que foi descrito acima. 
Os dados coletados nas ouvidorias também oferecem uma interpretação bastante interessante no que concerne ao perfil das vítimas quanto dos agressores. As primeiras são adultas e jovens (66% e 20% respectivamente, ver gráfico 4), de cor parda (47%, ver gráfico 5) e são praticantes das religiões de matriz africana (27%, ver gráfico 6). Ainda sobre as vítimas fazem-se notar dois dados importantes: o primeiro é que não há nos dados levantados pelo RIVIR junto às ouvidorias públicas, grande diferença entre os gêneros das vítimas que tiveram a queixa registrada 48% são mulheres e 51% homens (ver gráfico 7), mas um dado importante desponta, cerca de 1% da vítimas de intolerância religiosa no país é transexual, o que implica que, possivelmente a identificação de gênero e a transfobia foi um fator determinante na intolerância combinada tanto com a cor da pele, denotando o racismo na discriminação somada à intolerância religiosa. Outra questão que chama atenção, no que tange às crenças das vítimas intolerância e violência religiosa, é que cerca de 16% delas se declaram evangélicas, esse dado, somado ao perfil dos agressores, sugere que os evangélicos sofrem intolerância e violência de outros evangélicos.
Gráfico 4 - Faixa Etária das Vítimas Gráfico 5 - Cor das Vítimas
 
Fig. 5: Fig. 6: 
Gráfico da faixa etária das vítimas ouvidas Gráfico da cor das vítimas ouvidas 
 nas ouvidorias nas ouvidorias 
(Fonte: RIVIR nº 286, 2016) (Fonte: RIVIR,2016, nº 286)
Gráfico 6 - Religião da Vítima Gráfico 7 – Gênero das Vítimas
Fig. 7:Fig. 8:
Gráfico da religião das vítimas ouvidas Gráfico do gênero das vítimas nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, nº 210, 2016) nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, nº 286, 2016)
 
No que tange aos agressores foram feitas inferência interessantes a partir dos dados do RIVIR que, corroboram as teses de Prandi e Silva, nas 1031 denúncias coletadas pelas ouvidorias (ver tabela 2), os agressores não apresentavam diferença significativa de gênero (52% mulheres e 48 % homens, ver gráfico 8), com a notável, se comparado com o gêneros das vítimas, ausência de pessoas transexuais; era majoritariamente adulta (81%, ver gráfico 9); branca (53%, ver gráfico 10) e sem informação acerca da religião, (73%ver gráfico 11) sendo que daqueles que declararam suas crenças eram em sua maioria evangélicos (17%) Novamente é possível perceber, entretanto, que existe uma dificuldade em precisar as crenças dos agressores assim como as da vítima, como mostra o gráfico 6 (35% sem informação), e isso se deve, entre outras questões a não disponibilidade tanto das vítimas quanto dos agressores de revelar sua religião, possivelmente temendo alguma outra demonstração de intolerância.
Tabela 2. Número de denúncias recebidas pelas Ouvidorias (2011-2015)
 
	Órgão
	No de
denúncias
	Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania Sejusc – AM
	20
	Secretaria de Direitos Humanos
	756
	Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do ES
	19
	Ouvidoria da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de PE
	1
	Ouvidoria Geral do Distrito Federal
	9
	Ouvidoria do Ministério da Justiça
	5
	Ouvidoria Geral da União
	10
	Ouvidoria da Câmara Municipal de Salvador
	18
	Ouvidoria do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
	83
	Ouvidoria do Ministério Público do Estado de São Paulo
	110
	TOTAL
	1.031
Fig.9: Tabela do número de denúncias recebidas pelas ouvidorias entre 2011 e 2015. (Fonte: RIVIR, 2016) 
Gráfico 8 - Gênero dos Agressores Gráfico 9 - Faixa Etária dos Agressores
 
Fig. 10: Fig. 11: 
Gráfico do gênero dos agressores ouvidos Gráfico da faixa etária dos agressores ouvidos 
nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, 2016, nº 195) nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, 2016, nº 195)
Gráfico 10 - Cor dos Agressores Gráfico 11- Religião dos Agressores
Fig. 12: Fig. 13:
Gráfico com a cor dos agressores ouvidos Gráfico da religião dos agressores ouvidos nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, 2016, nº 394) nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, 2016, nº 394)
Uma informação bastante interessante coletada pelo RIVIR é a relação estabelecida entre as vítimas e os agressores, neste último gráfico (gráfico 12) é possível verificar, de acordo com o RIVIR: “Um ponto central nos dados recebidos pelas Ouvidorias é a identificação da proximidade entre vítimas e agressores, familiares e vizinhos representam metade das situações.” (RIVIR, 2016,p. 71)
Assim é possível perceber, por meio desses dados que a intolerância religiosa como forma e prática discriminatória é perpassada, ou melhor se soma à outras formas de preconceito e discriminação, sejam elas de classe, raça, orientação sexual e de gênero etc. e que se concentra em uma proximidade de algum vínculo entre o agressor e a vítima seja familiar ou mesmo entre vizinhos
 Gráfico 12 - Relação Agressores e Vítimas
Fig. 14: Gráfico da Relação entre vítima e agressor ouvidos nas ouvidorias (Fonte: RIVIR, 2016, nº 297)
Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima – A reação contra a Intolerância
Diante da realidade exposta, dos problemas que as religiões afro-brasileiras sofrem, por sua dificuldade histórica, de estrutura — sempre levando em consideração que essa situação só se faz problema diante de um mercado religioso — e com a adição da pressão que o neopentecostalismo traz à partir do uso de sua violência narrativa, era de se imaginar que os terreiros e barracões onde se exerce o culto dos orixás e das entidades ancestrais, deveria reagir. E é essa reação o cerne de nossa análise.
Na cidade de São Paulo, os terreiros de umbanda já deixaram de ser espaços escondidos. Muitas casas de umbanda possuem hoje uma fachada, indicando que ali acontece o culto, que também percebemos, elaborou uma maneira de sistematizar a formação de seus sacerdotes através de um curso de teologia. O Pai Luciano, nos traz a informação de que fez este curso, e percebemos que existe o módulo de introdução a teologia umbandista e um outro curso, para quem se pretende sacerdote:
“E aí em 2005/2006 a Umbanda Sagrada, porque são várias vertentes da umbanda, ela entrou na minha vida por conta de um amigo e eu voltei a frequentar os terreiros e me veio a necessidade da formação. Então primeiro fiz a Teologia da Umbanda, foram dois anos de curso, e acabando a Teologia Umbandista veio o curso de sacerdote que seria o passo seguinte.” (PAI LUCIANO em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, cidade de São Paulo.)
O candomblé por sua vez, se não pode contar com uma estrutura como a da umbanda que permite uma organização em torno de uma associação de sacerdotes, por conta de uma certa resistência entre o corpo sacerdotal que, de certo modo, concorrem no mercado religioso por novos adeptos, por outro lado deixaram de ser fisicamente o espaço de reuniões secretos como foram outrora. Mas essa mudança não é dada por conta de uma mudança estrutural do candomblé ou a permissão do Estado que legaliza essas práticas, mas também por conta da democratização da informação que a internet propiciou e do avanço das redes sociais como meio de comunicação e divulgação.
A saber, a maioria dos grandes e pequenos sacerdotes do candomblé e da umbanda da cidade de São Paulo possuem pelo menos uma conta nas redes sociais. Além disso, a maioria das casas de candomblé que pesquisamos nas redes, possuem no mínimo uma página em rede social, as maiores e mais tradicionais possuem site próprio Nas páginas das casas em redes sociais, consta na maioria das vezes o endereço do Ilê, além de convites abertos a todo tipo de público para as atividades propostas não apenas pelo calendário religioso, mas para além disso, existem muitas casas que também propõem atividades culturais e atividades políticas. A umbanda também tem um papel ativo dentro das redes sociais como o Facebook, seja através de postagens, memes e discussões nos comentários, as redes sociais servem como plataforma para apresentar informação sobre essas religiões e descontruir narrativas de senso comum preconceituosas que ligam essas religiões ao “diabo”. 
Absolutamente todas as páginas ativas dos terreiros e barracões que pudemos verificar e que se encontram ativas, fazem uso dessa ferramenta para comunicar as festas que acontecem. O Axé Ilê Obá é uma dessas casas, que inclusive se utiliza da ferramenta de eventos do Facebook para realizar convites massivos e quando indagada, Mãe Paula nos disse que sempre aparece muita gente que ela não conhece e que às vezes nunca tiveram contato nenhum com a religião. Nessas festas abertas, amplamente divulgadas, onde existe a oferta de comida e bebida aos convivas gratuitamente ou em troca de uma contribuição muito simbólica — um quilo de alimento não perecível por exemplo — é possível receber a comunidade e romper com diversas barreiras. Perguntada sobre essas festas, Mãe Paula, a autoridade do Ilê responde logo: “É justamente para as pessoas aprenderem. Para as pessoas verem que tudo que elas veem por aí, falando bobagem não é a realidade. E são eventos públicos e lindos, na verdade.”( Mãe Paula, novembro de 2019, São Paulo) E ainda, perguntada desde quando as festas do Ilê são feitas dessa maneira, ela ainda responde que sempre foi assim, e que antes, o Pai Caio, o fundador do Axé Ilê Obá, divulgava suas festas com anúncio nos jornais.
Além das atividades decorpo presente, não é difícil perceber um certo ciberativismo. Não é difícil encontrar nas páginas postagens abertas ao público expondo o posicionamento político para temas como racismo e ativismo ambiental, como por exemplo o Ilê Asé Ojú Oyá que posta em 17 de novembro último, um “Manifesto pelas Águas” em virtude ao vazamento de óleo que chegou as praias no Nordeste esse ano rechaçando a ineficiência do governo federal em tomar qualquer atitude para conter a mancha. Esse manifesto foi escrito por um grupo de mulheres, que se intitulam Mulheres de Axé do Brasil. e 24 Ilês (como são chamadas as casas que cultuam o candomblé) emprestam seus logotipos identitários ao documento que termina com a seguinte frase: “Não ao fascismo!”. Em tempo, Mulheres de Axé do Brasil fulgura como o estágio embrionário de um corpo político composto por mulheres candomblecistas e umbandistas, que realizou o seu primeiro encontro físico, para as mulheres do núcleo São Paulo dentro da Câmara Municipal de São Paulo dia 23 de novembro de 2019 e contou com o apoio da deputada estadual Leci Brandão.
O Axé Ilê Obá, ilustra bem a trajetória que nos parece a trajetória percorrida pelos maiores terreiros que cultuam o candomblé: a de serem reconhecidos não apenas como casas que cultuam uma religião, há o esforço também para que sejam reconhecidas como patrimônios culturais da cidade. Podemos ver esse movimento em muitas casas de candomblé que conseguem atingir um certo reconhecimento. O Pai Toninho de Xangô por exemplo, que prefere que em sua página oficial que o seu Ilê Asé Oba Orú seja mais conhecido por Centro Cultural do Candomblé Pai Toninho de Xangô, na Barra Funda; o Pai Cido de Oxum Eyin também opera em um barracão cujo o nome, a despeito dos outros Ilês, chama-se Centro Cultural Eyin Osun. Contudo, podemos perceber um movimento semelhante nas casas que tocam para a umbanda, como é o caso do Centro Cultural Mãe Iansã e Cacique Pena Branca que é tocado por Mãe Rosane de Iansã. 
Aparentemente, existe um motivo para isso, como nos conta o próprio Ilê Obá em um material criado por eles para contar a história do Ilê e divulgar sua tradição:
“A posse foi o início de uma jornada de muita dedicação e trabalho para garantir a manutenção e legitimação do terreiro de candomblé Axé Ilê Obá. Conseguiu uma rede de apoio reforçando as raízes da casa estreitando as ligações com a Casa Branca, Gantois e o Pilão de Prata. Ekede Angelina e Pai Pérsio de Xangô, do Axé Oxumaré foram muito importantes neste processo. Na época o Axé Ilê Obá era o único terreiro de candomblé em São Paulo estruturado com as casas dos orixás, as árvores sagradas, o que permitiu que Mãe Sylvia desse entrada no processo de tombamento, já munida de todos os documentos necessários pois fora devidamente orientada pelas casas da Bahia. O resultado de articulações das lideranças do candomblé e do âmbito político, apoio de estudiosos que mostraram a importância do Axé Ilê Obá como espaço de sociabilidade, representatividade e relevância por ser um exemplo típico da formação das casas de culto dos Orixás, mostrou a importância das religiões de origem negra na formação da identidade cultural paulista e brasileira. Axé Ilê Obá foi o 1º Terreiro de Candomblé tombado no estado de São Paulo pelo CONDEPHAAT, como patrimônio histórico e cultural em 14 de agosto de 1990. Tombado por sua importância como espaço de preservação das tradições ligadas à Orixalidade, reconhecido por intelectuais de diversas áreas do conhecimento por seu aspecto imaterial, pela manutenção dos rituais e cultos.” (DOCUMENTO DO AXÉ ILÊ OBÁ)
Esse reconhecimento pode ser mesmo fundamental para os adeptos do candomblé por conta das disputas que ocorrem pelos terrenos onde se operam as atividades de culto ao candomblé, que costumam ter um tamanho bastante generoso. A morte do sacerdote, muitas vezes dono da propriedade gera disputas em família. Segundo a Mãe Paula, foi o que ocorreu no Axé Ilê Obá:
"O Axé Ilê Obá não é só um terreiro de candomblé, mas ele também é um terreiro de resistência, ele também é um terreiro aonde a existência negra está muito forte, porque a gente teve todos os nossos ancestrais que lutaram para isso aqui permanecer. Muita gente, inclusive meus familiares, da minha linhagem mesmo, de família, queriam detonar isso aqui. Foi um dos motivos que minha mãe correu com o poder dela político, com o conhecimento dela, com a sabedoria pra tombar. Pra que ninguém pudesse... tudo que Pai Caio construiu de fundamento, de estrutura religiosa aqui, sagrada, pudesse ser vendido porque eles queriam fazer um shopping, estacionamento... sei lá o quê.” (MÃE PAULA em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, São Paulo.)
 Portanto, uma disputa pelo terreno entre herdeiros não praticantes da religião e a mãe Sylvia (que abdicou de outras propriedades, para que pudesse seguir com o Axé Ilê Obá) foi o que motivou esse movimento no intuito de construir uma articulação política que garantisse a permanência do Ilê no terreno original. Não à toa, quando acontecem esses tombamentos, é uma vitória muito grande não apenas para os filhos da casa tombada, mas para toda a comunidade candomblecista, e nesse sentido, existe um movimento que reproduz a experiência dos terreiros baianos que seguiram o exemplo da Casa Branca do Engenho Velho e hoje, são patrimônios reconhecidos de Salvador. 
Mas para além da Internet e do engajamento político para resistirem ao preconceito e discriminação, os sacerdotes apostam muito no caráter inclusivo de suas religiões. Ambos os entrevistados se utilizam de um discurso que deixa bem explícito que os terreiros e barracões atendem a todos os tipos de público, sempre se referindo de maneira antagônica ao neopentecostalismo, à população LGBTQIAP+:
“Como nossa religião é extremamente pacifista, assim, o que você faz fora da religião (não importa), você pode ser um filho de santo, um praticante da religião. Muitos perguntam, isso porque o candomblé e umbanda têm muito homossexual, transgênero, transexuais, travestis e tal. Porque dentro da religião pouco importa o que você faz, tem respeito com o teu próximo, respeite as leis que foram colocadas e a liturgia do trabalho que está sendo feito e o que você faz é consequência do livre arbítrio. Isso está escrito até na Bíblia. É livre árbitro o que você faz, você vai responder.” (PAI LUCIANO em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, São Paulo)
Na casa de Axé Ilê Obá há ainda a história de ter sida fundada por um sacerdote homossexual:
“Meu tio-avô [Pai Caio], todo mundo fala que ele era homossexual. Por que o que acontece? O Candomblé é uma das religiões, se não a mais humanista do mundo. A gente não julga a pessoa por nada. Pela sua opção sexual, credo, raça, cor... a gente te aceita na sua pura essência. E ele... eu acho que ele deve ter sofrido muito por essa questão da individualidade dele, em relação da opção sexual, em 1950 era uma coisa inaceitável.” (MÃE PAULA em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, São Paulo.)
Embora a fala de inclusão seja de praxe, tanto no candomblé quanto na umbanda, nenhuma estratégia parece mais evidente do que combater o preconceito e a intolerância com informação e conhecimento. O Axé Ilê Obá por exemplo, encaminhou-nos até mesmo uma lista com “algumas sugestões de leitura”, em papel timbrado, nota-se que é um documento já elaborado por eles para mediação com novos ingressantes. Mas para além de nossos entrevistados, outros religiosos com os quais entramos em contato também se colocaram dispostos a nos receber, e mais do que isso, se empenharam para nos ajudar. Não apenas os sacerdotes, mas seus filhos iniciados também. E pode-se verificar como eles acreditam na importância de divulgarem suas atividades em diversas passagens de nossas entrevistas:
“E aí um jeito de a gente tem de combater esse tipo de agressão, esse tipo de preconceito é com informação. Assim como acontece com os homossexuais, assim como acontece com qualquer outra vertente, é o único jeito de combater o preconceitoé com a divulgação, mas falta também um pouco de unidade. Então essas associações e confederações servem pra tentar agregar, porque quando você tem maior volume, você acaba tendo mais voz.” (PAI LUCIANO em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, São Paulo.)
A Telma é assessora da Mãe Paula e abriu mão de seu atendimento, onde jogaria búzios para que a Mãe Paula pudesse nos atender:
“Na verdade, hoje era o jogo de búzios dela [Telma] para ela ver as coisinhas particulares dela. Aí ela falou assim mãe, como eu tô bem, né, e não sei o quê [...]A Té falou assim, eles precisam entregar o trabalho numa data que, se eles não falarem com a senhora hoje não vai ter dia, aí eu falei tudo bem. Mas eu acho importante, o porquê que eu acho que é importante: primeiro porque vocês também são muito importantes, né? Isso não é brincadeira. Então é importante pra mim explicar toda a tradição e cultura dos Orixás... para desmistificar certas coisas que aí fora eles falam totalmente errôneo.” (MÃE PAULA em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, São Paulo)
No entanto, existe um esforço por parte desses religiosos no intuito de dialogar com grupos que estão mais propícios a aceitá-los, desviando completamente de qualquer narrativa de revide aos grupos evangélicos neopentecostais. Existe uma narrativa semelhante entre os entrevistados quando indagados em relação aos grupos ativistas de direitos animais que condenam o sacrifício animal e que exercem uma pressão, do ponto de vista político, nesses religiosos. Mãe Paula de Iansã afirma inclusive, que usa esse ativismo como exemplo do preconceito:
“Aí essa questão da intolerância a gente vê que é um puta de um preconceito. Eu dou o exemplo da matança de animal. Judeu mata, na bíblia matança de animal relatando como eles matavam e tá tudo certo. Por que que o candomblé é crucificado porque mata galinha? Você já viu algum amigo teu que come galinha voando? Então alguém matou aquela galinha. E geralmente nos abates né... nos abatedouros é uma forma super horrível, porque eles estão interessados na quantidade e não na qualidade que o bicho morre. Aliás, tem algumas carnes que é na qualidade, mas pelo sofrimento do bicho que não pode se movimentar no quadrado. [...] Vai fechar as casas de candomblé? Fecha a J.B.S.” (MÃE PAULA em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, São Paulo.)
Pai Luciano, também possui um discurso semelhante:
“Essa parte de sacrifício de animais é algo que sabíamos que uma hora ia acontecer, por conta hoje do acesso à informação. Só que o hambúrguer que se come no mercado tem carne, aquele animal também foi sacrificado, churrasquinho na esquina, o frango à passarinho da balada, também houve um sacrifício daquele animal, só que foi comercial. Qual foi o propósito daquele animal morrer? Muitas vezes de forma extremamente violenta. Ninguém está dentro da religião e sabe como esses sacrifícios são feitos. Eles têm um propósito, são feitas da maneira, embora seja horrível dizer isso, de uma maneira humanizada.” (PAI LUCIANO em entrevista concedida ao grupo, em novembro de 2019, São Paulo.)
Ambos os entrevistados trazem em suas narrativas a consagração do animal, embora não tenham especificado o tratamento que se dá ao animal antes do abate, onde lhes é oferecido água e lava-se as patas dos animais em sinal de reverência. Que só quem participa desses rituais e assiste a alguma matança, é capaz de compreender a diferença entre o abate desses animais em um frigorífico e o abate para fins religiosos.
No mais, a fala do Pai Luciano, aventa a possibilidade de um futuro com menos desgaste político por conta dos sacrifícios: 
“Existe um jeito de fazer sem o sangue dos animais? Sim existe, mas isso daí baixaria numa coisa que é a teologia do negócio, são dogmas e para quebrar esses dogmas vão mais tempo. É claro que os que estão do lado de lá, por assim dizer, que são os espíritos, eles vão aceitar o sangue vegetal, que seria o sangue das plantas, ou seja, se eu for utilizar, fazer um banho, oferecer, então tem toda uma desconstrução a ser feita e isso leva tempo.” (PAI LUCIANO em entrevista concedida ao grupo, novembro de 2019, cidade de São Paulo.)
Mãe Paula nem cogitou essa hipótese, até porque o candomblé e a umbanda diferem muito nesse sentido. Enquanto a umbanda tem a capacidade de sincretizar as demandas sociais e realizar as mudanças estruturais de maneira muito rápida também devido a forma como foi originada, o candomblé tem essa necessidade de se afirmar como tradição mais próximo das origens africanas.
Segundo Prandi, os terreiros nascem uns dos outros, mas não há dois terreiros iguais. Cada terreiro tem a possibilidade de incorporar coisas novas, e copiar práticas e fundamentos de outros terreiros. (PRANDI, 2003) Assim sendo, é importante considerarmos a plasticidade destes terreiros, e que o culto aos orixás e aos ancestrais se adaptou e se transformou diversas vezes no intuito de prosseguir existindo. Assim sendo, não seria impossível uma adaptação na liturgia da religião em relação aos sacrifícios de animais, se houver, por parte de uma parcela maior da sociedade esta demanda, embora estejam os terreiros assegurados por hora, por decisão do Supremo Tribunal Federal a continuarem com seus rituais.
Conclusões: Religiões feitas de fibra e resistência.
Ao longo do nosso trabalho fomos capazes de identificar que as religiões afro-brasileiras são o grupo religioso que mais sofre com a intolerância religiosa no Brasil, também fomos capazes de identificar um dos grupos que mais as atacam no momento atual, os neopentecostais, e algumas de suas reações perante a esses ataques. 
Chegamos a conclusão que esses ataques a Umbanda e o Candomblé não são de agora, mas sempre estiveram presentes nas histórias dessas religiões justificando a capacidade de resistência e poder de transformação adquirida por elas. Outro ponto é o fato de que com o passar do tempo elas adquiriram novos recursos para se defender. O engajamento político dessas religiões também é algo que se pode notar, e que colhe, de tempos em tempos alguma vitória. Uma delas foi através do Judiciário com processos que se encaixam na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, que considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões, outro modo é através das congregações que têm o objetivo de agregar e tornar os coletivos dessas religiões mais fortes, como Pai Luciano aponta “..., em termos de organização social existem as confederações dentro da Umbanda ... Então essas associações e confederações servem pra tentar agregar, porque quando você tem maior volume, você acaba tendo mais voz.” (PAI LUCIANO, novembro de 2019, São Paulo), ou através de redes sociais, que convidam as pessoas a conhecer e rever seu preconceito em relação as práticas religiosas das religiões afro-brasileiras.
Levantamento Bibliográfico:
PRANDI, Reginaldo. O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso. Estudos Avançados. São Paulo, v. 18, n. 52, p. 223-238.
___________. Axé em movimento no mercado religioso: Umbanda em declínio, candomblé em ascensão. Rivista della Società Italiana di Antropologia Culturale (ANUAC), v.1, nº. 2, 2012, p. 97-109.
___________. A religião afro-brasileira e seus seguidores. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, jun. 2003, p. 31-32. Disponível em:http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/108/104>. Acesso em: 23 nov 2019.
SILVA, Vagner G. Candomblé e Umbanda - Caminhos da Devoção Brasileira. 5ª Ed. Selo Negro, São Paulo, 2005.
__________. Religion and black cultural identity: Roman Catholics, Afro-Brazilians and Neopentecostalism. Revista da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), 2008, v. 11,nº. 23, p 210-246.
____________________. Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo. In: Mana. Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, Museu Nacional, 13 (1), 2004,pp 207-236.
SIQUEIRA, Sônia Aparecida de. Multiculturalismo e Religiões Afro-brasileiras. O Exemplo do Candomblé. In: Revista de Estudos da religião. São Paulo, PUC, Março, (9), 2009, pp. 36-55. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv1_2009/t_siqueira.pdf>
ORO, Ari Pedro. NEOPENTECOSTAIS E AFRO-BRASILEIROS: QUEM VENCERÁ ESTA GUErra?. Porto Alegre: UFRGS, IFCH, PPGAS, 1997. Disponível em <https://seer.ufrgs.br/debatesdoner/article/view/2686>
MINISTÉRIO DAS MULHERES, DA IGUALDADE RACIAL, DA JUVENTUDE E DOS DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011 – 2015): Resultados Preliminares. Brasília: Assessoria de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa, 2016. 
Notícias de jornais:
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jhttps://www.cartacapital.com.br/justica/racismo-religioso-tem-terreno-fertil/
https://veja.abril.com.br/brasil/brasil-tem-uma-denuncia-de-intolerancia-religiosa-a-cada-15-horas 
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150625_intolerancia_religiosa_terreiros_pai_jp
https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,condephaat-tomba-cinco-terreiros-de-religioes-de-matriz-africana,70002716522
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/28/stf-decide-que-e-constitucional-sacrificar-animais-em-cultos-religiosos.ghtml
Páginas das redes sociais
https://www.facebook.com/paicidoosun/
https://www.facebook.com/paitoninho.dexango.9/
https://www.facebook.com/maerosane/
https://www.facebook.com/pages/Centro-Cultural-Eyin-Osun/1328536383906174
https://www.facebook.com/ileaseojuoya/
Sites dos sacerdotes:
http://www.paitoninhodexango.com.br/
http://paicido.com.br/
http://www.axeileoba.com.br/
Link do drive com acesso as entrevistas, prints do facebook e compilado de textos utilizado:
https://drive.google.com/drive/folders/1GLanDKRr4T-mCypsPhtIJdla9xD6T6IM?usp=sharing

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