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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA CENTRO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO SOCIOAMBIENTAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: um estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia) Célio Silva Meira ITAPETINGA 2013 CÉLIO SILVA MEIRA PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: um estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Itapetinga, BA, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais. Área de Concentração em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Orientadora: Profª. Drª. Marília Seixas Flores de Oliveira ITAPETINGA 2013 299.67 M451p Meira, Célio Silva Plantas do axé e sua fundamentação religiosa: um estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia). / Célio Silva Meira. - Itapetinga: UESB, 2013. 129p. Dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – Campus de Itapetinga. Sob a orientação da Profa. D.Sc. Marília Flores Seixas de Oliveira. 1. Umbanda. 2. Plantas Sagradas. 3. Religião – Afro-brasileira. I. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Programa de Pós- Graduação em Ciências Ambientais. II. Oliveira, Marília Flores Seixas de. III. Título. CDD(21): 299.67 Catalogação na fonte: Adalice Gustavo da Silva – CRB/5-535 Bibliotecária – UESB – Campus de Itapetinga-BA Índice Sistemática para Desdobramento por Assunto: 1 Umbanda 2 Plantas Sagradas 3 Religião – Afro-brasileira CÉLIO SILVA MEIRA PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: um estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Itapetinga, BA, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais. Área de Concentração em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Aprovada em: 13 /03/ 2013. BANCA EXAMINADORA Dedico este trabalho de conclusão de Mestrado, primeiramente, ao nosso grande Pai da criação na Filosofia africana, Oxalá, e não menos importante, dedico também a Exu pela minha saúde, minha fé e minha perseverança. A meus pais biológicos Vespasiano Cangussú Meira e Celina da Silva Meira, in memoriam, por terem me ensinado valores que carregarei para sempre, dentre tantos, o respeito e admiração por um professor; e a todos aqueles que foram meus educadores, os meus mais profundos respeitos. Graças a cada um de vocês, hoje sou um professor. À minha orientadora Profª. Drª. Marília Flores Seixas de Oliveira, pela sabedoria e dedicação com a qual me orientou nesta dissertação, levando em consideração os problemas que fazem parte do contexto, sendo sempre sensível às diversas situações e entraves que lhes foram apresentadas. Dedico também a todos os Caboclos que compõem a nação brasileira, que são os donos dessa Terra e grandes sábios na arte de conhecer os segredos das folhas. Axé!!!! AGRADECIMENTOS Foram tantas as pessoas envolvidas, neste trabalho, que eu usaria folhas e mais folhas para agradecer. Em primeiro lugar, quero agradecer ao Terreiro de Candomblé - “Caboclo Boiadeiro” pelo apoio incondicional a este trabalho e, em especial, a Mãe Mesa, Mesô, Neide, Linda que, em minha opinião, são verdadeiras bibliotecas ambulantes na arte de conhecer os segredos das ervas que compõem o axé da casa. Não poderia deixar também de agradecer ao Babalorixá chefe da casa, o Sr. Eurivelton Pereira Campos e a Mãe Pequena, a Iaquequerê, carinhosamente conhecida por “Mãe Maria”. A vocês, meu muito obrigado! Não menos importante, quero também externar meus agradecimentos a todos os filhos e filhas desta casa, meus irmão no Axé que, de uma forma ou de outra, me foram úteis na execução desta pesquisa. À minha orientadora, a queridíssima Professora Drª. Marília Flores Seixas de Oliveira, pelas boas e proveitosas conversas que tivemos sobre a temática em estudo, o que tornou este sonho uma realidade possível. A você, meu muito obrigado, Marília. Ao Programa de Mestrado em Ciências Ambientais e Desenvolvimento da UESB, PPGCA Campus de Itapetinga, pelo apoio e respeito ao tema que desenvolvi nesta dissertação. Uma vez que iniciativas como essa sirvam para mostrar que universidade se faz também fora dos muros da instituição. Obrigado a todos e, em especial, a Naiala (secretária do Mestrado) que tão carinhosamente me atendia quando dela necessitava. Ao Professor Dr. Jânio Laurentino dos Santos DG (UESB) Campus – Vitória da Conquista, por ter sido o primeiro a ler o meu projeto e sugerir valiosas mudanças que foram fundamentais na melhoria do mesmo e na aprovação para este mestrado. Não tão menos importante, quero agradecer a todos os meus colegas de trabalho do Colégio Estadual Dr. Roberto Santos - Poções/Bahia, pelo carinho e respeito a que me têm e, em especial, as Vices-Diretoras Maria de Fátima, Elizângela e Tânia, cada uma com suas especificidades, o que as tornam seres ímpares com quem convivo há alguns anos, a todas o meu muito obrigado de coração. À Celeste Amorim e a Roney Gusmão, meus amigos de fé, meus irmãos camaradas, amigos de todas as horas; a vocês, só me resta dizer meu muito obrigado pelos socorros nas horas difíceis. A todos os demais amigos que sabem como ninguém e parafraseando Caetano Veloso “a dor e a delícia de ser o que é”. Um Axé a todos!!!! OSSAIM DÁ UMA FOLHA PARA CADA ORIXÁ. Ossaim, filho de Nanã e irmão de Oxumarê, Euá e Obaluaê, era o senhor das folhas, da ciência e das ervas, o orixá que conhece o segredo da cura e o mistério da vida. Todos os orixás recorriam a Ossaim para curar qualquer moléstia, qualquer mal do corpo. Todos dependiam de Ossaim na luta contra a doença. Todos iam à casa de Ossaim oferecer seus sacrifícios. Em troca Ossaim lhes dava preparados mágicos: banhos, chás, infusões, pomadas, abô, beberagens. Curava as dores, as feridas, os sangramentos; as disenterias, os inchaços e fraturas; curava as pestes, febres, órgãos corrompidos; limpava a pele purulenta e o sangue pisado; livrava o corpo de todos os males. Um dia Xangô, que era o deus da justiça, julgou que todos os orixás deveriam compartilhar o poder de Ossaim, conhecendo o segredo das ervas e o dom da cura. Xangô sentenciou que Ossaim dividisse suas folhas com os outros orixás. Xangô então ordenou que Iansã soltasse o vento e trouxesse ao seu palácio todas as folhas das matas de Ossaim para que fossem distribuídas aos orixás. Iansã fez o que Xangô determinara. Gerou um furacão que derrubou as folhas das plantas e as arrastou pelo ar em direção ao palácio de Xangô. Ossaim percebeu o que estava acontecendo e gritou: “Euê uassá!”. “as folhas funcionam!” Ossaim ordenou às folhas que voltassem às suas matas e as folhas obedeceram às ordens de Ossaim. Quase todas as folhas retornaram para Ossaim. As que já estavam em poder de Xangô perderam o axé, perderam o poder de cura. O orixá-rei, que era um orixá justo, admitiu a vitória de Ossaim. Entendeu que o poder das folhas deveria ser exclusivo de Ossaim e que assim deveria permanecer através dos séculos. Ossaim, contudo, deu uma folha para cada orixá, deu uma euê para cadaum deles. Cada folha com seus axés e seus ofós, que são as cantigas de encantamento, sem as quais as folhas não funcionam. Ossaim distribuiu as folhas aos orixás para que eles não mais o invejassem. Eles também podiam realizar proezas com as ervas, mas os segredos mais profundos, ele guardou para si. Ossaim não conta seus segredos para ninguém, Ossaim nem mesmo fala. Fala por ele seu criado Aroni. Os orixás ficaram gratos a Ossaim e sempre o reverenciam quando usam as folhas. (PRANDI, 2001) RESUMO Meira, C. S. Plantas do Axé e sua fundamentação religiosa: um estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (Fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia). Itapetinga-BA: UESB, 2012. p.129 (Dissertação – Mestrado em Ciências Ambientais e Desenvolvimento).* Esta dissertação de mestrado procurou investigar as maneiras pelas quais os terreiros de Umbanda fazem uso de plantas em seus rituais religiosos, tomando como base o terreiro “Caboclo Boiadeiro”, localizado na fazenda Buraco do Boi, município de Poções, Bahia. Para tanto, buscou-se conhecer o processo histórico de implantação desta religião, na região estudada, compreendendo também a relação religiosa com a natureza, a partir dos vegetais, uma vez que o uso das folhas sagradas é uma prática recorrente e fundamental em todos os terreiros. Neste sentido, comprovou-se que a natureza está sempre presente no cerimonial e que as folhas formam uma força significativa no processo de cuidar do corpo e do espírito, compreendidos de maneira interligada. Considerando-se também que o uso de ervas e de outros elementos vegetais na produção de medicamentos e de outras práticas relacionadas à saúde está muito presente nas comunidades relacionadas a religiões afro- brasileiras. Este estudo de caso procurou entender a relação com as plantas levando em conta tanto a vinculação religiosa quanto a referente a usos medicinais. A medicina tradicional e mágica está vinculada aos ritos afro-brasileiros e indígenas, especialmente, aos de Candomblé e de Umbanda, procurando formas de cura que consideram também aspectos espirituais, sobrenaturais, no adoecimento, buscando solucionar os males que se abatem sobre aquelas pessoas a partir de rituais particulares. No levantamento das plantas localmente utilizadas, considerou-se importante recorrer aos conhecimentos práticos da Taxionomia Vegetal, de maneira também a contribuir para valorizar este conhecimento religioso frente ao conhecimento padrão, ampliando, assim, a consciência da importância das plantas na preservação das religiões de matriz afro-brasileira, como é o caso da Umbanda. A presença do vegetal está ligada à manutenção do axé-força que move esse povo e que tem sua religiosidade calcada nas substâncias extraídas das folhas. As religiões de matrizes africanas têm a natureza como elemento de comunicação com o sagrado (o Ayiê e o Orum), sendo que as folhas também atuam na comunicação entre homens e divindades. Para os adeptos dessa religião, os orixás estão intimamente relacionados com os elementos da natureza. Percebe-se, assim, ao final, o quanto os vegetais são importantes para a preservação das religiões afro-brasileiras e para a manutenção da sua existência enquanto elemento da nossa cultura. Palavras-chave: Umbanda, plantas sagradas, fundamentação religiosa. * Orientadora: Marília Flores Seixas de Oliveira, DSc, UESB ABSTRACT MEIRA, C. S. Axé plants and their religious reasons: case study in terreiro de Umbanda “caboclo cowboy” (fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia). Itapetinga-BA: UESB, 2012. p.129 (Dissertation – Master’s degree in Environmental Sciences, Concentration area: Environment and Development).* This search investigate the ways in which the terreiros de umbanda make use of plants in their religious rituals, based on the “terreiro Caboclo boiadeiro", located on the farm Buraco do Boi in Poções City, Bahia. Therefore, we sought to understand the historical process of implementation of this religion in the studied region, comprising also a religious relationship with nature, because the use of the leaves is a sacred and fundamental recurring practice in all terreiros. In this sense, it was shown that nature is always present in the ceremonial and the leaves form a significant force in the care of body and spirit, understood so interconnected. Considering also that the use of herbal and other plant in the production of medicines and other health-related practices is very present in the community related to African-Brazilian religions, this case study tried to understand the relationship between religion and plants, taking account both the religious ties as related to medicinal uses. Traditional medicine and magic is tied to rites African-Brazilians and indigenous peoples, especially those of Candomblé and Umbanda, looking for ways to cure that also consider the spiritual, supernatural, the illness, seeking to solve the ills that befall those people from of particular rituals. In the survey of plants used locally, it was considered important to use the practical knowledge of Plant Taxonomy, so also contributing to value this religious knowledge against the standard knowledge, thus increasing the awareness of the importance of plants in the preservation of religions of African-Brazilian, as is the case of Umbanda. The presence of the plant is linked to maintenance of axé force that moves these people and that is grounded in their religious substances extracted from the leaves. The African religions have nature as an element of communication with the sacred (the Ayie and Orum), and that leaves also act in communication between men and deities. For the followers of this religion, the deities are closely related to the elements of nature. It is clear, therefore, in the end, how vegetables are important for the preservation of African-Brazilian religions and the maintenance of its existence as an element of our culture. Keywords: Umbanda, sacred plants, religious grounding. * Adviser: Marília Flores Seixas de Oliveira, DSc, UESB LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Babalorixá Ulisses, zelador do terreiro Buraco do Boi e filhos de santo. ........... 74 Figura 2 - Resquício de Mata Atlântica. .............................................................................. 78 Figura 3 - Culto em homenagem às “entidades das folhas”. ............................................... 83 Figura 4 - Rituais da mata: sessão de benzimento ............................................................... 84 Figura 5 - Representação do cotidiano do terreiro Buraco do Boi em dia de festa ............. 87 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I - LEGADO AFRICANO NO BRASIL, DO CANDOMBLÉ À UMBANDA: UM ESTUDO DE CASO EM POÇÕES/BAHIA. ....................................... 23 1.1 O legado ......................................................................................................................... 23 1.2 Os terreiros de candomblé no Brasil .............................................................................. 26 1.3 Relação das entidades afro-brasileiras com os elementos da natureza .......................... 29 1.4 O surgimento da Umbanda no Brasil ............................................................................. 31 1.5 A constituição da Umbanda no município de Poções – BA .......................................... 43 1.5.1 Sobre o município de Poções ...................................................................................... 43 1.5.2 Sobre a Umbanda em Poções ..................................................................................... 49 CAPÍTULO II - O USO DAS PLANTAS SAGRADAS NAS RELIGIÕESAFRO- BRASILEIRAS .................................................................................................................... 54 2.1 O processo de desenvolvimento do capitalismo ............................................................ 54 2.2 Comunidades religiosas de matrizes africanas e meio ambiente ................................... 56 2.3 Plantas sagradas brasileiras e sua relação com o continente africano ........................... 57 2.4 O uso das folhas sagradas e sua fundamentação religiosa nos terreiros de Umbanda da cidade de Poções – Bahia ............................................................................... 60 CAPÍTULO III - A PERCEPÇÃO AMBIENTAL E O USO DAS FOLHAS SAGRADAS NO TERREIRO DE CANDOMBLÉ DO BURACO DO BOI ..................... 70 3.1 A relação com a natureza e as plantas sagradas no terreiro do Buraco do Boi ............. 70 3.2 Caracterização do terreiro do Buraco do Boi ................................................................. 73 3.3 Da fundação do terreiro do Buraco do Boi .................................................................... 74 3.4 Área de mata do terreiro e sua representação ambiental pela comunidade religiosa .... 77 3.5 As matas e o culto aos caboclos ..................................................................................... 80 3.6 Homenagem aos caboclos: festa na mata ...................................................................... 83 3.7 Religião, música, ervas sagradas e meio ambiente ........................................................ 85 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 92 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 99 APÊNDICES ..................................................................................................................... 103 ANEXOS ........................................................................................................................... 126 11 INTRODUÇÃO “A religião dos Orixás é a voz da natureza.” Pierre Fatumbi Verger Diante do atual processo do capitalismo global científico-tecnológico, que visa aumentar os mercados e, portanto, os lucros, que é o que de fato move os capitais produtivos ou especulativos na arena do mercado, as culturas dos povos tradicionais são, paulatinamente, esquecidas e destruídas. Segundo Milton Santos, em sua obra Metamorfoses do Espaço Habitado (1988), agora essa expansão apresenta dados novos, pois pode dispensar a invasão de tropas à ocupação territorial, pode abrir mão, enfim, da guerra física corporal, como acontecia em outras fases do supracitado sistema. Ainda segundo o autor, nos tempos atuais a invasão é muito mais silenciosa, sutil e eficaz. Trata- se de uma invasão high-tech de mercadorias, capitais, serviços, informações e pessoas. As novas armas se dão na agilidade e na eficiência dos meios de comunicação e do controle de dados, informações etc., obtidas através de velozes satélites, da informática, dos telefones fixos e móveis, dos Boeings e Airbus, dos supernavios petroleiros e graneleiros e dos trens de alta velocidade etc. Dentro desse novo modelo expansionista do capital, não há limites e nem respeito para com a natureza. Ecossistemas inteiros são destruídos em nome do progresso, em nome de uma pseudo melhoria para a população, que na realidade visa apenas ao lucro de uma minoria. Os impactos ambientais têm sido catastróficos nas últimas décadas. Assistimos quase que diariamente pelos mais variados meios de comunicação, a extração de madeiras para fins comerciais, instalação de projetos agropecuários, a implantação de projetos de mineração, a construção de usinas hidrelétricas, a propagação de fogo resultante de incêndios etc. Toda essa ação antrópica incentivada pelo sistema capitalista vem trazendo consequências danosas para a humanidade. Podemos destacar, dentre tantas: genocídio e etnocídio de nações indígenas, enchentes e assoreamento de rios, diminuição dos índices pluviométricos, elevação das temperaturas da Terra, desertificação, proliferação de pragas e doenças até então nunca presenciadas. Diante desse panorama nada animador em que estamos amealhados é que nasceu a pretensão de fazer uma análise das comunidades religiosas de terreiros de candomblé, uma 12 vez que, segundo Costa (2011), esses modelos de comunidade têm uma relação profunda e íntima com os diferentes ambientes naturais que, na concepção dessas, são considerados locais sagrados e de contato com seus deuses (chamados de orixás), necessitando do contato direto com diferentes elementos da natureza para a realização de suas práticas religiosas diárias. Este trabalho nasceu do desejo de perceber as maneiras pelas quais os terreiros de Umbanda da cidade de Poções /BA (localizada a 444 km da capital, Salvador) fazem uso de certos vegetais e de suas partes, como as raízes, os caules, as flores e, principalmente, as folhas, em seus rituais, buscando verificar a importância dos mesmos para os adeptos dessa religião, ressaltando que essa é uma herança da cultura afro-brasileira vivamente presente em nossas tradições culturais. Para tanto, resolveu-se começar esta análise pelos terreiros que, por meio de seus rituais, crenças, convivências e aprendizagens, guardam grande parte do legado cultural africano e afro-brasileiro como, por exemplo, o conhecimento sobre as plantas - que possuem axé1 (força) - e sobre sua aplicação nas práticas e rituais sagrados destinados à cura das pessoas que apresentam os mais diversos problemas, sejam eles sociais, afetivos, espirituais ou de saúde física ou mental. Conhecer a história, a importância, os ritos e os cultos que envolvem essas ervas nas casas de Umbanda serviu para compreender um pouco da história dessa religião e de seus adeptos, sem reduzi-los a meras superstições. Na tradição popular da cidade de Poções, como na de outros lugares, ouvia-se sempre dizer que determinada planta (ou erva) e as suas partes serviam para curar ou aliviar determinado problema ou dor física ou espiritual. Assim, para alguns membros da sociedade, sobretudo os ligados à cultura de matriz africana, isto é tido como uma verdade, por mais que, no percurso do tempo, a educação formal houvesse tentado desmistificar todo esse aprendizado cultural ou, no mínimo, “cientificá-lo”. Todavia, mesmo tendo acesso a outros meios de conhecimento, permaneceu aquela ideia de que alguns vegetais possuem certos poderes “mágicos”, ou seja, a capacidade de ajudar a solucionar determinadas angústias da sociedade (acalmar, excitar, curar etc.). Mesmo com todas as 1 Força dinâmica das divindades, poder de realização, vitalidade que se individualiza em determinados objetos, como plantas, símbolos metálicos, pedras ou na cabeça dos iniciados. (CACCIATORE, 1988) 13 mudanças vindas do pensamento técnico-científico estas atribuições de sentido às folhas e a seu poder curativo permanecem ainda em atuação. Ao começar a frequentar e a pesquisar as religiões de matrizes africanas, foi despertada ainda mais a curiosidade sobre a discussão do poder de cura das ervas, suas origens, seu cultivo nas casas, seus rituais e utilidades e, principalmente, a sua ligação com os Orixás2, pois, segundo os membros dessas religiões, cada entidade sagrada possui suas próprias folhas ou suas árvores sagradas dentro dos terreiros. Desta curiosidade nasceu a vontade de estudá-las. De início, foram feitas algumas leituras de autores que abordam a temática, como: Pierre Verger (2004), Renato Ortiz (1991), Ordep Serra et al. (2002), José Flávio Pessoa de Barros (2009). Partimos da ideia de que somente a partir de conversas com pessoas ligadas às religiões afro-brasileirasé que se tornaria possível a compreensão da temática, bem como encontrar as primeiras respostas para boa parte das interrogações feitas sobre os aspectos mais gerais que, todavia, ainda são embrionárias diante do tema em questão. Ao longo do estudo, procurou-se responder às seguintes questões: - Por que os adeptos das religiões de matrizes africanas utilizam plantas medicinais e místicas nos seus rituais religiosos? - Quais as concepções de meio ambiente para os adeptos da Umbanda poçoense? A Umbanda, religião com misto de elementos diversos, acabou penetrando no município de Poções por volta da década de 40 do século passado, de acordo com as informações. Essa religião acoplou em si elementos religiosos e tradições culturais diversas, existentes pela região. Da Igreja Católica incorporou os santos, com suas datas e festas comemorativas; da tradição indígena, o culto aos caboclos; da presença negra, o culto aos orixás e aos Pretos-Velhos, com várias associações também aos santos católicos. Além, é claro, de outros elementos oriundos de outras culturas e tradições, como, por exemplo, a Cartomancia3, utilizada por alguns adeptos como prática oracular. 2 Intermediários entre Olorum (Deus) no Orun (céu) e os homens, no Ayê (terra) por intermédio do seu filho Oxalá (CACCIATORE, 1988). 3 Método de adivinhação que usa cartas como baralho ou tarô. Para prever o futuro e ajudar nas decisões a serem tomadas (CACCIATORE,1998). 14 Pesquisas anteriores, desenvolvidas durante curso de pós-graduação4, possibilitaram a constituição de uma visão geral sobre a Umbanda em Poções, bem como a compreensão de algumas especificidades locais relativas a essa religião e a sua relação com a natureza. Tais informações sobre a temática motivaram ainda mais o interesse sobre a investigação da pesquisa que agora é apresentada, buscando compreender, de maneira mais específica, a relação dessa religião com a natureza e seus elementos e para com o meio ambiente. No que tange à esfera da sua religiosidade, a Umbanda de Poções apresenta um quadro não muito diferente da maioria da umbanda em outras cidades brasileiras. Tem, na composição de seus praticantes, uma mescla representativa de pessoas que também frequentam outras religiões, sendo formada essencialmente por pessoas que se intitulam católicas, mesmo não sendo praticantes (muitos se intitulam como “católicos não praticantes”). Há também a presença de protestantes das mais diversas igrejas, bem como um grupo significativo de espíritas e uma parcela de adeptos filiados, exclusivamente, às religiões de matizes africanas, sobretudo a Umbanda. Vale ressaltar que o tipo de Umbanda presente no município difere do modelo estudado por autores como: Lísias Nogueira Negrão (1996), Renato Ortiz (1991), Maria Helena Villas Boas Concone (1985) etc. Apesar da Umbanda poçoense ter elementos característicos do modelo proposto pelos autores acima, acabou assumindo características peculiares da região em que esta se encontra. Poderíamos até denominá-la de uma Umbanda Sertaneja, com características e rituais próprios, ou seja, dentro de um contexto histórico-social local, como, por exemplo, de um candomblé banto5. Porém, este trabalho não se propõe a uma análise mais detalhada sobre o assunto. 4 Pós Graduação (Lato Sensu) em Antropologia com ênfase em Culturas Afro-Brasileiras, UESB, 2008, “Senhora das noites: das encruzilhadas à constituição da Umbanda em Poções – BA”, Orientador: Professor Drº João Diógenes Ferreira dos Santos DFCH. 5Para Olga Gudolle Cacciatore (1998) em Dicionário de Cultos Afro-Brasileiro, define as principais nações de Candomblé em solo brasileiro, sendo; Kétu – antigo reino da África Ocidental, vindo grande número de escravos deste para a Bahia, dando origem aos candomblés mais tradicionais, como Engenho velho (Casa Branca), Opô Afunjá, Gantois, Ogunjá, etc. Jeje- Nagô – cultura religiosa formada na Bahia, da união de crenças, costumes etc., dos povos daomeanos e iorubanos (com predomínio destes), trazidos como escravos para o Brasil. Banto – grupo linguístico, compreendendo milhões de africanos, com inúmeras línguas e quase 300 dialetos, que correspondia a quase 2/3 da África Negra (Angola e Congo), são os que mais termos deixaram em nossa linguagem atual e também em nossas expressões culturais. 15 A cidade de Poções tem hoje, em média, 23 terreiros ou “centros” de umbanda, como costumam ser popularmente chamados. Estão localizados na sua maioria em bairros afastados do centro da cidade e podem ser divididos em categorias de grandes, médios e pequenos, tomando como base o número de adeptos, a importância social e o tamanho geográfico. Procurou-se, no decorrer da pesquisa, responder aos seguintes objetivos, traçados ao longo do projeto: • Analisar as plantas medicinais e religiosas que são utilizadas nos rituais dos terreiros de Umbanda da cidade de Poções, bem como suas relações com o sagrado, com os orixás, os caboclos e outras entidades espirituais, tomando como base o Terreiro Buraco do Boi. • Catalogar as principais plantas medicinais ou rituais que são utilizadas pelos integrantes dos terreiros, considerando a família e a espécie, bem como estabelecendo o uso que é feito de cada uma delas. • Identificar as entidades sagradas do universo do terreiro a ser pesquisado e suas relações com determinadas plantas e com a natureza como um todo. • Investigar a concepção de natureza que aparece a partir do uso de plantas ou ervas pelas religiões de matrizes africanas, no terreiro do Buraco do Boi. Para viabilizar o andamento da pesquisa, foi definida a utilização de um recorte no universo dos terreiros da cidade, optando-se pela seleção do terreiro mais antigo em funcionamento. Assim, a pesquisa foi desenvolvida tomando como base o Centro de Umbanda Caboclo Boiadeiro, localizado na Fazenda Buraco do Boi (na BA 262, sentido Nova Canaã), o terreiro mais antigo de Poções, com mais de meio século de existência. Apesar de não se poder precisar ao certo a data de fundação do terreiro em que o estudo se desenvolveu, sabe-se que o Terreiro do Buraco do Boi já tem mais de meio século de fundação, tendo na figura do Sr. Ulisses Gonçalves Campos (falecido há 14 anos) o seu fundador. Atualmente, a casa é dirigida pelo seu sucessor (e filho biológico), o Babalorixá Eurivelton Gonçalves Campos. Nesta pesquisa, procurou-se verificar como essa comunidade de santo faz uso das ervas ou folhas sagradas em seus rituais diários e de que forma percebe a presença da natureza na religião, como os cânticos e as rezas evidenciam a simbiose natureza e orixá, remetendo a seus feitos, que são expressos nas danças e gestos seguidos pelo som dos 16 atabaques, que procuram trazer as entidades em terra para ajudar aqueles que necessitam aliviar, por meio dos trabalhos desenvolvidos, a dor, seja ela física ou psicológica, dos mais necessitados. Procurou-se também verificar como a comunidade em estudo trabalha com o conceito de natureza e de religião e qual a relação estabelecida. Vale ressaltar que o dito conceito varia de acordo com cada sociedade e com as representações simbólicas e míticas que são transmitidas de geração em geração e que garantem a sua própria maneira de interpretar e agir sobre o meio natural, pois, segundo Thompson (2006), o homem e a natureza, assim como os demais complexos que o cercam, pertencem a um único universo. O homem sempre se preocupou em desvendar a sociedade que o cerca (THOMPSON, 1995). Para a sociedade ocidental, a ciência é a melhor forma de se esclarecer a verdade. Para que a pesquisa ganhe status científico é necessária a escolha de um método. Como as Ciências Sociais lidam também com a subjetividade, com os valores, com o universo simbólico e comas relações humanas, escolhemos a abordagem qualitativa. Para o seu andamento, foi escolhido o método da Hermenêutica, nascida nos anos 60 do século passado, e tem como referência o antropólogo Clifford Geertz. Seu descontentamento com a metodologia antropológica, oferecida no início do século XX, definida por ele como abstrata e distanciada da realidade encontrada no campo, levou-o a elaborar um novo método de análise para interpretar as sociedades que estudava. A Hermenêutica foi necessária na análise dos dados, pois é uma metodologia que se preocupa com uma interpretação profunda dos fatos. Para Geertz (2001, p.15) O homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados. Segundo Geertz, em sua obra Nova Luz sobre a Antropologia (2001), todos os aspectos da sociedade devem ser estudados juntos. Devem-se analisar, dentro de uma sociedade, quem são, o que fazem e por que razões eles creem que fazem o que fazem. A sociedade estudada é vista como um texto; ela é o próprio texto escrito, que deve ser interpretado, em todos os momentos do estudo, por aquele que não vivenciou as experiências contidas no texto, no caso, o antropólogo. Segundo Thompson (1995, p. 176): 17 O estudo da cultura, no ponto de vista de Geertz, é uma atividade mais afim com a interpretação de um texto do que com a classificação da flora e da fauna. Ela requer não tanto a atitude de um analista que busca classificar e quantificar quanto a sensibilidade de um intérprete que busca discernir os padrões de significado, discriminar entre gradações de sentido e tornar inteligível uma forma de vida que já é significativa para aqueles que a vivem de significados Com base nessa perspectiva, defendida por Geertz, é que a pesquisa foi iniciada nos terreiros de Umbanda da cidade de Poções-Bahia, sendo escolhido como base para o desenvolvimento desta pesquisa o Terreiro de Umbanda Caboclo Boiadeiro, localizado na Fazenda Buraco do Boi. A escolha desse terreiro para ser desenvolvida a pesquisa, como dito anteriormente, foi por ser o mais antigo em funcionamento no município, que se tem noticias, e pelo sentimento de pertença à casa. Houve, no decorrer na pesquisa, uma convivência com a realidade desse espaço religioso durante o período de visitação, com o intuito de conhecimento. Desta forma, fez- se uma observação mais detalhada acerca dos rituais, suas festas e dos seus afazeres, no dia-a-dia da casa, conhecendo mais detalhes acerca do uso das folhas e das ervas nos “rituais da casa”, a que se destinou este estudo como objetivo primordial. As ciências sociais exigem do pesquisador que compreenda a vida do pesquisado dentro de seu meio. Para isso, foi feita uma opção pela Hermenêutica de Profundidade Geertz (2001) que procura compreender o sujeito como parte integrante do processo. Assim, as formas simbólicas vão desde gestos e falas até ações que, por possuírem significados, são passíveis de serem compreendidas. Na investigação social, o objeto investigado é, ao mesmo tempo, objeto quando o investigamos e/ou o observamos, e sujeito, pois se trata de um campo “pré-interpretado” em que os indivíduos estão sempre em seu cotidiano, preocupados em compreender a si mesmos, seu próximo e o mundo que o cerca. Assim, Thompson (1995, p. 359) argumenta que: Assim, quando os analistas sociais procuram interpretar uma forma simbólica, por exemplo, eles estão procurando interpretar um objeto que pode ser ele mesmo, uma interpretação, e que pode já ter sido interpretado pelos sujeitos que constroem o campo-objeto, do qual a forma simbólica é parte. Os analistas estão oferecendo uma interpretação de uma interpretação, estão re-interpretando um campo pré-interpretado; e poderá ser importante discutir, como [...] esta re-interpretação está relacionada a, e como ela poderá ser informada pelas pré-interpretações 18 que existem (ou existiram) entre os sujeitos que constroem o mundo sócio-histórico. Nesse contexto, a Hermenêutica defende que o objeto de nossa investigação social pode ser considerado, ao mesmo tempo, sujeito capaz de compreender, refletir e interferir em nossas análises e enxerga os sujeitos, formadores do mundo social, enquanto indivíduos inseridos em tradições históricas, construídas pelos próprios sujeitos, como partes da história. Partindo desse princípio, foram buscados, nas entrevistas e nas observações, meios de reconstrução, interpretação e compreensão das formas simbólicas, ou seja, uma tentativa de reconstruir no terreiro de Umbanda que compôs a amostragem, o cotidiano dos sujeitos, o que Thompson (1995, p. 364) chama de “interpretação da doxa”, compreendida como “uma interpretação das opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas pessoas que constituem o mundo social”. Esse processo é importante porque por meio da “interpretação da doxa” foi possível analisar as formas simbólicas dentro do contexto social de seus sujeitos. Contudo, a interpretação da doxa é apenas um ponto de partida. A Hermenêutica de Profundidade (HP) é um amplo referencial metodológico que permite compreender as formas simbólicas em suas especificidades, ou seja, de acordo com as condições sociais e com contexto histórico que estão inseridas. A HP compreende três fases: a análise sócio-histórica, a análise formal ou discursiva e a interpretação/re- interpretação, a partir da constatação de que “formas simbólicas não subsistem num vácuo, elas são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas especificas” (THOMPSON, 1995, p. 366). Para buscar os dados da pesquisa, também foi utilizado o artifício da entrevista, uma ferramenta importante que proporcionou o levantamento de vários dados relativos aos usos das plantas no terreiro de umbanda pesquisado a partir de uma análise das informações contidas nas falas das pessoas observadas e entrevistadas. Para tanto, foi escolhida a entrevista semiestruturada, que aliou a formulação de questões prévias, com temas que surgiram no decorrer da discussão (Apêndice A). Como afirma Montenegro (2003), a entrevista deve ser iniciada por uma conversa de esclarecimento com o entrevistado, “para que este entenda por que, para que e para quem ele está relatando suas memórias”. O passo seguinte foi o preenchimento de uma 19 ficha com nome completo, data e local de nascimento, endereço atual e a data em que se realizou a entrevista. Além disso, foi solicitada, por escrito, a autorização dos entrevistados para posterior divulgação das informações contidas. Por trabalhar com a memória oral e para registrá-la através de entrevistas, foi necessário que a fala do entrevistado fosse respeitada, ouvindo-a com atenção e de maneira consciente do fato de que o entrevistado não precisaria, necessariamente, atender a quaisquer expectativas teóricas ou metodológicas. Assim, o entrevistado foi previamente esclarecido (Apêndice B) e, posteriormente, autorizada a publicação da sua entrevista (Apêndice C), sendo a pesquisa aprovada pelo Conselho de Ética da UESB (Anexo A). Como a memória tem um caráter singular e está sempre se reconstruindo, de acordo com o olhar do presente, foi possível conhecer profundamente a história que está sendo construída através da memória, para que eu pudesse compreender melhor a fala do entrevistado e intervir quando necessário. Os roteiros das entrevistas foram elaborados anteriormente e com questões relativas aos níveis de conhecimentos e especificidades dos entrevistados do terreiro em estudo, ressaltando que as entrevistas foram realizadas entre os meses de janeiro a maio de 2012. Lembrando que, por se tratar de uma entrevista semiestruturada,outras questões surgiram no decorrer das entrevistas. A utilização de um caderno de campo, como recurso complementar, também foi usa do, para que nada se perdesse durante a execução do trabalho, já que a coleta de dados seguiu com a observação do cotidiano e dos rituais que aconteceram no decorrer da pesquisa. Também foi necessário especificar a forma como concebemos os valores de outra cultura. É importante que os valores do outro tenham uma visibilidade que ultrapasse os conceitos que foram forjados pela tradição europeia, tida como dominante e “civilizada”, principalmente quando se trata de algo tão próximo como é a cultura afro-brasileira. Os recursos metodológicos usados não seguiram regras rígidas, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, em que sua “diversidade e flexibilidade” não pediram regras fixas. Valorizou-se, assim, no primeiro capítulo, o processo de construção do legado africano no Brasil, do Candomblé à Umbanda, tomando como base um estudo de caso no Município de Poções- Bahia, a estruturação dos terreiros de Candomblés, enquanto religião herdada das tradições africanas e ainda vivamente presente em nossa cultura, o sincretismo 20 enquanto elemento de resistência da religião, como afirma Bastide (2001), uma estratégia que os negros usavam para poder cultuar seus orixás sem a perseguição dos senhores brancos que achavam que estes estariam “celebrando a fé cristã segundo seus costumes”. Foi pesquisado também a relação das entidades afro-brasileiras com o calendário semanal e também com os elementos da natureza, sendo que cada dia é dedicado a um ou mais orixás, bem como a relação entre os deuses e os elementos da natureza, ou seja, sem estes a religião não existiria, pois a mesma depende, essencialmente, de cada um para sua efetivação e eficácia. O surgimento da Umbanda, em nosso país, deu-se a partir do processo de industrialização e foi dessa realidade brasileira que surgiu este novo fenômeno religioso, com suas raízes fundadas nas culturas africanas, europeias e indígenas - a Umbanda. Foi essa religião, uma mistura de elementos diversos, que acabou penetrando no município de Poções, por volta da década de 40 do século passado, cerne do segundo capítulo desta dissertação. Na pesquisa, investigou-se a relação entre natureza e plantas sagradas brasileiras dentro dos terreiros de candomblés, buscando discutir o processo de desenvolvimento do capitalismo, enquanto sistema econômico que mais modelou o espaço geográfico, bem como os acontecimentos inerentes a cada uma de suas fases evolutivas e mostrando suas principais consequências para diversos setores da vida humana e, em especial, às comunidades ditas tradicionais, que estabelecem com o meio ambiente uma relação de profunda intimidade, pois dependem do mesmo para a sua manutenção e sobrevivência. A apresentação da forma como essas comunidades, especialmente, as de Umbanda se estruturam no município de Poções constitui o terceiro capítulo do trabalho. A percepção ambiental e o uso das folhas sagradas no Terreiro de Candomblé do Buraco do Boi, o quarto capítulo da dissertação, apresenta alguns aspectos históricos, da fundação do terreiro, e etnográficos, quando são descritos alguns momentos ritualísticos da casa com o uso das ervas sagradas. Apresenta-se também de que forma se processa a relação com a natureza a partir dos trabalhos executados pelo terreiro. Caracterizou-se, fisiograficamente, uma unidade com resquícios de Mata Atlântica e a importância dessa para a preservação da natureza nas relações para com o meio ambiente e as plantas sagradas usadas na casa. Catalogou-se as principais ervas sagradas e medicinais que o terreiro faz uso, bem como suas relações com os orixás, o uso nos rituais e o nome popular de cada uma, não deixando de apresentar a nomenclatura científica das mesmas (Apêndice D). 21 A confirmação da teoria de que o homem moderno teve origem na África é um dos resultados mais recentes da parceria entre genética e arqueologia. De acordo com um estudo publicado na revista Nature, em 07 de dezembro de 2000, os Homo Sapiens partiram do continente africano, em algum momento dos últimos 100 mil anos. Dali, eles seguiram em direção à Europa, Oriente Médio e Ásia e promoveram a expansão para o resto do mundo. Do resultado dessa expansão, várias civilizações foram formadas ou sofreram sua influência. Por isso, é inegável a presença do legado africano na formação cultural de muitos povos e, em especial, do brasileiro. Conhecer a tradição africana é ter a oportunidade de aprender e valorizar nossas raízes que, muitas vezes, são esquecidas diante do mundo globalizado, no qual primamos por uma cultura voltada para os moldes do sistema capitalista. Uma cultura imediatista e, muitas vezes, descartável, em que os traços de culturas como a indígena e a africana são deixados em segundo plano e até mesmo esquecidos. Segundo Oliveira (2007), a civilização ocidental moderna – cujas origens remetem ao processo de mundialização da cultura europeia deflagrados nos séculos XVI e XVII - atua sobre as comunidades mais distintas buscando uniformizá-las segundo seu próprio padrão e interesse. O modelo civilizatório capitalista ocidental tem tentado silenciar coletividades humanas que se diferenciam do paradigma hegemônico, buscando reduzir as diversidades (simbólicas, religiosas, culturais) a um padrão único e narcisista, confrontando e combatendo as demais estruturas socioeconômicas e políticas, impondo-se à força sobre sociedades em todo o mundo e propondo-se, autoritariamente, como modelo global (OLIVEIRA, 2007, p. 34). À medida que o africano integrou-se à sociedade brasileira, tornou-se afro- brasileiro e, mais do que isso, brasileiro. Usamos o termo afro-brasileiro para indicar produtos das mestiçagens para as quais as principais matrizes são as africanas e as lusitanas, frequentemente com pitadas de elementos indígenas, sem ignorar que tais manifestações são, acima de tudo, brasileiras. Essas misturas são muito mais presentes do que podemos perceber a um primeiro olhar. Além dos traços físicos, talvez seja nas práticas cotidianas que essa mistura se faz cada vez mais acentuadas. A música, a culinária, a religiosidade são áreas onde a marca africana está mais evidente entre nós. No Brasil, as heranças religiosas africanas foram transformadas. Ritos e crenças de alguns povos misturaram-se com os de outros, resultando neste “caldeirão” cultural que é a 22 sociedade brasileira. Os terreiros que abrigam os candomblés e umbandas são espaços com muitas características das culturas africanas – seja na arquitetura, nos tipos de plantações e árvores no entorno das construções, nos altares onde as entidades sobrenaturais recebem abrigo, alimentos e cuidados cotidianos ou nas formas de festejar. Nos ritos, a presença africana está ainda mais evidente, como na postura dos corpos, no gestual, na dança em círculo ao ritmo dos tambores, instrumentos, que tanto aqui em Brasil como em África, são cercados de cuidados, sendo estes intermediários com o sagrado e, portanto, não podendo ser tocados por qualquer pessoa ou em qualquer situação. O ritmo acelerado e cada vez mais implorante que os tambores dão, juntamente, com os cânticos permitem o transe dos filhos de santo, momento em que as entidades, como nos afirma Roger Bastide (2001), acaba por abrir os músculos, as vísceras, as cabeças à penetração do deus que se esperou durante tanto tempo. Cada ritmo permite a incorporação de uma entidade sobrenatural, que apresenta toques, cores, adereços, roupas, comidas e gestos próprios. Cada terreiro tem seus orixás protetores etc. Foi com este pensamento que a pesquisa voltou-se a este universo fascinante e, ao mesmo tempo, difícil de ser estudado e compreendido, que é um terreiro de umbanda e, em especial, o Terreiro do Buraco do Boi,no qual foi desenvolvida esta pesquisa. Pesquisar terreiro de umbanda não é algo fácil, exige tempo, pois a convivência com o babalorixá e os membros da casa é algo imprescindível. A cosmovisão afro-brasileira está, principalmente, no dia-a-dia dos terreiros; não basta buscar nos livros, pois eles são um tanto vagos em se tratando de cultura afro, mas se completam quando entramos em contato com uma cultura que privilegia a convivência, as experiências, as emoções. Entrar no universo da filosofia afro é encontrar um mundo de possibilidades, de questionamentos. A natureza, por si só, ofereceu inúmeras oportunidades de desfrutá-la. Cabe, então, saber aproveitar da melhor maneira possível, respeitando-a e aos seus recursos, tanto bióticos como abióticos, respeitando a diversidade sócio-cultural estabelecida e firmada ao longo dos tempos. Dessa forma, parece claro que a comunidade em estudo tem uma preocupação com a sustentabilidade dos recursos naturais, em que preservar é o grande objetivo, sobretudo para a manutenção das futuras gerações e preservação das tradições religiosas africanas e afro-brasileiras, hoje tão profundamente arraigadas em nossa cultura. 23 CAPÍTULO I LEGADO AFRICANO NO BRASIL, DO CANDOMBLÉ À UMBANDA: UM ESTUDO DE CASO EM POÇÕES/BAHIA 1.1 O legado É difícil precisar qual foi a época exata em que foram trazidos os primeiros africanos para as terras brasileiras, segundo Artur Ramos (1946). Para o autor, apesar de já haver um comércio intenso nas Índias Ocidentais, não havia documentação segura provando a entrada de negros oriundas da África no Brasil e apenas em 1538 é que se tem notícia oficial da chegada dos primeiros escravos, num carregamento regular de tráfico com o objetivo de substituir a mão-de-obra indígena (RAMOS, 1946). Havia, neste momento da história econômica do Brasil, a necessidade de mão de obra para trabalhar na monocultura de cana e na produção de açúcar, além dos serviços domésticos e de “ganho” em todos os pontos do Brasil, principalmente, nas capitais e cidades costeiras: Chegou aqui uma aluvião de negros escravos, provindos da Guiné, do Congo, de São Tomé, da Costa da Mina, mais tarde de Moçambique e de outros pontos da África. E em todo o século XVI, XVII, XVIII, os negros africanos aqui entraram (RAMOS, 1946, p. 268). Embora os dados sejam deficientes quanto ao número exato de escravos, as estimativas variam entre 04 a 18 milhões de africanos que teriam penetrado no Brasil durante cerca de quatro séculos, nos mais diversos estados. As zonas onde havia maior número eram Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, segundo Ramos (1946), e a escravização dos negros estava sancionada pela Metrópole em leis especiais, como as Ordenações Afonsinas (século XV), Manuelinas (começo do século XVI) e Filipinas (publicada em 1603). Quando foi extinta a escravidão, em 13 de Maio de 1888, houve um movimento por parte do governo na tentativa de apagar “a mancha negra” da história. Em sua obra A Aculturação Negra no Brasil (1942), Arthur Ramos diz que o Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, teria mandado queimar os documentos históricos sobre a escravidão, com a 24 intenção de apagar o “maldito estigma do nosso passado escravocrata”, pois, para ele, o simples fato de destruir as provas poderia acabar também com o passado de humilhação e de sofrimento vivido pelos africanos aqui no Brasil. É inegável a contribuição deixada pelo negro em nossa cultura, contribuição que vai desde aspectos linguísticos, culinários, musicais até aos religiosos, tema abordado neste trabalho. Com o fim do trabalho escravo, surgiu a necessidade de integração do negro na sociedade brasileira de então, porém, era preciso conhecer este elemento que iria se integrar à sociedade de uma forma diversa. Os primeiros estudos acerca deste grupo, foram feitos a partir de 1896 pelo então jovem médico baiano Nina Rodrigues (BASTIDE, 2001), que procurou, em seus textos, descrever o modo de vida dos negros recém libertos e sua cultura, elaborando análises sobre suas vidas. Porém, uma das falhas encontradas nos escritos de Nina Rodrigues foi justamente por “considerar o negro como um ser inferior e incapaz de integração na civilização ocidental” (BASTIDE, 2001, p. 21), atribuindo-lhes comportamentos culturais ditos “não civilizados”, considerando as condutas do negro como "impróprias" para uma sociedade construída nos moldes europeus6. Apesar dos problemas que podem ser percebidos na obra deste autor, Roger Bastide (2001) ressalta que Nina Rodrigues fez um importante trabalho de registro, destacando o fato de que os informantes dele pertenciam ao que hoje é considerado o candomblé mais tradicional, mais puramente africano de sua época. Outro estudioso dessa temática que merece destaque é Manuel Querino, que escreveu sobre sua própria gente, pois, sendo ele também um negro baiano, dedicou estudos sobre a causa negra na Bahia, tendo uma visão oposta à de Nina Rodrigues, com seus trabalhos não sendo muito reconhecidos na época. Querino apontava, em suas obras, a importância da contribuição africana à civilização brasileira. Em um de seus livros, A Raça Africana e seus Costumes na Bahia, afirma que: O africano foi um grande elemento ou o maior fator da prosperidade econômica do país, era o braço ativo e nada se perdia do que ele pudesse produzir. O seu trabalho incessante, não raro, sob o rigor dos açoites, tornou-se a fonte da fortuna pública a particular. [...] o negro, fruto da 6 Sobre os transes religiosos, por exemplo, Rodrigues, como médico e psiquiátrico, afirmava que: "Não vi mais que simples manifestações de histeria nos transes místicos e nas crises de possessão que caracterizam o culto público dos africanos brasileiros" (RODRIGUES, 2001, p. 21). 25 escravidão africana, foi o verdadeiro elemento econômico, criador do país, e quase o único (QUERINO, 2006, p. 28-29). Querino (2006) deixa clara a contribuição africana para o enriquecimento do país, não só no aspecto econômico como também na contribuição cultural, no que tange, principalmente, à religião quando aborda a mistura das diferentes tribos étnicas em terras brasileiras, o que ele chama de “Babel africana”, ressaltando que dessa mistura de costumes nasceram as manifestações religiosas expressas na figura dos candomblés afro- brasileiros de origem jejê-nagô. Foi na religião que o negro encontrou um dos seus mais importantes instrumentos de resistência contra a escravidão, o culto aos orixás, deuses de origem africana que, no Brasil, passaram a ser cultuados nos terreiros de candomblés nas mais diversas regiões do país, com diferentes nomes e expressões: Candomblés na Bahia, Xangôs em Pernambuco, Terecô ou Tambor-de-Mina no Maranhão, enfim, vários nomes para uma cultura religiosa também diversificada, pois realizada a partir de tradições orais. Abrangem, ainda, outras diversidades, como a representada pela Umbanda, que surge posteriormente. Como afirma Bastide (2001), é uma África brasileira, sincrética, composta de negros, brancos e índios, e é dessa mistura que nasce a cultura afro-brasileira, híbrida por formação e trajetória. A presença da África também se revela por meio de dimensões eminentemente sensíveis, nos sons e imagens cotidianas, na arquitetura e nos tipos físicos diversos, e a religião do candomblé foi a parcela dessa cultura que mais resistência apresentou para que o negro se fizesse presente e perpetuasse seu legado cultural, constituindo um sistema harmonioso e coerente de representações coletivas e de gestos rituais. Segundo Bastide (2001, p. 30), foi no candomblé: que o negro manteve vivo na sua memória uma África mítica e guardando na religião seu antepassado, nas cerimônias cada foguete era sinal que uma divindade veio da Áfricapossuir um de seus filhos na terra do exílio; cada estrela que, repentinamente, cintilava acima das plantas em germinação indica a quem passa que uma divindade “montou em seu cavalo”, fazendo-o reviravoltear em torno do poste central, mergulhando na noite de êxtase. Assim, na religião, por um momento, confundiam-se África e Brasil. O transe - momento em que a divindade espiritual possui seu fiel - faz com que se apague um oceano 26 de distância entre duas realidades díspares e dá ao negro o sentimento de liberdade, proporcionando a ele entrar em contato com seus deuses e render-lhes homenagens. Era por meio da religião que um pedaço da África se fazia presente em terras brasileiras. Como afirma Bastide (2001, p. 45) “o culto aos deuses era como um verdadeiro microcosmo da terra ancestral”. A religião de origem africana aconteceu, em solo brasileiro, de forma diferenciada daquelas praticadas em África, havendo reinvenções locais e singulares de culto à ancestralidade. Enquanto, por exemplo, em suas terras de origem, cada região era dedicada a um orixá, ou a um ancestral, ou seja, um povo, ou uma tribo cultuava apenas um único orixá; no Brasil, devido à diversidade cultural do negro, houve junção de várias entidades em um único espaço religioso. Arthur Ramos (1946) fala, em seu livro Culturas Negras no Novo Mundo, de uma série de culturas negras sobreviventes no Brasil, reunindo-as a partir de um modelo baseado em três grandes tipos: a) as chamadas Culturas Sudanesas, que seriam representadas, principalmente, pelos povos Yorubá, da Nigéria, com grupos como Nagô, Ijêchá, Eubá, keto, ijebu, além de grupos menores; b) as Culturas guineanos-sudanesas islamizadas, com os grupos Fulah, Fula, Mandinga, Haussá além também de grupos menores e c) as Culturas Bantus, representadas pelas inúmeras tribos do grupo Angola-Congolês e do grupo da Contra-Costa. O autor considera que a cultura dos Yorubás foi a mais importante para a manutenção dos costumes, dentre as culturas negras transladadas ao Brasil. Percebe-se que devido à grande diversidade cultural e ao grande número de escravos que aqui foram aportados, houve uma miscigenação de culturas em seus mais diversos segmentos. Com isso, Bastide (2001, p.78) afirma que: No Brasil, porém, a novidade é que o candomblé não é templo de uma única divindade; é um resumo de toda a África mística. Pode, sem dúvida, ser votado de preferência para esta ou aquela divindade, mas efetivamente é a da “cabeça” de seu fundador ou fundadora, mas, apesar disso, compreende aposentos para todo o conjunto do panteão ioruba, sendo que, no decorrer das festas, todos os orixás são chamados a comparecer e dançar e, além do mais, na sua confraria entram filhos e filhas que pertencem a todos os deuses africanos que ‘baixam”. 1.2 Os terreiros de candomblé no Brasil Dentro de um terreiro de religião afro-brasileira, independente da nação e da região em que ele se situe, temos uma síntese de várias regiões de uma África mãe, nas presenças dos mais diversos orixás ou vodunsis e de seus respectivos "axés". A palavra axé, segundo 27 Bastide (2001), designa, em nagô, a força invisível, a força mágico-sagrada de toda divindade, de todo ser animado, de todas as coisas. Sem ela não tem candomblé. Naturalmente, cada terreiro de candomblé, devido a suas especificidades, é obrigado a adaptar-se ao sítio onde está situado, desde os lugares mais íngremes, como no alto de uma colina, nas zonas periféricas das cidades, no flanco de uma elevação, até as dimensões, às vezes, extensas, outras vezes, mais restritas, do terreno que possui. Cada terreiro possui suas características próprias, embora, algumas lhes são comuns, sobretudo aqueles que venham a pertencer às nações iorubás. Bastide (2001) descreve como se estrutura essa realidade espacial, destacando haver, em primeiro lugar, um lugar destinado aos assentamentos sagrados de pelo menos dois Exus, pois estes são entidades protetoras da porta de entrada. O Exu é uma entidade da maior importância no candomblé, sendo o responsável pela comunicação, pelos caminhos, pelas escolhas, por proteger as pessoas, porém, sua força pode ser usada tanto para o bem como para o mal; logo, é tido também como a entidade mais controvertida do panteão africano. Sobre ele, Bastide (2001, p. 78- 79) afirma que: Vela pelo candomblé abre e fecha-lhe as portas, é de certo modo o porteiro do local. Não tem temperamento fácil, pelo contrário, é muito ciumento e até mesmo maldoso; por isso, para impedi-lo de sair, sua casa é fechada a cadeado, e todo visitante, para que sua cólera não se desencadeie, deve oferecer-lhe, ao entrar, um presentinho: charuto, pedaço de fumo de rolo, alguns níqueis. Além daquele localizado na entrada, o outro está assentado no interior do terreiro e tem a função de proteger a casa e todos os seus habitantes dos problemas que por ali venham a existir. Há uma dualidade nessa entidade tipicamente africana e, segundo Prandi (2001, p. 34), há modificações funcionais na estrutura dos candomblés brasileiros: Não existe conflito algum entre o Legba do portão e o do aposento. Este protege todo o terreiro contra qualquer desgraça, principalmente, contra malefícios. Aquele evita que a desgraça ali penetre; impede as influências estranhas, enquanto o Legba do aposento garante as pessoas da casa contra si mesmas. Ultrapassando o portão e rendidas as devidas homenagens a Exu que o guarda, deparamo-nos diante de uma síntese de uma aldeia tipicamente africana com as casas e 28 seus devidos assentamentos (símbolos) de todos os orixás ou grupo deles, todos eles estabelecendo relação com algum elemento da natureza. As árvores sagradas com suas folhas e demais partes para o uso em banhos, defumadores etc., constituem uma realidade à parte na vida do terreiro. Uma cozinha dedicada a fazer as comidas que serão ofertadas aos deuses durante seus rituais, os aposentos dos filhos e filhas do terreiro, animais que serão oferecidos aos orixás nas cerimônias, enfim, toda uma vida em pleno movimento a serviço das ordens e dos desejos dos seres sobrenaturais: O templo é algo mais do que um pedaço da África transportado para o outro lado do oceano, é algo mais do que um local consagrado por nele terem sido enterrados os axés, copiando a união do céu e da terra, ele auxilia o mundo criado a perdurar, o desdobramento das forças da natureza, juntamente com a estrutura e as funções da sociedade (BASTIDE, 2001, p. 89). Se o espaço dos terreiros de candomblés nos conduz, assim, a uma geografia religiosa, do mesmo modo o tempo nos leva ao calendário das festas. Para Roger Bastide (2001), cada mês, cada dia e talvez a cada hora tenha suas qualidades específicas, suas virtudes especiais, que os distinguem. O calendário festivo adotado pelo negro nos candomblés afro- brasileiros difere daqueles que eram usados no continente africano. Aqui no Brasil, o calendário dos terreiros chocava e ainda choca com o calendário católico, que o branco colonizador impunha ao negro escravo: "Para poder dançar impunemente a gesta divina, os negros viam-se obrigados a celebrar seus ritos diante de um altar católico que lhe servia de máscara ou álibi" (BASTIDE, 2001, p. 89). Para Bastide (2001), o sincretismo afro religioso ocorreu como uma estratégia que os negros usavam para poder cultuar seus orixás sem a perseguição dos senhores brancos, que achavam que estes estariam celebrando a fé cristã segundo seus costumes. Foi assim, para enganar seus senhores e o sistema religioso hegemônico que cada divindade africana foi sendo associada e ligada aos santos católicos e as festas africanas se transportaram para os dias em que se comemoravam esses santos. Logo, o calendário africano foi anexando-se ao calendário português. Assim os brancos não viam nada de mal no que faziam os negros de sua propriedade,e esses podiam manter, sem nenhum risco, as cerimônias ancestrais. Diante disso, muitas festas do calendário afro religioso brasileiro fundiram-se ao calendário judaico cristão: 29 20 de janeiro - dia de São Sebastião - festa de Obaluaê (Omolu), 23 de abril – dia de são Jorge – festa de Oxóssi, 24 de junho – dia de São João Batista – festa de Xangô, 24 de Agosto – dia de São Bartolomeu – festa de Oxumarê, 04 de Dezembro – dia de Santa Bárbara – festa de Iansã, dia 08 de Dezembro – dia da Imaculada Conceição – festa de Oxum e de Iemanjá (BASTIDE, 2001, p. 90). Percebe-se que o calendário comemorativo dos terreiros está intimamente associado às festas dos santos católicos, bem como as características destes santos e suas histórias têm uma ligação com as características e histórias dos respectivos orixás ao qual estão associados. 1.3 Relação das entidades afro-brasileiras com os elementos da natureza O sistema religioso do candomblé brasileiro funciona também como um sistema organizador amplo, que relaciona os orixás a outros elementos do mundo, como as cores, os dias da semana, os atributos sociais, os animais, as plantas, as forças da natureza ou os elementos da natureza. Em especial, entre os cancomblés jejes-nagôs, há uma relação entre as divindades e os dias da semana; com cada dia sendo dedicado a um ou a mais orixás. Esta classificação é variável, podendo haver diferenças entre tradições distintas. Como exemplo, segue uma classificação usualmente adotada pelos candomblés tradicionais brasileiros e, em especial, nos da Bahia, referendada por Bastide (2001): segunda-feira é consagrada a Exú e a Omolu (sobre isto, o autor dá a seguinte explicação: sendo Exú o deus das “aberturas”, o intermediário entre as divindades e os humanos, deve forçosamente encontrar aqui em primeiro lugar; já Omolu, que é tido como o deus da varíola, das doenças da pele, das epidemias, é, por isso, considerada uma divindade perigosa, a quem é preciso amansar logo no início da semana); terça-feira é consagrada a Nanâ Burucu (a mais velha das divindades, conhecida popularmente nos candomblés baianos como a “vovó da Bahia”) e a Oxumarê (um intermediário entre o céu e a terra que ele reúne por meio de seu longo véu multicolor, o arco-íris)7; quarta-feira é o dia de Xangô e de Iansã (portanto, o dia é consagrado à adoração do fogo, que é o elemento representativo destas entidades e além de serem marido e mulher na mitologia); quinta- feira dedicado a Oxóssi e a Ogum, o primeiro é tido como o patrono dos caçadores e o segundo dos ferreiros (estão, em 7 Outra explicação e que parece bem mais lógica é a que os dois orixás são divindades daomeanas incorporadas ao panteão ioruba (mas já incorporadas na África), logo homenageadas juntas. 30 contrapartida, duplamente ligados; primeiro, por serem irmãos e, segundo, por pertencerem às “divindades do ar livre”); sexta-feira dedicado a Oxalá (Obatalá), filho do grande Olorum (deus supremo da criação de todas as coisas), intimamente relacionado a Jesus Cristo no catolicismo; sua ligação vem pelo fato de Cristo ter morrido numa sexta-feira e ambos serem filhos do pai criador; sábado é o dia de Iemanjá e de Oxum, orixás ligados ao elemento água, tanto a salgada como a doce; logo, as duas entidades são reunidas num mesmo culto. Enfim, o domingo é o dia de “todos os orixás” inclusive aqueles não mencionados anteriormente. Vale uma ressalva: essa distribuição entre orixás e dias da semana não é uniforme para todas as nações de candomblé, até mesmo porque, em solo africano, os dias da semana são diferentes dos nossos, apenas quatro, tendo os escravos de adaptar-se à semana de sete dias, logo os deuses foram redistribuídos de modo diferente (RAMOS, 1942). Outra característica das religiões afro-brasileiras é a relação entre os deuses e os elementos da natureza, ou seja, sem estes a religião não existiria, pois a mesma depende, essencialmente, de cada um para sua efetivação e eficácia. Temos divindades ligadas à água (Oxum, Iemanjá, Nanã), à terra (Omolu), ao fogo (Xangô, Iansã), às matas (Oxóssi) etc. E esta relação se processa a todo o momento, entre religião e natureza. Há uma simbiose entre todos os elementos, ou seja, o candomblé procura reviver por meio destes elementos sua estreita ligação com o mundo das coisas do homem e das forças da natureza. Sendo as religiões afro-brasileiras, ao longo das suas existências, vítimas das mais diversas formas de perseguição, a princípio pelas autoridades policiais e depois perseguidos e condenados por algumas religiões judaico-cristãs, repudiados por muitas das classes ditas cultas, cresceu à margem da cultura oficial brasileira. Assim, enquanto se resguardavam contra as perseguições, os adeptos das religiões de matriz africana viviam outra realidade cultural, um modo singular de ver e interpretar a vida e o universo vivido. Póvoas (2006, p. 214) afirma que: Todo um modo sui generis de pensar, de interpretar, de agir, curar, comunicar-se com o sagrado era posto em prática no terreiro, cuja vida transcorria à margem da civilização branca que, a todo custo, tentava sufocá-lo. Até aqui, mostramos um candomblé baseado em princípios africanos, tomando como referência os modelos Jêjes-nagôs, comumente cultuados em alguns estados 31 brasileiros como Bahia e Rio de Janeiro. Porém, posteriormente, surgiu uma outra forma de religião não mais tão centrada na matriz africana e sim com um grande sincretismo, com suas origens baseadas, genuinamente, no Brasil, e, em especial, nas culturas indígenas, católica e africana dentre outros, a Umbanda. 1.4 O surgimento da Umbanda no Brasil A cultura africana, em nosso país, sempre foi renegada e vista pelo viés dominante como uma categoria de cultura diferente, menor, inferior à cultura ocidentalizada, judaico- cristã. Isso não aconteceu apenas quando os negros aqui chegaram e sim em seu próprio continente, pois desde a África já havia retaliações. Sodré (1942) afirma que isto se deu em função das reorganizações territoriais e das transformações civilizatórias, substituições de antigos reinos e impérios por novos dispositivos políticos de natureza estatal, precipitadas pelas estruturas de tráfico dos escravos montadas pelos povos europeus. Sendo que em todas as Américas e, em especial, no Brasil, essas mudanças são bem mais fortes e marcantes, uma vez que o tráfico aqui se deu de forma contundente e cruel, levando os negros a praticarem clandestinamente os seus ritos, cultuando seus deuses e retomando, assim, a linha do relacionamento comunitário que eram suas práticas nas suas terras de origem. Assim, é perceptível haver um jogo com as ambiguidades do sistema colonial imposto. Segundo Sodré (1942, p. 89), “a cultura negro-brasileira emergia tanto de formas originárias quanto dos vazios suscitados pelos limites da ordem ideológica vigente”. A partir da década de 1970, as práticas da cultura negra e, em especial, as religiosas começam a sair da clandestinidade, entendendo-se esse movimento de afirmação como algo embrionário, passando tais práticas a serem valorizadas como específicas e particulares, buscando-se, então, um rompimento com a tradição do sincretismo religioso entre o candomblé e o catolicismo, sobretudo, na Bahia. Vale ressaltar que fatores de ordem sócio-histórica contribuíram para que esse rompimento pudesse eclodir. Em sua obra “A Verdade Seduzida”, Muniz Sodré (1942, p. 100) mostra esse rompimento na seguinte síntese: - 1830, Abolição do tráfico negreiro, o que permitiu aos negros um olhar sobre a sua real situação de marginalizados. - As revoltas que ultrapassaram as fugas individuais ou coletivas, sendo que essas ocorreram num momento político em transformação de uma fase colonial para uma visível independência. 32 -O surgimento dos terreiros, que começam a sair da clandestinidade, embora sofrendo todas as formas de repressão, tanto de ordem policial, onde eram comum as invasões e prisões dos seus adeptos por estarem praticando magia-negra e subvertendo a ordem social que era vista como a religião que praticava o mal, e adorava o diabo nas suas mais diversas formas. Pois, diferia do proposto pelo cristianismo ocidentalizado e enraizado em terras brasileiras. Todos esses acontecimentos contribuíram de forma decisiva para uma atenuação do preconceito acerca da cultura negra, no entanto, vale ressaltar que o negro, após sua “libertação”, passou a sofrer outro tipo de discriminação relacionada à falta de oportunidade na sociedade. Neste novo contexto histórico, social e, principalmente, econômico surgido no Brasil no século XX - provocado, sobretudo, pelo processo de industrialização, principalmente, no eixo Sul-Sudeste, pelo rápido crescimento da população urbana, especialmente, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e pela presença de uma infraestrutura herdada do ciclo do café (capitais acumulados, transportes, energia elétrica etc.) - começou a haver uma acelerada expansão industrial quase sempre dedicada à produção de bens de consumo não duráveis, como alimentos, vestuários e calçados (GARCIA, 2005). A partir desse momento, o Brasil entrou numa nova fase econômica. Tal realidade não incorporou o grande contingente de recém-libertos da escravidão, sem trabalho e sem preparo para o mercado que exigia agora uma mão de obra qualificada para o mundo da indústria. Eles foram jogados, mais uma vez, na marginalidade social, indo morar às margens das cidades que cresciam vertiginosamente, formando uma parcela significativa de desempregados e, consequentemente, o início do processo de favelização brasileira, ou seja, o quadro social dos ex-escravos foi de miséria. Foram abandonados à “própria sorte”, sem um programa governamental de inserção social. Como aponta Negrão (1996, p. 44). A repressão exercida no período imperial foi apenas episódica. Teria sido o Código Penal do período republicano, datado de 11 de Outubro de 1890, o marco da repressão institucionalizada. Três artigos encadeados deste código (16,157 e 158) proibiram respectivamente o exercício ilegal da medicina, a “pratica magia do espiritismo e seus sortilégios”, que se constituiriam em formas de exploração da credulidade pública e, por último, o curandeirismo. Estavam criados os instrumentos legais que possibilitavam a acusação, o enquadramento legal e as penas. 33 Foi a partir dessa realidade brasileira que surgiu um novo fenômeno religioso com suas raízes fundadas nas culturas africanas, europeias e indígenas - a Umbanda. Segundo Ortiz (1991, p. 15). O nascimento da religião umbandista coincide justamente com a consolidação de uma sociedade urbano-industrial e de classes. A um movimento de transformação social correspondente um movimento de mudança cultural, isto é, as crenças e práticas afro-brasileiras se modificam tomando um novo significado dentro do conjunto da sociedade global brasileira. Nesta dialética entre social e cultural, observamos que o social desempenha um papel determinante. Foi na primeira década do século XX que se teve as primeiras notícias sobre as casas dessa religião genuinamente brasileira que consegue agregar elementos das três religiões da nossa matriz étnica: do índio, traz o culto aos caboclos e aos espíritos dos antepassados; dos africanos, o culto aos orixás, aos ancestrais; do europeu, a presença do espiritismo como meio de comunicação com os mortos. Dessa síntese, tem-se os primeiros cultos da Umbanda. Uma religião que traz uma mistura de outras religiões, um pouco de cada coisa, como atesta Prandi (1991, p. 49): A Umbanda que nasce retrabalha os elementos religiosos incorporados à cultura brasileira por um estamento negro que se dilui e se mistura no refazimento de classes numa cidade que, capital federal, é branca, mesmo quando proletária, culturalmente européia, que valoriza a organização burocrática da qual vive boa parte da população residente, que premia o conhecimento pelo aprendizado escolar em detrimento da tradição oral, e que já aceitou o Kardecismo como religião, pelo menos entre setores importante fora da igreja católica. Ainda segundo o autor, foi no Rio de Janeiro que surgiu o primeiro centro de umbanda: É no Rio de Janeiro, meados de 1920, que é fundado o primeiro centro de umbanda, que teria sido como dissidência de um Kardecismo que rejeitava a presença de guias negros e caboclos, considerados pelos kardecistas mais ortodoxos como espíritos inferiores (PRANDI, 1991, p. 50). A Umbanda relaciona-se assim, desde o início, a práticas religiosas de diversas origens, incluindo o espiritismo Kardecista de origem europeia que, ao chegar ao Brasil, acabou se envolvendo com as religiões afro-brasileiras a ponto de se confundir com as 34 mesmas. Como afirma Berkenbrock (1997, p. 143) “O espiritismo tanto influenciou em muitos aspectos as religiões afro-brasileiras, como também estas influenciaram fortemente o espiritismo praticado no Brasil”. Assim, as primeiras ideias espíritas chegaram ao Brasil e começaram rapidamente a se espalhar na metade do século passado e se dividiram entre aqueles que assumiram o espiritismo como uma ciência (ou como uma filosofia religiosa) e aqueles que assumiram e praticaram o espiritismo como uma religião. O referido autor afirma que: Surgiram, assim, no Brasil duas espécies de espiritismo: um é o espiritismo de intelectuais, médicos, engenheiros, quer dizer da pequena burguesia. Neste nível o espiritismo quer ser entendido como ciências de experiências e entendimento dos fenômenos paranormais e parapsicológicos. O outro espiritismo é o do povo-branco, em sua maioria, que tem uma expansão muito maior e no qual se prega o evangelho de Allan Kardec (BERKENBROCK, 1997, p. 143). Já Negrão (1996, p. 57) diz que: O “alto” Espiritismo seria, portanto, a religião protegida pelo Estado, culto semelhante aos demais e livre, inspirado nos nobres princípios da caridade, envolvendo pessoas instruídas de elevada condição social. O “baixo” Espiritismo seria a prática de “sortilégios”, de feitiçaria e curandeirismo enquadráveis no Código penal, despido de moralidade e motivado por interesses escusos, envolvendo pessoas desclassificadas socialmente e ignorantes. É óbvio que as práticas mágico-religiosas de origem negra enquadravam-se dentro desta última categoria. Percebe-se que o espiritismo se bifurca em duas grandes linhas no Brasil: uma formada por intelectuais, que acabou tendo um caráter mais de curiosidade científica investigativa e outra voltada para o público, para o popular, principalmente, para a população de baixa renda, sem grandes conhecimentos científicos, dotada de conhecimento e cultura popular. É nessa classe social formada por descendentes de escravos ou trabalhadores oriundos do fluxo migratório rural-urbano que começa a surgir os que vão compor os seguidores dessa doutrina, o chamado “espiritismo dos pobres e oprimidos” (BERKENBROCK, 1997, p. 145). O espiritismo reagiu às necessidades deste povo, pregando e praticando, sobretudo, uma moral da solidariedade e do amor. Neste caminho, cada qual deve encontrar sua felicidade. As boas obras contribuem para a realização seja nesta vida, seja numa outra, quando da reencarnação do espírito. O espiritismo cumpre 35 assim – segundo Bastide (1989, p. 146), “uma função tríplice na sociedade brasileira: combate às doenças, combate à miséria, defesa de uma moral da caridade”. Esta forma de espiritismo popular, como religião dos pobres e dos “sem ajuda”, é que entrou em contato no Brasil com as religiões afro-brasileiras. Neste contexto religioso, o espiritismo foi reinterpretado recebendo claramente uma
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