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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4 2 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO .............................................................................. 5 2.1 Filosofia e educação ......................................................................................... 9 2.2 Objetivos educacionais e a filosofia ................................................................ 11 2.3 A natureza da teoria educacional ................................................................... 12 3 REFLEXÕES E ARGUMENTAÇÕES FILOSÓFICAS .......................................... 14 3.1 Conceitos relacionados à reflexão filosófica e à argumentação ..................... 17 3.2 Premissas e inquietudes filosóficas no contexto educacional ......................... 19 4 O EMPIRISMO E O INATISMO/RACIONALISMO:CORRENTES FILOSÓFICAS OPOSTAS ................................................................................................................. 23 4.1 Teoria inatista do conhecimento ..................................................................... 24 4.2 Teoria empirista do conhecimento .................................................................. 26 4.3 Teoria interacionista do conhecimento ........................................................... 27 5 O QUE É FENOMENOLOGIA? ............................................................................ 29 5.1 Filosofia analítica ............................................................................................ 32 5.2 Filosofia contemporânea: principais autores ................................................... 35 6 SÉCULO XXI E O COTIDIANO DA ESCOLA: QUESTÕES FILOSÓFICAS ....... 39 6.1 A filosofia da educação inspirando a formação e a prática docente ............... 41 6.2 Desafios da educação: do Mito da Caverna à atualidade ............................... 43 7 A REFLEXÃO FILOSÓFICA COMO ATITUDE HUMANA ................................... 46 7.1 A reflexão crítica sobre o ser, o pensar e o agir humano................................ 48 7.2 A reflexão filosófica e as três dimensões da vida individual: pessoal, profissional e pública .................................................................................................................... 50 8 A FILOSOFIA E AS MÍDIAS DIGITAIS ................................................................ 52 8.1 Mídias digitais e mobilizações sociais............................................................. 54 8.2 Fake News ...................................................................................................... 55 3 8.3 Sustentabilidade e desenvolvimento tecnológico ........................................... 58 9 O OBJETIVO DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ....................................................................................................... 60 9.1 A filosofia e a educação .................................................................................. 61 9.2 A formação do educador e a sua ação pedagógica ........................................ 65 9.3 O cenário atual da educação brasileira e as teorias pedagógicas .................. 70 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 77 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO A Filosofia da Educação tem sido abordada por vários especialistas, formando um campo investigativo amplo e diversificado. Constata-se, assim, através de pesquisas bibliográficas, uma surpreendente diversidade de critérios quanto às abordagens adotadas por diferentes pesquisadores. Os extremos variam daqueles que são inimigos ferrenhos da Filosofia da Educação, que discutem sobre a natureza do seu objeto de estudo, até aos que distinguem as suas funções e tarefas na diversidade das teorias e práticas pedagógicas, reconhecendo seu caráter científico e teórico independente. É um desafio para quem se volta para as bases conceituais e teóricas desta disciplina, tomar uma posição clara sobre se ela é ou não uma ciência, presente no contexto das instituições escolares. Se tomarmos como modelo as ciências naturais, a filosofia da educação não pode ser tratada como ciência, já que sua preocupação é com as raízes do processo pedagógico em todas suas dimensões e não com fenômenos redutíveis ao campo da natureza. Por outro lado, se pensarmos em uma compreensão mais ampla de ciência que se esforce por incluir as ciências humanas em seu paradigma, podemos dizer que ela pode ser científica, mas em um modelo que não seja apenas fisicalista. O objetivo deste módulo é, portanto, oferecer um tratamento resumido, mas aprofundado, dos principais aspectos inerentes à própria natureza desta disciplina e mostrar a importância de abraçar o valor do pensamento filosófico na escola como uma instituição. A Filosofia da Educação está relacionada com a Filosofia geral, em parte através dos seus objetivos, mais diretamente através dos seus métodos, mas se configura como uma área especifica da filosofia pelo objeto de investigação que assume. Para compreender essa relação entre a filosofia da educação e a filosofia podemos retomar alguns aspectos conceituais e históricos da filosofia em geral. Para explicar isso, precisamos olhar para a natureza da filosofia como uma prática de pensamento que se transforma no decorrer da história. No passado, pensava-se que era tarefa do filósofo dar uma explicação completa e racional da natureza da realidade e do lugar do homem no universo, abordando questões como a existência de Deus, a imortalidade da alma e o propósito do universo. 6 Segundo Lipman (2001), desde o tempo de Platão, a filosofia conduzida desta forma, e para este fim, é conhecida como metafísica. Assim, pensadores como Platão, Aristóteles, Descartes, Spinoza e Hegel, por exemplo, estavam muito preocupados em dar algo como uma imagem geral da realidade, apoiada em argumentos racionais e buscando constituir um sistema de explicação definitiva. O problema com esse tipo de filosofia, no entanto, era que cada filósofo dava uma explicação diferente e nenhuma explicação geral era satisfatória. Depois de mais de dois mil anos de especulação metafísica, questões sobre a verdadeira natureza da realidade, a existência de Deus, a natureza do homem e sua alma e o propósito do universo ainda estão sendo feitas e são respondidas de muitas maneiras. Essa persistência de problemas na filosofia tem sido vista em total contraste com a história dos problemas na ciência (LIPMAN, 2001).Segundo Lombardi (2005, p. 110), "observou-se que, enquanto os cientistas tendem a resolver seus problemas, os filósofos raramente ou nunca os resolvem". Os filósofos ainda lutam com as questões metafísicas levantadas por Platão. Assim, durante o primeiro terço do século passado, cresceu a crença de que talvez todo o empreendimento fosse mal concebido. Dizia-se que os cientistas resolviam seus problemas porque tinham problemas reais para resolver e métodos eficazes. Os filósofos, intrigados com questões metafísicas, não resolviam seus problemas porque seus problemas não eram realmente problemas. Esses eram pseudoproblemas geralmente gerados pelo uso indevido da linguagem. "Essa convicção levou a um repensar radical do papel e métodos apropriados de investigação filosófica" (MENDES, 1995, p. 10), fazendo surgir um campo da filosofia ou tradição filosófica denominada filosofia analítica. Não é fácil dar exemplos curtos e convincentes para ilustrar o que foi chamado de "revolução na filosofia" iniciada por filósofos como G.E. Moore (1852-1933) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e seus discípulos, mas dois desses exemplos podem ajudar. Enquanto Metafísicos como Descartes, supunham que a palavra "corpo" era o nome de uma entidade material substancial, a palavra associada, isto é, "mente" também deveria ser o nome de uma entidade, uma substância, mas de um tipo não material (MENDES, 2005). Essa suposição levou a um problema filosófico muito 7 interessante e difícil de resolver: como uma substância não material interage e afeta uma substância material, e vice-versa? Dada a hipótese original, a alegada interação era um grande mistério e uma explicação satisfatória parecia impossível e ilusória. No entanto, a nova abordagem da filosofia, que via os problemas filosóficos como resultado do mau uso da linguagem, possibilitou a explicação e a eliminação dos problemas “mente-corpo". Por exemplo, Gilbert Ryle (1916-1990) argumentou que "se abandonarmos a suposição de que para uma palavra ter significado deve haver alguma entidade substancial à qual ela se refere, o problema mente-corpo não parece mais intratável" (MENDES, 2005). Retomando a reflexão de Ryle, o termo "mente", como indica Mendes (2005), não é o nome de uma entidade não material. Na verdade, não é o nome de uma entidade substancial e o problema de como a mente interage com o corpo não é um problema genuíno. Assim, ao falar sobre a mente, continua Mendes, estamos falando sobre certos tipos de comportamento. "Mente" não é o nome de uma coisa ou substância, mas de um conjunto complexo de funções corporais executadas de certas maneiras características. Se essa explicação for aceita, o antigo problema metafísico "mente- corpo" desaparece. A mente não interage com o corpo, pois ela é simplesmente uma função do corpo. O problema da interação não é resolvido, mas dissolvido e deixa de existir, já que não estamos lidando mais com substâncias diferentes, mas com dimensões da existência humana. Questões sobre o possível "propósito" do universo também apresentaram considerável dificuldade aos metafísicos no decorrer da história do pensamento. Uma das perguntas acerca do problema é desde sempre formulado da seguinte maneira: Como alguém poderia decidir qual era o propósito do universo, supondo que tivesse um? As respostas dos metafísicos a essa pergunta eram geralmente insatisfatórias, pois sempre pareciam basear suas respostas em outras questões de grande dificuldade como por exemplo sobre a existência e a caraterização do Ser ou dos seres divinos (MENDES, 2005). Além disso, segundo Lombardi (2005), não havia uma maneira conclusiva de dizer se as respostas dadas eram verdadeiras ou falsas. Diante de tais dificuldades, os filósofos têm procurado agora não resolver os problemas metafísicos, mas dissolvê-los. Quando se trata do universo, por exemplo, não faz sentido fazer a 8 pergunta sobre a finalidade do todo, como é possível fazer acerca de objetos e entes particulares. O universo é, por definição, "tudo o que existe", então a que propósito externo ele poderia servir? O universo é um fim em si mesmo. Segundo o autor: O problema sobre qual outra finalidade ela atende, qual é o seu propósito, é meramente um pseudo-problema que surge da suposição errônea de que faz sentido fazer perguntas sobre o todo que são apenas apropriadamente solicitadas das partes. Uma vez entendido, o problema deixa de ser um problema. Este tipo de filosofar tinha para o seu propósito um tipo de terapia intelectual, uma libertação da mente de problemas desnecessários e auto- infligidos (LOMBARDI, 2005 p. 38). Estes exemplos não pretendem fornecer respostas excepcionais para os problemas mencionados. Eles são expostos para mostrar a mudança de foco na filosofia, frisando a passagem das tentativas de abordar questões substanciais sobre o que existe ou sua finalidade, para um exame da linguagem na qual os chamados problemas metafísicos são declarados como decorrentes de um mal uso da linguagem em filosofia (LOMBARDI, 2005). Interessante notar, ainda, que a partir de Immanuel Kant (1724-1804), o problema metafísico será totalmente deslocado. Esse importante filósofo alemão, mostrará que questões como Deus e o mundo não poderiam ser tratadas pelo entendimento, mas apenas pela razão. Qual a diferença? As ideias da razão colocam problemas que não podem ser respondidos por teorias consistentes, por isso escapam ao âmbito da investigação científica. São questões especulativas e fazem parte do repertório de questionamentos humanos diante da existência. Por outro lado, o entendimento lida com problemas que podem ser respondidos. A tradição analítica parte desse terreno e busca se livrar de toda metafísica, entendendo que é preciso fazer filosofia a partir de uma analítica da linguagem (RIBEIRO, 2001). A filosofia, torna-se, assim, estritamente uma atividade que lida com assuntos linguísticos e conceituais, com "conceito de mente" ou "conceito de propósito", não mentes ou propósitos como tais, e com problemas derivados totalmente ou na maioria por confusão linguística ou conceitual. Na perspectiva dos filósofos analíticos, a filosofia é cada vez mais vista como a análise e o esclarecimento de conceitos usados em outras áreas (LOMBARDI, 2005). É um modo geral de investigar os conceitos e teorias pressupostos em outras disciplinas, por exemplo, ciências, matemática, história, direito ou religião, 9 e também lida com argumentos e justificativas encontrados nessas teorias. Seu objetivo é trazer clareza aos conceitos, testar a coerência das teorias e servir ao propósito de resolver problemas que persistem apenas devido às confusões linguísticas. No mundo contemporâneo existem outras maneiras de fazer filosofia, tal como a fenomenologia, o estruturalismo ou pós-estruturalismo. Não pretendemos discutir esse assunto no módulo, mas apenas indicar essa mudança de perspectiva e como ela se relaciona com a filosofia da educação. O que será mantido neste módulo é que a filosofia da educação é uma atividade de ordem superior sustentada pela teoria e prática educacional em sentido filosófico, ou seja, radical e fundamentado. Embora seja verdade que algumas filosofias contemporâneas, e certamente muitas filosofias envolvidas nos últimos trinta anos ou mais, tenham se preocupado em identificar e resolver pseudoproblemas, não se pode dizer que a filosofia da educação tenha feito ou precisasse fazer muitos avanços nessa direção (LIPMAN, 2001). Os problemas levantados pela educação geralmente não são problemas decorrentes de confusão conceitual, mas problemas reais e substantivos nascidos da prática. Essas questões precisam ser resolvidas, não dissolvidas (LIPMAN, 2001). Os filósofos da educação, no mundo contemporâneo, também não se importam com confusões metafísicas. Eles certamentese envolvem em atividades de ordem "superior", mas seu interesse reside na clareza conceitual como pré-requisito para fundamentar a teoria e a prática educacional. A filosofia da educação se concentra, assim, na linguagem da teoria e da prática educacional, investigando fenômenos que se dão no âmbito do aprendizado e dos processos formativos, especialmente em ambiente escolar. Por isso, a filosofia da educação está conectada com a filosofia geral mais diretamente por seus métodos do que por seus propósitos. Ela não pode se resumir a uma terapia da linguagem, ainda que possa usar os métodos da filosofia analítica para examinar as diversas teorias de educação propostas (LIPMAN, 2001). 2.1 Filosofia e educação As relações entre filosofia e educação estão presentes no pensamento filosófico desde sua origem. Podemos, nesse sentido, pensar na forma como Platão 10 e Aristóteles se dedicaram a pensar a educação e os processos formativos necessários ao desenvolvimento e crescimento da sociedade grega em textos fundamentais como a “República” e a “Política”, respectivamente. Essa necessidade dos filósofos de pensarem a educação acaba por mostrar que a filosofia não pode ser entendida fora da experiência pedagógica e a educação não pode ser entendida fora de uma perspectiva filosófica. Desta forma, devemos analisar qual o papel que a filosofia pode assumir na educação, considerando suas possíveis funções no processo pedagógico. A primeira de suas funções se dá pela reflexão, que a filosofia busca sobre o fato educativo como tal, justificando-o do ponto de vista antropológico e como essencial ao homem. Esta reflexão se realiza considerando a complexidade social, cultural e psicológica da pessoa humana, mas pauta-se pela descoberta do seu valor essencial, enquanto um ser capaz tomar decisões para o seu desenvolvimento e crescimento. Outra função da filosofia é para fins de educação e formação humana. Este propósito deve ser proposto por uma vontade justa, recorrendo à consciência e guiada a partir daquelas proposições de valor ético e educacionais que fazem parte da cultura, sem cair no relativismo que isso pode apresentar. Da mesma forma, a educação não pode ser dissociada da ética, não é neutra e atinge sempre múltiplas perspectivas teleológicas e hierarquias axiológicas. A filosofia deve assumir estes problemas a fim de orientar o exercício do pensamento para a construção de espaços pedagógicos que tenham como base o desejo de contribuir para o desenvolvimento integral dos seres humanos. Outro aspecto fundamental do papel da filosofia na educação é a visão antropológica de que a educação deve se fundamentar em uma visão holística, tratando o ser humano como um sujeito complexo, ou seja, considerando seus elementos constitutivos (inteligência, transcendência, espiritualidade, liberdade, responsabilidade, amor e convívio) para elaborar uma visão completa e unificada da sua existência, não uma visão parcial, dividida ou reducionista. A função da filosofia que não pode ser esquecida é a formação da consciência crítica. Essa função se inscreve no campo do ato e não se restringe apenas ao raciocínio. Considerando essa função, entende-se que a partir do 11 conhecimento da realidade, o ser humano consegue transformá-la através da prática, da participação e da proposição de novos espaços de reflexão. 2.2 Objetivos educacionais e a filosofia Um aspecto constitutivo para formulação de uma teoria geral da educação, de caráter ético e filosófico, é a suposição sobre o fim a ser alcançado, o objetivo (SEVERINO,1998). É um compromisso de valor e um pré-requisito lógico para haver teorias sobre os fenômenos humanos. Todas as teorias, sejam práticas, limitadas ou gerais, devem começar com a noção de um fim desejável a ser alcançado. Formalmente, podemos dizer que uma teoria geral da educação tem apenas um objetivo: produzir um certo tipo de pessoa, um ser humano instruído. A questão interessante é como dar conteúdo substancial a esse objetivo formal. Existem duas maneiras de fazer isso. A primeira é desenvolver uma análise do conceito de educação para detalhar os critérios que determinam o uso real desse termo (ASSMANN, 2012). A tarefa de desenvolver esses critérios cabe ao filósofo analítico da educação. No início deste empreendimento, encontramos uma complicação. O termo “educação” pode ser usado de várias maneiras. Em um de seus usos, ele funciona de forma relativamente descritiva e o processo de educação de uma pessoa pode aparecer como a soma de suas experiências, ou seja, a frequentação que ela faz de si, dos outros e do mundo. Trata-se, segundo Aranha (1996, p. 14), de um “[...} uso perfeitamente aceitável da palavra, de modo que não seria inapropriado dizer de um homem que sua educação veio a ele como um menino de rua, ou em um campo de mineração, ou no exército”. Ainda segundo a autora, é possível identificar um uso mais restrito no âmbito descritivo. O termo educação indica o que “[...] o que acontece a um indivíduo em instituições especificamente educacionais, como escolas ou faculdades” (ARANHA, 1996, p. 14). Nesse caso, falar da educação de um ser humano é falar de sua passagem por um sistema escolar, ou seja, significa um sujeito que foi para a escola e pode se assumir no espaço escolar, tornando-se um dos seus atores, junto aqueles que estão ali para receber a formação necessária à sua entrada no mundo social ou em um dos seus setores. 12 Segundo Chauí (2003), um sentido mais restrito ainda é aquele que traz a noção de educação alguma referência ao valor. A educação, nessa interpretação, é uma experiência normativa ou de valor, e implica aquilo que acontece com o indivíduo, e o torna melhor de alguma forma (CHAUÍ, 1998). O primeiro sentido, de caráter descritivo, não possuí tal implicação, pois sofrer a educação é apenas ser o sujeito de uma experiência. Não se pensa, nesse caso, a experiência através daquilo que acontece a pessoa ou que deveria acontecer. No segundo caso, temos uma dimensão descritiva e formal, pois a educação significa ter frequentado a escola por certo período, mas ainda não se pensa o que isso significa. Conforme o uso normativo, o terceiro, um ser humano educado é aquele aperfeiçoado e, como tal, um produto final desejável, alguém que deveria ser produzido. É esse senso normativo de educação que possibilita investigar a lógica dos processos educativos, considerando sua complexidade, já que a relação entre os fins e os meios não se apresenta ausente de ambiguidade. Um objetivo educacional pode ser algo impossível de ser realizar, na medida em que condições de existência reais não foram construídas para se atingir aquele objetivo. A filosofia da educação também trabalha essa ambiguidade, considerando-a como sinal de um mundo pedagógico em construção. 2.3 A natureza da teoria educacional Os filósofos da educação estão preocupados com o exame do que é dito sobre educação, por aqueles que a praticam e por aqueles que teorizam sobre ela. Podemos considerar os fenômenos da educação de acordo com a complexidade de sua apresentação, ou seja, como um grupo de atividades acontecendo em vários níveis lógicos e existenciais, no sentido de que cada nível superior surge de e é dependente do que está abaixo dele. Para Giles (2003), o nível mais baixo é o nível de prática educacional onde atividades como ensinar, instruir, motivar os alunos, orientá-los e corrigir seus trabalhos são realizados. Os participantes deste nível, em particular os professores, utilizam uma linguagem especificamente adaptada ao seu trabalho e utilizam um aparato conceitual específico quando discutem o que fazem. Falam de "ensino", "aprendizado", "conhecimento", "experiência". Um número indefinido de tais assuntos com um 13 número indefinido de conceitos relacionados.Essas atividades e esses conceitos são fundamentais. A menos que atividades educacionais sejam feitas e discutidas, não haverá tópicos para trabalhar em atividades de ordem superior. No campo da teoria, primeiramente, é possível fazer uma observação geral sobre a educação. Assim, o teórico da educação pode dizer, por exemplo, que a educação é o meio mais eficaz, ou o único meio, de socializar os jovens, de transformá-los de animais humanos em seres humanos, ou de capacitá-los a realizar seu potencial intelectual e moral. Ou "ele poderia dizer que a educação é a melhor forma de estabelecer um senso de solidariedade social, dando a todos uma bagagem cultural comum" (GILES, 2003 p. 40). Não é importante aqui se essas declarações são verdadeiras ou não. É importante notar que elas podem ser verdadeiras ou falsas. Pode ser verdade que a educação formal seja um meio eficaz de socializar os jovens ou garantir a coesão social. Se for assim ou não é uma questão de fato e a maneira de descobrir é olhar para a educação, na prática, e ver o que acontece. Em outras palavras, teorias desse tipo são teorias descritivas que pretendem dar uma explicação correta do que a educação realmente faz. Tais teorias permanecem ou caem conforme o modo como o mundo acontece. Pertencem às ciências sociais, à sociologia descritiva e também a esforços filosóficos de caráter normativo e fenomenológico. No entanto, o campo de teorias possíveis não se limita a tais perspectivas. Como sugere Kawano (2006), uma outra forma de teoria educação é aquela não se estabelece pelo esforço de descrição das funções da educação, mas se volta as regras e as normas (ou estratégias) buscando, assim, “[...] dar conselhos ou recomendações sobre o que os envolvidos na prática educacional deveriam estar fazendo. Tais teorias são teorias "práticas", dando prescrições fundamentadas para a ação” (KAWANO, 2006, p.30). Essas teorias apresentam grande diversidade de escopo, conteúdo e complexidade. Algumas delas são bastante limitadas, como a teoria de que os professores devem garantir que qualquer novo material apresentado ao aluno se relacione com o que eles já sabem, ou que a criança não deve ser informada antes de ter a chance de descobrir por si mesmo (KAWANO, 2006). Segundo Piovesan (2002), teorias limitadas como essa talvez possam ser chamadas de teorias didáticas ou teorias pedagógicas, porque baseadas no esforço 14 de promover o desenvolvimento do potencial inato do aluno, ou que devem prepará- lo para o trabalho, ou para ser um bom cidadão ou um bom democrata, tendo como pano de fundo a ideia de que a teoria deve ser um norteador da prática, um fundamento das ações e não se ater apenas caráter descrito ou discursivo em primeiro lugar. Platão, por exemplo, faz uma teoria geral da educação em seu texto “A República”, onde seu objetivo é recomendar as normas pelas quais é possível produzir um certo tipo de homem como digno de ser o governante de uma forma determinada de sociedade. Trata-se, de uma teoria geral da educação, norteada por uma finalidade, mas que prescreve as condições de sua possibilidade, as ações possíveis e necessárias e seus embasamentos fundamentais. As teorias apresentadas acima podem ser chamadas de "teorias gerais da educação", porque fornecem prescrições abrangentes que recomendam a produção de um determinado modo de ser humano e, muitas vezes, tem ainda como finalidade produzir uma determinada forma de sociedade ou está baseada em um ideal. Esses tipos gerais de teoria educacional são frequentemente encontrados nos escritos daqueles que são conhecidos como filósofos. 3 REFLEXÕES E ARGUMENTAÇÕES FILOSÓFICAS Antes de compreender a importância das reflexões e argumentos filosóficos, é necessário saber o que é a filosofia. Segundo Bonjour, a filosofia pode ser vista literalmente como o amor pela sabedoria. Podemos acrescentar que se trata de um amor rigoroso e provisório, que terá formas e inquietações diferenciadas conforme o período histórico considerado. No entanto, desde sua origem, os filósofos têm questionado e buscado argumentos sobre questões muito complexas definidas como as mais necessárias à humanidade. A partir disso, eles desejam alcançar a sabedoria, mas esse alcançar é uma determinação complexa de caráter histórico, cultural e existencial (BONJOUR, 2010). Outro ponto a considerar sobre a definição de filosofia é a importância do ato filosófico sobre o conhecimento, ou seja, o produto do estudo da filosofia e seus resultados. Assim, de forma tradicional, os filósofos exploram a essência das coisas abstratas, ou seja, refletem sobre questões como a verdade, o conhecimento, o 15 pensamento, a liberdade, o dever, a justiça, a beleza e até a própria realidade (BONJOUR, 2010). Para Silva (2010), os filósofos tecem pensamentos e argumentos sobre conceitos de verdade provisória. Afinal, existem culturas e valores sociais e comunitários diferentes, pelo que a verdade não pode ser unívoca. Não sendo única, cabe dialogar e argumentar para identificar suas possibilidades. Devemos considerar, em relação à origem da filosofia, que: As culturas mais primitivas e as antigas filosofias orientais expunham suas respostas aos principais questionamentos do homem em narrativas primitivas, geralmente orais, que expressam os mistérios sobre a origem das coisas, o destino do homem, o porquê do bem e do mal. Essas narrativas ou “mitos”, durante muito tempo consideradas simples ficções literárias de caráter arbitrário ou meramente estético, constituem antes uma autêntica reflexão simbólica, um exercício de conhecimento intuitivo (NOVA..., 1999, p. 21). O surgimento da filosofia aconteceu numa época em que os gregos, admirados e espantados com a realidade ou ainda insatisfeitos com as posições de suas tradições religiosas e míticas, iniciavam investigações em busca de respostas mais esclarecedoras, tendo como base o uso da racionalidade, entendida entres os gregos através do conceito de logos que significa ao mesmo tempo ‘razão’ e ‘linguagem’. A ideia era que a explicação do mundo, dos seres humanos e dos fenômenos naturais pudesse ser baseada na racionalidade, ou seja, na razão humana, sendo esta capaz de permitir o conhecimento de si mesma (CHAUÍ, 1995). Para alguns dos grandes filósofos gregos, como Sócrates e Platão, por exemplo, a reflexão e o pensamento eram considerados purificação intelectual. Essa purificação permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável e universal, é necessária que ela seja tematizada através da diferenciação entre o mundo inteligível (esfera ideal das essências e formas de todas as coisas e experiências) e o mundo sensível compreendido como realidade produzida pelo mundo inteligível. Ou seja, em sua perspectiva, as imagens sensoriais seriam falsas e enganosas, deixando-as a serem abandonadas para o alcance do conhecimento verdadeiro. No entanto, nem todos os pensadores gregos tinha uma visão dualista e idealista do sentido das coisas e da experiência. 16 Conforme destaca Chauí (1995), ao contrário de Sócrates e Platão, os sofistas aceitavam a validade e o uso das opiniões e das percepções sensoriais para a produção de argumentos de persuasão. Já Sócrates e Platão as consideravam fontes de erro ou formas imperfeitas de conhecimento. Segundo Bonjour (2010), uma concepção mais atual e até modesta de filosofia enfatizaria que os filósofos descobriam o conhecimento a partir de uma análise mais profunda dos conceitos utilizados no processo de reflexão e pensamento. Ou seja, eles buscam o significado das palavras correspondentes a esses conceitos, tomando a filosofia em uma perspectiva analítica, centralizada nas formas lógicas e discursivas pelas quais as ciências e a filosofia exprimem e organizam seus questionamentos e teorias. Outro aspecto a serconsiderado diz respeito ao fato de que diversas áreas de investigação surgem a partir dos preceitos filosóficos. Nesse sentido, a ciência e suas diversas ramificações parecem explicar e responder questões filosóficas. Bonjour (2010, p. 21) afirma que: “Isso acontece, aproximadamente, quando as questões envolvidas se tornam definidas de modo suficientemente claro para tornar possível investigá-las em termos científicos, através de observação empírica e de teorização com base empírica”. Aristóteles foi um dos mais importantes filósofos preocupados em classificar os campos do conhecimento filosófico e da ciência em geral. Conceituou essas esferas como ciências produtivas, ciências práticas e ciências teoréticas, sendo estas últimas destacadas pelo filósofo como o ponto culminante da metafísica e da teologia e a origem de os demais saberes (CHAUÍ, 1995). Contudo, segundo Bonjour: Enquanto virtualmente todo tipo de conhecimento foi parte da filosofia para o filósofo grego da Antiguidade Aristóteles, a física e a biologia têm sido separadas da filosofia por muito tempo, com outras áreas seguindo por esse caminho mais recentemente. (Por exemplo, até́ o final do século XIX, a psicologia ainda era vista como parte da filosofia.) Isso sugere que a filosofia pode ser identificada, ainda que um tanto indiretamente, como a origem daqueles temas que as pessoas ainda não aprenderam a investigar em termos científicos. Isso inclui alguns temas com respeito aos quais é difícil imaginar que isso jamais aconteça, porque são demasiado gerais, demasiado difíceis e, possivelmente, demasiado fundamentais (BONJOUR,2010, p.21). Devemos considerar que, para a grande maioria dos filósofos, existe um consenso sobre a história da filosofia, porque ela é importante para a própria natureza 17 e para a contínua investigação filosófica. Os filósofos estão constantemente criando discussões sobre o real significado das palavras (BONJOUR, 2010). O autor também exemplifica esses aspectos por meio dos diálogos de Platão, principalmente aqueles relacionados a noções morais como: "O que é coragem?", "O que é justiça?", "O que é conhecimento?", "O que é piedade?". A seguir, você verá os principais conceitos de reflexão e argumentação filosófica. Identificará assim no exercício do ato filosófico a busca pela compreensão da natureza das coisas e seus significados. 3.1 Conceitos relacionados à reflexão filosófica e à argumentação Antes de conhecer os principais conceitos relacionados à reflexão filosófica, você deve se fazer a seguinte pergunta: para que serve a filosofia? Como você pode ver, a mesma pergunta geralmente não é feita em áreas como matemática ou física. Segundo Chauí (1995, p. 12), "Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos estudantes da filosofia: "A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual’, isto é, não servindo para nada”. Por causa dessa perspectiva, costuma-se dizer que a filosofia é inútil e que os filósofos pensam em coisas que não levam a lugar nenhum, ao contrário do que acontece nas ciências, cuja finalidade e utilidade podem ser facilmente identificadas. Nesse sentido, a ciência é comumente reconhecida como conhecimento verdadeiro, obtido por meio de procedimentos legítimos. Entretanto, para Chauí: [...] verdade, pensamento, procedimento para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a filosofia quem as formula e busca respostas para elas (CHAUÍ,1995, p. 12–13). A partir disso, percebe-se que pensar é algo importante e sofisticado, principalmente pelo fato de que pensar transcende a repetição, como ocorre em outras teorias. No que diz respeito à valorização da filosofia, devem levarem conta que esta área está relacionada com a prática do pensamento lógico, crítico e aguçado. 18 Pelas características da atitude filosófica, percebe-se que ela está relacionada à capacidade de saber e pensar, tornando-se um pensamento questionador de si, ou seja, a filosofia se realiza como uma reflexão (CHAUÍ, 1995). Pode-se dizer também que a "atitude filosófica" é a atitude de quem tem coragem de questionar a si mesmo e ao mundo em que vive para descobrir crenças, escolhas e experiências (SILVA, 2010, p. 4). A atitude filosófica se desenvolve por métodos específicos, pois pensar filosoficamente não é pensar simplesmente. Por isso, requer habilidades e hábitos intelectuais diferenciados, também chamados de hábitos mentais filosóficos. Esses dependem do exercício de pensar através da análise e da criação de conceitos, como também do desenvolvimento de capacidades para lidar com formas de expressão do pensamento baseadas em processos de argumentação lógico-filosófico, pelos quais se busca investigar problemas e defender teorias. Chauí (1995, p. 14-15) esclarece que a reflexão filosófica se organiza em torno de três grandes conjuntos de questões, como você pode ver a seguir: 1. Por que as pessoas pensam o que pensam, dizem o que dizem e fazem o que fazem? (motivos, razões e causas para o que se pensa, diz e faz); 2. O que as pessoas querem pensar quando pensam, o que querem dizer quando falam, o que querem fazer quando agem? (sentido do que se pensa, diz e faz); 3. Para que as pessoas pensam o que pensam, dizem o que dizem, fazem o que fazem? (intenção do que se pensa, diz e faz). Em suma, pode-se considerar a atitude filosófica de questionar o que significa pensar, falar e agir. A atitude filosófica está ligada ao "o que é?", ao " como é? e ao "por que é?", todos baseados no mundo (essência, significado, estrutura e origem de todas as coisas). A reflexão filosófica, por outro lado, leva a perguntas como "por quê?" e " o quê?" ligada ao pensamento do sujeito em ato de reflexão (capacidade, finalidade humana para conhecer e agir) (CHAUÍ, 1995). Você também precisa entender a importância relativa dos argumentos, pois, conforme a declaração de justificação, um filósofo geralmente justifica uma afirmação referindo-se a um argumento. Como Bonjour (2010, p. 24) proclama: "Em filosofia, um argumento não é uma discordância ou uma briga". Assim, a ideia principal relacionada a um argumento filosófico diz respeito à justificação de uma afirmação, ou seja, é necessário estabelecer premissas para demonstrar que a conclusão do argumento é verdadeira. 19 Você deve se familiarizar-se com os conceitos de argumento dedutivo válido e inválido. Para isso podemos considerar, primeiramente, as diferenças entre raciocínio indutivo e raciocínio dedutivo. O raciocínio indutivo é aquele que parte dos fatos particulares, ou seja, da observação constante de um conjunto de fenômenos e de uma habitualidade visando inferir e expressar uma regra geral. No entanto, nesse âmbito, toda forma de pensar se apresenta orientada pelo conceito probabilidade. Segundo Japiassu e Marcondes (2001), ainda que o método indutivo não permita o estabelecimento de verdades e conclusões de caráter definitivo, ele fornece, no entanto, razões para aceitação de determinadas condições e explicações, que se tornam mais seguras quanto maior a quantidade de observações realizadas. Este método se torna importante na ciência experimental, mas ele é pensado e defendido no âmbito da filosofia, sobretudo a partir dos trabalhos do empirista inglês Francis Bacon (1561-1626), sendo posteriormente sistematizado por J. Stuart Mill (1806-1873), que tentou dar uma explicação empirista para os fundamentos da lógica e da filosofia. Segundo Japiassu e Marcondes (2001), diferentemente do raciocínio indutivo, a forma de pensar dedutiva é aquela que nos permite inferir uma ou várias proposições (ou premissas de caráter declarativo) uma conclusão que delas decorrelogicamente. O modelo da dedução é o silogismo ou o raciocínio matemático: se é verdade que os homens são mortais, e se é verdade que Sócrates é um homem, então é possível deduzir que Sócrates é mortal. Nesse sentido, alguns argumentos podem ser considerados dedutivos válidos, cujas premissas, se verdadeiras, garantem a verdade da conclusão (BONJOUR, 2010). Existem também as formas de argumentação dedutiva inválida. Nesse tipo de argumento, as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa ou o contrário. 3.2 Premissas e inquietudes filosóficas no contexto educacional Você viu até agora que filosofia, reflexão filosófica e argumentação são assuntos muito complexos. Portanto, para entendê-los, não basta entender uma única definição de filosofia. De modo geral, o estudo do pensamento e da argumentação envolve concepções sobre visão de mundo, sabedoria de vida, esforço 20 racional para conceber o universo como um todo ordenado e significativo, bem como fundamentação teórica e crítica do conhecimento e da prática (CHAUÍ, 1995). Os elementos inerentes à filosofia estão ligados em uma essência teórica fundada na lógica enquanto expressão válida do pensamento, o que não significa que essa essência seja definida como uma doutrina ou um conhecimento completo. Trata- se, da forma que o pensamento assume quando alcança uma posição fundamentada em relação aos fenômenos do mundo e os acontecimentos da experiência. Como afirma Aranha (1993, p. 72), "Para Platão, a primeira virtude de um filósofo não é admirar-se, mas se admirar com o mundo”. Nesse sentido, o termo “admiração” é uma condição relacionada à problematização, ou seja, a filosofia não é vista como dona da verdade, mas como propulsora da busca por essa verdade, que deve se assumir a partir do primeiro espanto e da admiração, o esforço de pensar e se exprimir rigorosamente. Você também viu a complexidade do assunto. Para haver um bom argumento, duas coisas são necessárias: a conclusão deve ser válida e suas premissas devem ser verdadeiras. Além disso, um argumento pode ser ruim mesmo que suas premissas e conclusão sejam verdadeiras. Isso acontece quando não existe relação lógica entre aquilo que está sendo dito. Por relação lógica precisamos entender a operação, muitas vezes de caráter intuitivo, que liga duas proposições sobre o mundo, de modo que a existência de uma se funde ou responda à existência da outra. Essa relação lógica tem um fundo existencial, pois pressupõe um contexto lógico e intersubjetivo que se expande para além do discurso e busca confirmação na experiência entendida de modo amplo. Não se trata somente da experiência em sentido empírico, ou seja, de dados recebidos pelos sentidos, mas da experiência que preenche “intuitivamente” o argumento. A filosofia se realiza nesse jogo entre o esforço crítico de expressão e o contato com os fenômenos que podem ser de ordem lógica, prática, ideal, científica ou simplesmente humana. Por exemplo, A terra tem uma lua. John F. Kennedy foi assassinado. Portanto, a neve é branca. (RACHELS; RACHELS, 2014, p. 33) As premissas do argumento e sua conclusão são verdadeiras. No entanto, este é um argumento ruim, inválido, pois sua conclusão não decorre das premissas. 21 Observe também que não existe nenhuma relação logica entre as declarações. A terra ter uma lua não tem relação com a morte de Kennedy e qual a relação do assassinato com o fato da neve ser branca? Este exemplo ajuda a esclarecer os pontos lógicos essenciais, aplicáveis à análise de qualquer tema, trivial ou não. Como já indicamos, um argumento válido é aquele que se estrutura a partir de premissas verdadeiras e das quais decorre uma conclusão verdadeira. Entende-se, assim, que, se a conclusão de um argumento for falsa, ainda quando todas as suas premissas forem verdadeiras, então o argumento não é confiável, ele apresenta um caráter inconsistente, portanto, se apresenta inválido. Podemos ainda dizer que um argumento válido acontece quando suas premissas implicam sua conclusão. O exemplo clássico e mais famoso é o seguinte silogismo: Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates e mortal. A complexidade destes aspectos permite perceber que a filosofia deve ser encarada como uma disciplina formativa, fenomenológica e que visa ser logicamente rigorosa. Formativa, porque ela torna possível ao sujeito da experiência, em âmbito pedagógico, social, afetivo, a descoberta e o desenvolvimento de suas capacidades analíticas. Fenomenológica, porque se funda no contato com os fenômenos e no esforço de pensar rigorosamente esse contato, que deve, ser apreendido através da argumentação e demonstração logicamente fundamentas. Desta maneira, ela contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades essenciais, pois está fortemente ligada a uma compreensão significativa e crítica do mundo e da cultura (GRETER, 2010). Como aponta Aranha (1993), a filosofia é uma atitude baseada em uma concepção de pensar e refletir constantemente. É, portanto, considerada um pensamento instituinte, pois questiona, interroga o saber, o conhecimento instituído. Para o filósofo, a teoria não corresponde a um saber abstrato e concluído, mas é a expressão concreta do pensamento, em suas múltiplas manifestações, conforme seu dever. A autora ainda afirma que a filosofia não está encarregada de fazer juízos de valor, contrariando as ações da ciência. O processo de filosofar parte de reflexões 22 sobre as experiências vividas pelo homem, evoluindo suas descobertas também com base no que devem ser essas experiências. Além disso, esse processo busca identificar o que são ações, ou seja, julgar o valor da ação, visando extrair significado (ARANHA, 1993). Para compreender a relação entre os pressupostos e preocupações dos filósofos e a educação, é necessário conhecer o conceito de educação e os elementos filosóficos que o constituem, sobretudo no que diz respeito à sua relação enquanto conceito de cultura, numa perspectiva também filosófica. Também podemos considerar ainda que a filosofia é necessária, pois, por meio da reflexão, ela dá ao homem mais de uma perspectiva, indo além da dimensão relacionada ao agir imediato em que “[...] o homem prático se encontra mergulhado” (ARANHA, 1993, p. 75). Assim, a filosofia permite a transcendência humana, ou seja, corresponde à capacidade dos seres humanos de ir além do cenário predeterminado de sua existência. Com isso, o ser humano se apresenta como um ser projeto, pois constrói seu destino por meio da liberdade enquanto ato pelo qual ele retoma e transforma sua vida. Para Aranha (1993, p. 75), “[...] o distanciamento é justamente o que provoca a aproximação maior do homem com a vida”. Sendo assim, a filosofia oportuniza a evolução dos seres humanos, rompendo com a estagnação das formas de pensamento instituídas. Você ainda pode pensar na filosofia como um movimento dialético em busca da verdade. No ato de filosofar, através da dialética, partindo do pressuposto de que há uma certeza dada como tese, mas, ao mesmo tempo, também é negada pela superação proposta pela antítese, que surge segundo uma contradição inerente a tese; desse movimento decorre a síntese, tal síntese promove uma nova tese, ou seja, uma nova certeza e o processo dialético pode se expandir de maneira aberta quando se parte do contato humano consigo e com os fenômenos. Para Aranha (1993), quando se pensa a filosofia como um processo dialética, ela continua sendo a busca da verdade e não a sua posse. Deve-se notar que um estilo reflexivo também deve ser visto como relevante para a prática educativa, em particular o ato de ensinar. Afinal, a filosofia não deve ser confundida com a transmissão de conteúdos: é um meio de aquisição de conhecimento. O aluno deve adquirir o hábito de pensar com métodoe fundamento. 23 Nesse sentido, Savater (1998, p. 176) ressalta que o papel da escola não é transmitir a cultura dominante, mas principalmente “[...] o conjunto de culturas em conflito do grupo no qual ela nasce”. Portanto, é essencial que a educação promova alternativas para os alunos, colocando uma responsabilidade importante sobre quem pretende educar. Por fim, pode-se considerar que o estudo dos conceitos filosóficos e dos elementos da reflexão filosófica visa “[...] desmascarar a realidade utilizando a própria realidade como matéria” (SILVA, 2010, p. 4). Ou seja, cabe ao professor utilizar os elementos de reflexão filosófica sobre assuntos inerentes ao contexto do aluno, permitindo assim a discussão. A ideia é visualizar como esses temas e aspectos da filosofia podem ser usados em um processo de ensino e aprendizagem que permita ao aluno desenvolver uma forma mais ampla e crítica de pensar sobre sua realidade. 4 O EMPIRISMO E O INATISMO/RACIONALISMO:CORRENTES FILOSÓFICAS OPOSTAS O racionalismo e o empirismo são escolas de pensamento que tentam explicar como os seres humanos adquirem conhecimento, mas têm filosofias fundamentalmente opostas. O racionalismo aborda a questão do conhecimento a partir das ciências exatas, enquanto o empirismo dá mais importância às ciências experimentais. De acordo com o racionalismo, o conhecimento é obtido através do bom uso da razão e não dos sentidos, pois as informações obtidas através dos sentidos podem estar erradas, pois é possível que o que se ouve ou vê esteja errado. Na perspectiva do empirismo o conhecimento se realiza pela produção de dois tipos de ideias: a ideia simples, sobre a qual não podem ser feitas distinções (por exemplo, cores, texturas, etc.), e a ideia complexa, que são associações de ideias simples. Isso resultaria no conceito abstrato do que é matéria e de como temos experiência do mundo. O Quadro 1, a seguir, apresenta as principais características das teorias empirista e inatista. 24 Quadro 1 - Principais características das teorias empirista e inatista Fonte: Adaptado de Equipe Clorophila – Elmara (2018, documento on-line). 4.1 Teoria inatista do conhecimento Pensar a concepção inatista é pensar em algo que se afirma a partir de uma teoria pedagógica apoiada nos princípios das filosofias racionalista e idealista. De acordo com Nunes (1986, p. 25 apud ABREU, 2018, documento on-line): O racionalismo se norteia pela crença de que o único meio para se chegar ao conhecimento é por intermédio da razão, já que esta é inata, imutável e igual em todos os homens. Para o idealismo, o real é confundido com o mundo das ideias e significados. Dar realidade às ideias, oferecer respostas ideais (de ideias) às questões reais. É a forma de compreender a realidade, na qual o espírito vai explicar e produzir a matéria. Nessa perspectiva, os aspectos do conhecimento e da aprendizagem estão relacionados com o fato de que o ser humano é um sujeito fechado em si mesmo e nasce com potencialidades, dons e aptidões, que serão desenvolvidos de acordo com o amadurecimento biológico. Assim, quando nascemos, algo já está impregnado em nós, em nossa alma. Portanto, considerando a hereditariedade, entende-se que não há possibilidade de mudança, pois o ser humano não age de forma eficiente e não recebe interferência significativa do ambiente e do contexto social. Ou seja, após o nascimento, as experiências não são tão significativas porque o sujeito já nasce pronto, incluindo personalidade, valores, hábitos, atitudes, crenças, pensamentos, sentimentos, bem como a conduta que terá dali para a frente em seu meio social. 25 O sujeito, entendido como biologicamente determinado desde o nascimento, remete à ideia de uma possível sociedade harmoniosa e hierárquica que impossibilita a mobilidade ou a transformação social desse sujeito. Sobre esse assunto, Leibniz (1988, p. 34) faz outra importante contribuição: Ocorre que as verdades inatas estão em nosso espírito de maneira virtual, mas precisam que os sentidos lhes deem ocasião para que se manifestem e possam captar nossa atenção. Pois, embora tenhamos uma infinidade de ideias em nosso espírito, é impossível que possamos dar atenção a todas elas ao mesmo tempo. Assim, é preciso que elas sejam avivadas pelos sentidos. Desta forma, uma pessoa pode chegar puramente por meio do raciocínio sem nenhum auxílio da experiência. Leibniz critica o empirismo de Locke (nada existe na mente que não tenha estado nos sentidos) e defende, como Descartes, um inatismo. Identifica as qualidades inatas da alma, como ser, perceber e raciocinar. Nessa perspectiva, Leibniz (1988) ainda enfatiza que as verdades da matemática e da geometria seriam de natureza inata, da mesma forma que as verdades lógicas. Uma das formas de inatismo contemporâneo se baseia na hereditariedade, ou seja, o que é inato ao sujeito (ou seja, o que nasce com o ser humano). Segundo esta corrente teórica, quando nascemos, já fomos concebidos com a herança genética, com as qualidades e capacidades básicas necessárias ao ser humano. Entende-se, portanto, que o pensamento inatista rejeita a possibilidade de aperfeiçoamento do sujeito, pois defende a ideia de que não tem capacidade de evolução ou possibilidade de transformação após o nascimento, já que é determinado pelas condições de sua existência ‘espiritual’ e ideal ou no caso contemporâneo por sua estruturação genética. Portanto, no processo educacional, o papel do professor seria o de facilitar a manifestação da essência, entendendo que quanto menos interferência houver, maior será a espontaneidade e a criatividade do aluno. Segundo Rego (1996), tal concepção do ser humano tem favorecido pedagogias espontâneas que subestimam a capacidade intelectual do sujeito, enquanto o sucesso ou o fracasso são atribuídos, única e exclusivamente, ao aluno e seu desempenho, aptidão, dom ou maturidade. Em certo sentido, considerar o inatismo aplicado à educação significa tender para uma perspectiva imóvel e resignada, pois se considera que as diferenças e dificuldades não podem ser superadas, pois o ambiente não interfere no 26 desenvolvimento do sujeito. Ainda, pode-se entender que os resultados da aprendizagem pertencem exclusivamente ao aluno, retirando a participação e responsabilidade do professor e da instituição de ensino. 4.2 Teoria empirista do conhecimento A teoria empirista configura-se, principalmente, como uma corrente filosófica que reafirma as experiências do ser humano como responsáveis, justamente, pela construção das aprendizagens e ideias existentes na humanidade e no mundo. Essa concepção também é caracterizada por aspectos relativos ao conhecimento científico, ou seja, o momento em que os saberes são adquiridos por meio de percepções e sensações. Nessa perspectiva, observa-se que as ideias surgem por meio da percepção e do contato com objetos de conhecimento; esse contato, portanto, ocorre por meio dos sentidos. Portanto, o empirismo pode ser entendido como uma corrente epistemológica que indica que todo conhecimento é resultado de uma experiência e, por isso, é consequência dos nossos sentidos. Nesse sentido, a experiência estabelece o valor, a origem e os limites do conhecimento. O principal teórico do empirismo foi o filósofo inglês John Locke (1632- 1704), que defendeu e reafirmou a ideia de que a mente humana é uma "tabula rasa" ou "folha em branco" na qual estão gravadas impressões externas à medida que temos nossas experiências. Desta forma, o pensador não considerou a existência de ideias natas, nem de conhecimento universal. Por ser uma corrente teórica oposta ao racionalismo/inatismo, o empirismo critica a metafísica e os conceitos de causa e substância. Em certo sentido, essa escola de pensamento sustenta que todo o processo de saber, saber e agir ocorre pormeio da experiência, de vivências e de tentativa e erro. Sobre o empirismo, Hessem (1987, p. 68) aponta que: Este atribui o conhecimento à experiência e, neste caso, considera-se que a realidade é construída pela via dos sentidos, não havendo conhecimentos inatos e tampouco verdades a priori, e mesmo os conceitos abstratos e universais partem de fatos concretos. Assim sendo: “A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tábula rasa, uma folha em branco em que a experiência escreve”. 27 Na mesma vertente de pensamento de John Locke, existiram outros autores de grande importância mundial na formação e discussão do conceito de empirismo, são eles: • Aristóteles; • Francis Bacon; • Thomas Hobbes; • Robert Boyle; • David Hume; • John Stuart Mill; • Nicolau Maquiavel. Na ciência, diante do conhecimento científico, falamos de empirismo quando falamos do método científico tradicional, que emerge do empirismo filosófico e reafirma que as teorias, estudos e pesquisas científicas devem ser baseadas também na observação do mundo como experimentação, em vez de intuição ou fé, como acontecia no passado. O empirismo é considerado parte fundamental do método científico, pois sustenta que todas as hipóteses e teorias devem ser testadas contra observações do mundo atual. Embora sensorial, atua além do raciocínio a priori ou da intuição. 4.3 Teoria interacionista do conhecimento A teoria interacionista é uma corrente pedagógica que considera e defende que os fatores orgânicos e ambientais são fundamentais para o desenvolvimento do sujeito, considerando as condições objetivas e subjetivas de sua existência. Os pensadores e discípulos do interacionismo acreditam em uma complexa combinação de fatores e influências que, segundo essa visão, podem auxiliar no processo de aprendizagem. O sujeito, portanto, não é entendido como passivo, ao contrário, é convidado a ser seu próprio agente de transformação, autor e protagonista de sua própria história, de sua própria trajetória. Nessa perspectiva, o sujeito deve utilizar os diversos objetos e seus inúmeros significados para conhecer, aprender, compreender e, assim, desenvolver-se e progredir. 28 Na abordagem interacionista, os processos de aprendizagem estão totalmente interligados e se cruzam, se interpenetram, se misturam e, nesse movimento constante, se complementam, atribuindo ao sujeito a responsabilidade de seu próprio processo de aprendizagem, portanto, da construção de conhecimento. Segundo Davis e Oliveira (1990, p. 36): A concepção Interacionista de desenvolvimento apoia-se na ideia de interação entre organismo e meio, e observa a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio. Veja abaixo os principais pensadores da corrente pedagógica do interacionismo: • Jean Piaget (1896 – 1980): para ele, a criança é ativa e age espontaneamente no meio. É estruturalmente diferente do adulto, mas funcionalmente igual. Ou seja, suas estruturas mentais são específicas para seu nível de desenvolvimento, marcado por estágios. Seu conhecimento vem do contato com o mundo. Piaget dedicou-se ao estudo e compreensão do desenvolvimento cognitivo, e sua teoria ficou conhecida como construtivismo. Houve um ponto primordial para o desenvolvimento das ideias de Piaget: explicar a forma pela qual o ser humano atinge o conhecimento, o que o distingue fundamentalmente das outras espécies vivas. No entanto, esta é uma questão tipicamente filosófica. Entre a energia, o rigor dos métodos biológicos e a filosofia, Piaget se concentra em uma lacuna que precisa ser preenchida. Dessa forma, a psicologia do desenvolvimento assumiria futuramente um papel mediador entre os dois campos de estudo (FERRARI, 2008). • Lev Semionovitch Vygotsky (1896–1934): afirma que as características tipicamente humanas do pensamento resultam da interação dialética do ser humano com seu meio sociocultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender às suas necessidades básicas, ele muda a si mesmo. Isso significa que as influências e mudanças são recíprocas com ele e com o meio em que ele se encontra. Para esse pensador, as habilidades cognitivas do sujeito e a forma de estruturar os pensamentos não são 29 determinadas por fatores congênitos. Na verdade, são o resultado de atividades realizadas conforme os hábitos sociais da cultura em que se desenvolvem. Esse processo é fundamental para a interiorização do conhecimento - ou a transformação de conceitos espontâneos e científicos - através do método de tornar intrapsíquico o que antes era interpsíquico. Consequentemente, a história da sociedade onde a criança se desenvolve e sua história pessoal são fatores cruciais que determinam seu modo de pensar (FERRARI, 2008). Interacionismo e educação: algumas características • O conhecimento é visto como uma construção histórica e social dinâmica, fruto de uma construção coletiva, que necessita de um contexto para ser compreendido e interpretado. Em outras palavras, o conhecimento é uma construção coletiva e uma assimilação pessoal. • A aprendizagem está ligada a este desenvolvimento. É na troca com os outros sujeitos e consigo mesmo que se dá a aprendizagem e se interiorizam os saberes, os papéis e as funções sociais. Isso permite, portanto, a constituição do conhecimento e da própria consciência. • O ensino deve valorizar as interações entre indivíduos e grupos, e entre estes e diferentes segmentos da comunidade. • A avaliação deve centrar-se na dinâmica das relações na comunidade, na escola e na sala de aula. O bom aluno é aquele que participa, desafia, investiga e contribui com diferentes grupos, se une, critica, toma decisões e desenvolve comportamentos democráticos (EQUIPE CLOROPHILA – ELMARA, 2018). 5 O QUE É FENOMENOLOGIA? Dentre as correntes mais influentes da filosofia do século XX, a fenomenologia destaca-se como uma das mais importantes. Inúmeros filósofos usaram o método fenomenológico como base para pensar e desenvolver suas filosofias. Assim, a partir da leitura e da interpretação do método fenomenológico formulado por Husserl, autores como Max Scheler, Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, Lévinas e outros desenvolveram suas filosofias à luz desse “método de investigação”. Como indica 30 Heidegger em Ser e tempo, “a expressão 'fenomenologia' designa antes de tudo um conceito de método” (HEIDEGGER, 2006, p. 66). Por isso, a fenomenologia não se restringe a uma doutrina filosófica, mas uma forma de fazer filosofia. Mas o que é fenomenologia? Merleau-Ponty, considerado um dos mais fiéis ao pensamento husserliano, mas também um dos mais originais fenomenologos da tradição francesa, reiterou a necessidade de resolver esta questão em sua obra ‘Fenomenologia da percepção’, de 1945. Segundo suas palavras: Pode parecer estranho que ainda se precise colocar essa questão meio século depois dos primeiros trabalhos de Husserl. Todavia, ela está longe de estar resolvida. A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua ‘facticidade’. É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre ‘ali’, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar estecontato ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico. É a ambição de uma filosofia que seja uma 'ciência exata', mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo ‘vividos’. É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é, e sem nenhuma deferência à sua gênese psicológica e às explicações causais que o cientista, o historiador ou o sociólogo dela possam fornecer, e, todavia, Husserl, em seus últimos trabalhos, menciona uma ‘fenomenologia genética’ e mesmo uma ‘fenomenologia construtiva’ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 1). A fenomenologia é um vasto movimento científico e espiritual, extraordinariamente variado e ramificado, ainda vivo, originado dos trabalhos do filósofo alemão Edmund Husserl, que inaugurou esse campo de pensamento, em 1900, com a publicação de sua obra “As investigações Lógicas”. Em sua etimologia, o termo significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência e é dado ao aparelho sensorial humano. Desde o seu surgimento no vocabulário da filosofia, o termo fenomenologia apresentou significados muito diferentes, indicando filosofias e rumos de pesquisa dispares e até contrários entre si, mas o termo tem como núcleo duro de significação a ideia de que fazer fenomenologia é estudar as aparências em detrimento de qualquer julgamento teórico dado antecipadamente. Kant, depois de Samabria (1988), já tem uma fenomenologia no sentido filosófico porque, analisando a estrutura do sujeito e as funções do espírito, afirma que o conhecimento se reduz ao que aparece, ou seja, aos 31 fenômenos. Hegel emprega o termo em sua Fenomenologia do Espírito e entende a fenomenologia como a ciência da experiência e da consciência. Em Hegel, portanto, o termo entra definitivamente na tradição filosófica. A diferença fundamental entre a fenomenologia de Hegel e Kant reside na concepção da relação entre o fenômeno e o ser ou o absoluto. Enquanto movimento filosófico, a fenomenologia, como já indicamos, se iniciou com Edmund Husserl que, ressignificando o termo, já utilizado por Kant e Hegel, formulou o método fenomenológico, criando um movimento que influenciou grande parte da filosofia do século XX. A fenomenologia de Husserl surge durante a crise do subjetivismo e do irracionalismo no final do século XIX, consolidando-se como um movimento filosófico durante o século XX, marcando diferentes correntes da filosofia contemporânea, como a ontologia fundamental de Martin Heidegger e a fenomenologia da existência de Merleau-Ponty, entre outros. Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia planeja ser uma “ciência das essências” e não de dados de fato. Refere-se à maneira como o fenômeno é apresentado à consciência quando, por meio da redução fenomenológica, é purificado de sua condição empírica e individual e aparece como consciência pura. Para Husserl, tal como indica Moura (2001), a fenomenologia é uma ciência sem a qual seria possível existir nenhuma filosofia, ou seja, [...] em toda filosofia precedente não existe nenhum problema com sentido nem existe problema sobre o ser em geral que não possa ser considerado no âmbito da fenomenologia transcendental (MOURA, 2001, p. 133). A fenomenologia, como método radical no sentido de abrir o caminho para a realidade mais fundamental, as essências, torna-se a disciplina que justificará todas as ciências da forma mais estrita. “O retorno às próprias coisas”, tal foi o lema inicial de Husserl, indica o retorno a essência dos fenômenos através do voltar-se para a consciência e não apenas uma descrição factual das coisas em sua realidade empírica. Desde o início, a fenomenologia constituiu-se, assim, em apelo ao imediato, mas a sua característica principal era proceder com fidelidade absoluta ao modo de ser dos objetos. A fenomenologia se preocupa com as coisas manifestadas ou mostradas; assim, ela descreve como os fenômenos se manifestam e as coisas constituem o estritamente dado, ou seja, o que encontro e o que originalmente existe para “mim” enquanto sujeito de uma experiência. Para Husserl, o fenômeno é aquilo 32 que aparece para a consciência como um fluxo temporal de experiências representadas como objeto estruturado e experimentado através da intencionalidade da consciência, ou seja, enquanto consciência de algo. A fenomenologia visa examinar rigorosamente a experiência humana, como uma ciência descritiva. Assim, ela se inicia pelo esforço de descrever as coisas tais como elas aparecem, preparando uma reflexão que terá como base a estruturação fenomenológica dos fenômenos. É a investigação do que é realmente detectável e potencialmente presente, mas nem sempre visto por meio de procedimentos próprios e adequados, quando não passamos da atitude natural para atitude fenomenológica. Para tanto, Husserl propõe a suspensão de todo julgamento (sobre a existência, sobre as propriedades reais e objetivas do que aparece), abandonando os pressupostos em relação ao fenômeno que se apresenta, o que ele chama de suspensão fenomenológica ou epoché. A fenomenologia (Phenomenom + logos) é então o discurso sobre aquilo que se mostra como é, caracterizando esta ciência como estando em contato direto com o sentido das coisas, dirigindo o conhecimento para o que há de essencial nelas. É a filosofia do inacabamento, do devir, do movimento constante, onde o vivido aparece e é sempre ponto de partida para se chegar a algo, mas também uma filosofia da essência e do rigor porque entende que a essência é dada na concretude do fenômeno do seu devir (MERLEAU-PONTY, 1999). Para Husserl, até mesmo a lógica, ou seja, a teoria da ciência, precisa de um fundamento em sua própria essência como teoria e deve procurar na descrição fenomenológica da consciência de seus fundamentos. Fundamentar a lógica e fundamentar a filosofia são expressões equivalentes para esse pensador. Ele acredita que essa fundamentação só será possível por meio da fenomenologia. Como já dissemos, vários autores foram influenciados por essa filosofia e posteriormente seguiram em outras direções, já que a descrição dos fenômenos proposta por Husserl se abria para inúmeros aspectos da experiência vivida, não apenas para os fundamentos da ciência e da lógica. 5.1 Filosofia analítica A Filosofia analítica é uma vertente do pensamento contemporâneo, reivindicada por filósofos bastante diferentes, cujo ponto comum é a ideia de que a 33 filosofia é análise — a análise do significado dos enunciados e se reduz a uma pesquisa sobre a linguagem. Inicialmente, a Filosofia analítica assumiu que a lógica criada por Gottlob Frege, Bertrand Russell e outros no final do século XIX e início do século XX poderia ter consequências filosóficas gerais e ajudar na análise de conceitos e no esclarecimento de ideias. Um dos exemplos mais claros dessa tendência é a análise de Russell de sentenças contendo descrições definidas. Os primeiros filósofos analíticos foram Frege, Russell, George Edward Moore e Ludwig Wittgenstein. Na Inglaterra, com Russell e Moore, opõe-se às escolas resultantes do idealismo alemão, especialmente ao hegelianismo, representado sobretudo por J. M. E. McTaggart e F. H. Bradley. Mas existem várias correntes na filosofia analítica; entre estes, o positivismo lógico, que se distingue por sua rejeição de toda metafísica. Nesse contexto, vale citar o Círculo de Viena de estilo neopositivista, fundado por Moritz Schlick e composto por filósofos e lógicos austríacos e alemães: Carnap, depois Hans Reichenbach e, em seus primórdios, Wittgenstein. Um pouco da história da filosofia analítica Na passagem do século XIX para o século XX, a filosofia passou por uma nova e profunda reformulação, a chamada “virada linguística”, sob a influência de Frege, Bertrand Russell e Wittgenstein. A atividade filosófica é vista basicamente como um método lógico de análise dopensamento. Mais tarde, autores associados à Escola de Viena e outros positivistas lógicos a viram como uma forma de analisar o significado de proposições científicas; mesmo, para autores como Peter Strawson, seria uma tentativa de descrever alguns conceitos básicos de nosso esquema conceitual. Assim nasceu a chamada filosofia analítica. A incursão da filosofia analítica marcou assim uma nova divisão entre modos de fazer filosofia. Os próprios filósofos analíticos cunharam o termo Filosofia continental para se referir às várias tradições filosóficas que surgiram da Europa Continental, principalmente da Alemanha e da França. Com o início da Segunda Guerra Mundial, muitos dos principais membros do Círculo de Viena tiveram que fugir para os Estados Unidos, e da síntese de sua filosofia — positivismo lógico — com a cultura americana, surgiu uma nova 34 corrente filosófica. Pragmatismo — ou “Pragmatismo Moderno”, já que, como corrente filosófica, o pragmatismo há muito se enraizou nos Estados Unidos, e sob este mesmo nome, em particular nas obras de William James (1842-1910), Charles Sanders Peirce (1839 -1914) e John Dewey (1859-1952). A filosofia analítica, através das suas sucessivas manifestações, sempre conheceu duas correntes: o empirismo lógico e a filosofia da linguagem ordinária. Na primeira geração, o empirismo lógico é representado por G. Frege, cujo Begriffschrift (Halle, 1879) constitui a obra fundamental da lógica moderna. Ele leva adiante o projeto leibniziano, que permanecera suspenso, de uma “língua característica” O Grundgesetze der Arithmetik (Breslau, 1884) fornece a primeira definição lógica de números cardinais. No caso da filosofia da linguagem comum, H. Sidgwick (1838-1900), em Method of Ethics (1874), representa a resistência da tradição empirista inglesa contra o idealismo neohegeliano na Inglaterra. Na segunda geração temos as filosofias de Russell, no caso do empirismo lógico, e de George Edward Moore, na filosofia da linguagem ordinária. Desde meados do século XX, novamente sob forte influência dos estudos no campo da Lógica — desta vez especificamente da lógica modal — houve um retorno dos filósofos analíticos, às questões metafísicas e epistemológicas, tal como tradicionalmente concebidas. Assim, com base em alguns escritos seminais de autores como Saul Kripke, Hilary Putnam e Tyler Burge, aborda questões como a relação entre o sujeito e o mundo — ou mais especificamente, entre o sujeito e seu ambiente físico e social — condições de identidade de objetos através de mundos possíveis, etc. Nascia assim o externalismo. Atualmente, a filosofia analítica é a filosofia dominante nos departamentos de filosofia das universidades em países de língua inglesa, bem como em países escandinavos, alguns países do Leste Europeu como a Polônia e até mesmo Israel. Além da referência original à lógica contemporânea, não há ideia unificadora ou dogma característico da filosofia analítica: a epistemologia e a lógica de Frege se opõem principalmente ao empirismo. No entanto, muitos filósofos analíticos posteriores, especialmente os positivistas lógicos e Quine, defenderam posições empiristas e rejeitaram o 35 racionalismo de Frege. Filósofos analíticos mais recentes, como Tyler Burge, rejeitam o empirismo e defendem o racionalismo. O Círculo de Viena e a filosofia da linguagem comum eram contra toda metafísica. Hoje, a metafísica está florescendo na filosofia analítica. Até o início dos anos 1950, o positivismo lógico foi o principal movimento na filosofia analítica. No entanto, o movimento recebeu um golpe fatal em 1951, quando Quine publicou “Dois Dogmas do Empirismo”. Era o fim do positivismo lógico. Depois disso, a filosofia analítica se desenvolveu em diferentes direções. A ciência cognitiva e a filosofia da mente substituíram a lógica e a filosofia da linguagem. 5.2 Filosofia contemporânea: principais autores Este conceito de filosofia trouxe consigo uma série de teorias que contradiziam as verdades absolutas e afirmavam possuir todo o conhecimento existente, o que é muito comum no pensamento clássico. A filosofia contemporânea chegou para quebrar paradigmas e questionar o mundo, o homem, a sociedade e até Deus, assim como novas formas de conflitos e reivindicações sobre a organização geopolítica e epistêmica do sistema-mundo contemporâneo, levando a iluminar a contemporaneidade problemas sociais, econômicos e científicos, colocando novas questões para obter novas respostas. Dentro desse novo formato de filosofia, muitas teorias foram desenvolvidas, com diferentes visões e abordagens, com diferentes filósofos, que veremos a seguir. Friedrich Hegel (1770–1831) Filósofo alemão que fundou a Teoria Hegeliana. Baseadas na dialética, no conhecimento, na consciência, na espiritualidade e na história, suas teorias mostram uma preocupação com a modernidade, trazendo a realidade para um sistema conhecido como idealismo transcendental. Para ele, a moral é o resultado das relações entre o indivíduo e o meio, com a sensação de que a realidade está em constante desenvolvimento e transformação, onde todas as partes interagem e se movem em uma direção racional (BUCKINGHAM et al., 2011). Arthur Schopenhauer (1788–1860) 36 Na teoria desse filósofo, a essência do mundo é sustentada pela vontade individual de viver de cada pessoa, que constitui sua visão de mundo. Está dividido em duas partes, observação e experiência. A observação refere-se à forma como vejo o universo, com as minhas crenças e cultura; a experiência refere- se às coisas que conheço, por isso observo o mundo apenas a partir do que já vi e vivi (BUCKINGHAM et al., 2011). Augusto Comte (1798–1857) Comte criou uma corrente filosófica chamado positivismo, que acreditava apenas no conhecimento científico como verdade indiscutível. Esse movimento sugere que as ciências exatas têm um valor e uma relevância social acima das ciências humanas, que buscam apenas entender a natureza humana, desenvolvendo o pensamento crítico (BUCKINGHAM et al., 2011). Dadas essas perspectivas, é possível perceber que a filosofia contemporânea vem questionar, criticar e, sobretudo, modificar o atual cenário social, que passava por transformações decorrentes de tecnologias que modificaram não só os meios de produção, mas também o estilo de vida, as necessidades sociais e materiais de todos os cidadãos. Ludwig Feuerbach (1804–1872) Esse filósofo alemão foi por muitos anos discípulo de Hegel, adotando posteriormente um pensamento contrário ao de seu mestre. Sua principal característica é o ateísmo, principalmente em relação ao conceito de Deus, que seria uma expressão de alienação da sociedade. Ele também acreditava que o homem era um ser finito, ou seja, suas obras e sua história terminariam com ele quando ele morresse, contrariando o pensamento cristão atual (BUCKINGHAM et al., 2011). Seus escritos influenciaram um grande pensador chamado Karl Marx. Karl Marx (1818–1883) Conterrâneo de Hegel e Feuerbach, Marx é um dos principais filósofos contemporâneos. Seria errado atribuir o marxismo apenas a Karl Marx, já que Friedrich Engels contribuiu para o principal livro atribuído a Marx intitulado de “O manifesto”, um panfleto de 40 páginas. Sua teoria, denominada marxista, tinha como principal objetivo a compreensão materialista do desenvolvimento da sociedade, que 37 vinculou o valor monetário ao valor social de uma pessoa. Marx pretendia não apenas questionar o mundo, mas também transformá-lo por meio de suas ideias, chamadas de comunismo. Esse modelo propunha separar a sociedade em duas classes principais, a burguesia — aquela que possui os meios de produção — e o proletariado — que é a classe trabalhadora (BUCKINGHAM et al., 2011). A principal característica de Marx eram suas ideias revolucionárias, principalmente
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