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VERO Lua Valentia 2 3 Índice • Contexto histórico da magia do caos 18 • Contexto filosófico da magia do caos 21 • Contexto científico da magia do caos 37 • Conceituando magia do caos 39 • A cultura caote 46 • Como a magia funciona 68 • As vantagens do caos 78 • Foco e disciplina 86 • Armadilhas prejudicais 91 • Tecnomagia e a corrente 108 105 • Magia do caos e política 116 • Magia para o descrente 126 • Geometria sagrada 131 • Deidades caóticas 138 • Estado de gnose 140 • Visualização 150 • Banimentos 155 • Mágicka de emergência 160 • Sigilos 161 • Hipersigilos 182 • Servidores 190 • Criando o seu próprio deus 214 • Pacto com o diabo 221 • Caos e baphomet 231 4 • O papel dos illuminati no novo aeon 235 • Transmutação 243 • Ansiedade na magia 254 • Preguiça na magia 258 • Trabalho com a sombra 263 • Fortalecendo a mente 280 • Técnicas caóticas úteis 284 • Parasitismo astral 287 • Garrafa da transmutação 302 • Três dons que você deve treinar 304 • Baterias mágickas 307 • Dicas finais 309 5 SOBRE Crie sua própria religião, invente sua realidade, fabrique o seu mundo. Talvez você seja realmente um fã do nonsense, ou simplesmente não queira levar a vida tão a sério. Magia do Caos proporciona tudo isso e muito mais, basta que você faça um bom uso da sua imaginação. Magia do Caos é o metassistema mais utilizado atualmente. O simples fato de adaptar um ritual para sua própria realidade pode ser considerado Magia do Caos. Isto que você tem em mãos não é um simples livro, mas sim um portal caótico que te levará a encontros inesperados. Toda leitura é uma viagem e aqui estamos aproveitando a nossa. É muito provável que você também tenha caos dentro de si. E que por tabela tenha essa vontade imensa de criar um universo inteiro, interconectado. 6 A Magia do Caos começa com a imaginação. Tudo aqui é um exercício de criatividade. É, de fato, um processo mental. Por isso a minha fascinação em compreender a mente! Aliás, você sabia que a palavra mente vem do termo em latim mentém, que tem o significado de medir, pensar, conhecer, entender? Veja, você está lendo rapidamente essas linhas, que são formadas por palavras e por letras. Aliás, as letras nada mais são que signos e você consegue decifrar... seu objetivo deve ser entender o significado de cada palavra e criar na sua mente uma interpretação do texto. Se você levar este livro para um clube de leitores, provavelmente todos saberão ler e entender o que está escrito, ainda que cada pessoa tenha uma interpretação subjetiva para cada passagem. Não é mágico? A base da Magia do Caos está em criar e se conectar com sigilos, servidores, egrégoras e 7 deidades. Sigilos são signos que remetem a algum significado mágico. Tudo isto é magia e funciona como nos explica a semiótica, a ciência que estuda os signos. A semiótica observa certos fenômenos culturais. Trata-se de uma disciplina para alunos da Comunicação, assim como a linguística é uma disciplina para alunos das Letras. A linguística estuda os signos linguísticos, como nossa mente aprende a linguagem. Já a semiótica estuda qualquer sistema sígnico, tais como artes visuais, música, fotografia, cinema, culinária, vestuário, gestos, religião, ciência. Quanto mais signos você souber, mais culto será. Acessar diversos conhecimentos também aumenta seu repertório mágico. Eu sei por que você está lendo este livro. Você busca poder, aventura, satisfação. Você quer uma vida fantástica, quer aprender a usar melhor as energias que pulsam em você. 8 Sua vida está ruim? Está difícil? Saiba que você tem o poder de mudá-la. Pela primeira vez na história, a humanidade tem bibliotecas inteiras à disposição, conhecimento gratuito a cliques de distância. Tendo um teto sobre sua cabeça e acesso ao conhecimento, você tem a fórmula para o sucesso. Sabedoria de milênios está armazenada bem aí no seu smartphone. Algo que era impensável há décadas atrás! Então pergunto, como você gasta seu tempo? Através da criatividade, organização, da disciplina, do estudo e da prática, você pode melhorar a sua vida, mudar a sua rotina, trazer magia para a sua casa. A Penumbra está reunindo o que há de melhor e revelando o oculto para você, de forma a facilitar a sua vida. Agora você pode ser de fato quem você é, basta sair um pouco da zona de conforto e buscar conhecimento nas áreas que você tem dificuldade. 9 Nós juramos, tudo que você precisa está ao seu alcance. Este livro está dividido em 2 partes: Magia do Caos e Magia da Transmutação. Cada parte é importante. Por se tratar de um livro básico, você não terá problemas em entender os conceitos. Sinta-se à vontade para discordar do que lê, questionar o que foi escrito e até mesmo duvidar de cada vírgula. É importante que você faça suas próprias pesquisas e trace o seu destino. Não é obrigatório (nem necessário) seguir tudo que está aqui exatamente como eu escrevo. Lembre-se de que são apenas sugestões, dicas e experiências. Demorei muito tempo para encaixar magia na minha realidade do dia-a-dia, faça como se sentir mais à vontade. Eu estou aqui passando meu próprio grimório, ou seja, o recorte mágicko que eu achei relevante 10 para a minha prática pessoal. Eu espero que ajude a sua jornada. Seja como for, eu estarei sorrindo e torcendo por você. Espero que se divirta lendo! Com carinho, Lua Valentia INTRODUÇÃO À MAGIA DO CAOS Conheço uma pessoa que sempre exclama: “que magia!” quando se depara com algo belo ou que a emociona. Magia de fato pode ser um estado de espírito, um conceito filosófico e até mesmo prático. Neste livro, defino magia como a arte de influenciar o dia-a-dia mundano, utilizando ferramentas da psicologia, da comunicação, da arte, da ciência e do ocultismo para alcançar determinados objetivos. 11 Aqui irei definir Magia do Caos como a capacidade que o magista tem de mudar seus sistemas de crenças. Ou seja, você realmente acredita em algo enquanto sua crença durar, ao mesmo tempo em que se sente apto para mudar de ideia a qualquer momento, experimentar novas perspectivas e quebrar paradigmas. Mas antes de sair quebrando paradigmas, precisamos entender claramente o significado da palavra1: Paradigma é um modelo ou padrão a seguir. Etimologicamente, este termo tem origem no grego paradeigma que significa modelo ou padrão, correspondendo a algo que vai servir de modelo ou exemplo a ser seguido em determinada situação. 1 Visto em: https://www.significados.com.br/paradigma/ 12 São as normas orientadoras de um grupo que estabelecem limites e que determinam como um indivíduo deve agir dentro desses limites. O termo surgiu inicialmente em Linguística na teoria do signo linguístico criada por Ferdinand de Saussure, na qual relacionava o signo ao conjunto de elementos que constituem a língua. O paradigma seria o conjunto de elementos linguísticos que podem ocorrer no mesmo contexto ou ambiente. Os elementos são substituídos por outros que vão ocupar a mesma posição. Por exemplo, na Gramática o verbo “cantar” serve de paradigma à primeira conjugação porque irá se flexionar em várias formas e outros verbos terminados em “ar” seguirão esse modelo. 13 Na filosofia, um paradigma está relacionado com a epistemologia, sendo que para Platão, um paradigma remete para um modelo relacionado com o mundo exemplar das ideias, do qual faz parte o mundo sensível. O norte-americano Thomas Samuel Kuhn (1922-1996), físico e filósofo da ciência, no seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” designou como paradigma as “realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados.” O paradigma é um princípio, teoria ou conhecimento originado da pesquisa em um campo científico. Uma referência inicial que servirá de modelo para novas pesquisas. 14 Paradigmas educacionais Um paradigma educacional é um modelo usado na área da educação. Paradigmas inovadores constituem uma prática pedagógica que dá lugar a uma aprendizagem crítica e que causa uma verdadeira mudança no aluno. O paradigma usado por um professor tem grande impacto no aluno, muitas vezes determinando se ele vai aprender ou não aprender o conteúdo que é abordado. A forma de aprendizagem das novas gerações é diferente das gerações anteriores, e por isso um paradigma conservador não terá grande eficácia. Paradigma cartesiano Segundo o paradigma cartesiano, para conhecer o todo, é necessário dividi-lo nas 15 várias partes que o integram e estudar cada uma dessas partes individualmente. Por exemplo, para conhecer um carro, entrar nele e dirigi-lo, é preciso conhecer as suas partes, como o motor e outros componentes. O paradigma cartesiano é o oposto do paradigma holístico, que entende que os fenômenos têm que ser contemplados na sua existência global para serem entendidos. Paradigmas de programação Um paradigma de programação é definido pela maneira como um determinado programador resolve um certo problema, fornecendo visão e determinando como o programador estrutura e executa este programa. Os quatro principais paradigmas de programação são: paradigma imperativo, declarativo, funcional e orientado a objetos. 16 A diferenciação entre os paradigmas de programação é feita através das técnicas que estes mesmos paradigmas permitem ou proíbem. É por isso que paradigmas mais recentes são vistos como mais rígidos do que os modelos mais antigos. Paradigma da Complexidade Complexidade é um termo usado na filosofia, epistemologia, linguística, pedagogia, matemática, química, física, meteorologia, estatística, biologia, sociologia, economia, medicina, psicologia, informática ou em ciências da computação. Por esse motivo, a sua definição sofre alterações dependendo da área em questão. A teoria da complexidade é também conhecida como desafio da complexidade ou pensamento da complexidade. 17 O paradigma da complexidade, ou pensamento complexo, tem como objetivo relacionar várias disciplinas e formas de ciência, no entanto sem misturá-las. O paradigma da sociedade flui para várias áreas da sociedade e inclui a incerteza como uma abertura de novas possibilidades e não como algo que trava o processo de pensamento. — Via Significados O problema, portanto, não é o paradigma em si, mas o apego exagerado e cego a ele, de forma a enxergar o mundo de modo engessado e pré- programado. Por isso, você precisa se perguntar sempre: quem programa a sua crença? Este livro está tentando programar algo em você ou oferecer ferramentas preciosas? Quais símbolos e signos este livro fornecerá a você? Magia, desta forma, também é a manipulação 18 e a criação de símbolos, signos e rituais que irão interferir na vida prática e no dia-a-dia. CONTEXTO HISTÓRICO DA MAGIA DO CAOS A Magia do Caos se iniciou, não com este nome, com o artista inglês Austin Osman Spare, nascido em dezembro de 1886. Ele trabalhou principalmente como pintor e desenhista; exibiu suas obras em galerias londrinas. Spare tinha suas próprias teorias sobre a ligação entre consciente e inconsciente. Desenvolveu técnicas mágicas como sigilação, escrita automática, desenho automático. Para ele, a técnica da sigilação precisa do esquecimento deliberado para que alcance o inconsciente. Spare escreveu obras conhecidas como O Foco da Vida; O Livro do Prazer: A Psicologia do 19 Êxtase; Anathema of Zos; EARTH inferno; dentre outras. O artista iniciou um movimento chamado de Zos Kia Cultus, um sistema baseado em Magia Sexual e sigilização mágica. Spare foi considerado um ocultista satânico, assim como Aleister Crowley, por te se envolvido com temas tidos como contraditórios da magia. Na década de 1970, o legado de Spare tomou força com a criação da IOT (Illuminates of Tanatheros), ou os Iluminados de Tanatheros. O nome é uma mescla entre Thanatos, o Deus grego da personificação da Morte, e o Deus Eros, a personificação do Amor. Assim, numa tradução literal, teríamos: os Iluminados do Amor e da Morte. A IOT foi criada por Ray Sherwin e Peter Carroll. Foi a primeira Ordem a utilizar o termo Magia do Caos. Ficou conhecida como “herdeira mágica dos Zos Kia Cultus e da A.'. A.'.", especialmente após a publicação de O Livro dos 20 Resultados, de Sherwin e o Liber Null e Psiconauta de Carroll, obras consideradas básicas para os estudantes do Caos. Assim como Spare, Peter Carroll é visto como um dos maiores magistas desde Crowley e escreveu outras obras além das básicas. De fato, Magia do Caos vai muito além de sigilos e servidores. Na medida em que nos aprofundamos nas teorias, afiamos a criatividade, algo essencial para o resultado. Ademais, as experimentações caóticas passam pela matemática, pela física, pela neurociência e pela psicologia. Algo que Carroll chama de "chaometria". CONTEXTO FILOSÓFICO DA MAGIA DO CAOS 21 O conceito de Caos, entretanto, é muito anterior a todos estes ocultistas. Foi o filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche, nascido na Prússia em 1844, quem escreveu a consagrada frase: “Eu vo-lo digo: é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”, em seu livro Assim falou Zaratustra. É importante lembrar que Nietzsche era apenas 42 anos mais velho que Spare e 31 anos mais velho que Crowley, digo isso tão-somente para dar a você uma noção de proporção histórica. Nietzsche é a base de muitas correntes filosóficas. Inspirou Sigmung Freud, Gilles Deleuze e tantos outros pensadores. Até mesmo o ocultista Aleister Crowley era fissurado com os conceitos nietzschianos, tendo se apropriado de muitos deles para formular a religião filosófica de Thelema. 22 Nietzsche pode ser considerado um dos nossos profetas… — Magick Without Tears, cap. 48 De fato, Crowley resolveu seguir os passos de Elisabeth Förster-Nietzsche, irmã de Nietzsche, e procurou sacralizar o filósofo como um místico gnóstico, uma espécie de avatar de Thoth, o Deus egípcio da sabedoria. Mas isto não nos interessa a priori, já que nosso foco hoje é em Magia do Caos e não Thelema. É por tudo isso que repetimos a frase de Zaratustra com gosto: de fato, é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante. Zaratustra, neste caso o personagem de Nietzsche baseado no profeta histórico, fala com todos e para ninguém. Ele é um mestre da linguagem e sai para conversar sobre filosofia. Seu jogo de palavras é muitas vezes sarcástico e contraditório. Posa como um místico, porém seus 23 diálogos cosmológicos não são subjugados pela metafísica. É justamente no Caos de Zaratustra que Peter Carroll, o pai da Magia do Caos, se aproxima de Nietzsche, ambos pautados na mitologia greco- romana. Para Carroll, Caos pode ser considerado a força primordial, enquanto para Nietzsche ele tem a ver com a Vontade de Potência. Em ambos os casos, Caos é expansão e criação2: O conceito de Vontade de Potência foi criado por Nietzsche como base para o desenvolvimento de outras ideias. Trata-se de uma proposição ontológica que sustenta toda sua teoria, inclusive sua genealogia da moral é retirada das relações entre a Vontade de Potência. 2 Visto em: https://razaoinadequada.com/2013/07/15/nietzsche-vontade- de-potencia/ 24 Nietzsche toma inicialmente este conceito de Schopenhauer. A vontade é cega e insaciável, uma força que estaria para além dos nossos sentidos. Una, ela representa tudo que vemos, é o substrato que constitui a existência. Mas para Nietzsche, a Vontade não está fora do mundo, ela se dá na relação, ou seja, é múltipla e se mostra como efetivação real. É impossível uma só força, uma força única e indivisível, a vontade de potência se diz sempre no plural. Sendo assim, o mundo seria esta luta constante, sem equilíbrio possível, apenas tensão que se prova pelo movimento, às vezes delicado, outras vezes violento. A vida é Vontade de Potência, mas não se pode restringi-la apenas à vida orgânica; ela está presente em tudo, desde reações químicas mais simples até à complexidade da psiquê humana (e é no ser vivo que a vontade de potência pode se expressar com 25 mais força). Ela é aquela que procura expandir-se, superar-se, juntar-se a outras e se tornar maior. Tudo no mundo é Vontade de Potência porque todas as forças procuram a sua própria expansão. Neste campo de instabilidade e luta, jogo constante de forças instáveis, a permanência é banida junto com a identidade: neste mundo reina a diferença. Força como superação, como constante ir para além dos próprios limites. A vontade se mostra como sede de dominar, fazer-se mais forte, constranger outras forças mais fracas e assimilá-las. Quanto pode uma força? A onda sonora que se expande, o ímã que atrai, a célula que se divide formando o tecido orgânico, o animal que subjuga o outro são exemplos desta Vontade que não encontra um ponto de repouso, mas procura sempre conquistar mais. Cada força, quando dominante, abre 26 novos horizontes, encontra novas passagens, cria novos caminhos. Se, em física, potência é a capacidade de realizar trabalho; na filosofia, Vontade de Potência é a capacidade que a Vontade tem de efetivar-se. Contra uma interpretação rasa de Darwin, Nietzsche argumenta que o homem não pode e não quer apenas conservar-se ou adaptar-se para sobreviver, só um homem doente desejaria isso; ele quer expandir-se, dominar, criar valores, dar sentidos próprios. Isto significa ser ativo no mundo, criar suas próprias condições de potência. É um efetivar-se no encontro com outras forças. Por isso não daremos a representação que os escravos dão de potência. Esta não pode ser representada como um lugar a se chegar ou algo a se fazer, não é uma representação, um signo. A Vontade de Potência não é a vontade querendo potência, 27 não significa que a vontade deseja uma potência que não tem. A potência não é algo que possa ser representado. Isso é julgar através dos valores já estabelecidos. Para Nietzsche é exatamente o contrário: a Potência é aquilo que quer na Vontade. E o que é a potência? É um eterno dizer-sim. A potência se afirma na vontade quando diz “Sim” ao devir. É a afirmação pura de sua própria efetivação, a alegria provém da afirmação. E o sentido é o resultado destas forças. E apenas através de Nietzsche, sendo completa e plena de si, a Vontade de Potência pode ser aquilo que dá sentido e cria valores. Ela cresce e se ultrapassa. Não há falta a ser preenchida, é excesso que transborda. Ela não busca, ela dá; não procura, cria; não aspira, compõe; não exige, inventa; não interpreta, fabrica. E este é o dever e direito do filósofo: criar valores. 28 – Via Razão Inadequada O conceito de Vontade em Nietzsche nada tem nada a ver com uma vontade qualquer da qual o mundo teria se originado, mas sim com a expansão da vida. E aqui, assim como Carroll, Nietzsche inclui tudo: desde a matéria inanimada quanto a orgânica e até mesmo a consciência. Tanto Carroll quanto Nietzsche são amorais, isto é, não se preocupam em estabelecer leis ou diretrizes como verdades. É aqui que Nietzsche e Carroll se afastam de Thelema, pois ambos estão muito mais preocupados em desconstruir a moralidade e criar princípios éticos do que estabelecer algum tipo de lei. E sabeis… o que é pra mim o mundo?… Este mundo: uma monstruosidade de força, sem princípio, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força… uma economia sem 29 despesas e perdas, mas também sem acréscimos, ou rendimento,… mas antes como força ao mesmo tempo um e múltiplo,… eternamente mudando, eternamente recorrentes… partindo do mais simples ao mais múltiplo, do quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez… esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a- si-próprio, do eternamente-destruir-a-si- próprio, sem alvo, sem vontade… Esse mundo é a vontade de potência — e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência — e nada além disso!” — Nietzsche, Fragmento Póstumo Tanto Nietzsche quanto Carroll compreendem que a religião, de modo geral, é um projeto para camuflar o sofrimento, domesticar a humanidade. 30 Este projeto é contrário à Vontade de Potência, pois ele é voltado para a degeneração da vida e não sua expansão. Carroll se afasta de Nietzsche em dois pontos. Primeiro: ele não se preocupa em apenas como quebrar os paradigmas, expor suas contradições e limitações, mas sim em apontar qual é o benefício em usar cada um dos paradigmas como fonte de Potência, porém sem necessariamente se apegar a eles. Isso fica bem visível quando Carroll se debruça sobre o zeitgeist de cada Aeon, expondo as mais diversas crenças e suas utilidades. Assim como Nietzsche, Carroll gargalha para as verdades absolutas. Mas ao contrário de Nietzsche, ele não as rejeita enquanto instrumento. O segundo ponto em que divergem é a questão do dualismo. Principalmente em Liber Null e Psiconauta, Carroll apresenta o dualismo para sistematizar seu pensamento. Nietzsche abomina 31 qualquer tipo de dualismo, dando preferência a uma visão holística sobre a vida e a morte. Tanto Nietzsche quanto Carroll desprezam a autoridade no sentido que esta degenera a vida, impedindo a Vontade de Potência de agir. Assim Falava Zaratustra, portanto, também quebra paradigmas: A obra é um elogio à solidão, ao livre pensamento, à comunhão com o superior, à união com um deus que não seja o Deus tradicional da religião, mas o próprio homem, sublimado pelo bem, pela razão, por sua própria essência que lhe permite o eterno retorno e atinge sua perfeição na convivência com a natureza, perfeição que o leva a criar continuamente, a viver de modo intenso e transparente da vida, a superar-se a si mesmo e a projetar-se para o alto e o além. Para além de suas amarras com o 32 egoísmo e com todos os valores estabelecidos pelos governantes, para além da convivência com a massa informe do povo, para além de seus augustos limites. — Ciro Mioranza Carroll e Nietzsche são livres pensadores, avessos a qualquer tipo de absolutismo filosófico. São gozadores, contraditórios, atemporais, ainda que permaneçam, sob muitos aspectos, reflexo de suas respectivas experiências contemporâneas. Ainda sobre a visão de Caos de Nietzsche, o então doutorando Leonardo Mees 3 escreveu um artigo muito interessante intitulado “Nietzsche e o caos como caráter geral do mundo”. Reproduzo parte do artigo para o entendimento melhor acerca da filosofia nietzschiana: 3 Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/579 33 Numa anotação póstuma, da época da redação de A gaia ciência, Nietzsche afirma que: “constantemente o caos ainda trabalha em nosso espírito: conceitos, imagens, sensações são postas de modo acidental [zufällig] um ao lado do outro, jogados como dados [gewürfelt]” (KSA 9, 11[121]). O caos ainda atua em nosso espírito quando, de repente, somos tomados de perplexidade diante das relações acidentais que nos acontecem, sejam elas da ordem da sensação, quando percebemos coisas inusitadas, seja da ordem das imagens, quando diferentes configurações se nos apresentam, seja da ordem do conceito, quando não entendemos bem uma coisa, que achávamos ter entendido. De Nietzsche e o caos como caráter geral do mundo repente os lances podem 34 mudar os nossos planos, novos dados podem ser combinados e mudar toda nossa forma de ver o mundo. O caos pode se mostrar nos acasos e despropósitos, quando uma ordem de mundo se quebra, quando um hiato deixa entrever o espaço de jogo do mundo. No entanto, caos não é sinônimo de acidente, acaso ou quebra de sistema. Mas, são justamente os acidentes, os acasos, os despropósitos, as quebras, os bugs, etc., – em suma, todos os momentos, que evidenciam os limites de uma igualação conceitual do mundo, – que nos despertam do cochilo dogmático de ler o acontecimento do mundo de forma substancial ou sistêmica. Até hoje o “acaso” e o “caos” foi malentendido na filosofia, ainda são entendidos como oposição às causas, aos fins e aos propósitos. No entanto, os acasos, 35 acidentes, quebras, etc. somente são compreendidos como oposição porque previamente já se havia estabelecido uma finalidade nos acontecimentos, porque os acontecimentos já estavam projetados para serem lidos de forma teleológica, seja pela ontologia substancial ou a sistêmica. “Quando vocês souberem que não há propósitos, saberão também que não há acaso: pois apenas em relação a um mundo de propósitos tem sentido a palavra “acaso’” (GC, § 109). São os “mestres da finalidade da existência”, que sempre de novo veem finalidades em tudo que acontece necessariamente e por si, sempre sem nenhuma finalidade” (GC, § 1). Os mestres da moralização da vida entram em cena sempre que surgem acasos e inserem um propósito neste acontecer. 36 Não são capazes de rir dos acasos, como rir de si mesmos, “como se deveria rir para fazê-lo a partir da verdade inteira”. O caos do mundo depende de uma nova interpretação do próprio acontecimento de jogo do mundo, depende uma ontologia que não o entenda como exceção, como um acidente ou uma quebra nas leis necessárias do mundo. — Leonardo Mees CONTEXTO CIENTÍFICO DA MAGIA DO CAOS Enquanto Nietzsche nos oferece uma perspectiva filosófica, nós também consideramos a Teoria do Caos, ou do Efeito Borboleta, a mais 37 plausível em termos científicos. Você provavelmente já conhece a famosa frase: “O bater de asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado no Texas”. Esta frase, na verdade, é uma alegoria para a Teoria do Caos. O conceito de “Efeito Borboleta” foi cunhado em 1963 pelo matemático norte- americano Edward Lorenz. Tudo começou quando Lorenz tentou previr o tempo. Para tanto, ele testou um programa de computador cuja função era simular o movimento das massas de ar. Ao colocar um número com casas decimais a menos, uma alteração aparentemente insignificante, o cientista esperava que o resultado mudasse quase nada. Entretanto, o que aconteceu foi o oposto. O resultado chocou o cientista. Foi então que ele escreveu as equações que demonstravam o “efeito borboleta”, um sistema de equação que no papel 38 parece de fato uma borboleta, chegando à conclusão de que a previsão do tempo jamais será infalível. Qualquer pequena mudança pode dar resultado a situações impensadas. Portanto, os eventos são caóticos e imprevisíveis. Mais tarde, outros cientistas chegaram às conclusões semelhantes. “As equações de Lorenz para o caos das massas de ar surgem também em experimentos com raio laser, e as mesmas fórmulas que regem certas soluções químicas se repetem quando estudamos o ritmo desordenado das gotas de uma torneira”, afirmou o matemático Steven Strogatz 4 , da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Graças a Teoria do Caos que entendemos os efeitos inesperados em cadeia, bem como por que as mutações de DNA existem, que dão origem à 4 Disponível em: https://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/o-que-e- ateoria-do-caos/ 39 diversidade genética e à própria evolução. Sem caos não há diversidade, não há vida. CONCEITUANDO MAGIA DO CAOS Magia do Caos é um convite para arte e a liberdade. É o sistema (ou seria anti-sistema?) de vanguarda perfeito para artistas, experimentalistas e cientistas malucos. Sem prática, o sistema caótico é nulo. Portanto, é necessário empenhar-se para obter os resultados necessários. Nada importa, desde que funcione. Seguindo a mitologia grega, Caos é o princípio de tudo, é o Deus primordial. Magia é o processo pelo qual nos conectamos ao Caos. Podemos acreditar profundamente ou não, para o Caos a crença não importa. O que importa é que funciona: 40 A Magia do Caos baseia-se no entendimento de que a ordem é um conceito imposto ao universo. Os sistemas de ordem, seja religião ou ciência, são tentativas de controlar e subjugar, e devem encontrar maneiras de descartar o que não é controlável ou compreendido. Os magos do caos, que se baseiam nas noções filosóficas orientais, postulam a ideia de que o universo é um vasto conjunto imortal que transcende todas as categorias e conceitos. Pode ser intuído, mas não definido. O caos é visto, não como a desordem que se opõe à ordem, mas como a Ordem além da compreensão. Como tal, o caos é idêntico ao Brahman Hinduísta e ao Caminho Taoísta. A teoria do caos também concorda com a crença articulada nos Upanishads de que 41 Atman, a essência interior do indivíduo, é idêntica ao Brahman, e que a iluminação deriva da experiência / conhecimento direto da verdade dessa identificação5. — Gordon Melton Por ocultismo nos referimos ao estudo do secreto; do que está no inconsciente coletivo, daquilo que não pode ser mensurável ou estudado num laboratório científico comum. Você já deve ter notado que há diversas crenças espalhadas pelo mundo. Dentro do universo da magia acontece o mesmo. Há vários sistemas mágicos diferentes que utilizam o ocultismo como base. 5 J. Gordon Melton, ed., "Chaos Magick", na Enciclopédia do Ocultismo e da Parapsicologia, vol 1. (Farmington Hills: Gale Group Inc., 2001), 271. 42 Podemos dividir tais sistemas em duas principais vertentes: a dogmática e a prática. Enquanto os dogmáticos apresentam doutrinas como certas e indiscutíveis, os práticos procuram testar tudo que encontram. A vertente do Caos é criativa, inovadora e não facilmente aceita dogmas e verdades indiscutíveis. Porém, ao dividirmos os sistemas em apenas duas possibilidades, acabamos por reforçar a visão dualista do mundo. O dualismo permeia os caminhos mágickos, causando uma cissura com muitos nomes: mão direita e mão esquerda; magia branca e magia negra; luz e sombras; etc. Há uma certa pressão para o magista escolha a sua persona mágicka e passe a aderir a uma só corrente de pensamento: ou ele tem uma visão bonachona ou assume o seu egoísmo. 43 Ao escolher um caminho, ele passa a usar o mesmo léxico de palavras de seus companheiros, rejeitando assim outras possibilidades. Ou seja, o mago acaba usando jargões típicos do seu grupo. Se o mago escolhe a luz, muitas vezes torna- se moralista e enfadonho. Esses magos querem convencer a população de que todos são tão bonzinhos e caridosos quanto eles: que Magia é inofensiva e que tudo aquilo que ele rejeita na prática alheia é historicamente incorreto, pois na mente dele nada de mau poderia existir. Ele quer ser um mago imaculado, voltado para as artes de cura. Este mago se esquece que luz demais também cega. Por outro lado, se o mago escolhe as trevas, ele se torna inconsequente e até mesmo inconveniente, tentando provar a todo custo que seu caminho é o mais interessante de todos. O mago das trevas acha todo mundo hipócrita, exceto ele próprio. Pode tornar-se egoico 44 por demais, apenas focado em acumular poder, falando sobre si mesmo o tempo todo e mostrando para o público o quão maravilhoso é. Há também, é claro, o Mago Cinza. O problema deste é simplesmente achar que está bem equilibrado, quando na verdade escolhe aquilo que lhe trará mais vantagem no final do dia. O problema do mago cinza é tornar-se “o isentão da magia”, querendo esconder-se de problemas espinhosos e evitando posicionar-se de fato. Este mago pode cair no erro da evidência suprimida, ou cherry picking em inglês, uma falácia. Trata-se de rejeitar certas questões e favorecer outras. O caminho do meio também pode ser bastante falacioso. Geralmente, os magos do meio prezam o “equilíbrio”, e aqui estamos diferenciando o Mago Cinza do Caminho do Meio porque muitos espiritualistas também seguem esta opção. 45 A falácia começa quando simplesmente o caminho do meio exige a supressão da sombra e não admite excessos, quando a magia cíclica demonstra que muitas vezes o excesso é necessário. Por fim, apresento a visão holística. Considero a visão holística é mais desejável para o autoconhecimento, pois ela entende que tudo está conectado. Ela estuda o passado e prevê as probabilidades do vindouro. O mago holístico pode ter seus momentos de isenção, de excessos e de profunda conexão com o todo. Ele está ligado as questões ambientais, mas também se preocupa com seu microcosmo, podendo ser visto até como egoísta as vezes. A visão holística faz com que o Mago experimente cada uma das opções, de maneira isolada, mas ciente do resultado do todo. Portanto, a Magia do Caos pode explicar o universo da magia pelo dualismo, mas ela é, em essência, uma prática holística, em que o resultado 46 final seja o Magista completo. Nem branco, nem negro, nem cinza. A CULTURA CAOTE Além de Peter Carroll, existem outros expoentes muito conhecidos pela comunidade global. Há algo que une todos eles: o amor pela arte, pela contracultura e pela ciência. Dentre eles, preciso citar o anarquista norte- americano Robert Anton Wilson (RAW), que escreveu "The Illuminatus Trilogy". Ele foi um dos papas do Discordianismo, como bem descreve a revista Gaia em seu artigo The pope of discordianism; who was Robert Anton Wilson? 6: 6 Visto em: https://www.gaia.com/article/robert-anton- wilson-discordianism 47 Um romancista, futurista, poeta e editor, mas principalmente um agnóstico em todos os sentidos, Robert Anton Wilson foi um dos nomes mais notáveis associados à religião paródica do Discordianismo. Wilson ajudou a desenvolver os conceitos do Discordianismo a partir de um livro chamado Principia Discordia, escrito por Greg Hill e Kerry Thornley. Wilson também colaborou com notáveis personalidades da contracultura, como Timothy Leary e Robert Shea, para expandir a fé falsa. O discordianismo contém três princípios principais: que há ordem, desordem e a noção de que ambas são ilusórias. Apenas rejeitando essas premissas é que podemos verdadeiramente perceber a realidade como ela é. E foi esse desconhecimento paradoxal em todos os níveis que se tornou tão atraente para Wilson. 48 oi essa paródia religiosa que mais recentemente inspirou paródias religiosas semelhantes, como a Igreja do Monstro do Espaguete Voador, também conhecido como pastafarianismo, que você seja tocado pelo seu apêndice de macarrão, o rAmen. Porém, mais do que Pastafarianos, Wilson desenvolveu o comentário social da sátira discordiana com sua compreensão de conceitos filosóficos e científicos complexos. Uma das práticas fundamentais do Discordianismo desenvolvida por Wilson é referida como OM, que encoraja a mudança social através da ruptura de paradigmas, a fim de forçar as pessoas a questionarem sua realidade. Isto é conseguido através de desobediência civil, ativismo, movimentos artísticos e hoaxes. 49 “Há um velho provérbio italiano: quando quatro se sentam para conspirar, três deles são tolos e o quarto é um agente do governo. Acredito que com as técnicas modernas de vigilância isso é mais verdadeiro do que nunca, e qualquer ação explícita contra a estrutura de poder está condenada ao fracasso por causa das técnicas de controle que foram desenvolvidas. Mas os impulsos anarquistas da arte não podem ser governados.”- Robert Anton Wilson Wilson também se referiria à OM como ontologia de guerrilha, ou o ato de expor subversivamente indivíduos a ideias, pensamentos e filosofias únicas, a fim de despertar a dissonância cognitiva. Este conceito surgiu da sua crença de que todos experimentam a vida através dos seus próprios "túneis da realidade" individuais. Estes túneis são a nossa 50 percepção da realidade filtrada por inúmeras coisas, incluindo educação, experiências de vida, estados mentais e construções sociais. O objetivo filosófico de Wilson era expandir esse túnel tirando um de sua zona de conforto e desprogramando esses filtros. A desprogramação pode ser alcançada através da meditação, hipnose, uso controlado de psicodélicos ou programação neurolinguística. Esses conceitos foram totalmente discutidos em seu livro, Prometheus Rising. Wilson, juntamente com o colega e co- autor Robert Shea, é mais famoso por The Illuminatus! Trilogy, uma série de livros que examinaram a contracultura ocultista e esotérica com humor cômico. Os dois escreveram sobre tudo, de Aleister Crowley a H.P. Lovecraft, Maçonaria e, claro, os Illuminati. 51 A série surgiu a partir de vários contos escritos para a revista Playboy, tornando- se sua razão de ser. A trilogia é uma obra de ficção, incluindo enredos sobre os illuminati, numerologia e drogas psicodélicas. Wilson e Shea também fazem referências a nomes populares em contracultura e literatura, incluindo Timothy Leary, William S. Burroughs e Ayn Rand. Embora o Illuminatus! os livros são satíricos e ridicularizam o estado conspiratório da mente; ao mesmo tempo, estão jogando com dispositivos de enredo que enfatizam conceitos filosóficos, como a dissonância cognitiva e a metafísica kantiana. Hoje o Illuminatus! Trilogy inspirou vários personagens, autores e dramaturgos, tendo sido transformados em várias adaptações teatrais. E embora o trabalho de Wilson 52 seja principalmente sátira, tornou-se o trabalho seminal da ficção de conspiração, inspirando um gênero que inclui empreendimentos mais sérios como O Código DaVinci e V de Vingança. A inspiração para o Black Mirror da Netflix também pode ser parcialmente atribuída ao Illuminatus! Apesar da propensão de Wilson à paródia, ele era um filósofo perspicaz que podia compreender tópicos complexos como a física quântica e ligá-la à cosmovisão de Discordia. Outras obras famosas incluem a trilogia Schrödinger Cat e a Psicologia Quântica. Destes últimos, ele se vangloria de que um físico quântico acreditava que ele tinha um diploma em matemática avançada, devido à sua astuta compreensão da teoria quântica. Foi esse tipo de brilhantismo que tornou Wilson tão presciente, especialmente em 53 uma época de desinformação e bombardeio da mídia. Esconder as verdades profundas no entretenimento satírico era a marca registrada de Wilson e ele era bem versado nisso. Desenho de nomes ocultistas como Aleister Crowley, a gurus filosóficos alternativos como George Gurdjieff e gênios futuristas como Buckminster Fuller, Wilson reconheceu tudo, e nada disso ao mesmo tempo. Ao contrário da maioria das religiões, os Discordianos têm permissão para acreditar em outras religiões e são encorajados a formar cismas e cabalas; a antítese do dogma religioso, com um aceno para o mundo das conspirações. Quando Wilson se descreve como um agnóstico, ele não significa apenas agnóstico no sentido de Deus, mas agnóstico sobre tudo. Esse paradoxo socrático, "a única coisa que sei é que não 54 sei nada", não poderia incorporar melhor o sentimento discordiano. Wilson disse: "Os discordianos não têm dogmas que são crenças absolutas. Nós temos 'catmas' com meta-crenças relativas.” MO de Wilson deveria pontificar alguém como um papa discordiano. A religião acredita que todo homem, mulher e criança na Terra tem a garantia da distinção papal e toda vez que ele era transmitido pela televisão ou pelo rádio, ele disseminava o papado para seus ouvintes. — Revista Gaia Além de RAW, William Burroughs, famoso escritor norte-americano, também se dedicou 55 bastante à magia do caos, criando técnicas literárias preciosas como cutup7: O cutup é um método mecânico de justaposição no qual Burroughs literalmente corta passagens de prosa por ele mesmo e outros escritores e os cola de volta ao acaso. Esta versão literária da técnica de colagem também é complementada pelo uso literário de outras mídias. Burroughs transcreve cutups gravados (várias fitas unidas), cutups (montagem) e experimentos de mídia mista (resultados da combinação de fitas com televisão, filmes ou eventos reais). Assim, o uso de cutups de Burroughs 7 Visto em: http://www.languageisavirus.com/creative- writing-techniques/william-s-burroughs-cut- ups.php#.XHyqa4gzZPY 56 desenvolve sua técnica de justaposição para sua conclusão lógica como um método de prosa experimental, e ele também faz uso de todas as mídias contemporâneas, expandindo seu uso da cultura popular. Quando Burroughs experimentou a técnica, ele começou a desenvolver uma teoria do corte e essa teoria foi incorporada em sua pseudociência do vício. Além de drogas, sexo e poder como aspectos da natureza aditiva do homem, Burroughs acrescenta uma análise do controle sobre os seres humanos exercitados pela linguagem ("a Palavra"), tempo e espaço (ou seja, a existência física do homem e as construções mentais usa para sobreviver e se adaptar). Drogas, sexo e poder controlam o 57 corpo, mas "bloqueios de palavras e imagens" controlam a mente, isto é, "prendem-nos" a padrões convencionais de percepção, pensamento e fala que determinam nossas interações com o ambiente e a sociedade. O cutup é uma maneira de expor os controles de palavras e imagens e, assim, libertar-se deles, uma alteração de consciência que ocorre tanto no escritor quanto no leitor do texto. Para Burroughs como artista, o cutup é um método impessoal de inspiração, invenção e um arranjo que redefine a obra de arte como um processo que ocorre em colaboração com outros e não é propriedade exclusiva dos artistas. Assim, os textos de Burroughs são comparáveis a experimentos contemporâneos semelhantes em outras artes, como a pintura de ação, 58 os happenings e a música aleatória. Sua teoria do corte também se assemelha à teoria literária de vanguarda, como o estruturalismo e a desconstrução. — Language is a Virus Não apenas de literatura vive o mundo caote: músicos colaboraram em muito para que a cena caótica se espalhasse, tais como Aphex Twin, Die Antwood e obviamente, Coil8. Através de uma poderosa trindade de estados quimicamente alterados, arcana oculta e transmutação tecnológica, Coil foi talvez a mais 8 Visto em: https://thequietus.com/articles/07447-strange- and-frightening-world-of-coil 59 estranha e ocasionalmente a mais assustadora das bandas. Enquanto sua história de vinte anos viu muito em termos de turbulências pessoais e tragédias enquanto eles se moviam através do hedonismo extremo e das consequências pós-AIDS do clã gay de Londres para uma existência mais hermética mas não menos intoxicada na costa sudoeste da Inglaterra, John Balance Geff Rushton) e Peter 'Sleazy' Christopherson permaneceram fiéis às suas intenções originais de explorar, como diz a capa do seu primeiro álbum: “Como o som pode afetar o estado físico e mental do ouvinte sério”. Tais explorações produziram um corpo único e incomparável de trabalho que não só traça um caminho mais inconvencional através de tecnologias musicais 60 emergentes, mas também sinaliza um conjunto infernalmente complexo de referências a teorias ocultas e figuras desviantes ao longo da história (de Aleister Crowley a William S Burroughs) pelo caminho. Mas o alto custo físico e mental de seus processos criativos muitas vezes levava a grandes lacunas em sua produção. — The Quietus No universo áudio-visual, que começou como uma manifestão anti-cultural, o projeto mais conhecido é o Psychic TV, formado por Genesis P- Orridge e Peter Christopherson (também de Coil). A geração mais nova se comove com os sigilos maravilhosos de Kindra Tia Haugen, que em seu blog SigilSeer espalha a sua arte. 61 Nos quadrinhos, certamente o mais conhecido e famoso é Grant Morrison, que também trouxe luz para o conceito caótico de popmagick. Já no quesito de podcast, contamos com a incrível sabedoria de Gordon White no seu programa semanal conhecido como Rune Soup. Autores consagrados temos aos montes, tais como Dave Lee, cujo livro mais famoso em português é Caostopia, Andrieh Vitimus, Phil Hine, Siddartha Wetzel, Jaq D Hawkin, Julian Vayne, Nikki Wyrd, Lionel Snell (Dukes), dentre outros. Preciso destacar os artistas Tommie Kelly e Joshua Madara. Tommie é um escritor, artista, ocultista e blogueiro que ficou muito famoso aqui no Brasil por sua criação dos Quarenta Servidores, um sistema mágico inovador e relativamente simples. Tratam-se de servos astrais criados para auxiliar os magistas. Cada servidor tem um 62 propósito específico. Há Servidores de proteção, saúde, criatividade, destruição etc. Tommie fez um ritual no Halloween para dar vida aos Servidores e você pode usar as cartas de forma similar a um baralho de tarot ou como imagens para auxiliar seus rituais. Eu tive o prazer de traduzir seu grimório para Penumbra Livros, trazendo os Quarenta Servidores para o Brasil. Conversei com ele 9 sobre como os brasileiros tratam os Quarenta Servidores e ele afirmou que achava estranha a ideia brasileira de punição: 9 Disponível em: https://www.specula.com.br/singlepost/2017/10/28/Conver sei-com-Tommie-Kelly-sobre-comoos-brasileiros- est%C3%A3o-tratando-os- servidores?fb_comment_id=1140861046011820_114086995 9344262 63 Eu vejo principalmente no grupo brasileiro de Facebook, isso não acontece em outro lugar, e eu realmente não tenho ideia de onde isso veio. Eu suponho que muitas pessoas que usam os Servidores simplesmente não leram nenhuma literatura ou instruções, pois as pessoas têm ideias realmente estranhas sobre "pagamento" e "serem punidas". Então, tão claro quanto eu possa ser: Os Servidores NUNCA punirão você. Eles se alimentam de atenção e o uso para que você nem tenha que alimentá-los. Você dá ofertas como um agradecimento não como um pagamento. A oferta que eu sugiro são velas de luz de chá e isso é mais do que suficiente. Se você quer fazer algo mais, faça um agradecimento público. Mas é isso - você não precisa fazer mais nada, você não precisa pagar nada mais e você certamente 64 não será de nenhuma maneira punido se você não fizer isso. — Tommie Kelly Acho relevante reafirmar o conceito de que os Servidores nunca punirão o magista, especialmente porque brasileiros ainda são movidos pela culpa judaico-cristã. Joshua Madara é um artista tecnomago americano. Ele é designer de interações ocultistas e mago das novas mídias. Joshua ficou conhecido por seu trabalho no site Hyperritual. Recentemente, ele migrou o conteúdo para o projeto Eldritech, inspirado principalmente por tecnologias de ficção que combinam ontologias físicas e metafísicas. Assim como a maioria dos tecnomagos que eu conheço, ele prefere manter sua vida longe dos holofotes. Joshua criou uma série de robôs controlados pela mente, uma varinha mágica eletrônica, dentre outros projetos incríveis. Ele se 65 considera um robomancer, e me explicou o motivo durante uma entrevista para a Penumbra10: Eu uso a palavra “robomancia” da mesma forma que muitas pessoas hoje usam ‘necromancia’, o que significa que denota uma variedade de atividades ocultas envolvendo robôs, não apenas adivinhação. Robomancia explora adivinhação, encantamento, invocação, evocação, etc., com robôs. Para algumas pessoas, a magia e a tecnologia são temas antitéticos, mas para mim, a magia é uma espécie de tecnologia, e computadores e robôs são apenas um outro meio para a arte – incluindo a Arte Mágica. 10 Disponível em: http://www.penumbralivros.com.br/2017/11/penumbraentr evista-tecnomago-americano-joshua-madara/ 66 Robomancia é realmente semelhante à necromancia na minha mente, na medida em que ambas estão preocupadas com a magia de coisas que não estão exatamente vivas, mas também não são completamente mortas. — Joshua Madara Joshua também criou um computador11 de Magia do Caos baseado no livro The Octavo do Peter Carroll com uma pegada vintage incrível. Ele escreveu sua primeira calculadora mágica de caos virtual há muitos anos, para um dos cursos que ensinou no Arcanorium12 de Peter Carroll. 11 Disponível em: https://pastebin.com/iehPrnqj 12 Disponível em: http://www.arcanoriumcollege.com/ 67 "Cinco variáveis podem ser alteradas para valores entre 0,0 e 1,0 rodando cinco botões. Gnose, Link, Subliminalização e Crença são multiplicados para calcular o valor Mágico que é exibido no medidor de painel esquerdo e que é aplicado ao valor de Probabilidade Natural para calcular o valor de Probabilidade Mágica exibido pelo medidor de painel à direita. Um alternador determina se o valor mágico se aplica à probabilidade de amplificação ("Magia"), ou atenuando-o ("Antifeitiço").” — Joshua Madara 68 No Brasil, a autora conhecida é Wanju Duli. Torço para que mais e mais expoentes apareçam por aqui e deixam sua marca! COMO A MAGIA FUNCIONA Em seu livro The Octavo, Carroll escreve um grimório para os magos cientistas. Seus capítulos são feitiços avançados, baseados em fórmulas matemáticas (ao menos a maioria). No apêndice, destacam-se os cavaleiros do Caos, o ritual de Éris e o Xadrez dos magos. É claro, não podemos nos esquecer das traduções da invocação em ouranianabarbárica, idioma criado por Carroll e utilizado por muitos magos do Caos. O livro gira em torno de um conceito central: o poder do caos de reverter a entropia (medida de desordem de um sistema físico) e dobrar as leis da probabilidade. Então vemos em sua obra 69 uma confluência dos saberes, dos antigos aos novos, da crença à ciência, da física à metafísica. Em seu trabalho Specularium, Peter Carroll cunhou a hipótese da Magia do Caos numa casca de noz. (Soa familiar?). Para os amantes de física, Peter conseguiu formular a probabilidade da magia dar certo em duas equações matemáticas básicas (Feitiço) e (Antifeitiço). Carroll afirma que não precisamos de todas as parafernálias ocultistas para adquirir resultados mágicos. Estes podem ser feitos por um cientista empenhado. A questão central, para ele, é colocar sua mente num estado de consciência propício para que a magia de fato aconteça: ou seja, o estado de gnose. Esta é a diferença entre Magia do Caos e as consideradas tradicionais. Nós nos focamos mais na psicologia como instrumento mágico que qualquer outro instrumento real, seja ele de pedra ou de madeira. 70 Nas equações, há duas variáveis principais, P e Ψ, em que P significa a probabilidade de realizar algo com magia; E P iguala a probabilidade da ocorrência natural dos acontecimentos, e Ψ é igual à quantidade de magia aplicada à situação. Feitiço refere-se ao encantamento para encorajar que algo aconteça, e Antifeitiço se refere ao encantamento para evitar que algo ocorra. Na adivinhação P simplesmente representa a probabilidade de adivinhar a resposta por acaso. Segundo ele, Ψ tem uma equação própria. Segue: Ψ = GLSB. G seria gnose, L seria o link, S seria o intento de forma "subliminada" e o B significa belief (crença). Peter segue explicando os elementos mágicos usados em rituais e recorre à psicologia analítica. Para ele, todo o processo da 71 magia ocorre numa relação entre o "self" e a realidade. Self por sua vez é um conceito cunhado por Carl Jung, psiquiatra apaixonado pela história das religiões. Jung escreveu sobre a estrutura da mente e entendia o "eu" como "self" que controlava tanto o inconsciente quanto o consciente. Ainda em Specularium, Carroll afirma: Para alcançar a maximização de todos esses fatores [citados nas fórmulas], o mago pode, na prática, precisar de varinhas, vestes, visualizações, sistemas simbólicos, sigilos, linguagens bárbaras, rituais e outros meios de saída dos estados mentais normais, embora em teoria um supremo expoente de magia pudesse conseguir tudo enquanto sentado em silêncio em uma cadeira, 72 um pouco como um matemático trabalhando sem lápis ou papel, cesto de lixo, quadronegro, instrumentos de geometria, livros de referência ou um computador. Em uma técnica um pouco análoga a um matemático usando a vasta quantidade de axiomas, teoremas e conjecturas desenvolvidos por outros matemáticos e sugeridos pela natureza, os mágicos evocam e invocam várias entidades reais, imaginárias, arquétipos e egrégoras com base na crença experimental de que a Universo provavelmente contém algo em algum lugar que sabe como fazer qualquer coisa, ou para conferir qualquer conhecimento ou habilidade que o mago possa exigir. 73 [...] Em algumas culturas, os magos apelaram para os ancestrais ou mortos, ou para os espíritos de animais totémicos ou fenômenos naturais. Em outros, invocaram entidades dos panteões dos deuses pagãos ou dos santos e espíritos menores das religiões monoteístas. [...] Os fenômenos esotéricos dos deuses aos demônios, aos espíritos e magias consistem em relações entre o self e a realidade. Então, eu lhe dei o último segredo dos Illuminati gratuitamente. Além das obras já citadas, vale a pena conhecer também O Caos Instantâneo, de Phil Hine. Phil é um escritor britânico, revisor de livros 74 e ocultista. Leia a opinião de Hine sobre Caos para entender melhor o conceito: Caos é Caos, e não tem nenhum atributo que se aplique a si mesmo. Isto explica a dificuldade de descreve-lo, porque isto é um "não- isto". Magia do Caos e um portal da não-dualidade, que tem confundido até mesmo aqueles que o "originaram", sendo de existência tão múltipla; que seu desenvolvimento sempre avançará em direções imprevisíveis. Magia do Caos sempre crescerá independentemente de qualquer fonte. Ninguém pode "ensinar" Magia do Caos a você. Parafraseando Austin Spare, " o que todo professor pode sempre 75 fazer é mostrar para você sua própria magnificiência." Magia de caos é uma extensão além de nossa realidade e além os sistemas tradicionalistas. Sua descrição como um "sistema" simplesmente sublinha os humanos da armadilha de caírem dentro da necessidade de conceituar. Se a pessoa é insegura em como proceder, e não tem nenhuma experiência em magia, a pessoa terá a certeza de achar dentro da complexidade e variedade dos caminhos tradicionais uma mistura de métodos que sintonize com a sua natureza. Porém quando afiaram os seus talentos nestas tentativas e testaram sistemas, o próximo passo deve ser o Vazio e o 76 desenvolvimento necessário de metodologias novas--que é o coração de Magia do Caos, e que irá impulsionar a Arte do Mago no século 21º, livre afinal dos constrangimentos e superstições do passado. Este novo meio de se praticar a Arte da Magia é tão liberal quanto possível de todo o dogma moral, um caminho somente orientado para a descoberta pessoal. Porque a prática aponta assimilar e então supera o dualismo limitado e abordado pela Magia que tem marcado as tradições e nos algemados ao passado, é por sua natureza além de nossa compreensão, está além de nossa capacidade prever que direção irá tomar. 77 Mas sua interface é o Caos, e por consenso popular, " Magia do Caos" é seu nome. E pode ser descrito sucintamente nas palavras: "Nada é verdadeiro. Tudo é permitido." — Peter Carroll Esta frase “Nada é verdadeiro, tudo é permitido” causa divergências dentro da comunidade, especialmente após ser usada pelo jogo Assassin's Creed. Muita gente fica horrorizada com esta afirmação. A meu ver, o significado dela é muito mais sutil do que parece. Devemos respeitar a vida alheia, as crenças alheias, as práticas alheias. E devemos nos abrir para outras experiências. Afinal, isto é Magia do Caos. Experimentar, praticar. Quando nos 78 agarramos a uma só verdade, perdemos a chance de experimentar. É claro que tudo que eu escrevo aqui são apenas sugestões. Não é sua obrigação fazer do jeito que eu faço e nem como eu faço. Você pode pegar este livro e queimar. Leia, faça o seu teste, tome suas anotações e pratique. AS VANTAGENS DO CAOS Brasileiros são caotes por natureza quando frequentam o terreiro na terça, casamentos católicos esporadicamente, espaços kardecistas no sábado e ainda variam suas consultas de oráculo: de búzios, tarot, I ching etc. Você não precisa se explicar ao praticar caoísmo. A partir do momento em que você tem as bases necessárias para se garantir no universo mágicko, entendendo melhor o seu próprio processo 79 de desenvolvimento, você está livre para adaptar qualquer ritual à sua realidade. Cá entre nós, a maioria das pessoas já faz isso, em maior ou menor grau, elas apenas não se sentem confortáveis falando a respeito. Até mesmo os mais tradicionalistas não seguem de fato todas as orientações para determinados rituais. A diferença é que a Magia do Caos não apenas permite que você faça essas alterações como também as encoraja. Existem muitas críticas em relação à Magia do Caos. Especialmente relacionadas ao fato de que muitas vezes as práticas não são “pomposas” o suficiente. A verdade é que cabe a cada praticante decidir o que fazer. Se sua vontade é construir um grande altar para suas deidades preferidas ou até mesmo inventar novos deuses, então cabe a você que o faça. 80 Seja como for, para a magia do Caos, o que realmente importa é o resultado. E se não houvesse tantos resultados positivos, então não veríamos o tamanho do crescimento da comunidade caótica. Todas as pessoas que não se conformam com regras ou imposições morais, certamente se identificarão com esta prática. Desde a criação de sigilos, servidores, hipersigilos e até mesmo deidades, o magista do Caos se percebe num caminho para se tornar um deus criador. Talvez você não tenha recursos para adquirir todas as ferramentas necessárias que outros sistemas requerem. Na Magia do Caos você pode e deve criar suas próprias ferramentas mágickas, abrindo assim seu próprio espaço. Talvez seja a prática mais simples e eficiente para lidar com magia de prosperidade financeira. Isto porque muitos dos conceitos da Magia do Caos também são conceitos provindos do marketing. 81 Entender os gatilhos mentais de seus clientes e achar formas eficientes de sugestioná-los a comprar seus produtos é uma prática muito corriqueira da Magia do Caos. As grandes marcas utilizam, mesmo sem saber, conceitos que mais tarde foram estudados como hipersigilos. Outra vantagem é que Magia do Caos não exige um alto investimento para rituais pomposos, e mesmo assim beneficia o praticante com resultados promissores. Porém nada disso vem de graça e sem esforço. Assim como qualquer outro sistema, o caote precisa se empenhar bastante para conseguir resultados mais satisfatórios. Tenha em mente que, de modo geral, toda prática mágica pode ser potencialmente perigosa. Especialmente se você utiliza com certas substâncias e ingredientes, bem como faz práticas psicológicas intensas. Por isso, o ideal é sempre 82 começar aos pouquinhos. Também é bom ter um acompanhamento das suas práticas. Todo magista precisa de seu caderno de anotações. Chame-o como quiser: grimório, Livro das Sombras etc. Sem um caderno ou aplicativo, fica completamente impossível conferir em que nível você está, o que fez de errado e o que pode mudar. Não confie na sua memória. Simplesmente faça o que deve ser feito. Lembre-se: magistas precisam de tempo para praticar. O ideal é que você pratique diariamente. Quando for buscar livros para se inspirar, procure não baixar PDFs com péssimas traduções. Até porque podem falar exatamente o oposto do que o autor quis dizer. Procure guardar um dinheiro para montar sua própria biblioteca ocultista. É um investimento que você faz em si mesmo. Também é importante dedicar um pouco de espaço montando um cronograma que sirva de 83 auxílio para aqueles que estão começando ou que querem retornar às antigas práticas. Então aqui farei meu melhor para facilitar a sua vida. Diário Onírico: anote seu sonho da noite no Diário Onírico. É importante manter um diário onírico, pois os sonhos e pesadelos revelam muito sobre sua vida e sua prática mágica. Você não precisa dar detalhes. Escreva o dia, a hora, o lugar. Se quiser, acrescente seu humor, temperatura e fase da lua. Anote símbolos e situações mais marcantes do seu sonho. Anotar os sonhos só toma um pouco do seu dia e te prepara melhor para lidar com sonhos lúcidos e viagens astrais. Energização: Esta é uma prática excelente caso você tenha um dia muito agitado no trabalho, escola ou faculdade. Tome um banho ou coma algo mentalizando foco e energia para seu dia. Banimento antes/depois da prática mágica: É sempre bom manter uma prática mágica 84 diária, que pode seguir o Liber MMM, como descrito no Liber Null e Psiconauta. Pode ser uma meditação simples ou um ritual a sua escolha. Prática mágica: A meditação diária é equivalente a escovar os dentes. É importantíssima para higiene mental. Caso você tenha dificuldades, procure aplicativos que te ajudam a meditar. Mesmo que sejam apenas 5 minutos por dia. Nós meditamos tanto por isso nossos instintos irão esvanecer- se, Irão esvanecer The Phantom Agony - Epica Exercício físico: o maior erro do magista é talvez se focar demais nas práticas mentais e abstratas e esquecer-se de seu corpo: um dos seus principais instrumentos mágicos. Então separe pelo menos 20 minutos para exercícios físicos: mesmo 85 que seja uma simples caminhada, por pelo menos 3x na semana. Leitura/relaxamento antes de dormir: Outra dica é procurar desligar seus eletrônicos e buscar a leitura antes de dormir. Além de aumentar seu conhecimento, ajuda a ir aos poucos diminuindo o ritmo pesado de seu cérebro sem todas as lentes piscantes. Cronograma semanal: na verdade, o cronograma semanal tem muito mais a ver com o enfoque da Magia, relacionando-a com as correspondências mágickas diárias. Cronograma Mensal: O cronograma mensal depende muito de que fase estamos, especialmente para aqueles que seguem a Roda do Ano, as estações e as Fases da Lua. Também tem a ver com feriados, celebrações e datas marcantes. A dica aqui é dar uma olhada no seu calendário, perceber quais são os dias marcantes do mês e 86 organizar práticas e rituais dependendo de tais datas. FOCO E DISCIPLINA Magia do Caos é liberdade, criatividade e subversão. Todo mundo já ouviu isso até certo ponto e repete este discurso, aqui me incluo. “Faço o que quero porque nada é verdadeiro, tudo é permitido”. De fato, voe, gafanhoto. Porém deixa eu te contar um segredo, esta liberdade toda, seria, na verdade, fruto de décadas de leitura árdua e de prática assídua, que finalmente te daria a base necessária para você criar seu próprio sistema mágico, um dos principais objetivos do Caos. Até chegar lá, você estaria submetido à linha dura da IOT, ou os Iluminados do Amor e da Morte, o que inclui hierarquia. Mesmo que você não fosse aceito na Ordem e fizesse isso de forma 87 independente, este seria o caminho mais sábio a tomar. Você até poderia criar seu sistema mágico antes disso, porém chegaria à conclusão de que lhe faltam as ferramentas emocionais e ocultas mais básicas. Este foi meu caso. Mas eu prefiro te vender a ideia de que você pode fazer o que quiser, sabe por quê? Porque na realidade eu não me importo com sua trajetória mágica. Mal te conheço. Quero te vender um produto. No caso, Magia do Caos. E ele vem bem embalado, amorfo, então você interpreta e adapta como quiser. Mas digamos que eu tenha me cansado um pouco do método enlatado. Então vamos cair na real. Enquanto alguns escravos servirão, este livro é realmente para a minoria que está preocupada em fazer um bom trabalho. Existem muitos com boa intenção, que querem se tornar magos potentes, mas lhes faltam basicamente duas coisas: a noção de que 88 isto de fato é possível, e de que isso vem com um trabalho diário gritante. Veja bem, sendo muito honesta, o leitor médio mal compreende como fazer uma novena para um servidor público, como poderia compreender o que é a Jihad do Caos? Estaremos sempre estagnados no básico, sem perspectivas para Magia do Caos avançada? Teremos sempre que nos esconder em Ordens exclusivas ou poderemos construir um trabalho público de fato embasado? Com poucas iniciativas realistas no Brasil, fica fácil cair no discurso da bagunça, quando o livro básico da Magia do Caos exige pelo menos 30 minutos de prática diária para preparação do não- pensamento, que é a condição importante para os transes mágicos. A verdade é que, resumidamente, se o sujeito não consegue alcançar o estado de transe mágico, como conseguiria realizar magia? 89 Como poderia se considerar um Mago do Caos aquele que nunca praticou nenhum método de concentração, que nunca conseguiu chegar ao status de gnose, que acredita que está tudo bem porque faz como quer, quando quiser e se quiser? Cuja única inspiração são os grupos de Facebook? Sem dominar o básico do básico que é o Liber Null, será mesmo um magista do Caos? Para além disso, a obra de Peter Carroll é muito mais extensa, e de fato não totalmente disponível em Português, o que dificulta o acesso para a maioria dos brasileiros. E não é porque ele é o fundador da IOT ou o principal Mago do Caos em atividade que devemos acatar tudo o que ele diz ou fazer tudo ao pé da letra. Longe de mim transformar o Caos numa escola totalitarista. Entretanto, creio que precisamos aprofundar nosso vocabulário para além de sigilos e servidores, a fim de que possamos entender o sacerdócio oculto que justamente vem com a responsabilidade do Mago do Caos, o que inclui entender engenharia 90 social, significar a vida e a morte, fornecer uma estrutura para tudo que existe etc. O Mago do Caos que só deseja pegar carona no sistema alheio, que foge do confronto mágicko e que tem preguiça de estudar, na verdade é apenas um agente passivo, um mero cliente daqueles que vendem seus paradigmas. Será sempre um leitor, um ouvinte, nunca de fato um praticante. E por mais lucrativo que seja adoçar o ego de tais sujeitos, o desafio surge de fato quando a criatividade de fato se faz presente. ARMADILHAS PREJUDICAIS O que separa um ocultista do restante dos mortais é justamente o seu desempenho ao construir o seu caminho. Por isso, preciso apontar para algumas armadilhas que encontramos por aí e que muitas vezes nos impedem de fazer um bom trabalho. 91 Dizem que se conselhos fossem bons, eles seriam comprados. Ainda assim, para os novos tempos que nos esperam, precisamos estar mais atentos que nunca. Por isso criamos esta série de textos de conselhos magísticos. Sinta-se livre para fazer o exato oposto. Afinal, “nada é verdadeiro, tudo é permitido”. A ideia de que você precisa ser imbatível Esta é uma questão que sempre vale a pena ser frisada. Parafraseando Jan Fries, autor de Mágicka Visual, para todos chega uma hora em que é preciso descer do topo da árvore. Não há como crescer expansivamente para sempre. Isto tampouco é o ideal. Infelizmente, vivemos num ambiente de aparências. O espelho modulado pelas redes sociais nos faz crer em vidas perfeitas, magistas indestrutíveis. Mas além de tantas carapuças, a verdade é que o ocultista ainda é uma pessoa e, como tal, 92 precisa lidar com questões do seu dia-a-dia. O magista também adoece, também sofre com decepções, problemas e questões. Precisamos aprender que não somos infalíveis, que outros profissionais são tão importantes quanto nós. Precisamos abraçar nossa humanidade para superá-la. Muitos ocultistas tendem a rejeitar fatos científicos para acreditar em qualquer teoria da conspiração que aparece. Como Peter Carroll descreve em Liber Null & Psiconauta, é possível reagir a isto de diversas formas. Para ele, a melhor delas é criar sua própria teoria da conspiração. De preferência alguma que seja construtiva para a vinda do novo Aeon e não uma fake News qualquer que reproduza as crenças e os preconceitos ultrapassados. Chega um ponto em que o ocultista, ao se tornar um líder, percebe que as pessoas não querem a iluminação. Elas querem palavras fáceis e 93 mastigadas. Estão ávidas por histórias fantásticas e mirabolantes. O ocultista mais afiado se tornará cético em relação à verdade alheia, enquanto ele mesmo programa a sua própria. Ele fará e divulgará a sua teoria da conspiração, ciente do efeito dominó de suas palavras. É muito comum que você queira seguir os mesmos passos de alguém importante. Talvez você leia suas biografias e se pergunte como alguém conseguiu tantos feitos em vida, conquistou tantas coisas e adquiriu tanto poder. Talvez você queira simplesmente reproduzir os hábitos daquela pessoa que te inspira, seguir seu grimório ao pé da letra ou tornar-se cada vez mais como ela e menos como você. No entanto, isto revela apenas uma questão de baixa autoestima. Você desacredita no seu potencial, tomando a vida alheia como medida principal do seu trabalho, sendo que você tem seu próprio histórico de vida, 94 suas próprias limitações, seus próprios interesses e deveria simplesmente construir o seu caminho. Inspirar-se em alguém é mais que válido, mas ao tentar calçar os sapatos de alguém, é provável que eles sejam inúteis para você e do tamanho errado. A vontade de se expor a qualquer custo. Novamente, este é um problema deste mundo de aparências. Ocultismo, como a própria palavra diz, é o que não se mostra. Ocultista, portanto, é alguém que se preserva. Nós apenas deixamos algumas pistas, mas o trabalho final de pesquisa, estudo e dedicação é com você. Nem tudo está na Internet, mas sim nos livros e na prática diária. Ter redes sociais, expor seu trabalho e suas opiniões não é o problema. Apenas levar isso para todas as áreas da sua vida é prejudicial. Quando mais você aparecer, mais atrairá atenção. E quanto mais você posta a seu respeito, mais a informação a seu respeito lhe deixa vulnerável para aqueles sem boas intenções. Então reflita bem a respeito de suas 95 palavras e seus trabalhos mágickos antes de publicá- los. Não terceirize sua educação ocultista: combata a ignorância! Então, resumidamente, quais são os desafios do magista do Caos? • Entender que existem outras crenças e que a sua não é a única verdadeira, nem a mais certa e nem a principal. • Praticar técnicas de Magia. • Atingir o estado de gnose. E o principal desafio: • Criar seu próprio sistema mágico. Este é um livro de alerta para todo ocultista que não deseja ser apenas mais um cordeiro na multidão. Em qualquer meio espiritualista ou ocultista, é muito comum que as pessoas tendam a seguir 96 cegamente mestres, gurus, ou, mais recentemente, YouTubers. Elas escolhem uma linha de pensamento que mais se adequa às suas vidas e simplesmente ignoram todas as outras possibilidades. Para elas, é pecado questionar aqueles que estão à frente de Ordens, Templos ou Páginas. Digamos, portanto, que tais pessoas queiram se iniciar em Thelema. Ao invés de buscarem a própria Verdadeira Vontade, acabam seguindo a Vontade de seus guias, suprimindo assim todo o Potencial interior. Talvez o caminho com o guia pareça mais fácil, no entanto, pode ser bastante limitante, especialmente se este guia não queira combater a própria ignorância. O problema é que ao terceirizarem a própria educação ocultista, acabam por serem vítimas de um fenômeno que impacta muita gente: a ignorância. Todos nós somos ignorantes, fato. Mas como combatemos isso? A maioria quer receber o conteúdo mastigado, mas sem questionar ou avaliar outras opções de abordagem. 97 Estes iniciantes, então, entregam suas dedicações para pessoas despreparadas, ou que são, na verdade, falsificações de mestres estrangeiros, plagiadores e todo tipo de gentalha que só visa o lucro ou o status de ascencionado, sábio ou mestre. Ficam perdidos e órfãos quando seus mestres abandonam o caminho ou os expulsam por motivos
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