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Execução Penal

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Roig, Rodrigo Duque Estrada
Execução penal [livro eletrônico] : teoria e prática / Rodrigo Duque Estrada Roig. -- 5. ed.
-- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5614-701-7
1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil 3. Execução penal 4. Penas (Direito penal) 5.
Princípio da legalidade I. Título.
21-58820                         CDU-343.8
Índices para catálogo sistemático:
1. Execução penal : Legalidade : Direito penal 343.8
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
EXECUÇÃO PENAL
Teoria Crítica
RODRIGO DUQUE ESTRADA ROIG
5a edição
1a edição: 2014, Saraiva; 2a edição: 2016, Saraiva;
3a edição: 2017, Saraiva; 4a edição: 2018, Saraiva
© desta edição [2021]
THOMSON REUTERS BRASIL CONTEÚDO E TECNOLOGIA
LTDA.
JULIANA MAYUMI ONO
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Direitos Autorais).
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das ideias e dos conceitos emitidos em seu trabalho.
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Profissional
Fechamento desta edição [04.03.2021]
ISBN 978-65-5614-701-7
http://www.livrariart.com.br/
PRÓLOGO
Pocas veces una obra contiene un análisis tan rico y detallado sobre la
ejecución penal, alcanzando un nivel que excede en mucho la exégesis de la
ley, para configurar una verdadera construcción dogmático-jurídica.
Desde los orígenes de la autonomización del derecho penal ejecutivo han
aparecido tendencias autoritarias o antiliberales tratando de escindirlo del
tronco del derecho penal, para asignarle reglas de interpretación propias,
que burlaban las garantías impuestas al intérprete de la ley penal.
Uno de los recursos para hacer de la ejecución penal una materia
independiente fue negarle carácter penal, asignándole una simple naturaleza
administrativa o, más disimuladamente, mixta. De ese modo se intentaba
dejar a la ejecución penal fuera del ámbito jurisdiccional, entregando a los
condenados al poder ejecutivo y a sus reglamentos. El condenado era un ente
del que debía hacerse cargo la administración y la normativa que lo regía no
pasaba de ser una ley administrativa o un reglamento complejo. Si
extremamos el argumento, el magisterio judicial de control sería su rama
contenciosa.
Pretendidos principios propios, como la retroactividad de la supuesta
ley aptior en tiempos del fascismo italiano, oscurecieron el tratamiento del
tema, incluso en nuestra región, donde con frecuencia arriban tesis que son
acogidas con entusiasmo y adoptadas con ingenuidad reverente, cuando en
realidad son producto de marcos teóricos políticamente incompatibles con
los que imponen nuestras Constituciones y el derecho internacional de los
Derechos Humanos. Es obvio que una ley ejecutiva más gravosa retroactiva
burla el principio de legalidad de la pena, dado que dos penas que se
ejecutan de modo diferente son dos penas diferentes.
Es incuestionable que el derecho penal ejecutivo sigue perteneciendo al
derecho penal. Incluso, ante de su complejización se hallaba legislado en los
viejos códigos, que detallaban la ejecución de las penas. La legislación
especializada fue resultado de una larga evolución, en cuyo curso se vio la
conveniencia de una regulación legislativa separada, fuera del código penal,
pero como mejor técnica legislativa y nunca como pretexto para el
desconocimiento de su naturaleza y, por ende, para que la ley ejecutiva sea
interpretada conforme a principios diferentes de los que rigen las garantías
en toda la materia penal.
La diferencia conceptual que se deriva de la materia a interpretar en las
normas ejecutivas no puede consistir más que en extensiones adaptativas de
los mismos principios interpretativos penales ajustados por especialidad,
pero nunca alterados en cuanto a los límites al poder punitivo que rige todo
el campo penal.
El autor toma aquí decidida posición por la tesis correcta tanto en cuanto
a la naturaleza de la legislación penal ejecutiva como, en consecuencia, a los
principios interpretativos del derecho penal para el entendimiento de la
detallada ley brasileña. En este aspecto lleva a cabo una cuidadosa
exposición de estos principios, con verdadera maestría dogmática.
No es labor del prologuista entrar en los múltiples y complejos temas
que aborda el autor a lo largo de la obra, que constituye un verdadero tratado
del derecho penal ejecutivo. No obstante, su análisis de los principios llama
la atención por su originalidad y, en particular, porque eleva a la categoría
de principio el del numerus clausus. De la observancia de este principio
depende en nuestra región la vigencia efectiva de todo el resto de la
legislación penal ejecutiva. Sin este principio, nuestras legislaciones
ejecutivas son letra muerta, que sólo sirve para entretenimiento de los
comparatistas.
Las cárceles superpobladas de América Latina van dejando de ser
prisiones para convertirse en campos de concentracióny, en ocasiones, en
campos de exterminio, en razón de las frecuentes masacres –con pretexto de
motines– o de las masacres por goteo que a diario cobran vidas, porque el
riesgo de muerte violenta carcelaria se multiplica exponencialmente en
relación con el de la vida libre.
La cárcel superpoblada implica no sólo una pena cruel, sino
directamente una tortura y, teniendo en cuenta la potenciación de la
violencia, una pena de muerte por azar, aunque la misma expresión pena
resulta inadecuada, dado que en Latinoamérica más de la mitad de los presos
no se hallan condenados, sino que cumplen detención en prisión preventiva.
Nuestro derecho penal judicial se ha vuelto cautelar, caracterizado por
imponer penas por las dudas. Se ha hablado con frecuencia de la inversión
del sistema penal, lo que también es dudoso, dado que nunca ha funcionado
cabeza arriba, con lo que se constata históricamente que esa y no otra es su
normalidad de funcional.
Además de los antecedentes europeos y de la jurisprudencia
norteamericana de los últimos años, el autor funda legalmente el principio
del numerus clausus en el propio derecho vigente, con muy sólidos
argumentos.
Vivimos un momento mundial en que predomina una tendencia
francamente autoritaria y los derechos humanos se hallan en retroceso. El
mundo se debate entre el poder de las grandes corporaciones trasnacionales
y el de los estados, las primeras procurando imponer un modelo de sociedad
excluyente y algunos de los segundos esforzándose por una sociedad
incluyente.
Nuestros medios masivos de comunicación son parte de las grandes
corporaciones y generan constantemente un pánico moral que es funcional a
la violencia con que se pretende contener a los excluidos de nuestras
sociedades marcadamente estratificadas. Lamentablemente, los poderes
judiciales de nuestra región son amedrentados por estos medios –en especial
los audiovisuales– y por políticos temerosos u oportunistas, lo que les
impide imponer el numerus clausus en la forma en que lo argumenta este
texto.
En estas condiciones, en casi toda nuestra región se insiste en la
respuesta más insensata frente a la verificación de la superpoblación
carcelaria, que es la construcción de nuevas prisiones, lo que es
correctamente rechazada por el autor y por toda la opinión técnica
responsable. Salvo que se lleve a cabo una política integradora –como en
los países nórdicos, es decir, a contramano de la dominante en la región– no
existe espacio carcelario ocioso en el mundo, pues la demanda de
prisionización de las corporaciones trasnacionales, conforme a su modelo de
exclusión social, exige un incesante aumento de presos.
La propia burocracia internacional es incapaz de poner coto a esta
tendencia, pues se halla básicamente financiada por los países que tratan de
imponer el modelo de dominio corporativo, insistiendo en las tesis de
absoluta libertad de mercado, cuyo fracaso ha iniciado un proceso de
decadencia de la hegemonía mundial vigente, dando lugar a una transición
del poder planetario en que aún no se vislumbra el nuevo modelo. En medio
de esta incertidumbre, nuestra región debe sortear sus dificultades de la
mejor manera, para lo cual una de sus prioridades es la contención de la
violencia institucional reproductora y potenciadora de la conflictividad
social. En este orden, el principio del numerus clausus es el remedio más
urgente a adoptar para bajar el nivel gravísimo de violencia carcelaria y una
de las más flagrantes burlas a los derechos humanos. Lamentablemente, es un
tema que no ha sido asumido por los congresos de la ONU, donde los
ministros de justicia tienen la palabra y, por lo general, producen
documentos ambiguos y en ocasiones ininteligibles en su acostumbrado
dialecto no comprometido.
Desde una perspectiva realista, la inclusión de este principio en la
reconstrucción dogmática que de la ley de ejecución penal realiza el autor,
resulta la viga maestra en la que asentar el resto de las disposiciones de la
ley misma.
La dogmática penal latinoamericana no puede seguir construyéndose
sobre modelos importados y pretendidamente neutrales o asépticos en lo
político. No podemos ser ajenos a los modelos de sociedad que se debaten y
que, sustancialmente son el incluyente y el excluyente.
Si nos decidimos por el último, sigamos construyendo prisiones,
comprando las que en forma premoldeada nos venden desde el norte (la
prisión prêt à porter), sobrepoblemos las nuevas cárceles, aumentemos el
número de presos muertos, lesionados, enfermos, deteriorados y, por otra
parte, sigamos fomentando la autonomización de las policías entrelazadas
con el crimen organizado, potenciemos la estigmatización de los
adolescentes de nuestros barrios precarios (favelas, villas miseria, pueblos
jóvenes) y hagamos caso omiso de las ejecuciones sin proceso. Este camino
tiene un único final posible: no puede ser otro que la masacre, el genocidio y
la dictadura.
Si nos decidimos por el modelo incluyente tratemos de controlar y
desandar todo lo anterior –que es el camino por el que el norte nos emplaza
a andar– y hagamos una dogmática penal conforme a este modelo, como
propuesta de jurisprudencia para nuestras agencias judiciales. Esta obra se
inscribe decididamente en esta segunda opción.
E. RAÚL ZAFFARONI
Profesor Emérito de la Universidad de Buenos Aires.
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho não possui a pretensão de esgotar o tema. Trata-se
de um estudo eminentemente crítico dos diversos institutos e normas
executivo-penais, baseado em pesquisas doutrinárias, jurisprudenciais e
legislativas realizadas no Brasil e no exterior, em especial no Max-Planck-
Institut für ausländisches und internationales Strafrecht (Alemanha) e nas
Universidades de Grenoble (França), Barcelona e Castilla-La Mancha
(Espanha) e Bolonha (Itália), esta última durante o período de pós-
doutoramento em Direito Penitenciário, sob a supervisão do querido amigo e
mestre Massimo Pavarini e com as preciosas lições criminológicas de Dario
Melossi.
Muitas das discussões aqui presentes foram também retiradas das aulas
de Execução Penal ministradas nos Cursos de Pós-graduação em Ciências
Criminais e Segurança Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e de Pós-graduação em Direito e Processo Penal da Universidade Cândido
Mendes/RJ.
Este trabalho é fruto ainda de experiências vivenciadas com a atuação
como Defensor Público junto à Vara de Execuções Penais do Estado do Rio
de Janeiro, ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária e ex-Ouvidor Nacional do Sistema Penitenciário.
Ao longo das lições e experiências obtidas, muitas dúvidas nasceram,
mas algumas certezas ficaram. A primeira delas de que, como bem
observaram Nilo Batista e Eugenio Raúl Zaffaroni, a pena não passa de um
ato de poder que impõe privação de direitos ou dor, sem, no entanto, reparar,
restituir, nem tampouco deter lesões em curso ou neutralizar perigos
iminentes. Daí não nos resta outra opção senão reconhecer que a principal
função dos juristas e agências jurídicas é a de conter a ação do poder
punitivo (e executório) do Estado de Polícia em prol do fortalecimento das
bases do Estado de Direito. E isto se faz por meio de decisões legitimadas
pelo manejo racional dos Direitos Penal e da Execução Penal. Raúl tem
razão, se não servimos para isso, não servimos para nada. Daí nasceu outra
certeza: a de que não podemos continuar construindo discursos dogmáticos
meramente descritivos, assépticos ou descompromissados com a contenção
racional do poder punitivo e executório do Estado.
Construindo discursos jurídicos consequentes e contra-hegemônicos na
execução penal, certamente somos estigmatizados de idealistas, radicais,
“defensores de bandidos” e outros adjetivos impublicáveis. Mas outra
certeza me alenta: a de que não devemos temer adjetivações. Esses ataques
que sofremos decorrem de outra certeza: a de que vivenciamos tempos
difíceis para os direitos humanos em sede de execução penal, vistos como
verdadeiras heresias pela cultura penal pós-moderna, culturaesta midiática,
populista, paradoxalmente legitimada pelos próprios segmentos que são
alvos do sistema penal e, sobretudo, cega diante da ameaça que a
flexibilização de princípios e garantias constitucionais produz à própria
democracia.
Não me cabe dissertar indefinidamente sobre certezas, mas uma última
merece apreço: a de que tive muita sorte. Sorte de encontrar no meu caminho
espiritual Andréa, Enzo e Liz, bem como “esbarrar” em grandes mestres e
amigos, que deixaram em mim uma impagável (e inapagável) dívida de
gratidão pelas lições aprendidas e enormes honras e alegrias pelo convívio.
Nilo Batista, Vera Malaguti Batista, Eugenio Raúl Zaffaroni, Massimo
Pavarini, Dario Melossi, Juarez Tavares, Salo de Carvalho, Sérgio Salomão
Shecaira, Luís Guilherme Vieira, Carlos Weis, Guilherme Reche e Daniel
Scharth, entre outros companheiros que me fariam também dissertar
indefinidamente. Espero, com as “sedições” a seguir, poder honrar as lições
de vida e de Direito que me deram.
Rio de Janeiro, março de 2021.
SUMÁRIO
ANTERROSTO
PÁGINA DE DIREITOS AUTORAIS
FOLHA DE ROSTO
PRÓLOGO
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL
1.1. Princípio da humanidade
1.2. Princípio da legalidade
1.3. Princípio da não marginalização (ou não discriminação) das pessoas
presas ou internadas
1.4. Princípio da individualização da pena
1.5. Princípio da intervenção mínima
1.6. Princípio da culpabilidade
1.7. Princípio da lesividade
1.8. Princípio da transcendência mínima
1.9. Princípio da presunção de inocência
1.10. Princípio da proporcionalidade
1.11. Princípio da celeridade (ou razoável duração) do processo de
execução penal
1.12. Princípio do numerus clausus (número fechado)
2. NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PENAL
3. JURISDIÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL
4. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
4.1. Execução provisória de pena restritiva de direitos
5. DIREITOS NÃO ATINGIDOS NA EXECUÇÃO
6. DISPOSIÇÕES RELATIVAS AOS CONDENADOS E AOS
INTERNADOS
6.1. Assistência ao preso, internado ou egresso
7. TRABALHO PENITENCIÁRIO
7.1. Trabalho externo
8. DEVERES E DISCIPLINA
8.1. Deveres
8.2. Disciplina
8.2.1. Poder disciplinar na execução penal
8.2.2. Faltas disciplinares de natureza grave
8.2.3. Regime disciplinar diferenciado
8.2.4. Transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais
federais de segurança máxima
8.2.5. Prescrição de faltas disciplinares
8.2.6. Sanções disciplinares
8.2.7. Recompensas
8.2.8. Procedimento disciplinar
9. ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL
9.1. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
9.2. Juízo da execução
9.3. Ministério Público
9.4. Conselho Penitenciário
9.5. Departamentos Penitenciários
9.6. Patronato
9.7. Conselho da Comunidade
9.8. Defensoria Pública
10. ESTABELECIMENTOS PENAIS
10.1. Penitenciária
10.2. Colônia Agrícola, Industrial ou Similar
10.3. Casa do Albergado
10.4. Centro de Observação
10.5. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
10.6. Cadeia Pública
11. EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE
11.1. Regimes de cumprimento de pena
11.2. Crime continuado e concurso formal de crimes na execução penal
11.3. Progressão de regime
11.3.1. Requisitos objetivos
11.3.2. Requisitos subjetivos
11.3.3. Progressão de regime para preso estrangeiro
11.3.4. Competência
11.3.5. Possibilidade de apreciação de progressão de regime em
sede de habeas corpus
11.3.6. Progressão para o regime aberto
11.4. Prisão-albergue domiciliar
11.4.1. Hipóteses de prisão-albergue domiciliar
11.4.2. Prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva
11.5. Regressão de regime
11.6. Autorizações de saída
11.6.1. Permissão de Saída
11.6.1.1. Características da Permissão de Saída
11.6.2. Saída Temporária
11.6.2.1. Características da Saída Temporária
11.6.2.2. Revogação da saída temporária
11.7. Remição de pena
11.7.1. Outras hipóteses de remição
11.8. Livramento condicional
11.8.1. Requisitos objetivos
11.8.2. Requisitos subjetivos
11.8.3. Condições do livramento condicional
11.8.4. Livramento condicional para presos estrangeiros
11.8.5. Suspensão do livramento condicional
11.8.6. Revogação do livramento
11.8.7. Extinção da pena
11.8.8. Possibilidade de apreciação de livramento condicional em
sede de habeas corpus
11.9. Monitoração eletrônica
12. REABILITAÇÃO
13. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
14. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS)
15. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA
16. EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA
17. EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
17.1. Prazos da medida de segurança
17.2. Prescrição da medida de segurança
17.3. Detração da medida de segurança
18. INCIDENTES DE EXECUÇÃO
18.1. Conversões
18.2. Excesso ou desvio de execução
18.3. Anistia
18.4. Indulto e comutação de penas
18.4.1. Natureza da sentença que concede o indulto e a comutação
18.4.2. Indulto e comutação de pena em crimes hediondos
18.4.3. A relação entre graça e indulto
18.4.4. Modalidades de indulto
18.4.5. Requisitos subjetivos para a comutação e o indulto
18.4.6. Vedações à comutação e ao indulto
18.4.7. Exigência de outros requisitos que não estejam no Decreto
Presidencial
18.4.8. Procedimento
19. PROCEDIMENTO JUDICIAL DA EXECUÇÃO, AGRAVO EM
EXECUÇÃO E OUTROS RECURSOS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Veja em QR Code Visual Law com os principais pontos da Introdução
Lamentavelmente, enquanto não prescindirmos da pena privativa de
liberdade, teremos que continuar lidando com ela, espelho de nossas
imperfeições e prova de nossa incompetência na busca por maneiras mais
racionais de lidar com o fenômeno criminal. Por isso, antes mesmo de se
discorrer acerca da execução da pena, faz-se necessário pontuar que as
considerações a seguir somente se mantêm válidas enquanto o sistema penal
continuar a atuar da forma como hoje o faz, especialmente com suas
características repressivas, seletivas e estigmatizantes. De posse desta
premissa realista – não justificante –, resta-nos buscar, por ora, possíveis
soluções para tornar a execução penal individualmente e socialmente menos
ruinosa.
Em linhas gerais, execução significa a colocação em prática ou a
realização de uma decisão, plano ou programa pretéritos. A própria origem
do vocábulo “execução” (ex sequor, exsecutio) pressupõe algo que se segue
após a cognição, traduzindo uma necessária relação de consequencialidade.
Em matéria penal, execução significa a colocação em prática do comando
contido em uma decisão jurisdicional penal, em regra, contra a vontade do
condenado.
Cabe à execução penal, enfim, efetivar as disposições da sentença ou
decisão criminal, conforme taxativamente determina o art. 1º, primeira parte,
da Lei de Execução Penal (LEP). Aliada a esse objetivo, a LEP (art. 1º,
segunda parte) também apresenta para a execução penal a finalidade de
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado
(submetido à pena em sentido estrito) e do internado (submetido à medida de
segurança). Essa finalidade é objeto de profundo debate, que nos remete à
análise das (anunciadas) finalidades da pena.
Em relação às chamadas finalidades da pena, três grupos de teorias
podem ser apontados. Em primeiro lugar, aparecem as chamadas teorias
absolutas, que concebem a pena como um fim em si mesmo (justa
retribuição), sem a projeção de qualquer outro escopo e analisando o fato
criminoso em uma perspectiva pretérita (quia peccatum est). Em segundo
lugar, figuram as teorias relativas (ou preventivas), que fundamentam a pena
a partir dos fins que ela pode alcançar (utilidade para a evitação de novos
delitos) e adotam um olhar para o futuro (ne peccetur). As teorias mistas,
por fim, representam a tentativa de conciliação dos aportes trazidos pelas
teorias absolutas e relativas, em regra, sobrepondo-os uns aos outros.
Trazendo foco para as teorias relativas ou preventivas, é possível
afirmar que essas justificam a pena a partir de sua utilidade para o
desencorajamento à futura prática delitiva, seja pelos membros da
coletividade (prevenção geral), seja pelo condenado (prevenção especial).
Nesse sentido, enquanto a prevenção geral seria destinada aos queainda não
delinquiram, desempenhando o efeito de dissuasão da coletividade por meio
da cominação, aplicação e execução de reprimendas (prevenção geral
negativa) ou o efeito de sensibilização e fidelização do cidadão ao
ordenamento jurídico (prevenção geral positiva), a prevenção especial
destinar-se-ia à contenção da reincidência, a partir da atuação direta sobre a
pessoa do condenado, perseguindo sua “correção”, “tratamento” ou
“ressocialização” (prevenção especial positiva), ou, ainda, sua neutralização
(prevenção especial negativa).
A Lei de Execução Penal traçou duas ordens de finalidades: a correta
efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras decisões,
destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais
os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter
participação construtiva na comunhão social (item 13 da Exposição de
Motivos da LEP).
Embora tenha procurado se esquivar da polêmica doutrinária, o projeto
de elaboração da Lei de Execução Penal acabou por se aproximar das
finalidades de retribuição e prevenção especial positiva (ao construir o
objetivo de proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado). No entanto, tais finalidades são absolutamente inconciliáveis
(pois se almeja uma “pena justa” com conteúdo de utilidade),1 e nenhuma
delas parece estar, por si só, alinhada com uma concepção democrática e
republicana.
Conforme bem lembrado, a repressão retributiva é de fato a expressão de
um Direito Penal desigual, que promove a seletiva criminalização dos
marginalizados sociais do mercado de trabalho, reforçando os instrumentos
formais e ideológicos de controle social.2 Ademais, além das inúmeras
críticas à retribuição feitas com autoridade pela doutrina, cabe-nos recordar
que a imposição de um mal como mero instrumento de retribuição contraria
o objetivo fundamental de promover o bem de todos, alicerce de nossa
República.
Por sua vez, a prevenção especial positiva não é resposta
constitucionalmente admissível, considerando que as ideias de tratamento e
ressocialização pressupõem um papel passivo do preso e ativo das
instituições, sendo resíduos anacrônicos da velha criminologia positivista
que definia o condenado como um indivíduo anormal e inferior que devia
ser (re)adaptado à sociedade, considerando acriticamente essa como
“boa” e o condenado como “mau”.3 Em última análise, a sanção penal e
sua execução não podem trazer consigo a finalidade de regulação moral dos
sujeitos, pois haveria ruptura do princípio da secularização.4
A prevenção especial positiva também padece de absoluta
irrealizabilidade, pela própria essência do encarceramento, em especial em
nosso país. Em primeiro lugar, o Estado não dispõe de políticas públicas
efetivas e duradouras no sentido de integrar socialmente os egressos. Além
disso, por si só, o encarceramento é fator de desagregação familiar, repúdio
social, rotulação e dessocialização do indivíduo,5 sendo tais características
ontologicamente incongruentes com a pretendida finalidade de proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado.
Na verdade, a anunciada finalidade de proporcionar condições para a
harmônica integração social esconde falaciosamente o real exercício do
poder punitivo (potestas puniendi) típico do Estado de Polícia,
caracterizado pelo paternalismo, arbitrariedade, seletivização, verticalismo,
repressão e estigmatização. A ideia de harmônica integração social
pressupõe a existência de uma sociedade homogênea, justa e não conflitiva
(a cujos valores deve o condenado se integrar harmonicamente), quando, na
verdade, ela é plural, seletiva e palco de conflitos entre ideologias,
concepções morais e segmentos absolutamente díspares.
Na visão de Eugenio Zaffaroni e Nilo Batista, a norma que atribui à
execução da pena a finalidade de proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado confere à prisão uma função que as
ciências sociais comprovadamente declaram ser impossível, devendo o
intérprete realizar uma interpretação progressiva, adotando cautelas para, de
um lado, evitar que o pretexto de uma finalidade irrealizável acentue as
características deteriorantes da prisonização e, de outro, oferecer – e não
impor – possibilidades de que os presos diminuam seu nível de
vulnerabilidade ao poder punitivo.6
Essas observações aclaram os dois grandes desafios das agências
executivas no curso do processo de execução, com os quais concordamos:
não acentuar ainda mais as características deteriorantes e dessocializantes
da prisonização (redução de danos ou “não dessocialização”)7 e oferecer
(jamais impor) meios para que as pessoas presas tentem diminuir seu nível
de vulnerabilidade ao poder punitivo (possibilidade de seleção
criminalizante), se assim desejarem.
Essas são posturas pragmáticas, que se desapegam do infecundo debate
sobre as finalidades da pena e de sua execução. Nesse sentido, não podemos
deixar de constatar como certos teóricos do direito penal se perdem em
extensas, às vezes quase intermináveis, divagações sobre o tema. Com a
devida licença para o uso de uma metáfora, assim como as mitológicas
sereias com sua sedução atraem marinheiros para a morte, a discussão sobre
as finalidades da pena – igualmente sedutora – também atrai o jurista para
um labirinto inexpugnável e fatal para o realístico e útil enfrentamento das
questões mundanas da execução penal. Em termos mais diretos, enquanto
parte da dogmática penal se inebria com a discussão sobre as finalidades da
pena, milhões de seres humanos em todo o mundo são diuturnamente
submetidos a torturas, aprisionamentos desnecessários ou excessivos,
péssimas condições carcerárias e abusos de autoridade, entre outras
vicissitudes. Não sairemos da estagnação enquanto não percebermos que o
problema central da pena não é a sua finalidade, mas o respeito à
humanidade.8
Desse modo, junto com as (acertadas) críticas às finalidades da
execução penal, emerge a constatação de que a Constituição de 1988, a par
de alguns preceitos criminalizadores, não se curvou à tendência legitimadora
da pena. Pelo contrário, as normas constitucionais penais têm como regra e
por escopo o estabelecimento de limites ao poder punitivo,9 restando
constitucionalmente incompatíveis quaisquer aspirações de execução da
pena com esteio em finalidades a ela projetadas. Daí é possível concluir que
as finalidades de retribuição e prevenção especial positiva não foram
recepcionadas pela Constituição de 1988.
Partindo dessas premissas, mostra-se coerente a teoria negativa, que não
concede qualquer função positiva à pena, entendendo-a na verdade como
uma coerção que almeja o controle social, impondo privação de direitos e
dor, sem, no entanto, reparar, restituir ou deter lesões em curso, ou, ainda,
neutralizar perigos iminentes.10 Na verdade, a teoria negativa vislumbra a
pena (e também sua execução) como um ato de poder – de explicação
política11 – passível de limitação pelo poder dos juristas e pelas próprias
agências jurídicas, por intermédio de “cancelas teóricas sucessivas em cada
uma das quais o discurso habilite o trânsito de menor poder punitivo e de
menor intensidade irracional, ou seja, de maior respeito aos princípios
constitucionais e internacionais limitadores”.12
Nessa perspectiva, assim como o Direito Penal, o direito da execução
penal também deve possuir o objetivo de legitimar as decisões das agências
jurídicas, tomadas no intuito de conter racionalmente a ação do poder
punitivo-executório do Estado de Polícia em prol do fortalecimento das
bases do Estado de Direito. Em outras palavras, “a mais óbvia função dos
juízes penais e do direito penal como planejamento das decisões judiciais é
a contenção do poder punitivo. Sem a contenção jurídica (judicial) o poder
punitivo ficaria liberado ao puro impulso das agências executivas e políticas
e, por conseguinte, desapareceriam o estado de direito e a própria
república”.13 Daí a necessidade de “eticizar republicana e jus-
humanisticamente o desempenhodas agências do sistema penal”.14
Podemos agregar alguns argumentos em favor da teoria negativa.
Considerando que a Constituição é o instrumento jurídico que afirma as
bases republicanas e democráticas do Estado, é dela que são extraídos os
fundamentos de legitimidade e validade do poder redutor dos juristas e das
agências jurídicas. E levando-se em consideração que o Estado Republicano
e Democrático de Direito brasileiro possui como fundamento a dignidade da
pessoa humana (e sua correspondente humanidade das penas), compete aos
juristas e às agências jurídicas impedir que a habilitação desmesurada e
irracional do poder punitivo e executório – típicos do Estado de Polícia –
prejudique os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre,
justa e solidária (art. 3º, I, da CF), erradicação da marginalização e redução
das desigualdades sociais (art. 3º, III, da CF) e promoção do bem de todos
(art. 3º, IV, da CF).
Surge daí a tese central da teoria redutora de danos na execução penal,
aqui defendida: a existência de um autêntico dever jurídico-constitucional de
redução do sofrimento e da vulnerabilidade das pessoas encarceradas, sejam
elas condenadas ou não. O cumprimento de tal dever, sobretudo dos juristas
e das agências jurídicas, é o grande norte interpretativo e de aplicação
normativa da execução penal. Se de fato a execução da pena é a região mais
obscura, mas ao mesmo tempo a mais transparente do poder punitivo, em que
a tensão entre o estado de polícia e o estado de direito evidencia o conflito
entre o poder punitivo e o poder jurídico,15 é por afirmação deste que se
esvaziarão os danos causados por aquele.
Uma visão redutora amparada na teoria negativa da pena (e inspirada
pelo realismo marginal latino-americano), que sustentamos, também possui a
percepção de que a execução penal se oferece como autêntico governo de
homens no tempo,16 e que encarcerar significa subtrair coativamente um
tempo existencial do prisioneiro, seja ele provisório ou condenado. Nada é
como antes, assim como ninguém é a mesma pessoa após certo tempo de
encarceramento. Na prisão, tempo linear e existencial estão em permanente
desalinho e o ócio prisional faz o sofrimento humano se arrastar ainda mais,
em um angustiante compasso de espera.
Não é à toa o desabafo de Dostoievski, após sua experiência carcerária
siberiana: “de fato, posto à margem da sociedade e da rotina de vida, e
ansiando pela sociedade e pela vida, como pode um detento suportar a
temporalidade a não ser com irritação e rebeldia?”.17
A visão redutora da execução penal, aqui sustentada, está de acordo que
a pena não pode ser um meio para resolver problemas, porque ela mesma é
um problema social,18 que não anula o dano do crime (dialética hegeliana),
mas, sim, duplica a danosidade do evento delitivo. De fato, conforme
ventilado pela penologia revisionista, a pena nada mais é do que uma
voluntária prática de exclusão social. Em suma: manifestação típica do
modelo de sociedade excludente.
Daí ser extremamente oportuna a percepção de que a prisão “é, em sua
dimensão material, produção de sofrimento na forma de privação e limitação
de direitos e expectativas”, colocando-se nas sombras do não jurídico.19 Em
outras palavras, “é e permanece, não diversamente de outras formas de
punir, como um sofrimento imposto intencionalmente, com finalidades de
degradação. E o efeito degradante da pena se determina na ‘coisificação’ do
condenado-recluso, na sua redução à escravidão, à sujeição, em poucas
palavras, ao poder de outrem”.20
As condições fáticas da execução penal são tão lastimáveis que a frase
de Eberhard Schmidt – de que as prisões são erros monumentais talhados
em pedra21 – torna-se absolutamente atual. E, nesse contexto, o discurso
jurídico crítico muitas vezes acaba por orbitar na esfera do dever-ser. Em
diversos momentos, a presente obra parece caminhar por essa trilha, porém,
sem receio de ser vista como idealista, pois não despreza o sentido
materialmente seletivo e dessocializante da pena.
Por ser orientado por uma teleologia redutora, o discurso desenvolvido
neste trabalho apresenta-se como contraponto ao discurso penológico
hegemônico, identificado por Pavarini como aquele que – certo quanto à
utilidade da pena, em forte crescimento e sem o menor constrangimento
frente à prisão – se expressa nos discursos da gente, que fala diretamente
com as pessoas nas palavras de políticos e principalmente por meio da
mídia de massa, refletindo uma cultura da penalidade pós-moderna,
populista e, talvez pela primeira vez, legitimada (socialmente
compartilhada) “de baixo”.22
Buscar construir uma dogmática crítica na execução penal não significa
mero idealismo, mas tentativa – não raro inglória – de funcionalmente
empregar o discurso jurídico para a contenção racional do poder punitivo e
executório do Estado. Em última análise, edificar um discurso jurídico
contra-hegemônico na execução penal é mostrar que a “história” também
pode ser contada ouvindo-se a voz e os argumentos dos vencidos.
1. Ressaltando a insensatez da tentativa de conciliação de tais finalidades, Massimo
Pavarini e Bruno Guazzaloca observam que se a pena já atingiu na fase
executiva o pretendido fim pedagógico da correção, não haveria sentido protraí-
la até o limite imposto pela retribuição e, por outro lado, se o tempo de pena
merecida segundo o critério retributivo, na fase executiva, não resultou
suficientemente útil à correção, não haveria razão para se suspender a pena
(PAVARINI, Massimo; GUAZZALOCA, Bruno. Corso di Diritto
Penitenziario. Bologna: Edizioni Martina, 2004, p. 7). Também questionando a
compatibilidade entre punição e reforma, Augusto Thompson recorda a
observação de Bernard Shaw de que para punir um homem retributivamente é
preciso injuriá-lo. Para reformá-lo, é preciso melhorá-lo. E os homens não são
melhoráveis através de injúrias (THOMPSON, Augusto. A Questão
Penitenciária. 5. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 5).
2. CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal. Parte geral. 3. ed. rev. e ampl.
Curitiba: ICPC – Lumen Juris, 2008, p. 496.
3. BARATTA, Alessandro. Resocialización o control social – por un concepto
crítico de “reintegración social” del condenado. In: Criminologia Crítica –
Fórum Internacional de Criminologia Crítica. OLIVEIRA, Edmundo (Coord.).
Belém: Edições CEJUP, 1990, p. 145. Outro texto crítico do autor quanto às
teorias utilitaristas e tecnocráticas da pena: BARATTA, Alessandro. Vecchie e
nuove strategie nella legittimazione del diritto penale. Dei delitti e delle pene.
Rivista di studi sociali, storici e giuridici sulla questione criminale, n. 2, v. 3,
p. 247-268, Bologna, maio/ago. 1985.
4. CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 158. Ainda sobre o princípio da secularização, Anabela de Miranda
Rodrigues afirma que “está definitivamente ultrapassado que a socialização se
identifique com a higiene moral que sustentou o correcionalismo. O Estado
contemporâneo, de natureza laica e secular, não se encontra legitimado para
impor aos cidadãos códigos morais. Por isso, a pena de prisão não pode ter por
fim transformar o homem criminoso num bom pai de família. A liberdade de
consciência não sofre qualquer restrição por via da sujeição a uma pena de
prisão” (RODRIGUES, Anabela de Miranda. Novo olhar sobre a questão
penitenciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 165).
5. Em sentido crítico no tocante à realidade da execução penal, cf. MOURA, Maria
Thereza Rocha de Assis. Execução penal e falência do sistema carcerário.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 29, p. 351, São Paulo, jan. 2000.
6. Cf. BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro. 2.
ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 113. No mesmo sentido, ZAFFARONI,
Eugenio Raul. Cronos y la aporia de la pena institucional (acerca de la
interdisciplinariedad constructiva del derecho penal con el derecho de ejecución
penal). In: VV.AA. Liber ad honorem Sergio García Ramírez. Cidade do
México: UNAM,1998. t. II. p. 1531.
7. Discutindo o sentido de “não dessocialização”, GREVI, Vittorio; GIOSTRA,
Glauco; DELLA CASA, Franco. Ordinamento penitenziario: commento
articolo per articolo. 3. ed. Padova: CEDAM, 2006, p. 8-9.
8. Nesse sentido, CATTANEO, Mario. A. Pena, diritto e dignità umana. Saggio
sulla filosofia del diritto penale. Torino: Giappichelli, 1998, p. 305.
9. CARVALHO, Salo de. Supérfluos fins (da pena): constituição agnóstica e
redução de danos. Boletim IBCCRIM, n. 156, v. 13. São Paulo, nov. 2005.
10. BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 99.
11. Nesse sentido, BARRETO, Tobias. O fundamento do direito de punir. In:
Estudos de Direito. Campinas: Bookseller, 2000, p. 173-179.
12. BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 172.
13. Ibidem, p. 40.
14. Ibidem, p. 76.
15. SLOKAR, Alejandro. La ley de los sin ley. In: ZAFFARONI, Eugenio Raul
(Dir.) La medida del castigo. El deber de compensacion por penas ilegales.
Buenos Aires, Ediar, 2012, p. 84.
16. Discutindo a questão, PAVARINI, Massimo; GUAZZALOCA, Bruno. Saggi sul
governo della penalità. Letture integrative al Corso di Diritto Penitenziario.
Bologna: Edizioni Martina, 2007, p. 27.
17. DOSTOIEVSKI, Fiódor. Recordações da Casa dos Mortos. São Paulo, Martin
Claret, 2006, p. 29.
18. PAVARINI, Massimo; GUAZZALOCA, Bruno. Corso di Diritto Penitenziario,
p. 21.
19. PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da pena e execução
penal. Uma introdução crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p.
175-176.
20. Idem.
21. Cf. AEBERSOLD, Peter. Le Projet alternatif allemand d’une loi sur l’exécution
des peines. Revue Internationale de Droit Pénal, n. 3/4, 1975, p. 269 et seq.
22. PAVARINI, Massimo. Della penologia fondamentalista. Iride, n. 32, p. 89-90,
Roma, 2001. Também criticando os reflexos do populismo penal sobre o
cárcere, cf. ANASTASIA, Stefano. Carcere, populismo penale e tutela dei diritti.
Democrazia e diritto, n. 3-4, p. 161-176, Roma, 2011.
1
PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL
Veja em QR Code Visual Law com os principais pontos do Capítulo 1
A aplicação e a interpretação das normas em matéria de execução penal
são permanentemente norteadas por princípios contidos na Constituição
Federal, no Código de Processo Penal, no Código Penal, na Lei de Execução
Penal e nos Tratados e nas Convenções internacionais em matéria penal e de
direitos humanos. Em uma visão penal-constitucional moderna, tais
princípios não mais atuam como elementos meramente informadores ou
programáticos, possuindo, sim, poder de concretamente tutelar direitos
fundamentais das pessoas presas.1 O processo de densificação dos
princípios os transformou, afinal, em paradigmas substanciais (materiais) de
validade das normas e dos atos administrativos. Nessa perspectiva, ainda
que tenha existência formal, uma norma que viole um princípio
constitucional ou convencional é inválida por contrastar-se com uma norma
substancial.2
Na essência, os princípios da execução penal são meios de limitação
racional do poder executório estatal sobre as pessoas. Essa definição traz
consigo duas premissas fundamentais, que devem permear todos os
princípios.
A primeira delas é a de que jamais um princípio da execução penal pode
ser evocado como fundamento para restringir direitos ou justificar maior
rigor punitivo sobre as pessoas presas. Princípios são escudos normativos
de proteção do indivíduo, não instrumentos a serviço da pretensão punitiva
estatal, muito menos instrumentos de governo da pena.
Dessa premissa decorre a constatação de que a interpretação dos
princípios (e demais normas jurídicas) em matéria de execução penal deve
ser pro homine, ou seja, sempre deve ser aplicável, no caso concreto, a
solução que mais amplia o gozo e o exercício de um direito, uma liberdade
ou uma garantia. Essa premissa é um aporte dos preceitos contidos no art.
29, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos (que fixa, como
norma de interpretação, o comando de que nenhuma disposição da
convenção seja interpretada no sentido de limitar o gozo e o exercício de
qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de
leis locais ou outras convenções aderidas) e no art. 5º do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos (“1. Nenhuma disposição do presente Pacto
poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou
indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou praticar
quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades
reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que
aquelas nele previstas; 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão
dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer
Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos
ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os
reconheça em menor grau”).3
Traçadas essas considerações iniciais, passemos à análise
pormenorizada de alguns princípios. Sem prejuízo de outros preceitos muito
importantes para a execução penal, tais como devido processo legal,
contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição, non bis in idem,
jurisdicionalidade, publicidade e imparcialidade do juiz, procuraremos nos
ater mais objetivamente aos princípios da humanidade, legalidade, não
discriminação das pessoas presas, individualização da pena, intervenção
mínima, culpabilidade, lesividade, transcendência mínima, presunção de
inocência, proporcionalidade, celeridade e, por fim, o princípio numerus
clausus (ou número fechado).
1.1. Princípio da humanidade
A busca pela contenção dos danos produzidos pelo exercício
desmesurado do poder punitivo encontra principal fonte ética e
argumentativa no princípio da humanidade, um dos fundamentos do Estado
Republicano e Democrático de Direito. O princípio da humanidade é pano
de fundo de todos os demais princípios penais e se afirma como obstáculo
maior do recorrente anseio de redução dos presos à categoria de não
pessoas, na linha das teses defensivas do direito penal do inimigo.4
O princípio da humanidade encontra-se consagrado na Declaração
Universal dos Direitos do Homem (ninguém será submetido à tortura, nem a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante – art. 5º), nas Regras
Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (o confinamento
solitário indefinido, o confinamento solitário prolongado, o encarceramento
em cela escura ou constantemente iluminada, os castigos corporais ou
redução da dieta ou água potável do preso e os castigos coletivos, bem como
todas as formas de tratamento ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes
devem ser proibidos como sanções disciplinares – Regra 43) e no Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU (ao dispor que toda
pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e
respeito à dignidade inerente à pessoa humana – art. 10, item 1).
O princípio também é encontrado na Convenção Americana de Direitos
Humanos (ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos
cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve
ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano – art.
5º), no Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas
a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão da ONU (a pessoa sujeita a
qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e
com respeito da dignidade inerente ao ser humano – Princípio 1º) e nos
Princípios Básicos para o tratamento dos reclusos da ONU (todos os
reclusos deverão ser tratados com o respeito devido à dignidade e ao valor
inerentes ao ser humano – Princípio 1).
O Princípio n. 1 dos “Princípios e boas práticas para a proteção das
pessoas privadas de liberdade nas Américas” da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (aprovados pela Resolução n. 1/2008)5 dispõe
igualmente que “não poderão ser invocadas circunstâncias, como estados de
guerra ou exceção, situações de emergência, instabilidade políticainterna ou
outra emergência nacional ou internacional para evitar o cumprimento das
obrigações de respeito e garantia de tratamento humano a todas as pessoas
privadas de liberdade”.
Não se pode olvidar, ainda, da Convenção contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes da ONU e a
Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, da OEA,
instrumentos igualmente importantes na tutela da humanidade.
No Brasil, o princípio da humanidade decorre do fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e do
princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF),
amparando o Estado Republicano e Democrático de Direito.
Em sede de execução penal, o princípio funciona como elemento de
contenção da irracionalidade do poder punitivo, materializando-se na
proibição de tortura e tratamento cruel e degradante (art. 5º, III, da CF), na
própria individualização da pena (art. 5º, XLVI) e na proibição das penas de
morte, cruéis ou perpétuas (art. 5º, XLVII).
Como consectário do princípio da humanidade emerge o princípio da
secularização, o qual, afirmando a separação entre direito e moral, veda na
execução penal a imposição ou a consolidação de determinado padrão moral
às pessoas presas, assim como obsta a ingerência sobre sua intimidade, livre
manifestação de pensamento, liberdade de consciência e autonomia da
vontade.
Em uma visão redutora da execução penal, a humanidade também se
identifica com o imperativo da alteridade, exigindo do magistrado da
execução uma diferente percepção jurídica, social e humana da pessoa
presa, capaz de reconhecê-la como sujeito de direitos. Essa nova
compreensão do princípio da humanização da pena – cotejada pelo
reconhecimento do outro – busca então afastar da apreciação judicial juízos
eminentemente morais, retributivos, exemplificantes ou correcionais, bem
como considerações subjetivistas, passíveis de subversão discriminatória e
retributiva. Busca, ainda, deslegitimar o manejo da execução como
instrumento de recuperação, reeducação, reintegração, ressocialização ou
reforma dos indivíduos, típicos da ideologia tratamental positivista.
Sob o viés redutor de danos, o princípio da humanidade revela também
como mandamento primordial a vedação ao retrocesso humanizador penal,
demandando assim que a legislação ampliativa ou concessiva de direitos e
garantias individuais em matéria de execução penal se torne imune a
retrocessos tendentes a prejudicar a humanidade das penas. Recorre-se, para
tanto, à analogia em relação à própria determinação constitucional de que
não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os
direitos e as garantias individuais (art. 60, § 4º, IV, da CF).
A Lei de Execução Penal faz alusão ao princípio da humanidade ao
estabelecer que as sanções disciplinares não poderão colocar em perigo a
integridade física e moral do condenado (art. 45, § 1º), além de vedar o
emprego de cela escura (art. 45, § 2º). A humanidade penal também alcança
aqueles submetidos às medidas de segurança, conforme se depreende do art.
2º, parágrafo único, II, da Lei n. 10.216/2001, que fixa como direito da
pessoa com transtornos mentais em conflito com a lei o de ser tratada com
humanidade.
Não obstante a ampla gama de normas protetivas, diversos exemplos de
ferimento da humanidade no âmbito da execução penal podem ser
identificados.
Dispõe o art. 5º, VI, da Constituição de 1988 que é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e a suas liturgias. No entanto, a proibição de frequentar cultos
religiosos como forma de punição disciplinar representa de forma direta a
violação dessa garantia constitucional e, de maneira mediata, a própria
infração ao princípio constitucional da humanidade.
A obrigação de usar uniforme com cores chamativas (ex.: verde limão,
rosa) também importa clara transgressão ao princípio da humanidade,
porquanto afeta a própria intimidade e dignidade das pessoas condenadas, à
revelia da inviolabilidade constitucional da intimidade, vida privada, honra
e imagem das pessoas (art. 5º, X). Igualmente atentatórias à dignidade são as
obrigações disciplinares de baixar a cabeça e manter silêncio absoluto.
Tema ainda mais sensível é a obrigação, imposta aos presos do sexo
masculino, de cortar cabelos, retirar barbas ou bigodes ou realizar quaisquer
outras modificações da aparência. Tal prática é legitimada sob o pretexto de
manutenção da higiene, ordem ou disciplina nos estabelecimentos penais,
argumentos esses falaciosos e frágeis, pois nos estabelecimentos penais
femininos (onde a obrigação não vigora), a utilização de cabelos longos não
é causa de vulneração da higiene, ordem ou disciplina.
É inegável que o cabelo e outros caracteres da aparência são
componentes (físicos) da própria personalidade humana, possuindo inegável
valor para a formação da individualidade. Em última análise, o direito de
definir a própria aparência é expressão do direito ao livre e pleno
desenvolvimento da personalidade, tutelado pelo art. XXIX da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e art. 29 da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem.
Ocultados sob o manto higienista e securitário, o corte ou a modificação
cogentes, na verdade, revelam-se instrumentos de anulação de
individualidades, institucionalização, diferenciação estigmatizante e
desrespeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas presas.
Na essência, constituem atentado à própria integridade física, psíquica e
moral das pessoas presas, pois conduzem à mudança forçada de suas
imagens.
A Administração Penitenciária tem totais condições de zelar pela
disciplina e ordem do estabelecimento e pela saúde das pessoas presas sem
que para isso as submeta a situações humilhantes, práticas estigmatizantes
ou, em geral, medidas atentatórias aos direitos fundamentais e que
ultrapassam todos os limites legais e éticos do Estado Democrático de
Direito. Coerente, a propósito, a percepção de que a execução penal
humanizada não só não põe em perigo a segurança e a ordem estatal, mas
exatamente o contrário: enquanto a execução penal humanizada é um apoio
da ordem e da segurança estatal, uma execução penal desumanizada atenta
precisamente contra a segurança estatal.6
Outra grave transgressão ao princípio da humanidade no âmbito da
execução penal diz respeito às péssimas condições de transporte e custódia
(durante o período de deslocamento) de pessoas presas e internadas.
Utilização de veículos com compartimento de proporções reduzidas,
deficiente ventilação, ausência de luminosidade, inadequado
condicionamento térmico, falta de alimentação e água,7 exposição pública,
vedação de acesso a sanitários, superlotação e espancamento são mazelas
cotidianamente vivenciadas pelas pessoas transportadas. Em muitos casos, o
extenso período de permanência nos veículos é fator de intenso sofrimento
físico e moral, além do que veículos de transporte são utilizados como
verdadeiras instalações de custódia. Igualmente comum é o transporte de
presos com o uso de meios de coerção (ex.: algemas, com as mãos para trás)
que dificultam bastante o equilíbrio e a proteção das pessoas presas ou
internadas durante o deslocamento, causando-lhes lesões por colisões contra
o veículo.
Tais práticas são atentatórias ao dever de respeito à integridade física e
moral dos condenados e dos presos provisórios (art. 40 da LEP) e proteção
contra qualquer forma de sensacionalismo, exposição, insultos e curiosidade
(art. 41, VIII, da LEP, Regra 73.1 das Novas Regras Mínimas das Nações
Unidas para o Tratamento de Presos e art. 48 das Regras Mínimas para o
Tratamento do Preso no Brasil), além de contrariar normas proibitivas do
transporte de presos em compartimento de proporções reduzidas, com
ventilação deficiente ou ausência de luminosidade (art. 1º da Lei n.
8.653/93, Regra 73.2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o
Tratamentode Presos e art. 30 das Regras Mínimas para o Tratamento do
Preso no Brasil).
Considerando os direitos à alimentação suficiente e água potável (art.
41, I, da LEP, Regra 22 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o
Tratamento de Presos e art. 13 das Regras Mínimas para o Tratamento do
Preso no Brasil), a deficiência em seu fornecimento antes de audiências,
sessões ou julgamentos deve ser entendida como óbice tanto ao exercício da
ampla defesa pela pessoa presa acusada (a ponto de torná-la indefesa)
quanto ao seu depoimento como testemunha (a ponto de invalidá-lo).
Além das já descritas, são também práticas colidentes com os ideários
de humanização da pena a revista íntima em visitantes, a exposição do preso
a inconveniente notoriedade, o racionamento irresponsável de água, a
supressão da intimidade, o desrespeito ao sigilo da correspondência, a
restrição ao direito de voto aos presos não condenados (e a sistemática
proibição aos condenados), as restrições infraconstitucionais aos direitos de
trabalho e remuneração do condenado, a justificação das péssimas condições
detentivas pela falta de recursos, a permanência excessiva em Regime
Disciplinar Diferenciado, a manutenção infundada do preso em local distante
de seus familiares, as limitações à prisão domiciliar, a perda dos dias
remidos, a superlotação, os maus-tratos, a procrastinação indevida de penas
e medidas de segurança e o descumprimento dos requisitos estruturais
mínimos das celas (aeração, insolação, condicionamento térmico, área
mínima, existência de dormitório, aparelho sanitário, lavatório etc.), além da
exposição do preso a péssimas condições sanitárias e a graves riscos de
incêndio.8
Em nosso país, soa paradoxal a relação entre execução da pena e
humanidade, pois, com os cárceres e as agências do sistema penal que
possuímos, a injunção da pena privativa de liberdade acaba por prescrever a
própria violação de direitos humanos.9 Os cárceres, na verdade, como
observado por Haberle, desafiam não apenas a dignidade do homem
(concretamente considerado) como a dignidade (abstrata) da própria
humanidade. Daí a premente necessidade de substituição do conceito de
liberdade-propriedade (princípio individualista liberal) pelo de liberdade-
dignidade (princípio republicano).10
Com base nessas premissas, parece evidente que a execução da pena não
pode transbordar seus efeitos já deletérios para o atingimento da – inerente,
não adquirida – dignidade da pessoa humana, nem produzir danos físicos e
morais desnecessários. Logo, deve haver-se por inconstitucional e
anticonvencional qualquer medida atentatória à incolumidade física ou
psíquica dos sentenciados.
Além de tutelar diretamente a incolumidade física ou psíquica das
pessoas presas, ontologicamente o princípio da humanidade representa
também a barreira jurídica, interpretativa, discursiva e ética à utilização da
teoria da reserva do possível como pretexto para a desassistência estatal na
execução penal. Nessa perspectiva, a ideia de mínimo existencial não se
atrela apenas ao direito à vida, mas também à humanidade.
Daí ser correto afirmar que a ofensa a direitos humanos mínimos ou
elementares (veiculada pela inadimplência prestacional positiva do Estado)
não pode ser justificada pelo núcleo argumentativo da teoria da reserva do
possível: a escassez de recursos. Aliás, é exatamente esse um dos princípios
fundamentais que regem as Regras Penitenciárias Europeias: “as condições
detentivas que violam os direitos humanos do preso não podem ser
justificadas pela falta de recursos” (art. 4º). Diversas cortes americanas
também adotaram o entendimento no sentido de que problemas sistêmicos –
envolvendo saúde prisional – de pessoal, estabelecimentos, equipamentos e
procedimentos, quando evidentes, podem ser equiparados à situação de
indiferença deliberada (“deliberate indifference”), provocando violação à
8ª emenda da Constituição Americana, que veda a imposição de castigos
cruéis.11
Se bem observado, ao contrário de restringir direitos, a falta de recursos
públicos deve ser mais uma razão para que o Estado reserve a prisão para
casos excepcionais, deixando de banalizá-la e de usá-la como instrumento
segregatório e neutralizador.12 Curioso observar que a reserva do possível,
tão lembrada pelas autoridades públicas para se justificar o não
investimento prisional, o não fornecimento de medicamentos ou a não
realização de internações médicas em benefício das pessoas presas, é ao
mesmo tempo tão esquecida no momento de se aceitar a entrada de mais
pessoas no sistema penitenciário, superlotando-o.
Sobre o tema, em decisão monocrática, o Ministro Celso de Mello
salientou com acerto que “a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada,
pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo,
aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade” (STF, ADPF 45 MC/DF, Relator Min. Celso de
Mello, j. 29-4-2004).
Em 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal passou a entender que
o Poder Judiciário pode impor à Administração Pública a realização de
obras ou reformas emergenciais em estabelecimentos penais para assegurar
os direitos fundamentais das pessoas presas (RE 592.581/MS, j. 13-8-2015),
aprovando, assim, a proposta de tese de repercussão geral no sentido de que
“é lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer,
consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais
em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua
integridade física e moral, nos termos do que preceitua o artigo 5º (inciso
XLIX) da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento
da reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes”.
Entendendo que as péssimas condições carcerárias sujeitam as pessoas
presas a penas que ultrapassam a mera privação da liberdade, a elas
acrescendo sofrimentos físicos, psicológicos e morais, o STF corretamente
afastou a arcaica tese de que o Poder Judiciário não poderia realizar
ingerência indevida na seara administrativa. Afirmou, com isso, a
inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF) sempre que a eficácia
dos direitos fundamentais individuais e coletivos estiver ameaçada ou já
comprometida.
Por tudo o que foi debatido, é possível afirmar que o princípio da
humanidade constitui o cerne de uma visão moderna e democrática da
execução penal, pautada pela precedência e ascendência substanciais do ser
humano sobre o Estado13 e pela necessidade de reduzir ao máximo a
intensidade da afetação individual. Possui, portanto, o escopo maior de
capitanear a construção de uma política criminal redutora de danos,
considerando – nas lições de Pavarini14 – que a contradição entre cárcere e
democracia não pode ser resolvida, mas apenas contida, por meio de uma
política humanizante.
Paralelo ao princípio da humanidade, vale destacar o descortinamento
nos últimos tempos do chamado “Princípio da Fraternidade”,15 categoria
jurídica evidenciada pelo “constitucionalismo fraternal” e amparada,
sobretudo, no preâmbulo16 e no art. 3º da Constituição da República.17
Em âmbito penal, o princípio da fraternidade já foi utilizado como
fundamento, por exemplo, para substituir a prisão preventiva por prisão
domiciliar de uma mãe de duas crianças com menos de 12 anos de idade,
visando à proteção da integridade física e emocional dos filhos menores, na
esteira do interesse maior da criança (STJ, HC 391.501/SP, 5ª T., j. 04-05-
2017) e para assegurar prisão domiciliar durante a pandemia da Covid-19 a
um preso portador de tuberculose, cumprindo pena no regime semiaberto
(AgRg no HC 589489/SP, 5ª T., j. 18-08-2020).
1.2. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é previsto no art. 5º, XXXIX, da Constituiçãoda República e no art. 1º do Código Penal, estabelecendo que não haverá
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Como bem observado, “embora a Constituição e o Código Penal, ao
consagrarem o princípio da legalidade (estrita), se utilizem da expressão
‘pena’, tal deve ser entendido no sentido mais amplo, isto é, como ‘sanção’,
para alcançar toda e qualquer medida constritiva da liberdade, notadamente
as medidas de segurança”.18
No âmbito da execução penal, o princípio encontra-se materializado no
art. 45 da LEP, segundo o qual “não haverá falta nem sanção disciplinar sem
expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”, funcionando como
instrumento de contenção da discricionariedade da Administração
Penitenciária e do arbítrio judicial, sempre que acionados de maneira lesiva
aos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade. A aplicação do
princípio da legalidade supõe não apenas que as faltas e as sanções estejam
legalmente previstas, mas que sejam ainda estritamente interpretadas, sob
pena de tornar sem sentido o princípio.19
Além de previsto na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal, o
princípio da legalidade é ainda mencionado na Declaração Universal dos
Direitos do Homem (ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou
omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional
ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que,
no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso – art. 11), nas Regras
Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regra 37: “Os
seguintes itens devem sempre ser pendentes de autorização por lei ou por
regulamento da autoridade administrativa competente: (a) Conduta que
constitua infração disciplinar; (b) Tipos e duração das sanções que podem
ser impostas; (c) Autoridade competente para impor tais sanções; (d)
Qualquer forma de separação involuntária da população prisional geral,
como o confinamento solitário, o isolamento, a segregação, as unidades de
cuidado especial ou alojamentos restritos, seja por razão de sanção
disciplinar ou para a manutenção da ordem e segurança, inclusive políticas
de promulgação e procedimentos que regulamentem o uso e a revisão da
imposição e da liberação de qualquer forma de separação involuntária”;
Regra 39: “1. Nenhum preso pode ser punido, exceto com base nas
disposições legais ou regulamentares referidas na Regra 37 e nos princípios
de justiça e de devido processo legal; e jamais será punido duas vezes pela
mesma infração”), no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da
ONU (ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos
previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela
estabelecidos – art. 9º, item 1), na Convenção Americana de Direitos
Humanos (ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no
momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o
direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a
aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o
delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá
dela beneficiar-se – art. 9º) e no Conjunto de Princípios da ONU para a
Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou
Prisão (a captura, detenção ou prisão só devem ser aplicadas em estrita
conformidade com disposições legais e pelas autoridades competentes ou
pessoas autorizadas para esse efeito – Princípio 2).
O princípio da legalidade, como se sabe, advém da fórmula latina
nullum crimen, nulla poena sine lege(nulo o crime, nula a pena sem lei),
que pode ser dividida em quatro funções:
Primeira Função: nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (nulo
o crime, nula a pena sem lei prévia).
A primeira função do princípio da legalidade estabelece como regra a
irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu de um processo
penal (acusado da prática de uma infração penal) ou de um processo
disciplinar (acusado da prática de uma falta disciplinar). É a expressão do
comando constitucional segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo
para beneficiar o réu” (art. 5º, XL, da CF).
Por força do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, a
Lei n. 13.964/2019 (que alterou a Lei de Execução Penal), exigindo para
progressão de regime o percentual de 30% (trinta por cento) da pena, se o
apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave
ameaça, não se aplica a fatos anteriores à sua vigência, porque mais gravosa
nesse aspecto. Logo, a progressão de regime para aqueles que cometeram
esse tipo de delito antes da edição da referida lei deve se dar após o
cumprimento da fração de 1/6 da pena, nos termos da antiga redação do art.
112 da LEP.
Em matéria de irretroatividade, temos ainda o seguinte exemplo: em 29
de março de 2007, entrou em vigor a Lei n. 11.466/2007, que passou a
prever como falta disciplinar de natureza grave a posse, a utilização ou o
fornecimento de aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a
comunicação com outros presos ou com o ambiente externo (art. 50, VII, da
LEP). Todavia, antes da edição da Lei n. 11.466/2007, precisamente no ano
de 2003, a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo editou a
Resolução n. 113, fixando como falta grave a utilização de aparelho de
telefonia celular. Diante da ausência de uma lei estrita e anterior que
definisse tal falta disciplinar, as condenações por porte de aparelho celular
passaram a ser atacadas em juízo. Prevaleceu, assim, que seriam nulas as
condenações por falta disciplinar com fundamento na referida Resolução,
por violação do princípio da legalidade, na modalidade nullum crimen,
nulla poena sine lege praevia(nesse sentido, STJ, Agravo Regimental no
Habeas Corpus 71761/SP, 6ª T., j. 21-2-2008).
Conforme já mencionado, o princípio da anterioridade não apenas veda a
retroatividade da lei penal mais gravosa, como, por outro lado, admite a
retroatividade da lei penal mais benéfica. Nesse aspecto, é importante
destacar que a Lei n. 12.433/2011 passou a prever que o tempo a remir em
função das horas de estudo será acrescido de 1/3 no caso de conclusão do
ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena,
desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação (art.
126, § 5º). Como antes da edição da Lei n. 12.433/2011 não havia qualquer
dispositivo de natureza semelhante que pudesse beneficiar os presos que
concluíssem uma etapa educacional, o aumento de 1/3 do tempo de remição
deve retroagir para beneficiar todos aqueles que já concluíram uma dessas
etapas.
A Lei n. 12.433/2011 também deu nova redação ao art. 127 da LEP,
passando a admitir, em caso de falta grave, a revogação de até 1/3 do tempo
remido, não mais a sua perda integral. Por ser mais benéfica à pessoa
condenada (novatio legis in mellius), essa norma deve retroagir (em
obediência ao art. 5º, inc. XL, da Const. Fed.) para alcançar aqueles que
porventura tiveram decretada a perda integral de seus dias remidos (cf. STJ,
HC 259263/SP, 5ª T., j. 18-12-2012; STJ, HC 209414/RS, 6ª T., j. 4-12-
2012).
Outro exemplo de retroatividade benéfica: com a edição da Lei n.
12.850/2013 (que criou a figura delitiva da “associação criminosa” – art.
288 do CP), a causa de aumento de pena trazida pelo parágrafo único do
artigo em análise passou a ter nova redação, determinando o aumento de
pena de até a metade “se a associação é armada ou se houver a participação
de criança ou adolescente”. Essa nova sistemática representa clara hipótese
de novatio legis in mellius, pois a causa de aumento de pena para a
associação criminosa armada diminuiu de “até o dobro” (na redação
anterior) para “até a metade” (na redação atual). Logo, é possível, com base
no parágrafo único do art. 2º do Código Penal, o reconhecimento da novatio
legis in mellius para fins de diminuição da pena já em execução.
Segunda Função: nullum crimen, nulla poena sine lege certa (nulo o
crime, nula a penasem lei certa).
A normativa penitenciária, nos dizeres de Franco Bricola, é um dos
setores mais expostos às várias práticas nas quais, no Estado de Direito,
realiza-se a ilegalidade oficial por meio da não aplicação e manipulação
administrativa das normas.20 Por isso a importância do princípio da
legalidade, que, em sua modalidade nullum crimen, nulla poena sine lege
certa, trata de proibir a criação e aplicação de tipos penais e disciplinares
vagos ou indeterminados. Os tipos penais e os tipos disciplinares devem ter
redação clara e precisa, evitando fórmulas genéricas ou indeterminadas que
possam dar margem ao abusivo arbítrio estatal e, consequentemente, ao
“descolamento da legalidade” (“emancipação perante a legalidade”).
Nesse aspecto, discute-se a constitucionalidade dos incisos I e III do art.
50 da LEP, que apontam como faltas graves, respectivamente, as condutas de
incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina e
de possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física
de outrem.
Em relação à primeira falta disciplinar, surge o questionamento do que
seria “subverter a ordem ou a disciplina”, tendo em vista que qualquer
conduta, interpretada por uma autoridade penitenciária tendenciosa e
abusiva, poderia ser eventualmente considerada subversiva para efeitos
punitivos.21
Já em relação à conduta de “possuir, indevidamente, instrumento capaz
de ofender a integridade física de outrem”, a indeterminação residiria na
amplitude que cerca o conceito de instrumento de ofensa, posto que inúmeros
instrumentos (até mesmo uma caneta) possuem a capacidade de ofender a
integridade física de outrem, fato esse que, sem uma descrição legal
exaustiva, dá margem à arbitrariedade em desfavor do indivíduo.22
Outro exemplo de violação da legalidade: segundo o art. 2º, § 9º, da Lei
nº 12.850/2013 (que define organização criminosa), o “condenado
expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime
praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de
regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros
benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a
manutenção do vínculo associativo”.
Esse artigo viola a legalidade ao estender a vedação a “outros
benefícios”, sem a adequada individualização deles e sem a existência, na
legislação, de norma que defina seu conteúdo. Trata-se de uma fórmula vaga
que dá margem ao abuso estatal e, consequentemente, ao “descolamento da
legalidade”.23
Além desses exemplos, outro elemento vago e indeterminado que vulnera
o princípio da legalidade é a exigência de “demonstração do merecimento
do condenado” para a recuperação do direito à saída temporária (art. 125,
parágrafo único, da LEP). Tal exigência deve ser afastada como requisito
juridicamente válido, pois dá azo a arbitrariedades e causa insegurança
jurídica ao condenado.
Como se percebe, o uso de conceitos abertos é medida que traz consigo
grave insegurança jurídica, subvertendo a legalidade em nome de uma
conveniente discricionariedade. Acertada, pois, a percepção de que “na
concepção de Estado de Direito Social, não pode haver espaços
juridicamente vazios, todos devem ser fundamentados na lei e na
Constituição. Nesse contexto o conceito de relação especial de poder perde
sentido. O campo da discricionariedade da Administração diminui. O
condenado, o recluso, possui um ‘status’ que engloba direitos e deveres, é
um sujeito na relação com o Estado. De qualquer forma, porém, em todos os
países em que vigora essa concepção política, ocorreu um atraso na
efetivação desses postulados. O princípio da legalidade na execução penal
importa na reserva legal das regras sobre as modalidades de execução das
penas e medidas de segurança, de modo que o poder discricionário seja
restrito e se exerça dentro de limites definidos. Importa também na reserva
legal dos direitos e deveres, das faltas disciplinares e sanções
correspondentes, a serem estabelecidos de forma taxativa, à semelhança da
previsão de crimes e penas no Direito Penal. As restrições de direitos ficam
sob a reserva legal, evitando-se uso de conceitos abertos”.24
Também é coerente a constatação de que não pode o magistrado utilizar-
se de sua suposta discricionariedade para restringir ou negar um direito com
base em entendimentos próprios sobre a finalidade do instituto ou sobre o
merecimento do beneficiário, pois quando se tem em mente que a execução
penal possui como sujeito principal e razão de ser a pessoa presa, é por ela
que se devem pautar as conclusões do magistrado.25
Terceira Função: nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (nulo o
crime, nula a pena sem lei estrita).
Essa função do princípio da legalidade veda o uso de analogia para criar
crimes e faltas disciplinares e para aplicar e executar penas ou sanções
disciplinares. Analogia significa a aplicação, a uma hipótese não prevista
em lei, da disposição relativa a um caso semelhante. No Direito de
Execução Penal, a analogia somente pode servir como forma integradora de
conceitos, jamais para criar formas de agravar a condição das pessoas
condenadas. Também por essa razão, a interpretação de qualquer dispositivo
passível de imposição de tratamento penal rigoroso deve ser eminentemente
restritiva, não comportando extensões ou analogias em prejuízo do
indivíduo.26
Em última análise, afirmar que é nula a pena sem lei estrita significa
dizer que, inexistindo previsão legal exata para determinada falta ou sanção
disciplinar, não pode a analogia servir em desfavor do acusado.
É o que ocorre, por exemplo, na punição por falta grave (a partir da
interpretação extensiva ou complementar do art. 50 da LEP) das condutas de
possuir, portar ou ingerir bebida alcoólica, achar-se embriagado ou recusar
comparecimento perante Oficial de Justiça, para receber ato de citação. As
condutas descritas nesse artigo são taxativas, não admitindo qualquer
interpretação extensiva ou complementar (cf. STJ, HC 172551/SP, 6ª T., j. 2-
8-2012; HC 119732/GO, 5ª T., j. 15-9-2009; HC 4435/SP, 6ª T., j. 13-5-
1996; HC 108616/SP, 6ª T., j. 6-2-2009).
É também o que acontece na punição por falta grave da conduta de
possuir, utilizar ou fornecer chips, baterias e carregadores de telefones
celulares, quando na verdade o tipo disciplinar do art. 50, VII, da LEP
apenas menciona, como objetos, o aparelho telefônico, de rádio ou similar,
que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
De fato, não há qualquer menção legal expressa quanto aos acessórios, além
do fato de que eles não possuem a capacidade de gerar comunicação por si
sós, ou seja, são carentes de potencialidade lesiva sem o respectivo
aparelho telefônico. Logo, embora não seja esse o entendimento dominante
nos tribunais, deveria ser disciplinarmente atípica a posse, a utilização ou o
fornecimento de chips, baterias ou carregadores, quando desacompanhados
do respectivo aparelho, em nome do princípio da legalidade.
Quarta Função: nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (nulo o
crime, nula a pena sem lei escrita).
A quarta e última função do princípio da legalidade consiste na
proibição da criação de infrações penais, faltas disciplinares, penas ou
sanções disciplinares pelos costumes (ex.: preso sofre sanção disciplinar
por infringir o costume, existente em determinada penitenciária, no sentido
de baixar a cabeça diante de uma visita). Na verdade, só a lei escrita pode
criar crimes, faltas, penas e sanções disciplinares. Os costumes podem ser
utilizados apenas para explicar ou complementar (integrar) o sentido de
certos elementos do tipo penal ou disciplinar. Nunca para punir ou agravar a
condição das pessoas condenadas ou submetidas à medida de segurança.
O princípio da legalidade representa afinal a grande amarra ao
discricionarismo na execução da pena, no intuito de, por um lado, obstar a
criação de um Direito próprio (dentro do espaço do não direito) às pessoas
privadas de liberdade e, por outro, conter as tentações positivistas

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