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TEORIA DA PENA E EXECUÇÃO PENAL UNIASSELVI-PÓS Autoria: Ivone Fernandes Morcilo Lixa Indaial - 2020 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. L847m Lixa, Ivone Fernandes Morcil Teoria da pena e execução penal. / Ivone Fernandes Morcilo Lixa. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 138 p.; il. ISBN 978-65-5646-005-5 ISBN Digital 978-65-5646-006-2 1. Pena (Direito). - Brasil. 2. Processo penal. - Brasil. Centro Univer- sitário Leonardo Da Vinci. CDD 341.54 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PENA E DA EXECUÇÃO PENAL .........................................................................7 CAPÍTULO 2 SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO .............55 CAPÍTULO 3 PENA E EXECUÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES .............................93 APRESENTAÇÃO Um dos temas mais desafiadores no campo jurídico é o da punição dos que violam as normas de convivência social estabelecidas e sua consequente execução, sobretudo quando se tem em conta que o controle social, pela via jurídica, não é somente uma resposta técnica aplicável aos transgressores da norma penal. O crime é um fato sócio jurídico que resulta da complexa trama da realidade concreta subjacente à difícil convivência humana. Assim, além de ser um tema instigante, a compreensão da criminalização de condutas definidas penalmente exige, do estudioso e profissional do Direito, a compreensão de seus fundamentos justificadores e é, sob tal perspectiva, que a presente obra foi elaborada. Partindo da compreensão do crime e penalização como objeto de teorização e dirigido para um público de pós-graduação, o trabalho pretende ser um importante apoio e meio de reflexão para a moderna Teoria da Pena e da Execução Penal. Desde uma metodologia crítico analítica, a temática foi sistematizada em três capítulos. No primeiro capítulo discute-se os fundamentos da Teoria da Pena e da Execução Penal. Inicia-se o estudo com o resgate histórico e político do sistema punitivo moderno ocidental com o objetivo de identificar os fatores e elementos que foram edificando as ideias e conceitos legitimadores da prática jurídica punitiva. O segundo capítulo trata especificamente do Sistema Punitivo Brasileiro Contemporâneo. Aqui serão estudados os fundamentos da política criminal brasileira analisando a relação entre Direito Penal e Execução Penal enquanto um sistema normativo articulado e justificador da lógica penal brasileira. O terceiro e último capítulo aborda a Pena e a sua Execução no Estado Democrático de Direito problematizando os atuais desafios e possibilidades. Nesse momento de estudo, nos centraremos na realidade penal punitiva brasileira pretendendo, não apenas discutir a crise e dificuldades do sistema penal e carcerário nacional, mas também analisar as práticas jurídicas inovadoras como forma de responder a um dos grandes dramas do Brasil contemporâneo: o controle da violência e da criminalidade desde a ordem democrática. Ao fim de cada capítulo o leitor encontrará textos complementares com o objetivo de oferecer um material didático e acessível para o estudo que se inicia que tem como objeto de análise e discussão a Teoria da Pena e da Execução Penal. Sem dúvida, o tema que se propõe é atual e instigante não apenas para o público em geral, mas principalmente para os profissionais e interessados da área do Direito Penal quando já, superados o conhecimento básico da graduação, aceitam o desafio de retomar o debate acadêmico na busca de fundamentação e atualização do saber jurídico penal. Bons estudos! Ivone Fernandes Morcilo Lixa CAPÍTULO 1 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender o sistema punitivo moderno como resultado de um processo elaborado a partir da convergência de fatores históricos e políticos que acabaram por determinar a monopolização da punição pelo Estado. • Identificar e analisar as modernas Teorias da Pena reconhecendo os fundamentos que sustentam e legitimam o paradigma dominante de punição e, simultaneamente, conferem ao Direito Penal e Direito de Execução Penal suas bases teóricas e operacionais. • Analisar a construção do Direito de Execução Penal brasileiro a partir da elaboração da Lei de Execução Penal brasileira identificando os elementos teóricos e políticos jurídicos que servem de fundamento para sua operacionalidade. 8 Teoria da Pena e Execução Penal 9 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Punir e executar a pena é um dos grandes dilemas do Direito que, ao longo da história, exigiu dos juristas uma adequada justificação e legitimidade intelectual e política. Por que e como punir? É uma das questões mais desafiadoras que ao longo deste estudo acerca da Teoria da Pena e da Execução Penal buscaremos discutir. A punição e o castigo são as grandes problemáticas que envolvem a existência humana. Ao longo da história, nas diversas culturas e antigos textos sagrados, encontramos explicações e justificativas para o controle das condutas consideradas desviantes/ indesejáveis e/ou criminosas. Crime e punição estão no cerne da moral, da religião e dos debates filosóficos a partir dos quais são valoradas condutas humanas e enaltecidos ou condenados sentimentos ao longo da história humana. . A relevância do estudo que se inicia pode ser exemplificada no histórico caso de Motta Coqueiro. Trata-se de um, entre tantos outros, que entraram desgraçadamente para história como erros judiciais impossíveis de serem corrigidos. Em síntese, Manoel da Motta, nascido na fazenda de Coqueiro, em Goytacazes, em 1802, ao longo da vida acumulou fortuna e desavenças. Diferente se seus inimigos políticos e pessoais, tratava seus escravos com cuidado e sem muita severidade. Foi um dos primeiros fazendeiros a utilizar a mão de obra de imigrantes quando cessou o tráfico negreiro para o Brasil. Vítima de uma trama acabou sendo acusado de ser o mandante de uma terrível chacina envolvendo toda uma família de trabalhadores livres, a qual pertencia a jovem Francisca com quem Manuel mantinha um romance secreto. Após todo um processo eivado de vícios e manipulações Motta Coqueiro foi condenado e morreu na forca no dia 6 de março de 1855. Relatos demonstram indícios que a mandante do crime foi sua esposa Úrsula a quem Motta Coqueiro não delatou. Chegando ao conhecimento do Imperador D. Pedro II que Coqueiro era inocente, ele decretou o fim da pena de morte para crimes brutais determinando que fosse comutada para prisão ou galés, uma vez que pela Constituição da época o Imperador não poderia extinguir a pena de morte, o que só aconteceria, finalmente, em 1890. Ao refletirmos acerca do difícil dilema das razões e fundamentos para a condenação de alguém a uma pena é preciso ter presente as palavras de José do Patrocínio quando descreveu a morte de Motta Coqueiro, um inocente: 10 Teoria da Pena e Execução Penal [...]parece que há menos torpeza em um homem matar outro, do que em reunirem-se milhares para matar um só .... Os magistrados e os que mandam executar essas bárbaras sentenças dormem tranquilamente na paz de uma consciência honesta, porque entregam às mãos do carrasco as pontas da corda ou o cabo do alfanje (PATROCÍNIO, 1977, p. 219). É com o espírito aberto ao novo que iniciamos nosso estudo buscando compreender a construção da lógica punitiva moderna ocidental e os fundamentos teóricos das distintas teorias da pena e da execução penal. 2 OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO SISTEMA PUNITIVO MODERNO 2.1 DO TRIUNFO DO SOBERANO AO TRIUNFO DO ESTADO A clássica obra “Vigiar e Punir: o nascimento da prisão” do filósofo francês Michel Foucault, publicado em 1975, é considerada um marco que modificou o modo de pensar sobre o sistema punitivo da sociedade moderna. O objetivo do trabalho de Foucault é o descrever e discutir a história do poder de punir e a história da prisão. Demonstra que do suplício do corpo na fase medieval passa-se para o suplício da alma, no sistema prisional moderno. Ao longo de seu trabalho Foucault demonstra a natureza política do poder de punir e que através de tal poder é sustentada uma sociedade disciplinar que organiza e legitima as modernas instituições políticas e jurídicas, e assim, nos permite, nas palavras de Santos (2012), estudar as prisões implica em abandonar o tradicional critério de repressão da criminalidade, definido e delimitado pelas formas jurídicas, para lançar o olhar para as consequências positivas e não declaradas da aplicação da pena e do aprisionamento: estratégia política de dominação orientada pelo saber científico que define a moderna tecnologia do poder de punir. Na fase medieval, o processo inquisitorial secreto levava condenados às fogueiras e rodas, suplícios públicos de terror que funcionavam como espetáculos dirigidos às massas que testemunhavam o poder do soberano triunfante sobre 11 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 o criminoso, o herege rebelde que ousou desafiar o poder. Paulatinamente, sancionam-se novos crimes e são punidos gêneros diferentes de delinquentes. Em poucos séculos, inúmeros serão as teorias de lei e crime, criando-se novas justificações morais e políticas do direito de punir. São abolidos os antigos costumes e são criados os códigos penais modernos a partir do século XVIII. Funda-se o sistema punitivo moderno e houve inúmeras modificações. Mas Foucault se atém a uma em particular: o desaparecimento dos suplícios. As transformações, superficialmente vistas como “humanizações” define a punição menos diretamente como físicas e o sofrimento passa a ser mais sutil. Desaparece o corpo supliciado, esquartejado e exposto como espetáculo e o cerimonial da pena, nas palavras de Foucault (1999, p. 12), “vai sendo substituído por novo ato procedimental ou administrativo”. Assim, a punição pública deixa de ser o centro da cena fazendo o carrasco parecer criminoso. A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. O fato de ela matar ou ferir já não é mais a glorificação de sua força, mas um elemento intrínseco a ela que ela é obrigada a tolerar e muito lhe custa ter que impor. [...] Desde então, o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinquente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é como uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor ao condenado; ela guarda distância, tendendo sempre a confiá-la a outros e sob a marca do sigilo. É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir (FOUCAULT, 1999, p. 13). Desde tal perspectiva, o sistema punitivo funciona como parte do sistema social de controle que historicamente, ao que parece, foi se caracterizando como estratégia de poder que produzem almas vigiadas, submissas, violentas e violentadas, que tem na ciência penal a fonte de saber que produz e reproduz o exercício do poder. O estudo de Foucault nos permite compreender o sistema punitivo moderno como sistema de gestão da criminalidade e não de sua supressão. Por que razão o aprisionamento, que na Idade Média não tinha natureza punitiva, passa a ser a principal forma de castigo? Para Foucault porque tem natureza disciplinar. A prisão disciplina porque controla e sujeita o corpo do apenado de maneira individual, exercendo o poder sem mutilar. Segundo Foucault 12 Teoria da Pena e Execução Penal Saiba mais sobre o caso de Motta Coqueiro no site a seguir: <http://www.justificando.com/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior- erro-judiciario-brasileiro/>. é uma técnica de poder que ao mesmo tempo concebe os indivíduos como objeto e como instrumento de poder e o “sucesso” disciplinar se deve ao modelo de controle: o “olhar”, a “vigilância” sob os prisioneiros. Uma forma de sanção normativa específica (FOUCAULT, 1999, p. 143). Na leitura foucatiana, a disciplina prisional moderna tem como métodos: 1. a vigilância hierárquica que se dá sobre o corpo alheio que opera através de meios de observação que submete os apenados a completa e permanente visibilidade; 2. A sanção normalizadora que opera através do sistema de recompensa (progressão) e punição (regressão) instituído para corrigir e reduzir os desvios; 3. A degradação como punição. Desde tal análise, é possível compreender a arquitetura ideal das prisões moderna: o panóptico de Bentham. “Pan-óptico” é um termo utilizado em 1785 por Jeremy Bentham filósofo e jurista inglês para nominar um tipo de penitenciária ideal que permite a um único vigilante observar a todos prisioneiros sem que tenham a possibilidade de saber se estão sendo observados ou não. Dentre os dispositivos de vigilância do início do século, podemos destacar o Panóptico, de Jeremy Bentham , um mecanismo arquitectural, utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversificadas superfícies (prisões, manicómios, escolas, fábricas). O Panóptico era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário a trabalhar, um prisioneiro a ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua loucura etc. Na torre havia um vigilante. Como 13 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que o indivíduo fazia estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de persianas, de postigos semicerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo. O panoptismo corresponde à observação total, é a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Ele é vigiado durante todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em que momento está a ser vigiado. Aí está a finalidade do Panóptico: induzir no detido um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento autoritário do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente nos seus efeitos... que a perfeição do poder tenta tornar inútil a atualidade do seu exercício. FIGURA 1 - O PANÓPTICO DE BENTHAM FONTE: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/ sociedade%20disciplinar/Pan%C3%B3ptico.htm>. 14 Teoria da Pena e Execução Penal A prisão de Bentham, é um instrumento de poder disciplinar que separa o vigilante dos vigiados permitindo que a mera consciência da vigilância dispensa a permanente vigilância. Uma nova anatomia política e instrumento disciplinar de sociedade, de fábrica, de escola etc. que faz com que as múltiplas subjetividades humanas têm reduzida suas forças políticas e tornam-se sujeitos submetidos. Compreender a história das penas e prisões modernas desde Foucault nos permite concluir que são 200 anos de fracassos, reformas e novos fracassos, insistindo-se de maneira incessante em um mesmo modelo e um mesmo projeto. Porém é mais do que isso, é um sistema de eficácia invertida e não declarada: não reduz a criminalidade, ao contrário produz a violência inserindo condenados em autenticas carreiras criminosas e organizando a delinquência. É partindo de tal perspectiva analítica e crítica que se passará a compreender a Teoria da Pena e da Execução Penal no Brasil contemporâneo, partindo-se do processo de construção histórica do sistema punitivo moderno a partir do século XVIII quando, desde o mundo europeu, um convergência de fatores estabeleceram uma íntima e indissociável relação entre Estado e Sistema Punitivo, o surgimento de “especialistas” responsáveis pela classificação e sistematização do conceito de crime e criminoso; a formação e desenvolvimento de instituições com finalidade segregadoras para os “desviados” e a substituição do castigo e dor infringidas ao corpo para a mente enquanto objeto de controle político técnico-científico. 2.2 BREVE REVISÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PUNITIVO OCIDENTAL Ao longo da história ocidental em diferentes momentos e de diferentes formas encontramos formas de punir, buscando-se construir discursos legitimadores acerca da função e resultados da pena. Afinal, a questão acerca da finalidade da pena acompanha a construção do próprio Direito Penal. A cada finalidade foram sendo elaboradas teorias fundamentando e justificando a função e finalidade de intervenção do poder político no corpo, e nos bens dos seres humanos. Reconstruindo a tradição ocidental, um marco no modelo punitivo é o Código de Hamurabi. Conjunto de leis da antiga Mesopotâmia datado, aproximadamente, do século XVIII a.C., atualmente no Museu do Louvre, previa dispositivos para punir delitos praticados desde o homem comum até os altos funcionários públicos. Embora sendo claro que a punição variava de acordo com a condição social tanto do autor como da vítima. 15 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 FIGURA 2 – CÓDIGO DE HAMURABI FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/historia/codigo-de-hamurabi>. Com cerca de 282 (duzentos e oitenta e dois) dispositivos legais que privilegiava o conhecido “princípio da Lei de Talião” (do latim lex talionis que significa “tal qual”), o Código de Hamurabi é considerado um importante documento histórico. Juntamente com outros documentos como o Código de Ur- Namu, datado no ano de 2050 a.C., escrito em língua Suméria e conhecido como Código de Lipit- Istar de Isin, é uma das primeiras legislações escritas Um olhar atento ao Código de Hamurabi não é difícil perceber que, apesar de buscar estabelecer um limite para as vinganças privadas, as penas são muito severas e de natureza retributiva: pagava-se o mal com o mal e com “a mesma moeda”. Escreveu o poeta grego Hesíodo por volta do ano 700 a.C. que foi exatamente a capacidade de viver de acordo com as leis e a justiça que tornou os seres humanos efetivamente humanos. Aqui é a lei, como Zeus estabeleceu para os seres humanos; como para os peixes e animais selvagens, e os pássaros que voam, eles se alimentam uns dos outros, já que não há ideia de justiça entre eles; mas para os homens ele deu a justiça, e ela no final está provado que é a melhor coisa que eles têm (HESÍODO, 2013, p. 68). Aristóteles, expoente do pensamento filosófico grego, em seu grande legado deixando ao pensamento ocidental, no campo da justiça penal, é possível encontrar observações acerca dos motivos que levariam o indivíduo a cometer injustiças e violar a lei. Em sua clássica obra “Ética a Nicômacos” (1973), o que levaria o indivíduo a causar dano a alguém e violar as leis, é o “vício”, inclinação negativa à um hábito que floresce no indivíduo em determinadas situações, que é o oposto as virtudes. Para Aristóteles, virtude é um hábito responsável pela criação de coisas boas, tais como a justiça, coragem, moderação, magnanimidade (grandeza de alma), prudência, sabedoria, dentre outras (ARISTÓTELES, 1973, p. 81). Entende o filósofo grego que a virtude é um hábito e não um dom natural, 16 Teoria da Pena e Execução Penal sendo que a violação às leis resulta do descontrole causado por fatores externos, tais como a pobreza, em relação aos vícios. Como decorrência do avanço político e filosófico dos gregos, a questão da punição é relacionada não a individualidade, mas ao exercício da cidadania, devendo aqueles que violarem as leis da cidade serem julgados por seus pares a fim de garantir a existência da vida coletiva e cidadã. A aplicação das penas deveria ser dotada de certa dose de humanidade, tendo-se sempre em consideração as leis da cidade e a sobrevivência do coletivo. Por exemplo, era possível a absolvição de um culpado se sua condenação fosse prejudicial a inocentes que dele dependiam porque acarretaria encargos para o coletivo. No ano de 452 a.C. os romanos promulgam a Lex Duodecimum Tabularum (Lei das XII Tábuas), a qual tinha como objetivo retirar a incerteza do direito por meio de códigos devido à arbitrariedade dos magistrados patrícios contra a plebe. Foi a primeira de forma de codificação do direito romano cuja elaboração teve como base os costumes existentes. A Lei das XII Tábuas, embora abarcando distintas áreas do direito, privilegia o que atualmente chamamos de área penal contendo penas cruéis. A Tábua de número VIII é direcionada ao delito. Aplicava- se pena de morte: à difamação, contra o cidadão púbere que prejudica á noite as colheitas, incendiário lúcido e deliberado, para ladrão noturno, para ladrão diurno que se defendesse com arma, escravo apanhado em flagrante de roubo, contra falso testemunho, homicídio, contra feitiçaria ou envenenamento e para levantadores de motins noturnos. Ainda aplicava a Lei de Talião em casos de lesão corporal e pena pecuniária para reparação por injúria, reparação pelo prejuízo causado injusta, mas acidentalmente e prejuízo causado por animal. FIGURA 3 – CRUXIFICAÇÃO: COMUM PRÁTICA ROMANA FONTE: <http://blogdoaubim.blogspot.com/2015/10/ quantas-pessoas-morreram-na-maior.html>. 17 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 Ao que se sabe, a pena de crucificação praticada pelos romanos e aplicada para os não romanos, acredita-se ter sua origem na Pérsia e levada ao mundo ocidental por Alexandre (330 a.C.). É considerada a pena romana cruel por excelência e aplicada como forma de demonstração do poder imperial de Roma. O quadro acima reproduz a maior crucificação da história. Em meio a uma Roma destroçada por crise política e social, no ano de 71 a.C. forma crucificadas em um só dia 6 mil pessoas que haviam se rebelado em uma das maiores guerras civis da história conhecida como a Terceira Guerra Servil. Narram os documentos da época que o cheiro de corpos em decomposição era tal que a estrada principal que levava a Roma tornou-se intransitável! Esta é considerada a maior crucificação da história. Como já deve ter percebido a criminalizaçãoe penalização estão intimamente relacionadas a manutenção e exercício do poder, sendo os rebeldes e “indesejáveis” comumente exterminados em nome da justiça. É particularmente interessante as considerações de Zaffaroni (2013) acerca da relação entre o fim do império romano e o aumento das contradições sociais que se manifestou com a impressionante e violenta verticalização do poder. Quando Roma passou da república ao império seu poder punitivo se fez muito mais forte e cruel. No entanto, Roma caiu praticamente sem que ninguém a empurrasse; seus imperadores eram generais que brincavam de golpe de Estado, passavam o tempo intrigando ou neutralizando as intrigas, e em seus momentos de ócio se divertiam com amantes e escravos núbios. Os costumes se relaxaram, dizem os moralistas. Porém, Roma não caiu por causa das amantes ou dos escravos, mas sim porque a estrutura vertical que proporciona o poder colonizador, imperial, logo se solidificou até imobilizar a sociedade, as classes tornaram-se castas, o sistema perde flexibilidade para adaptar-se às novas circunstâncias, torna- se vulnerável aos novos inimigos. Chegaram os bárbaros com suas sociedades horizontais que ocuparam os territórios quase caminhando, e o poder punitivo desapareceu quase por completo0 (ZAFFARONI, 2013, p. 21). Entretanto, o exercício do poder vertical romano através da violência parecia ter desaparecido com a formação dos reinos bárbaros, até os séculos XII e XIII quando os novos donos do poder decidem retomar as práticas de confisco de bens e vai-se delineando o sistema inquisitorial medieval que lançará as bases do pensamento punitivo moderno. O surgimento da Inquisição na Idade Média é uma espécie de retomada de práticas judiciárias romanas imperiais quando a verdade processual passa a ser obtida pela interrogação, inquisitivo, superando o antigo modelo dos ordálios. As necessidades políticas de estabelecer um controle simultâneo sobre 18 Teoria da Pena e Execução Penal a criminalidade comum e a heresia (misto de grave crime político e religioso) encontra no mecanismo inquisitorial um excelente sistema para reprimir qualquer resistência e oposição ao “saber oficial”. O conhecimento construído pelos canonistas, especialistas em Direito Canônico, resultante da revitalização do Corpus Iuris Civilis (Código de Justiniano) no século XII pela Universidade de Bolonha permite ao clero formular mudanças no procedimento processual fundada em uma teocracia radical que centrava no Poder Papal todo poder político. Assim, vai-se consolidando uma nova classe de profissionais do direito e ao mesmo tempo também se disseminou uma forma de solucionar conflitos, uma prática processual, cuja marca era a racionalidade e a técnica. Além de ter introduzido o processo escrito - autos -, que passou a exigir um corpo notarial, a escrita processual exige termos e fórmulas específicas e assim, a lógica de técnica vai assumindo relevância. Identificando-se delito com pecado, a recuperação do Direito Romano imperial, a consolidação de uma rede de burocratas na rede e sistema de repressão, o “combate à heresia” (crime de lesa-majestade divina) e ao principal instrumento do demônio: o herege. Santo Agostinho mil anos antes da Inquisição, escreve “A Cidade de Deus” (De Civitate Dei) no século V, afirmando que haviam “dois mundos” em permanente combate: o de Deus e o de Satã, dedicando-se Satã e seus agentes (anjos caídos), a tentar a Deus e não havia alternativa, ou se estava ao lado de Deus ou ao do Demônio. Desde tal concepção, a Igreja, aliada a Reis interessados em consolidar seu poder, dedica-se ao combate contra o mal. Desde aí, na leitura de Zaffaroni (2013, p. 28-29), foi inventada a Teoria do Pacto Satânico: Satã não podia atuar sozinho, necessitava da cumplicidade de humanos (não me perguntem o porquê, porque não sei). Para isso havia humanos que celebravam um pacto com o inimigo, com Satã. Era um contrato de compra e venda proibido, mas que por sua natureza só podia ser celebrado por humanos inferiores, que eram as mulheres. Por quê? Por razões genéticas, biológicas: tinham um defeito de fábrica por provir de uma costela curva do peito do homem, o que contrastava com a retidão deste (não sei tampouco onde o homem é reto, mas prossigamos). Por isso, elas têm menos inteligência e, por conseguinte, menos fé [...] Foi assim que a Inquisição se dedicou a controlar as mulheres desobedientes e levou à combustão milhares delas, como bruxas, por toda a Europa. 19 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 FIGURA 4 – TORTURA DA ÁGUA Tortura da água: Consistia em deitar a vítima numa maca, totalmente amarrado, seu carrasco lhe obrigava a abrir a sua boca, e colocando um funil até a garganta, iam enchendo de água provocando a sensação de afogamento, a quantidade de água variava de 1 até 4 litros. Esta pena era aplicada mais para as mulheres FONTE: <http://santainquisicaocatolica.blogspot.com/2010/05/ santa-inquisicao-ou-santo-oficio.html>. Os canonistas criam maneiras de aceitabilidade das provas: probabilidade, relevância e materialidade, descartando as provas supérfluas (que já estavam provadas no processo), as impertinentes (que não interessavam), obscuras (que não poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou antinaturais (absurdas e impossíveis de serem aceitas). Portanto, o sistema de provas vai assentar-se sobre o que passou a se chamar prova legal uma vez que sua apreciação dependia de regras previamente estabelecidas, como o famoso “código processual”, o Manual dos Inquisitores criado por Nicolau Eymerich. Este Directorium Inquisitorum de 1376 é uma espécie de modelo fundacional do direito processual penal moderno que visava perseguir e punir a todo aquele que representasse uma ameaça ou poder papal, o herege. Para auxiliar os demonólogos em sua “divina missão” em 1484 é publicado o Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas de autoria de dois inquisitores peculiares: Heinrich Krämer e Jakob Sprenger. O primeiro um sujeito considerado problemático que o próprio bispo, segundo Zaffaroni (2013) o suspendeu de suas funções porque além de estar exterminado quase todas as mulheres, se dizia que ganhava muito dinheiro com venda de indulgências, falsificando a recomendação do funesto Manual pela Universidade de Colônia, com a finalidade de conferir- lhe “validade acadêmica”. O segundo era um conhecido e exagerado beato. Com certeza, ambos formaram uma “dupla perfeita” para colocar em forma de livro um autêntico delírio insano. 20 Teoria da Pena e Execução Penal E como delírios, ao longo da história, são pretextos para encobrir crimes. Na época se um padre aparecesse nu dentro de um celeiro, contará que Satã o levou a um banquete e, como não quis jurar-lhe fidelidade, o lançou ali; se um homem santo é encontrado debaixo da cama de uma mulher, será porque Satã se apoderou de seu corpo para se esconder [...] Os inimigos são inferiores...Como não podiam eliminar todas as mulheres, contentam-se em queimar somente as desobedientes. (ZAFFARONI, 2013, p. 37). No entanto, os inquisitores, claro, são superiores e infalíveis. Não admitem erros. Ao longo de toda história medieval nunca houve erros. Ainda poderiam mentir ou deixar de cumprir acordos com os hereges porque são imunes. De certa forma, os inquisitores passaram a acreditar em sua missão salvadora e de que o método era “abençoado” e, portanto, infalível, até porque a “confissão brotava” dos lábios dos supliciados. FIGURA 5 - MANUAL DO INQUISITOR – MALLEUS MALEFICARUM FONTE: <http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/feiticeira/introducao.html>. Em síntese, a Inquisição foi e até certo ponto é uma mentalidade que permanece viva, consistiu em um movimento político-religioso que em nome do combate ao demônio promoveu a perseguição indiscriminada eintolerante à diversidade, seja de crença ou opiniões. Sem dúvida, uma estrutura de poder mantida pelo terror que não desapareceu. Pode-se afirmar que a Idade Média não acabou! Os transgressores permanecerão na história e serão perseguidos. 21 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 2.3 O LIBERALISMO E A REDEFINIÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA Por volta dos séculos XVII e XVIII as fogueiras foram parando de arder e os princípios humanistas e racionalistas do moderno liberalismo ganha relevância. Para os juspenalistas e filósofos que iam emergindo, o Estado Liberal que ia se delineando representava uma contraposição ao Estado Absolutista e começa a ser considerado como único ente legítimo a deter o monopólio do direito de punir. Em tal perspectiva o livre arbítrio é considerado um verdadeiro dogma e o criminoso, indivíduo dotado de vontade livre e consciente (dotado pela capacidade de optar), escolhe delinquir. Em assim sendo, a ação criminosa é imoral, já que o indivíduo podendo escolher elege infringir a lei do Estado, e, nesta esteira deste pensamento, o crime é entendido como ato de vontade e a pena um mal justo que se contrapõe a um mal injusto de caráter essencialmente retributivo. Sobre o pensamento da Escola Liberal: Como comportamento, o delito surgia da livre vontade do indivíduo, não de causa patológicas, e por isso, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era diferente, segundo a Escola clássica, do indivíduo moral. Em consequência, o direito penal e a pena eram considerados pela Escola clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito delinquente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma contramotivação em face do crime. Os limites da cominação e da aplicação da sanção penal, assim como as modalidades de exercício de poder punitivo do Estado, eram assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio da legalidade (BARATTA, 2002, p. 31). O principal expoente da luta contra o absolutismo é Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria (1738-1794), que em 1764 ao publicar Dei Delitti e Delle Pene (Dos Delitos e Das Penas) redefine o sistema punitivo dominante. 22 Teoria da Pena e Execução Penal FIGURA 6 - CASARE BECCARIA FONTE: <http://criminologytoday.com/beccaria.htm>. O impacto do manifesto de Beccaria se deve pela capacidade de expressar as convicções do pensamento iluminista, constituindo um marco do pensamento liberal que encontra no contrato social o novo fundamento e legitimidade para o direito de punir. É sob tal perspectiva que justifica Beccaria a origem das penas: As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte desta liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade. A soma dessas porções de liberdade sacrificada à bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações privadas de cada homem particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros. Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores da lei (BECCARIA,2005, p. 41, grifo nosso). Baccaria, como pensador de seu tempo e movido pelos ideais iluministas, sentia-se incomodado pelo ambiente de generalização de castigos constrangedores, torturas e violência indiscriminada, e acaba por tornar-se o “porta-voz” da defesa da condição humana clamando por leis claras, justas e precisas. 23 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 Desde uma racionalidade humanizadora denuncia em sua obra a arbitrariedade dos julgamentos secretos, das penas infamantes e da atrocidade dos suplícios. Defende o direito de punir a partir de sua utilidade social declarando inútil a pena de morte, sobretudo, postulando o princípio de proporcionalidade das penas em relação aos delitos. É famosa sua frase: “Para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor para desviar os homens do crime” (BECCARIA, 2005, p. 64) Do conjunto de ideias da obra de Beccaria “Dos delitos e das penas” pode- se destacar: • apenas as leis (elaboradas pelo legislador) podem fixar as penas aplicadas aos delitos; • a lei deve ser abstrata e genérica e que a um terceiro órgão, cabe a análise da subsunção do fato a norma; • absoluta impossibilidade de que a lei seja interpretada; • combate a pena de morte por três razões: ilegitimidade, inutilidade e desnecessidade; • a pena poderia unicamente atingir direitos renunciáveis, dos quais não faz parte a vida; • hipóteses excepcionais em que a pena de morte é aceitável: • quando o condenado mesmo punido, privado de sua liberdade, permanece com relações, ameaçando o poder constituído, tornem necessária a execução; • quando se predomina a anarquia, em detrimento das leis e a morte seja o único freio a inibir a prática dos delitos; • proporção entre os crimes e as penas; • preconiza a necessidade de que a pena não passe da pessoa do condenado; • também desaprova a pena de confisco, por atingir inocentes quais sejam os familiares do condenado, levando-os a prática de novos delitos; • nenhuma lei que não tenha força suficiente para vigorar, tornando-se insubsistente, deverá ser promulgada, devendo-se evitar as leis inúteis; • o freio inibitório da criminalidade não é a crueldade da pena, mas a certeza de sua aplicação; • com relação à tortura, sustenta que o sofrimento imposto não é o caminho para a busca da verdade, mas apenas se comprova a resistência física do atormentado; • a tortura é o meio seguro para absolver os delinquentes de constituição resistente e condenar aos inocentes fracos e debilitados; • o alto valor atribuído à confissão deve-se à confusão abusiva com preceito religioso, consistente na confissão dos pecados. 24 Teoria da Pena e Execução Penal Entretanto, não apenas Beccaria adota as ideias iluministas. O italiano Gian Domenico Romagnosi ao publicar Genesi del diritto penale (1791) e Filosofia del diritto (1825) entende o Direito Penal (leis sociais) como conjunto de leis naturais conhecidas pelo homem através da razão e anterior às convenções humanas. Para Romagnosi, os princípios essenciais do direito natural de conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade, dão origem a três relações ético jurídicas fundamentais: o direito e dever de cada um de conservar a própria existência, o dever recíproco dos homens de não atentar contra sua própria existência e o direito de cada um de não ser ofendido por outro. De forma semelhante a Beccaria entende que o fim da pena é a defesa social já que funcionaria como um contraestimulo em relação ao impulso do criminoso para impedir os crimes. A convicção de que se o indivíduo após o primeiro delito tivesse a certeza moral de que não voltaria a causar mal, em nenhuma sociedade se justificaria o direito de punir o delinquente. Para o inglês Jeremias Bentham, filósofo e jurista humanista do século XVIII, a pena se justificava por sua utilidade que era a de impedir que o réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim a coletividade. Entretanto, já na Alemanha Anselmo Von Feuerbach era da opinião de que não se justificaria mais a existência do Estadose a convivência dos homens fosse de acordo com as leis, sendo que a pena seria uma maneira de coagir física e psicologicamente o indivíduo e a sociedade para, simultaneamente, punir e evitar o crime. Em síntese, o pensamento punitivo liberal é o resultado da absoluta separação entre a esfera jurídica e a esfera moral, compreendendo-se, a partir tal perspectiva, a função da pena como de defesa social. Ou seja, que punir é o meio de eliminar o perigo social que poderia advir da impunidade, sendo a ressocialização um resultado desejável, porém tão somente acessório. 3 AS TEORIAS MODERNAS LEGITIMADORAS DA PENA 3.1 POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PUNITIVO Discutir o sistema punitivo é também descortinar as forças políticas e ideológicas que permeiam as relações sociais e edificam as instituições jurídicas do Estado e definem a política criminal que pode ser definida como: 25 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 [...] o programa oficial de controle do crime e da criminalidade – uma definição comum em Criminologia -; o Direito Penal representa o sistema de normas que define crimes, comina penas e estabelece os princípios de sua aplicação – uma definição comum em Direito Penal (SANTOS, 2018, p. 419). As penas, portanto, são partes integrantes de um sistema que pretende ser articulado e auto legitimado através de ações políticas que definem o crime, o criminoso e as formas de punição. O Brasil, assim como todos países periféricos, a política criminal estatal não contém em suas pautas políticas sociais de redução de pobreza, escolarização, moradia, saúde, além de políticas de acesso à bens e serviços públicos. Embora sendo ingênua e descabida a relação direta entre exclusão e criminalidade, exclusão, em suas diversas formas, tem impacto direto na criminalização. A exclusão econômica, resultado do fenômeno da globalização e ordem neoliberal, desregula e destrói a vida social e torna precário o “mundo do trabalho” gerando uma massa de “novos miseráveis”, agora são globais, que ampliam um desemprego estrutural e vão alienando os sujeitos de seus vínculos e funções produtivas na vida social. Atingimos uma fase de desenvolvimento histórico do sistema capitalista em que o desemprego é a sua característica dominante. Nessa nova configuração, o sistema capitalista é constituído por uma rede fechada de inter-relações e de interdeterminações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego em áreas limitadas, em agudo contraste com o período desenvolvimentista pós-guerra (MÉSZÁROS, 2014, p. 31). O resultado desse perverso modelo de exclusão é o descaso para com a vida e sobrevivência de muitos pouco importa para poucos, acirrando a violência e o descaso com a vida humana, gerando uma violência sem precedentes tal qual assistimos perplexos. Um momento dramático em que o “direito de deixar morrer” e de “fazer viver” é a forma em o Estado administra a vida de seus cidadãos. Somando-se à exclusão econômica a segregação cultural, étnica e territorial priva os indivíduos aumenta a segregação privando os sujeitos de escolaridade, acesso à lazer e cultura produzindo vulnerabilidades estruturais favoráveis ao crime e a criminalidade. Ao invés de ser a política criminal uma ação positiva no sentido de promover ações conjuntas de inclusão e prevenção, restringe-se a reproduzir e conferir efetividade ao Código Penal e as leis complementares, definindo crimes, aplicando penas e garantindo a execução penal. E esta é a única política criminal institucional do Estado. 26 Teoria da Pena e Execução Penal A política penal realizada pelo Direito Penal é legitimada pela teoria da pena, construída pelos discursos de retribuição do crime e de prevenção geral e especial da criminalidade – as funções atribuídas à pena criminal pela ideologia penal oficial A compreensão da Política Criminal – rectius, política penal – pressupõe o estudo das funções atribuídas à pena criminal, como instrumento principal do programa oficial de controle do crime e da criminalidade (SANTOS, 2018, p. 419). Sob tal ótica, a pena criminal possui, no discurso oficial estatal, a função declarada de controle, retribuição e/ou prevenção e se insere no processo de estruturação e controle da ordem política, social e econômica. O sistema penal, operacionalizado pela política criminal, anunciando-se como igualitário e justo, na leitura de Batista (1999), na verdade é seletivo e atinge determinado grupo social, à pretexto de serem suas condutas serem tipificadas pela lei penal como criminosas. Ainda, o sistema punitivo apresentado como justo, no sentido clássico do termo, funciona repressivamente, frustrando sua pretensão preventiva, estigmatiza seres humanos e promove a degradação de sua “clientela preferencial”. Portanto, não há como compreender a pena criminal e suas teorias sem “rasgar o véu” da ingenuidade e do senso comum, com vistas a problematizar as funções latentes da pena e do sistema punitivo, o que nos permite compreender as contradições, limites e impossibilidades do sistema punitivo hegemônico. 3.2 TEORIAS DA PENA Ao se iniciar o estudo acerca da(s) Teoria(s) da Pena é necessário definir-se o que é uma Teoria. Cientificamente “Teoria” é um conjunto de conhecimentos sistematizados metodologicamente que buscam com alto grau de precisão responder de maneira eficiente à um problema. Portanto, de maneira distinta do senso comum que elabora conceitos desde a experiência prática, o conhecimento científico possui validade porque resulta de um método de investigação, que parte da formulação de uma hipótese, fundamentada em conceitos prévios aceitos academicamente e estabelece respostas que devem ser demonstradas. Neste sentido, toda teoria é uma construção investigativa sempre provisória e passível de discussão, uma vez que para o pensamento científico não existem verdades absolutas imutáveis, mas permanente problematização dos conceitos operacionais, dos modelos e dos paradigmas. Para o pensador e filósofo da ciência Thomas Kuhn (1922/1996), autor da célebre obra “A estrutura das revoluções científicas” publicada em 1962, o 27 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 conhecimento científico é definido pela adoção de um paradigma, uma estrutura mental, composta por teorias, experiências, métodos e instrumentos, que servem para organizar de uma determinada maneira a realidade e seus fenômenos. Para Kuhn, o paradigma é composto por fatores psicológicos e filosóficos, assumidos e partilhados pelos membros de uma comunidade científica. Surgindo, em função disto, uma visão consensual acerca de um fenômeno e de uma realidade. Para Kuhn (1998, p. 219), “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma. Os paradigmas são como lentes de óculos que utilizamos para compreender e explicar o mundo ao nosso redor e os fenômenos que nos cercam, que parecem colocar ordem e sentido na realidade. Os paradigmas ao mesmo tempo servem para solucionar e visualizar melhor os problemas teóricos sobre os quais a comunidade científica se debruça. “[...] Uma comunidade científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possível (KUHN, 1998, p. 59). Portanto, toda teoria pode ser definida como um paradigma, uma construção mental coletiva que organiza e dá coerência aos fenômenos da realidade, identifica problemas e propõe soluções provisórias e permanentemente discutidas. Sob tal concepção passaremos, brevemente, a discorrer e discutir as distintas teorias penais elaboradas ereproduzidas na modernidade. Sobretudo, compreendendo as penas como construções históricas e de legitimação do poder político, que para o Estado contemporâneo, são garantidas e reproduzidas em nome da segurança jurídica. Uma classificação usual das teorias legitimadoras da pena são as Teorias Absolutas, Teorias de Prevenção e Teorias Relativas. 3.2.1 As Teorias Absolutas ou Retributivas As teorias absolutas são as que, originariamente, estão relacionadas ao antigo princípio de talião – olho por olho, dente por dente – que se perpetuou e se aprimorou desde a Antiguidade e Idade Média, que, como se sabe, era um 28 Teoria da Pena e Execução Penal princípio relacionado a fundamentos religiosos e mais serviam para justificar o exercício da justiça e o castigo em nome da divindade. É com o surgimento do Estado moderno que as fórmulas penais retributivas ganham uma natureza filosófica. Compreendendo-se que como a igualdade entre dano e reparação não poderia ser fática, tal qual a antiga Lei de Talião, deveria ser jurídica, impondo através da pena, uma medida de caráter aflitivo proporcional ao mal perpetrado. A pena como retribuição do crime é a imposição de um mal justo contra o mal injusto do crime, necessário para realizar justiça ou restabelecer o Direito, segundo a clássica fórmula de Sêneca, jurista e filósofo romano do século I da era cristã, punitur, quia peccatum (punir para não pecar). Sem dúvida, é a antiga forma de torturar, esquartejar e queimar em fogueira o corpo do condenado. Para Santos (2018, p. 421), “a pena como compensação da culpabilidade atualiza o impulso de vingança do ser humano, tão velho quanto o mundo. Como retribuição a pena representa um dano imposto a um criminoso para compensar – retribuir em proporção possível – o mal por ele causado. Posteriormente, com o Estado moderno, passa a substituir a vingança privada, a retribuição ilimitada, pela retribuição objetiva, compreendendo-se a pena como justa retribuição pela violação ao contrato social. Observe-se que em tal concepção, a pena é um fim em si mesma e não possui finalidade utilitarista ou preventiva. Pode-se afirmar que, para tal conceito, a pena pretende punir o ato injusto cometido com um mal, um tipo de expiação ou penitência em que o condenado é obrigado a purgar (expiar) seu ato injusto e sua culpa. Para compreender melhor as teorias absolutas, há que se analisar as concepções dos importantes filósofos modernos Immanuel Kant (1724/1804) e Georg Wilheim Friedrich Hegel (1770/1831). Para Kant a pena entendida como retribuição moral com a finalidade atender a uma necessidade absoluta de justiça e, portanto, com finalidade em si mesma. Portanto, no sentido kantiano a pena é objetivamente necessária, independentemente de sua utilidade por ser o pressuposto de realização de justiça e finalidade do Direito Penal, sendo impossível admitir justiça penal sem a pena. Para Kant a pena jurídica não pode ser aplicada com o objetivo de se produzir um bem, tampouco em benefício da sociedade ou do condenado, uma vez que o ser humano não pode ser objeto a serviço do poder punitivo. 29 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 Föppel cita de maneira precisa a Kant: A pena jurídica, poena forensis, não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade, mas deve ser sempre contra o culpado pela simples razão de haver delinquido: porque jamais um homem pode ser tomado como instrumento dos desígnios de outro, nem ser contado no número das coisas como objeto de direito real (FÖPPEL, 2004, p. 16). Embora tal teoria abra o risco do arbítrio estatal, autores como Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Sloakar e Alejandro Alagia, lembram que Kant teve o mérito ao reconhecer que o ser humano deveria ser tratado como um fim em si mesmo, pois servir como meio é algo que transcende a imoralidade. Para Hegel a pena era uma retribuição jurídica que atendia a uma exigência da razão, uma vez que aquele que rompe o “contrato social” viola o ordenamento jurídico criando um desequilíbrio e a pena é uma maneira de reafirmar o Direito e reequilibrá-lo. Por outras palavras, sendo o crime uma coação exercida por um ser livre que lesa a liberdade, uma negação do direito por parte do criminoso, a pena é uma forma racional e lógica de reafirmá-lo. Para Hegel a pena é uma lógica matemática: se delinquir é a negação do direito ao também negá-lo ao delinquente representa sua afirmação (negação da negação é uma afirmação). Sendo o direito a manifestação de uma vontade racional, a pena é a reafirmação da vontade racional sobre a vontade irracional. Tanto para Kant como para Hegel a pena não deve possuir outra finalidade além de ser um fim em si mesma, pois se fosse um instrumento preventivo as pessoas seriam consideradas como instrumentos para se atingir uma finalidade social, o que viria a ferir a honra e a liberdade humana. Atualmente as teorias absolutas são absolutamente rechaçadas por não ser possível ignorar que as penas não são um fim em si, mas possuem um sentido político dado pelo Estado. Considerar a pena como um mal que se retribui a outro mal é perpetuar a tradição religiosa judaico-cristã ocidental apresenta uma imagem retributivo-vingativa da justiça divina. 3.2.2. Teorias preventivas As teorias da prevenção, de maneira genérica, possuem como função tornar visível para a sociedade em geral o sofrimento e punição daquele que viola a lei e sirva de intimidação para todos, ou seja, a pena e o apenado servem como exemplo. 30 Teoria da Pena e Execução Penal Entre os séculos XIX e XX predominou como lógica punitiva que primeiro atribui ao sujeito uma tipificação legal e depois aplica uma pena através de uma sentença criminal individualizada necessária e suficiente para prevenir o crime, concepção que fundamenta o art. 59 do CP brasileiro: o juiz ........, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime... (grifo nosso). Para Foucault (1999, p. 223) , o processo de individualização realizado por “ortopedistas morais” é um método de repartição analítica do poder para marcar exclusões que utiliza a divisão binária dos sujeitos (louco/normal; bem/mal; bom/ ruim; perigoso/inofensivo etc.) associada a determinação coercitiva da repartição diferencial: quem é o sujeito, onde deve estar, como reconhece-lo, como exercer sobre ele vigilância permanente etc., que tem como objetivo “promover a harmônica integração social do condenado”, conforme o disposto no Art. 1º da Lei de Execução Penal. A teoria da prevenção subdivide-se em prevenção geral negativa e geral positiva. O objetivo da prevenção é negativa na medida em que pretende impor medo e terror na sociedade em geral para que não sejam cometidos delitos. Também é geral porque destina-se não apenas ao condenado, mas a sociedade como um todo, permitindo com que a punição seja um instrumento que, simultaneamente, garante à sociedade um sentimento de segurança e confiança; e de outro, fortalece e reafirma o sistema normativo do Estado porque daria a certeza de que se for violado haverá severa e certa punição. Um dos destacados defensores de tal concepção foi Von Feuerbach (1775- 1833) para quem o crime seria uma espécie de “tentação” a que o ser humano estaria propenso a cometer seja pela facilidade, seja pelo prazer. Portanto, a pena seria uma coação psicológica necessária para coibir a tentação humana de delinquir. Por conseguinte, fim da pena não pode ser, segundo Feuerbach: a) a prevenção contra futuros delitos de alguém em particular; b) nem retribuição moral, porque esta pertence à ética e não ao direito, e porque tal pretensão seria fisicamente impossível; c) nem melhoramento moral, porque este seria o objetivo da expiação, porém não o objetivoda pena (QUEIROZ, 2005, p. 34). Desde uma análise mais crítica, não é difícil perceber que como teoria absoluta a prevenção é frágil, uma vez que o sistema punitivo intimida os mais 31 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 vulneráveis sociais que são indivíduos excluídos dos benefícios do sistema econômico. O sistema é seletivo e por essa razão a função preventiva recai sobre os empobrecidos, doentes e marginalizados. Além de que, no atual estágio de sofisticação tecnológica a hipótese de possível punição não intimida, particularmente, o crime organizado. A partir da realidade social, pode-se observar que a criminalização pretensamente exemplarizante que esse discurso persegue, pelo menos quanto ao grosso da delinquência criminalizada, isto é, quanto aos delitos com finalidade lucrativa, seguiria a regra seletiva da estrutura punitiva: recairia sempre sobre os vulneráveis. Portanto, o argumento dissuasório estaria destinado a cumprir-se sempre sobre algumas pessoas vulneráveis e estar sempre referido aos delitos que elas costumam cometer. [...] Uma criminalização que seleciona as obras toscas não exemplariza dissuadindo o delito, mas sim da inabilidade em sua execução: estimula o aperfeiçoamento criminal do delinquente ao estabelecer o maior nível de elaboração delituosa como regra de sobrevivência para quem delinque. Não tem efeito dissuasivo, mas propulsor de maior elaboração delituosa (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2006, p. 117). Além de que, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, o Estado intimidar os indivíduos através da punição de um de seus cidadãos é antidemocrático e fere Direitos Fundamentais e na perspectiva de um Estado de Direito não democrático não haveria limites para a punição, servindo apenas para incutir o terror para a manutenção de um poder arbitrário. Para o jurista italiano Luigi Ferrajoli (2006), o condenado utilizado como “bode expiatório” para as conveniências políticas ou alarme social seria um instrumento da odiosa “recomendação” de Maquiavel: Acrescento que uma prática penal orientada pela função dissuasiva da imposição e não da ameaça da pena pode efetivar-se em punição discricionária e desigual, segundo as conveniências políticas ou o alarme social, em relação aos quais o condenado é destinado a servir como “bode expiatório”. Com efeito, o seu inspirador é aquele de que “os fins justificam os meios”, oposto àquele da visão kantiana e característico da ação política de Maquiavel em diante, constituindo o seu êxito prático na submissão das razões jurídicas às razões políticas ou de Estado que, como adverte Gustav Radbruch, resolvem- se sempre no “terrorismo penal” (FERRAJOLI, 2006, p. 258). Outra face da prevenção geral é sua pretensão positiva por servir como instrumento de estabilização e ordem social ferida pelo crime e pelo criminoso, sendo a pena uma maneira de reafirmar a ordem normativa estatal incutindo na 32 Teoria da Pena e Execução Penal sociedade que a violação da lei será exemplarmente punida. A concepção geral positiva, também chamada de teoria de integração, possui um viés que, desde um olhar sociológico, permite ao Direito cumprir a função de estabilizar o sistema social e de institucionalizar as finalidades da norma jurídica. Para os juristas alemães contemporâneos Claus Roxin e Hans Welzel a pena possui outras funções declaradas além de tão somente prevenir delitos, dentre as quais a de proteger bens jurídicos e reafirmar valores éticos e sociais. Por evidente que quando um bem jurídico é lesado nem sempre é possível o retorno ao status quo anterior, mas deve o Estado, em sua condição de ente político, defender os interesses sociais e reafirmar o direito. Para Welzel antes de se proteger os bens jurídicos através do poder punitivo, deve o Estado garantir a difusão de valores de cidadania, respeito à vida, à integridade física e à dignidade. Sem esta pretensão de difundir esses valores básicos, o poder punitivo somente teria função repressiva e coercitiva e por esta razão punir apenas teria sentido para casos em que o cidadão não tenha compreendido ou absorvido corretamente os valores ético-sociais e por essa razão tenha praticado crimes. Caberia ao poder político um papel educativo e apenas em casos em que a “lição” não tenha sido apreendida é que se deve utilizar o poder punitivo para então reafirmar o direito. [...] Mais essencial que a proteção de determinados bens jurídicos concretos é a missão de assegurar a real vigência (observância) dos valores de ato da consciência jurídica; isso constitui o fundamento mais sólido que sustenta o Estado e a sociedade. A mera proteção de bens jurídicos tem um fim policial e negativo. Contrariamente, a missão mais profunda do direito penal é de natureza ético-social de caráter positivo (FOPPEL, 2004, p. 40). É bastante discutível admitir-se o Direito Penal, de natureza coercitiva, como instrumento “educativo”, uma vez que transferir para esse campo jurídico uma função reeducativa e socializadora, além de ser incompatível com a natureza do sistema repressivo, uma vez que a vida social é permeada de outros sistemas normativos de controle tais como moral, religião etc. Na leitura do controverso penalista Günther Jakobs, conhecido no meio acadêmico por seu conceito de Direito Penal do Inimigo, a prevenção geral positiva é uma necessidade que garante o respeito a valores protegidos pela norma penal, excluindo, portanto, qualquer outra função seja de intimidação, correção ou retribuição: a pena é a afirmação da violação de uma norma penal (JAKOBS; MELIÁ, 2007). 33 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 3.2.3 Teorias Relativas ou Mistas As teorias da pena como conceitos absolutos não conseguem legitimar de maneira totalizante a lógica punitiva, uma vez que se pode analisar e discutir a pena em suas múltiplas faces, tendo, dentre outras simultâneas, as funções preventivas e retributivas. A fim de buscar superar os limites e deficiências de cada teoria inúmeras são as teorias chamadas de mistas ou unificadoras ou relativas que buscam conjugar teorias isoladas através da fusão das funções de retribuição e prevenção, admitindo a pena como: a) retribuição do injusto realizado, mediante compensação ou expiação da culpabilidade; b) prevenção especial positiva mediante correção do autor pela ação educadora da execução penal, além de prevenção especial negativa como segurança social pela neutralização do autor; c) prevenção geral negativa através da intimidação de criminosos potenciais pela ameaça penal e prevenção geral positiva como manutenção/reforço da confiança na ordem jurídica etc. Tais teorias unificadas possuem forte influência no sistema punitivo moderno ocidental, à exemplo do Brasil que consagra no CP as teorias unificadas ao determinar a aplicação da pena “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (art. 59, CP). Em tal ótica, a pena como sanção pelo ato cometido se exprime: na ideia de retribuição da culpabilidade; na prevenção do crime por abranger as modalidades de prevenção especial (correção e neutralização do autor) e de prevenção geral (intimidação e manutenção/reforço da confiança na ordem jurídica) atribuídas à pena criminal. Por outras palavras, essa tríplice função atribuída à pena criminal corresponderia aos três níveis de realização do Direito Penal: a função de prevenção geral negativa corresponde à cominação da ameaça penal no tipo legal; a função de retribuição e a função de prevenção geral positiva correspondem à aplicação judicial da pena; as funções de prevenção especial positiva e negativa correspondem à execução penal. 3.3 A INOVAÇÃO DO GARANTISMO PENAL Na Europa em meio ao confronto a uma lógica punitivaautoritária herdada de regimes ditatoriais e a necessidade de mecanismos jurídicos e legais eficientes contra o terrorismo, surge em fins da década de 1970 a inovação do minimalismo ou garantismo penal. 34 Teoria da Pena e Execução Penal Como tentativa de manter uma tradição penal ilustrada e humanista frente a ameaça de retorno ao Estado com poderes ilimitados juristas politicamente definidos passam a militar em favor de um constitucionalismo e ordem jurídica democrática através da defesa das garantias resguardadas pelo Estado de Direito. Definindo a lei penal como a lei do mais fraco, do débil, Luigi Ferrajoli define “Garantismo” como: [...] a tutela daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do imputado, e, consequentemente, a garantia da sua liberdade, inclusive por meio do respeito à verdade. É precisamente a garantia destes direitos fundamentais que torna aceitável por todos, inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o direito penal e o próprio princípio majoritário (FERRAJOLI, 2010, p. 312). Enquanto perspectiva teórica, coexistem distintos minimalismos que possuem como ponto de convergência a crítica, não somente ao Direito Penal, mas ao sistema punitivo que o institucionaliza incluindo tanto a cultura política e jurídica punitiva quanto a máquina estatal que o efetiva. Nesta perspectiva destacam-se os pensadores: Alessandro Baratta e Luigi Ferrajoli. Filósofo do direito e “cidadão do mundo”, como gostava de ser chamado, Alessandro Baratta (1933 – 2002) reivindicava, através da aproximação entre o direito penal e a Criminologia, uma política criminal alternativa transformadora da ordem social e política. Sintetizando o pensamento crítico criminal e jurídico a obra “Criminologia crítica e crítica ao direito penal” publicada em 1982 formula uma nova ciência penal e criminal a partir de valores humanistas. No artigo “Princípios do Direito Penal Mínimo – para uma teoria dos direitos humanos como objeto e limites da lei penal” publicado em 1980, Baratta resume as fragilidades e limites do sistema punitivo tradicional nos seguintes pontos: • A pena, em suas manifestações mais drásticas, que tem por objeto a esfera da liberdade pessoal e da incolumidade física dos indivíduos, é violência institucional; • Os órgãos que atuam nos distintos níveis de organização da justiça penal (legislador, polícia, ministério público, juízes, órgãos de execução) não representam nem tutelam interesses comuns a todos os membros da 35 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 sociedade senão, prevalentemente, os interesses de grupos minoritários dominantes e socialmente privilegiados; • O funcionamento da justiça penal é altamente seletivo, seja no que diz respeito à proteção outorgada aos bens e aos interesses, seja no que concerne ao processo de criminalização e ao recrutamento da clientela do sistema. Todo ele está dirigido contra as classes populares e em particular, a grupos sociais mais débeis; • O sistema punitivo produz mais problemas do que pretende resolver; • O sistema punitivo, por sua estrutura organizativa e pelo modo em que funciona, é absolutamente inadequado para desenvolver as funções socialmente úteis declaradas em seu discurso social. A partir destas constatações enumera um conjunto de princípios relativos a critérios metodológicos e políticos para a descriminalização e para a solução dos conflitos e problemas sociais de forma alternativa. Ao final propõe uma nova disciplina integradora e um novo discurso sobre a política. Uma nova concepção de democracia, uma “refundação do Estado e do Direito”, baseada no princípio da inclusão das vítimas e dos que mais sofrem. Uma nova cidadania cosmopolita global construída a partir de um novo contrato social que possa incluir os antes excluídos. Conclui Baratta (2002) que uma política criminal alternativa deve ser dirigida para a perspectiva de uma máxima contração, no limite de supressão, do sistema penal – aí reside a característica minimista – superando a pena sem que, entretanto, se abandone o direito. Seria muito perigoso para a democracia e para o movimento operário cair na patranha, que atualmente lhe é armada, e cessar de defender o regime das garantias legais e constitucionais que regulam o exercício da função penal no Estado de direito. Nenhum compromisso deve ser feito sobre este ponto, com aquelas forças da burguesia que, por motivos estruturais bem precisos, estão interessadas em fazer “concessões” ou recuar em matéria de conquistas do direito burguês e do Estado burguês de direito (BARATTA, 2002, p. 206). Luigi Ferrajoli um pensador contemporâneo cujo esforço é o de resgatar o papel limitador do Direito Penal às arbitrariedades do Estado, à exemplo dos iluministas que buscaram estabelecer impor limitações ao poder absolutista. Acreditando na manutenção do Estado e do Direito, lança em 1986 o artigo “O direito penal mínimo” em que sustenta e justifica a permanência do sistema penal e da pena no Estado democrático através de um direito penal mínimo que deveria ser denominado direito garantista, tese que desenvolve na magistral obra “Direito e Razão” publicada em 1989. 36 Teoria da Pena e Execução Penal Na perspectiva garantista não se vislumbra a possibilidade de fim de Estado e do sistema punitivo, já que a supressão não apenas do direito penal mas da própria pena levaria a sociedade a uma anarquia punitiva, a “utopias regressivas” como chama as respostas estatais ou sociais que poderia surgir com o fim do sistema punitivo. Resgatando historicamente, a partir desta ótica, o papel “civilizador” do sistema penal, idealiza um modelo que sujeita o direito positivo ao Estado constitucional de direito, no qual as normas jurídicas passam a ser legitimadas tanto na dimensão formal (o caráter positivo das normas) como no substancial (valores). O modelo normativo de direito, estruturado a partir do princípio da legalidade, assume um papel de garantia em relação ao ilegítimo em relação: • À pena: 1) nulla poena sine crimine - emprego do princípio da retributividade - o Estado somente pode punir se houver prática da infração penal; 2) nullum crimen sine lege - é o princípio da legalidade, que preconiza quatro preceitos: a) o princípio da anterioridade penal; b) a lei penal deve ser escrita, vedando desta forma o costume incriminador; c) a lei penal deve também ser estrita, evitando a analogia incriminadora; d) a lei penal deve ser certa, ou seja, de fácil entendimento; decorre daí o princípio da taxatividade ou da certeza ou da determinação; 3) nulla lex penales sine necessitate ou princípio da necessidade, ou como modernamente é denominado, princípio da intervenção mínima - não há lei penal sem necessidade. O direito penal deve ser tratado como a derradeira opção sancionatória no enfrentamento aos comportamentos humanos indesejados. • Ao delito: 1) nulla necessitas sine injuria ou princípio da lesividade ou ofensividade - não há necessidade se não há também uma relevante e concreta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado; 2) nulla injuria sine actione ou princípio da exterioridade da ação, que proíbe a criação de tipos penais que punam o modo de pensar, o estilo de vida. Há somente a punição pela ação ou omissão do homem, pois o direito penal é do fato e não do autor; 3) nulla actio sine culpa ou princípio da culpabilidade - deve-se apurar o grau de culpa (dolo ou culpa stricto senso) para então dosimetrar a punição pela prática humana. 37 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentosDa Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 • Ao processo: 1) nulla culpa sine judicio ou princípio da jurisdicionariedade - não há reconhecimento de culpa sem que o órgão jurisdicional a reconheça; 2) nullum judicium sine acusationes ou princípio acusatório - o poder judiciário não afirma o direito de ofício, devendo ser provocado; referido poder é inerte (princípio da inércia); 3) nulla acusation sine probatione ou princípio do ônus da prova - não há acusação sem a existência de prova ou suficiente indício de autoria; 4) nulla probation sine defensione ou princípio da ampla defesa e do contraditório. Desta proposição Ferrajoli entende que ficam asseguradas as garantias para a imputação da responsabilidade penal e consequente aplicação de sanção. Esclarece que o modelo é idealizado a partir e uma lógica sistêmica normativa aberta, isto é, suscetível de inclusão de novas garantias. O fundamento do direito penal mínimo ou garantista não seria o bem-estar ou interesses dos governantes, mas os dos governados, sendo este o fundamento justificador da punição, embora reconhecendo que apesar de limitado pelas garantias, o direito penal sempre conserva uma brutalidade intrínseca, o que torna incerta e frágil sua legitimidade política. O “garantismo” não tem nada a ver com mero legalismo, ou formalismo ou processualismo. Aquele consiste sim na satisfação de direitos fundamentais: aos quais – da vida à liberdade pessoal, da liberdade civil e política às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e pré-políticos, que fundam e justificam a existência daqueles “artifícios” – como chamou Hobbes – que são o direito e o Estado, e cujo gozo por todos forma a base substancial da democracia (FERRAJOLI, 2010, p. 134). 4 BREVE HISTÓRIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL Na etapa colonial brasileira (1500-1822), embora na metrópole portuguesa já superada a Idade Média e tendo iniciado a Modernidade, com fortes influências do Iluminismo e da Revolução Francesa, para os representantes da coroa e donos da terra não havia muita preocupação com a execução das penas e o sistema penitenciário. O Brasil, na condição de colônia de Portugal, submetia-se ao ordenamento jurídico português (Ordenações do Reino). 38 Teoria da Pena e Execução Penal Vigorando na maior parte da história colonial brasileira as Ordenações Filipinas determinavam como penas principais: a de morte, as corporais (em várias modalidades) e de degredo, restando a prisão como instrumento de constrangimento ao pagamento de dívidas ou de custódia do condenado que aguarda o cumprimento de sua pena (PAVARINI; GIAMBERARDINO, 2011). A vigência das Ordenações Filipinas em matéria penal, permaneceu durante alguns anos sobre o próprio estado nacional brasileiro, até a promulgação do Código Criminal do Império em 1830, mesmo com os limites e alterações decorrentes da nova ordem constitucional e de algumas leis penais editadas no período imperial brasileiro. Com a independência em 1822, o Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824, promulgou a primeira constituição brasileira na qual não previa nenhum dispositivo específico sobre execução penal, porém, reconhecia princípios importantes como o juiz natural, a personalidade da pena; abolição das penas cruéis e a pioneira previsão da individualização da pena. Nas palavras de Lyra (1942, p. 94), “mal se libertou do espírito medieval das Ordenações, o Brasil antecipou-se na revelação de sua sensibilidade aos então recentes clamores da consciência humana contra a ignomínia do cárcere”. Promulgado o Código Criminal do Império em 16.12.1830, em seu Título II – Das Penas (arts. 33 a 64) foram regulados alguns institutos. O referido Código trouxe, previsão expressa da privação de liberdade como pena, porém ainda mesclada a uma gama de onze penas possíveis (pena de morte, de galés, prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, desterro, multa, suspensão do emprego, perda do emprego e açoites), e, destaca-se, sem a previsão de qualquer sistema penitenciário. No cenário punitivo, na primeira metade do século XIX, era comum a utilização como prisões, de instalações precariamente adaptadas, tais como fortalezas, ilhas, quartéis e até mesmo navios, subsistindo ainda as prisões eclesiásticas, estabelecidas especialmente em conventos. Referindo-se ao modelo punitivo da época, afirma Lyra (1942, p. 94): Deve ser salientado o expressivo pronúncio da individualização que se registra no preceito da Constituição de 1824. Na realidade, porém, a promiscuidade entre os processados e condenados, maiores e menores, civis e militares, criminosos primários e habituais, políticos e comuns; a ausência de regras de disciplina, educação, higiene, trabalho e moralidade caracterizavam a Cadeia Velha, que, sob a República, serviu de sede à Câmara dos Deputados, o Aljube, antiga prisão 39 Fundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução PenalFundamentos Da Teoria Da Pena E Da Execução Penal Capítulo 1 eclesiástica, a da Ilha das Cobras, a de Santa Bárbara no morro do Castelo (o chamado ‘calabouço’), a do Arsenal de Marinha, e as das fortalezas de Santa Cruz e São João. Não é difícil perceber que os problemas que assolavam o sistema prisional brasileiro na primeira metade do século XIX, desgraçadamente, não mudaram muito após mais de duzentos anos de história. Novos tempos, mas velhos problemas. O Código Criminal de 1830, não regulamentou nenhum outro aspecto da execução das penas, haviam leis esparsas para regulamentar alguns poucos institutos como o cumprimento das penas de galés, que era obrigatória, juntamente, com a pena de trabalhos forçados para os escravos, e facultativa para o condenado não escravo (neste caso aplicada de forma temporária e onde não houvesse penitenciária, como na ilha de Fernando de Noronha). Apenas com a inauguração da Casa de Correção da Corte, em 01.08.1850 (primeira prisão propriamente “penitenciária” aberta no Brasil), foi editado o Dec. 678 de 06.07.1850 (Regulamento para a Casa de Correção do Rio de Janeiro). Este regulamento, pode ser considerado a matriz fundacional do regramento carcerário brasileiro que edificou as bases do sistema penitenciário brasileiro que até os dias de hoje permanecem. Alguns anos depois, com a abolição da escravidão em 13.05.1888 e a proclamação da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, em 15.11.1889, surge a necessidade de reforma do Código Penal brasileiro, quando então, adaptando-o à nova realidade a pena de galés foi abolida (Dec. 774, de 20.09.1890) e foi em 11.10.1890 editado um novo Código Penal. Esse Código Penal da República (1890), como ficou conhecido, foi o primeiro a adotar a pena de prisão efetivamente como reprimenda principal, buscando superar as práticas punitivas do Império que traduziam a lógica medieval. O referido Código em seu art. 43 previa as seguintes penas: a) prisão celular, como pena principal; b) banimento; c) reclusão; d) prisão com trabalho obrigatório; e) prisão disciplinar, além de possível interdição, multa e suspensão ou perda de emprego público. Ainda o Código Penal de 1890 também aboliu a prisão perpétua, limitando a privação de liberdade em trinta anos (art. 44), adotando parcialmente o sistema progressivo de cumprimento de e instituiu a figura do livramento condicional, 40 Teoria da Pena e Execução Penal embora inserido no Código como direito “de graça concedido por ato do poder federal ou dos Estados” – e de cunho administrativo, “mediante proposta do chefe do estabelecimento penitenciário” O certo é que, embora o Código Penal de 1890 fosse uma tentativa de inovação, desde sua promulgação, foi alvo de severas críticas por ser contraditório, antiquado e em descompasso com as novas realidades e espírito liberal da época. Na leitura de tanto
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