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1. Conceito
A reforma agrária pode ser entendida como o sistema que serve para regular e promover a divisão dita justa de terras em um estado. É objetivo da reforma agrária a reparação de uma injusta distribuição fundiária, que, no Brasil, perdura até os dias de hoje, ocasionando uma distorção enorme entre os detentores de grandes porções de terras e pessoas não as tem nem mesmo para morar e torná-la produtiva.
Ou seja, reforma agrária é o conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção. A concepção é estabelecida pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4504/64).
Para Coutinho Cavalcanti (SP, 1961), “Reforma agrária é a revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País, visando à valorização do trabalhador do campo e ao incremento da produção, mediante a distribuição, utilização, exploração sociais e racionais da propriedade agrícola e ao melhoramento das condições de vida da população rural”.
Na prática, a reforma agrária proporciona a desconcentração e a democratização da estrutura fundiária, a produção de alimentos básicos, a geração de ocupação e renda, o combate à fome e à miséria, a diversificação do comércio e dos serviços no meio rural, a interiorização dos serviços públicos básicos, a redução da migração campo-cidade, a democratização das estruturas de poder, a promoção da cidadania e da justiça social.
Existe, especificamente para fins de reforma agrária, a lei de desapropriação, garantida pela Constituição de 1988, instituída pelo Plano Nacional de Reforma Agrária, sob o decreto de lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, reformulado pela Constituição, o qual assegura o direito da União à desapropriação de terras ditas particulares, consideradas improdutivas, em decorrência da utilidade pública, especialmente para fins de Reforma Agrária, podendo haver também outras prioridades de utilidade por parte da União.
Um fator que ajuda a explicar a lentidão com que a reestruturação fundiária no Brasil é feita, sem dúvida, com dito anteriormente, é o elevado tempo de uma política de distribuição injusta de terras.
2. Evolução Histórica
A questão fundiária no Brasil sempre foi bastante delicada e complexa quando tratada na prática. Isso não é novidade! Ocorre desde o descobrimento do Brasil. O problema fundiário no Brasil remonta-se a aproximadamente ao ano de 1530, quando a coroa portuguesa tinha uma necessidade de expandir o território recém descoberto, além de descobrir a real dimensão da extensão territorial e do tipo de terras que se tinha na colônia e, mais ainda, pelo temor de Portugal de mais invasões estrangeiras, tendo em vista que, na época, piratas ingleses, corsários, franceses e holandeses constantemente saqueavam as riquezas recém descobertas da colônia.
É nesse contexto que surgem as chamadas capitanias hereditárias, as quais consistiam na distribuição de porções de terras em faixas de linhas imaginárias que tinham início no litoral e se estendiam até a delimitação imposta pelo Tratado de Tordesilhas, que consistia na divisão do Brasil em duas partes, uma da coroa portuguesa e outra da coroa espanhola.
As imensas porções de terras eram cedidas às pessoas da nobreza portuguesa e pessoas de confiança do rei, que, em troca de um sexto de toda produção e da vigilância constante dessas áreas, tinham o direito de produzir, explorar a mão de obra local e desfrutar dos benefícios da terra. O sistema de Capitanias Hereditárias teve seu fim por volta do ano de 1821 quando ocorreu a declaração de independência do Brasil.
Sistema de Capitanias Herediátias
É a partir do ano de 1822, com o Brasil independente que, contrariando todas as expectativas no que se refere a distribuição de terras, que começava a organização de terras, na qual o que predominava era a “lei do mais forte”, restando ausente qualquer tipo de lei específica. Não envolvia, ainda, trabalhadores rurais formais, pois esses eram escravos em sua grande maioria. A briga se dava entre os antigos proprietários, grandes fazendeiros e novos grileiros apoiados por bandos armados.
A única delimitação pública que existia nesse sentido de distribuição de terras era a da proibição da ocupação de terras públicas, a não ser que fossem compradas por dinheiro do império, o que favoreceu ainda mais os grandes latifundiários, únicos que tinham condições financeiras para adquirir terras públicas, expandindo assim ainda mais suas terras. Ou seja, os ricos ficando cada vez mais ricos e os pobres ficando cada vez mais pobres.
Apesar disso, foi nesse momento que ocorreram as primeiras discussões a respeito da reestruturação fundiária, entretanto sem maiores providências nesse sentido, tendo sido efetivamente marcado pela violência e por muitas mortes devido às disputas desenfreadas por terras.
Em 1850, o governo institui o que se conhece como o Primeiro Código de Terras do Brasil, onde se elabora a Lei de Terras. Essa surge num contexto em que o Império tenta consolidar a “nação brasileira”. Era necessária uma reestruturação no aspecto fundiário entre outras muitas reformulações. Era de fundamental importância estabelecer uma relação entre estado e proprietários de terras, uma vez que estes segundos tinham um papel importantíssimo na estrutura social e política do Estado Imperial.
A Lei de terras, veio como um marco do Brasil império que num contexto da sociedade mundial, onde a Europa, movida pela expansão do capitalismo, vivia uma grande evolução comercial e social. O Brasil precisaria não só reorganizar essa estrutura, como também dar à terra um caráter mais comercial, do que social, como era observado pelos grandes engenhos e latifúndios de pessoas influentes.
Nesse diapasão, a terra passa a ser um importante e fundamental gerador de lucros para a economia do estado. Passa-se, com a lei de 1850, a regulamentar-se o registro público de todas as terras e o governo passava a ter o controle total de terras devolutas, isto é, terras que apesar de terem proprietários, não produziam.
Isso ficou conhecido, apesar de timidamente, e ineficazmente, como um primeiro plano de reforma agrária no Brasil. Realmente, intimidou um pouco a expansão latifundiária, porém, agora, os latifúndios passam a ficar nas mãos do governo e ainda de “coronéis latifundiários”, que tinham influência política determinante para manter seus domínios territoriais no interior. Sem conseguir comercializar as terras devolutas, devido ao alto preço, nem impedir ou delimitar a atuação dos coronéis, o governo passa a acumular terras públicas.
Em 1889, após a abolição da escravatura, o perfil da distribuição de terras pouco mudara, permanecendo por um bom período com a mesma configuração.
Somente ao final da década de 1950, com o advento da industrialização e a maior urbanização do país (dividindo o foco da economia, antes apenas agrícola, agora com insumos industriais, e de bens e serviços), é que se começa a debater junto à sociedade a questão de terras no Brasil. Período esse em que já se cauterizava um contexto injusto, e o reparo das injustiças sociais seria uma tarefa difícil, em longo prazo, para se corrigir séculos de disparidade.
Nesse período, surgem as primeiras Ligas Camponesas do Governo Federal, criou-se a partir delas a Superintendência de Reforma Agrária (SUPRA). Essas duas formas de reestruturação foram duramente refutadas e combatidas com o implemento do regime militar em 1964. Porém, numa forma de “contradição positiva”, o Governo Federal militar estabelece novas diretrizes para a questão fundiária, elaborando o Estatuto da Terra que foi editado da lei nº 4.504, de 1964, criando o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), em substituição à antiga SUPRA.
Existiam, nessa época, esses órgãos que, de certa forma, normatizavam o sistema de Reforma Agrária no Brasil. Porém,ainda não havia um plano nacional para a pauta Reforma Agrária. Em 04 de novembro de 1966, o Governo Federal lançou primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, que nunca saiu do papel.
Apenas em 1970, através do decreto nº 1.110 criou-se o instituto que ainda hoje é responsável pelas questões agrárias no país, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Além de uma sistematização mais efetiva da redistribuição fundiária, o governo através do INCRA também visava colonizar a região norte e a Amazônia, que em contraste com o quadro geral nacional, são pouco habitadas. Porém, essa experiência não obteve êxito, devido ao quadro político da época e a forma de execução desse projeto.
A pauta da reforma agrária no Brasil voltou a ser tratada com mais intensidade a partir da redemocratização em 1984, ocasião onde se lançou posteriormente o decreto nº 97.766, que previa até 1989 através de um novo Plano Nacional de Reforma Agrária, ambição utópica de realizar a distribuição de 43 milhões de hectares a mais de 1,4 milhões de famílias identificadas na época como não tendo terras para morar e produzir.
A Constituição de 1988 assegurou o direito por parte da União à desapropriação de terras particulares para fins de reforma agrária.
Dentro desse novo cenário, o governo cria um Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e Reforma Agrária (MIRAD), que não obteve êxito perante a meta traçada de 1,4 milhões de famílias, observando-se, em 1989, um quociente de 82.689 famílias assentadas em pouco mais de 4,5 milhões de hectares, bem abaixo da meta estipulada pelo novo plano de reforma agrária.
Durante esse período de intensos debates, o INCRA chegou a ser extinto em 1987, juntamente ao MIRAD em 1989, e a pauta da Reforma Agrária em 1989 passa ser então do Ministério da Agricultura.
Devido à falta de um respaldo político nessa questão e a escassez de orçamento para esse tema, mesmo com a recriação do INCRA, a Reforma Agrária ficou estagnada durante muitos anos. Até que, em 1996, esse tema passa a ser diretamente vinculado à Presidência da República, que cria, por sua vez, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária, que posteriormente foi incorporado ao INCRA, e, em 14 de janeiro de 2000, a partir do decreto 3.338, criou-se então o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), órgão responsável pela política de reforma agrária atual, incorporando também o INCRA em sua estrutura.
3. Reforma Agraria Hoje
Atualmente, a Reforma Agrária no Brasil ocorre da seguinte forma: a União realiza a compra ou a desapropriação de latifúndios particulares considerados improdutivos em diversas áreas da federação, e sob a figura do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), distribui e loteia essas terras à famílias que recebem esses lotes, como também presta uma assistência financeira, de consultoria e de insumos para que possam produzir nessas terras, fazendo com que elas alcancem seu objetivo de tornar-se produtiva e auxiliando as famílias nos assuntos econômicos decorrentes dessa produção.
Para procurar equacionar de maneira positiva o problema da divisão agrária no Brasil, o governo tem desenvolvido durante décadas um sistema de reforma que, embora tenha caminhado lentamente, tem dado resultados em longo prazo, guardadas as divergências com grupos que lutam pela terra como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), e problemas identificados, conforme pesquisas realizadas e atualizadas.
Ou seja, novos problemas identificados, resultam em novas demandas de estratégias e sistemas governamentais para se solucioná-los. Talvez essa seja a razão principal da Reforma Agrária no Brasil caminhar a passos tão curtos. São problemas que, apesar de comuns a todas as regiões no que diz respeito à distribuição de terras, demandam planos de ação diferenciados de acordo com a região e a situação temporal do país.
Dados do ano de 2009 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) calculam que a situação agrária no Brasil em terras rurais, permaneceu praticamente inalterada nos últimos 20 anos. Dado preocupante, ainda mais quando se constata, no mesmo senso agropecuário, que as propriedades que têm até 10 mil hectares representam um total de apenas 2,7% de todo o coeficiente de terras destinadas à agropecuária, sendo uma vasta maioria formada ainda, por latifúndios de mais de 1000 hectares. Ou seja, os grandes fazendeiros ainda permanecem com a maioria das terras, ainda que sem produzir em muitas delas, enquanto que milhares de famílias ainda não têm onde morar e produzir.
A pesquisa do IBGE concluiu que o total de estabelecimentos ou terras destinadas à agropecuária representa um montante de 330 milhões de hectares, equivalente a 36% de todo o território nacional do Brasil. Isso implica em dizer que, desses 330 milhões de hectares de terras agropecuárias, aproximadamente 141,9 milhões de hectares são latifúndios. Reflexo de séculos, que necessita de uma reparação estrutural e histórica, por parte do Estado, e da conscientização, dos grandes latifundiários.
4. Conclusão
Destarte, a importância da reforma agrária é decisiva uma vez que permite e consolida a estabilidade econômico-financeira de um país. Não existe nação que poderá ser próspera enquanto seu campesinato estiver na miséria social-econômica. Daí, portanto, a necessidade premente da “libertação” dos camponeses, numa base econômica de aliança harmônica entre o proprietário e os trabalhadores rurais. Como afirmou o nobre Deputado Federal Pernambucano Oswaldo Lima Filho, em memorável discurso pronunciado na Câmara dos Deputados, em 02/09/1985, sobre a questão agrária e o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária: “Não é justo que milhões de trabalhadores brasileiros continuem em condições de pobreza absoluta, enquanto grandes proprietários detenham hoje a propriedade de centenas de milhares de hectares em grande parte improdutivos”.
Por consequência disto, a reforma agrária não é contra a propriedade privada no campo. Ao contrário, descentraliza-a democraticamente, favorecendo as massas e beneficiando o conjunto da nacionalidade. É um imperativo da realidade social atual, devendo atender a função social da propriedade, evitando-se assim, as tensões sociais e conflitos no campo. Uma reforma agrária no País, moderada e sábia, será uma das causas principais do progresso nacional.
Bibliografia:
PINTO FERREIRA, Luis. Curso de Direito Agrário: de acordo com a Lei n.º 8.629/93. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995.
COUTINHO CAVALCANTI. Reforma Agrária no Brasil. São Paulo, Ed. Autores Reunidos, 1961.
http://reforma-agraria-no-brasil.info/mos/view/Resumo_da_Questão_Agrária_no_Brasil/index.html
http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/questao-agraria/reforma-agraria
http://jus.com.br/revista/texto/1672/a-reforma-agraria-no-brasil#ixzz2REKkCYan

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