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33 - O que é reforma agrária - jose eli veiga

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José Eli Veiga 
O QUE E REFORMA AGRÁRIA 
 
AS PALAVRAS E OS FATOS 
A modificação da estrutura agrária de um país, ou região, com vista a uma 
distribuição mais equitativa da terra e da renda agrícola é a definição mais usual 
de reforma agrária. Tal enunciado consta em qualquer bom dicionário. Como 
geralmente acontece com as conceituações sintéticas, nela está apertas implícita 
uma ideia-chave para o seu entendimento: de que se trata de uma intervenção 
deliberada do Estado nos alicerces do setor agrícola. É isto que permite distinguir 
reforma agrária de transformação agrária. As mudanças naturais ou espontâneas 
do perfil fundiário de um país, ou região, impostas pelo crescimento econômico e 
por suas crises não podem ser confundidas com uma ação planejada e diretiva para 
adequar esse perfil a tais imposições. Para corrigir a disparidade social que opõe a 
enorme massa dos que trabalham a terra a um pequeno número de grandes 
proprietários, é necessário que se faça uma opção governamental por uma 
determinada linha de desenvolvimento econômico. 
Se por um lado é verdade que os objetivos de “justiça social" e de "eficiência 
econômica" constam como metas de todo e qualquer programa de desenvolvimento, 
por outro, a decisão de privar alguns da propriedade de grandes áreas agrícolas, 
para entregá-las a outros que as façam produzir mais e melhor, não é fácil de ser 
assumida por um governo. Ela contraria interesses econômicos consideráveis e 
incentiva a ação de forças sociais subalternas cujo alcance é difícil de ser 
previsto. Além de modificar a distribuição da propriedade da terra, uma reforma 
desse tipo tem o poder de mudar as relações de força entre as classes sociais. E 
esta constatação histórica permite entender, desde logo, duas questões 
fundamentais. 
Em primeiro lugar, que uma reforma agrária não surge nunca de uma decisão 
repentina de um general, de um partido, de uma equipe governamental, ou mesmo 
de uma classe social. Ela é sempre o resultado de pressões sociais contrárias e, ao 
mesmo tempo, é limitada por essas mesmas pressões. Suas consequências e seu 
alcance, tanto do pontó de vista social como econômico, dependem 
intrinsecamente da evolução das relações de força entre os camponeses, os 
assalariados agrícolas, os operários, as chamadas "camadas médias", a burguesia e 
os grandes proprietários fundiários. Em outras palavras, depende diretamente da 
evolução da conjuntura política do país. 
Em segundo, explica a razão da incrível distância que separa os 
pronunciamentos públicos a favor da reforma agrária das disposições legais que 
tentam regulamentá-la e da realidade dos fatos. Desde o final da II Guerra 
Mundial a reforma agrária passou a ser um dos elementos essenciais das 
estratégias de desenvolvimento econômico. Todas as organizações internacionais, 
a começar pela ONU, incentivam a sua realização. Sob a égide da FAO foram 
organizados inúmeros colóquios regionais e duas Conferências Mundiais sobre o 
tema (1966 e 1977). As Repúblicas Americanas assumiram, na Conferência de 
Punta dei Este, o compromisso solene de "impulsionar programas de reforma 
agrária integral" na década de 60. Os relatórios do Banco Mundial não desistem de 
chamar atenção para a "urgência" de se executar reformas agrárias nos países 
subdesenvolvidos que lhe solicitam empréstimos. Enfim, há uma surpreendente 
unanimidade quanto à tese de que a reforma agrária é um requisito essencial do 
desenvolvimento econômico, e em todas essas recomendações está presente o 
adágio tornado célebre por John Kennedy: "Aqueles que fazem a reforma pacífica 
impossível, tornam a mudança violenta inevitável". 
Na prática, além dos países socialistas, não passa de trinta o número dos países 
capitalistas que realizaram — ou estão realizando — diferentes tipos de reformas 
agrárias. Muitos, como o Brasil, fizeram leis que não são aplicadas. Outros, sequer 
chegaram a promulgar diplomas sobre a questão. E também há os que se empenham 
em contra-reformas, após golpes de Estado, como são os casos recentes do Chile e 
de Portugal. 
Como se vê, os processos que levam este ou aquele país a adotar, realizar ou 
revogar programas de reforma agrária são bastante diversos. O que interessa, 
portanto, é analisar, antes de tudo, quais são suas características comuns. 
Existiriam "situações de fato" semelhantes em todos os países que realizaram 
reformas agrárias? Tais circunstâncias permitem que se fale de "pré-requisitos" 
das reformas agrárias? Quais são os elementos unificadores ou identificadores de 
todas essas reformas, apesar das particularidades de cada processo? São as 
respostas a estas perguntas que permitem entender melhor o que é uma reforma 
agrária. 
Pré-condições 
A reforma agrária só se colocou verdadeiramente como uma exigência social 
premente em países, ou regiões, em que existia uma grande massa de lavradores 
impedidos de ter acesso à propriedade da terra. Só em situações desse tipo é que 
ganhou força social a ideia de que a terra deve pertencer a quem a trabalha. Foi 
assim em Roma, no século II A.C., quando as terras de domínio público do Lácio e 
da Etrúria Meridional foram paulatinamente monopolizadas pela nobreza. Foi 
assim nas inúmeras revoltas camponesas da Idade Média e do Renascimento, 
particularmente nos séculos XIV e XV, quando muitos camponeses conquistaram a 
sua emancipação. Foi assim durante a Revolução Francesa, quando as terras da 
Igreja e de parte da nobreza foram confiscadas e leiloadas. Foi assim também em 
todas as reformas agrárias contemporâneas, desde as que exigiram sangrentas 
guerras civis, até as que se anteciparam a tais convulsões. 
Nos dias de hoje, o que mais impede que os lavradores tenham acesso à terra é a 
concentração da propriedade fundiária, nas mãos das chamadas "oligarquias", isto 
é, um pequeno número de famílias ricas, influentes e poderosas. Esses grandes 
proprietários, ao invés de se dedicarem à exploração da terra, â sua utilização 
produtiva, detêm grandes áreas com fins meramente especulativos. Contentam-se 
em deixá-las com reduzida ou inexistente produtividade visando apenas a 
valorização fundiária que decorre da abertura de estradas, criação de novos 
povoamentos, eletrificação, construção de açudes, barragens e obras públicas em 
geral. Em outros casos, a propriedade de grandes fazendas extensivas facilita 
muito algumas operações fraudulentas com relação ao fisco, que costumam ser 
feitas por profissionais liberais emuitas empresas dos ramos industrial, comercial 
e financeiro. Isto quando não são os próprios governos que distribuem incentivos 
fiscais e favores creditfcios aos grandes compradores de terras. 
Sejam quais forem as suas motivações, é sobretudo a manutenção de terras 
inativas ou mal aproveitadas por esses latifundiários que veda o acesso dos 
trabalhadores rurais ao meio de que necessitam para viver. 
Esta é uma característica bastante comum nos países do chamado Terceiro 
Mundo, em que os latifúndios se constituíram durantè a época colonial. O Brasil, 
como muitas outras nações latino- americanas, oferece um bom exemplo. Sua 
formação econômica acabou favorecendo a permanência de enormes domínios nas 
mãos de poucas famílias. No século XIX, o poder dos senhores de engenho, dos 
fazendeiros de café, dos grandes importadores de manufaturas e dos traficantes 
de escravos era tão grande que conseguiram, numa verdadeira "santa aliança", não 
só manter a escravidão, como impedir, por todos os meios, que muitos homens 
livres e muitos imigrantes se transformassem em pequenos e médios 
proprietários. 
Na primeira metade do século XX, o crescimento demográfico e a industrialização 
impuseram algumas modificações nessa rigidez do sistema latifundiário. A 
fronteira agrícola expandiu-se consideravelmente e, em períodos de crise, 
numerosas fazendas e engenhos foram desmembrados. Mas, a Vdespeito de todos 
esses acontecimentos, o sistema latifundiáriose manteve e vem se expandindo 
deforma surpreendente nos últimos trinta anos.Graças à política de ocupação da 
Amazônia adotada pelos vários governos ditatoriais, as próprias multinacionais 
passaram a adquirir imensas áreas, onde os fins especulativos são disfarçados por 
fabu-losos projetos de pecuária extensiva ou de explora-ção florestal. Ao mesmo 
tempo, esse "fechamento" da fronteira agrícola e a expulsão crescente de 
famílias de moradores e colonos das grandes plantações, provocaram um incrível 
inchaço do contingente de lavradores sem terra que vivem de precários 
arrendamentos, do trabalho volante e da busca de novas terras de posse. 
 
Configura-se aqui, cada vez mais, uma situação semelhante à que engendrou a 
maioria das reformas agrárias. De um lado uma grande massa de párias migrando 
pelo País afora à procura de trabalho. De outro, uma concentração constante da 
propriedade fundiária que lhes proíbe o acesso a seu principal ganha-pão. Os dados 
são chocantes: as propriedades classificadas oficialmente como latifúndios, isto é, 
mantidas "deficiente ou inadequadamente exploradas", detêm mais de 3/4 da área 
agrícola do País. Como é bem fácil escapar dessa qualificação através de 
declarações ao INCRA sobre áreas "florestais produtivas", deve-se pensar 
inclusive que o quinhão dos latifundiários seja ainda maior. 
Em todo caso, em 1972, eles ocupavam 287 miihões de hectares. Uma vez 
descontadas as áreas inaproveitáveis e as reservas legais de floresta, sobravam 
227 milhões de hectares aptos è produção agropecuária, mas mantidos quase em 
abandono por seus donos. Essa área seria suficiente para dar moradia e trabalho a 
vários milhões de famílias de lavradores, reduzindo a miséria existente no campo e 
aumentando a disponibilidade de alimentos para o conjunto da população. 
Na mesma data, o número de famílias de lavradores sem terra estava por volta 
de 4 milhões. Destas, 2,5 milhões residiam em imóveis rurais e trabalhavam como 
empregados, parceiros, arrendatários ou diaristas. Por volta de 1 milhão residiam 
na periferia das cidades, procurando trabalhos de todo gênero através de 
empreiteiros. Outro tanto cultivava terras de posse sem nenhuma garantia contra 
a violência dos grileiros. E a seu lado havia mais 2 milhões de famílias minifundistas 
que também poderiam ser beneficiadas pelo acesso a ! um pouco mais de terra. 
Nos últimos anos a situação ficou ainda mais grave. Os resultados do Censo de 
1975 e os dados preliminares da atualização cadastral para 1978 indicam que as 
duas tendências se acentuaram. Expandiu-se a área latifundiária em detrimento 
tanto dos minifúndios quanto das empresas consideradas eficientes. E aumentou o 
número de famílias sem terra ou com pouca terra, apesar da aceleração constante 
do êxodo para os grandes centros urbanos. Em 1978, a área ocupada pelos 
latifún-dios atingiu os 85,5% das terras cadastradas pelo INCRA. 
Condição necessária mas não 
suficiente 
Encontramo-nos, portanto, numa situação semelhante à que engendrou todas as 
reformas agrárias de que se tem notícia. Mas não se deve concluir daí que ela 
esteja prestes a se impor como única solução do problema agrário nacional. Não é 
uma fatalidade do desenvolvimento capitalista a adequação das estruturas 
agrárias através da distribuição de terras desapropriadas por estarem 
improdutivas. Ele oferece aos latifúndios a alternativa de se transformarem em 
modernas empresas agrícolas ou pecuárias. Para que essa via prevaleça é 
necessário, entretanto, que os outros setores da economia possam absorver o 
gigantesco êxodo rural que decorre da redução constante das oportunidades de 
emprego no setor agrícola, visto que essa modernização transforma muitos postos 
de trabalho permanente — arrendatários, parceiros, moradores, etc. — em 
ofertas de trabalho apenas sazonais. Também é imprescindível que se criem 
condições para que a utilização produtiva dessas terras proporcione a seus 
proprietários relativamente mais lucros do que a sua simples manutenção como 
reserva de valor contra a corrosão inflacionária, ou meio de acesso a privilégios fiscais e 
creditícios. Dois requisitos de dificílimo cumprimento no momento atual, que transformam 
essa alternativa numa espécie de miragem, apesar de continuar sendo o eixo da política 
econômica do governo. 
De qualquer forma, o caminho que seguirá o desenvolvimento econômico 
dependerá essencialmente das forças que poderão reunir os partidários de cada 
uma dessas duas saídas possíveis: a democrática, que atenderia o clamor dos 
trabalhadores rurais pela reforma agrária; ou a despótica, que os confinaria em 
novas favelas inchando ainda mais o "exército industrial de reserva", com todas as 
consequências sociais conhecidas, entre as quais a da tão falada violência urbana. 
A realização de uma reforma agrária neste País está, nesse sentido, 
intimamente ligada aos chamados "caminhos da transição" do regime ditatorial a 
um regime democrático. O quadro atual da vida brasileira aponta para a urgência 
de mudanças orientadas no sentido de se encontrar soluções que não excluam, mais 
uma vez, a participação dos segmentos populares da sociedade. E a participação da 
cidadania exige também o estabelecimento de um novo modelo econômico, 
destinado a uma distribuição menos desigual da renda nacional, de tal modo que o 
Estado desenvolva uma política social que beneficie concretamente o conjunto dos 
trabalhadores, em especial os rurais. E para isto não há muitos caminhos. Todos 
têm que passar pelo respeito ao direito das classes populares defenderem seus 
interesses através de seus sindicatos, movimentos e partidos, assim como por sua 
participação direta nas decisões sobre suas condições de trabalho. 
Até hoje, todas as tentativas feitas no Brasil para se optar por uma saída 
democrática para a questão agrária acabaram sendo frustradas por uma reação 
autoritária e violenta das classes dominantes. Desde o início do século XIX houve 
quem defendesse ideias de reforma da estrutura fundiária. Um dos maiores 
precursores da ordem burguesa, José Bonifácio de Andrada e Silva, propunha, 
antes mesmo do Grito do Ipiranga, a fixação de uma área máxima para as 
propriedades rurais, a partir da qual seriam desapropriadas — total ou 
parcialmente — segundo o grau de aproveitamento dessas terras. As extensões 
assim recuperadas deveriam ser reta-liadas e vendidas para que dessem formação 
a unidades familiares de produção. Chegou inclusive a elaborar um projeto para 
nossa primeira Assembleia Constituinte propondo a extinção gradual da 
escravidão e o incentivo à imigração, franqueando o acesso desses trabalhadores à 
propriedade da terra. Mas, como se sabe, esta Assembleia foi dissolvida e o 
Patriarca da Independência foi para o exílio. 
Posteriormente, a ideia de condicionar o direito de propriedade da terra 
agricultável a seu aproveitamento produtivo foi sucessivamente derrotada pela 
ação dos latifundiários. O poder dos barões do café permitiu inclusive que se 
promulgasse, em 1850, uma Lei de Terras que fechava a única via de acesso è terra 
então existente: o regime da posse, o chamado direito de usucapião, segundo o 
qual o uso produtivo de um naco de terra após um certo número de anos abria a via 
para a obtenção do título de propriedade. A partir daí as terras públicas passaram 
a ser postas à venda por preços exorbitantes e os magros recursos assim 
arrecadados contribuíram para o financiamento da importação de braços para as 
grandes lavouras de café. Prevaleceram os dispositivos que obrigavam os 
imigrantes a empregar sua força de trabalho nas grandes fazendas. 
Foi só com a Revolução de 1930 que começaram a surgir algumas brechas nesse 
bloqueio oli- gárquico. A Constituição de 1934, apesar de muito mais branda que o 
projeto enviado peio Governo Provisório à Assembleia Constituinte, voltou a 
reconhecer o direito dos posseiros, reduziu os impostos para a pequenapropriedade e garantiu a terra às nações indígenas. Mas não tardou um novo 
retrocesso com a implantação do Estado Novo, em 1937. 
A redemocratização de 1946 foi marcada pela volta dos anseios reformistas. A 
Carta Magna instituiu, pela primeira vez em nossa história, que "a lei poderá 
promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos". 
Nesse momento, já -não faltava mão-de-obra no País. Ao contrário, começava a se 
tornar considerável o número de lavradores sem terra que não conseguiam 
encontrar sequer a oportunidade de vender sua força de trabalho de forma 
permanente. Datam desse período os primeiros contingentes dos hoje chamados 
"bóias-frias". 
Dos governos que se sucederam até 1964, só o último, de João Goulart, tentou 
realmente levar à prática a ideia de uma redistribuição da propriedade fundiária. 
Getúlio chegara a criar uma Comissão Nacional de Política Agrária que elaborou um 
documento intitulado "Diretrizes para a Reforma Agrária no Brasil". Esse 
documento estipulava três princípios básicos: 1) justa distribuição da propriedade 
com igual oportunidade para todos; 2) ensejar aos trabalhadores da terra o acesso 
à propriedade de modo a evitar a proletarização das massas rurais e anular os 
efeitos antieconômicos e anti-sociais da exploração da terra; 3) subdivisão dos 
latifúndios, aglutinação dos minifúndios e trabalho para todos. Esse programa foi 
esquecido por seus sucessores imediatos. É verdade que no efêmero governo Jânio 
Quadros uma outra Comissão foi encarregada de elaborar, desta vez, um projeto 
de lei de reforma agrária. Mas este nem chegou a ser posto em votação no 
Congresso. 
No entanto, a organização dos trabalhadores rurais através das Ligas 
Camponesas, do Movimento dos Agricultores Sem Terra e, logo após, o 
sindicalismo rural, passou a exercer uma pressão social suficiente para que Jango 
fosse levado a iniciar a reforma. Num famoso comício na Central do Brasil, em 
março de 1964, ele finalmente decide assinar um decreto que desapropriava 
terras nas margens das grandes rodovias. Duas semanas depois estava deposto e o 
País entrava em novo período ditatorial, sob o qual, após algumas hesitações, 
predominava completamente a via despótica de crescimento econômico que tornou 
ainda mais grave e dramática a questão agrária. 
Paradoxalmente, foi durante esses anos de sufoco que os empecilhos legais à 
reforma agrária foram contornados e promulgou-se sucessivamente, até à 
ascensão de Médici, uma nova legislação sobre a questão: o Estatuto da Terra, 
várias emendas constitucionais e uma longa regulamentação através de decretos. 
No período mais negro da Ditadura — entre 1969 e 1974 — a questão voltou a 
ser congelada. 
Com a "abertura lenta e gradual" dos governos Geisel e Figueiredo, criaram-se 
novas condições e os trabalhadores rurais puderam intensificar a luta por sua 
aspiração maior, ganhando, inclusive, o apoio de amplos setores sociais que, em 
1964, a combateram. E particularmente o caso da IgrejaCatólica. 
Ressurge, então, o debate sobre o real significado da reforma agrária na 
Imprensa, na Universidade, nos meios sindicais urbanos, nos novos partidos, etc. E 
muita gente se pergunta, hoje, em que consiste exatamente uma reforma agrária. 
O que até aqui foi dito permite somente saber que ela consiste essencial mente 
num ato de transferência da propriedade da terra de um grupo social para outro. 
Para que ela se realize é preciso que o Estado desaproprie alguns e atribua a 
outros. Mas existem muitas formas de desapropriação e tantas outras para 
entregar as terras a seus futuros beneficiários. Por outro lado, as novas unidades 
produtivas criadas a partir de uma reforma também podem se organizar de várias 
maneiras. Assim, para se compreender o que é a reforma agrária é necessário que 
se examine cada um desses seus três ingredientes fundamentais: a 
desapropriação, a atribuição aos beneficiários e o estatuto das novas unidades 
produtivas. 
Os critérios de desapropriação 
Qualquer reforma agrária estabelece normas para delimitar as propriedades 
que estarão sujeitas à desapropriação. Em geral institui-se que todas as que 
ultrapassarem uma determinada área máxima serão passíveis de desapropriação. 
Em Roma, por exemplo, o projeto de lei agrária de Tibério Graco fixava uma escala 
de limites vinculada ao número de filhos do proprietário até um máximo absoluto 
de cerca de 250 ha. A primeira lei de reforma agrária mexicana; de 1916, 
estabelecia que só poderiam subsistir propriedades inferiores a 100 ha de terras 
irrigadas ou úmidas, ou seu equivalente em outras categorias de terra. Esta, aliás, 
é uma característica das reformas agrárias contemporâneas: a necessidade de se 
estabelecer uma escala móvel de limites de área segundo a qualidade dos terrenos. 
Em alguns casos estabelecem-se sistemas complicadíssimos para o cálculo dessas 
equivalências. 
No entanto, não se deve esquecer que em muitas reformas também são 
adotados critérios mais qualitativos, que não se baseiam somente em limites de 
área. E em geral o que acontece em reformas que sucedem as guerras ou 
revoluções. Na França de 1789 os bens da Igreja foram confiscados e na maior 
parte das guerras de libertação nacional as propriedades de estrangeiros ou 
traidores é desapropriada sem obedecer obrigatoriamente a normas 
quantitativas. 
Em nosso País, o Estatuto da Terra estabeleceu um sistema de cadastramento 
dos imóveis rurais e sua classificação com base na definição de um Módulo de 
propriedade. Esse Módulo corresponde à área que, em determinada posição 
geográfica, absorva toda a força de trabalho de um conjunto familiar com quatro 
pessoas adultas proporcionando-lhe um rendimento capaz de lhe assegurar a 
subsistência e o progresso social e econômico. Uma vez estabelecido o Módulo de 
cada Micro-Região Homogênea, torna-se possível classificar todos os imóveis aí 
situados em quatro grandes categorias: Minifúndio, Empresa Rural, Latifúndio por 
Exploração e Latifúndio por Dimensão. 
MINIFÚNDIO é o imóvel rural com área agri- cultável inferior ao Módulo. 
EMPRESA RURAL é o imóvel explorado racionalmente, com um mínimo de 50% de 
sua área agricultável utilizada e que não exceda a 600 vezes o Módulo, ou a 600 
vezes a área média dos imóveis da respectiva micro-região. LATIFÚNDIO POR 
EXPLORAÇÃO é o imóvel que, não excedendo os mesmos limites da Empresa Rural, 
seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e 
sociais do meio. Finalmente, LATIFÚNDIO POR DIMENSÃO é o imóvel rural que 
ultrapassa os limites definidos para a Empresa Rural, seja qual for 0 seu grau de 
aproveitamento. 
Para se ter uma ideia mais concreta das dimensões dessas quatro categorias de 
propriedade, bastam algumas informações sobre a sua distribuição em termos de 
área, em 1972. A esmagadora maioria dos Minifúndios possuía menos de 50 ha, 
sendo que a sua área média situava-se em 19 ha. 
As Empresas Rurais e os Latifúndios por Exploração ficavam abaixo dos 500 ha, na 
maior parte dos casos. Mas, enquanto as Empresas tinham uma área média de 221 
ha, os Latifúndios por Expioração atingiam a média de 343 ha. Quanto aos 
Latifúndios por Dimensão, a área média superava os 100 mil ha e, raramente, 
tinham menos de 10 mil ha. 
Segundo o Estatuto da Terra, as propriedades mais sujeitas â desapropriação 
são os Latifúndios, tanto por Dimensão quanto por Exploração. 
Mas ele permite também que a União desaproprie: a) quaisquer áreas beneficiadas 
por obras públicas de vulto; b) áreas cujos proprietários não conservem os 
recursos naturais; c) áreas destinadas à colonização; d) áreas com elevada 
incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; e) áreas cujo uso atual não seja 
adequado à sua vocação. Por outro lado, ele prevê também a desapropriação de 
Minifúndios quando isso for exigido para a sua aglutinação. 
Como se vê, a lei abre ao Estado um vasto lequede possibilidades de 
desapropriação por interesse social. Por isso, apesar de não ter sido aplicado ao 
longo destes 16 anos, o Estatuto da Terra continuafuncionando como uma espécie 
de espada de Dâmocles sobre as cabeças da oligarquia latifundiária. Quando se 
reunirem condições políticas propícias, o seu simples desarquivamento 
possibilitará a rápida desapropriação de imensas áreas nas zonas já declaradas 
"prioritárias para fins de reforma agrária". 
Modalidades de desapropriação 
Além da delimitação das propriedades que estarão sujeitas à desapropriação, 
qualquer reforma agrária também estabelece critérios para que os atingidos 
tenham, ou não, algum tipo de compensação. Isto é, a desapropriação pode variar 
do sumário confisco a uma espécie de compra, quando as indenizações atingem 
montantes aproximados ao valor venal das terras. 
O tipo de indenização efetivamente aplicado numa reforma agrária torna-se 
assim um dos elementos mais significativos de seu conteúdo social e político. 
Praticamente nenhuma lei de reforma agrária estabeleceu o puro confisco dos 
latifundiários. Quando isto aconteceu foi, em geral, por leis especiais que incidiam 
sobre a Igreja — durante as revoluções liberais — ou de inimigos bélicos, em casos 
de guerras civis ou de libertação nacional. As leis de reforma agrária contêm 
sempre o princípio da indenização, mesmo as que foram promulgadas em situações 
revolucionárias. Ocorre, no entanto, em muitos casos, que esse princípio não seja 
posto em prática devido às circunstâncias concretas de confronto entre 
camponeses e latifundiários. Assim, na Bolívia, em 1953, a ação do movimento 
camponês foi tão fulminante e a reação dos latifundiários tão ineficaz que 
pouquíssimos destes conseguiram ser indenizados. Para 4 milhões de hectares 
desapropriados entre 1953 e 1960, só foram dispendidos 133 mil dólares em 
indenizações, o que dá a ridícula média de 3 centavos de dólar por hectare 
desapropriado. 
Também há casos opostos, como o da Venezuela, onde o Instituto Agrário 
Nacional realizou uma verdadeira compra de latifúndios a preços superiores aos 
vigentes no mercado. Para cada hectare desapropriado entre 1960 e 1963, o 
Estado pagou 99 dólares de "indenização". 
Em Cuba, os latifúndios pertencentes a estrangeiros acabaram sendo 
confiscados. Mas a lei de 1959 previa, mesmo para eles, uma indenização com base 
no valor declarado para fins fiscais. 
Em resumo, existem três grandes modalidades de avaliação do preço da terra 
para efeito de indenização: 
a) toma-se como base o preço da terra que vi-gora nas transações imobiliárias 
da região. É o 
método que mais interessa, evidentemente, aos proprietários fundiários. 
Quando este princípio se impõe, ele pode se transformar numa poderosa arma nas 
mãos dos latifundiários para inviabilizar a reforma. Foi o que aconteceu nas 
Filipinas, ondeo processo estancou por falta de recursos financeiros; 
b) a maneira mais frequente de contornar esse obstáculo é calcular o valor da 
indenização sobre a base do valor declarado pelos proprietários para fins fiscais. 
Como tal valor é sistematicamente subestimado, o expediente barateia a reforma. 
Por isso é o método mais utilizado nas reformas contemporâneas; 
c) quando a força organizada dos camponeses é grande, pode haver 
participação direta de suas entidades de classe na avaliação do preço da terra. 
No Chile, quando a Unidade Popular chegou ao governo, um dos principais 
dispositivos adotados para modificar a lei de reforma agrária promulgada pela 
Democracia Cristã foi a institucionalização da participação dos trabalhadores 
rurais na avaliação das terras desapropriadas. 
No Brasil, um dos principais obstáculos à promulgação de uma lei de reforma 
agrária entre 1946 > e 1964 foi justamente esta questão das indenizações. A 
Constituição de 46, assim como as anteriores, impunha o princípio de que toda 
desapro- ! priação por interesse social ou utilidade pública seria feita mediante 
prévia e justa indenização em dinheiro. Assim, durante o governo João Goulart, 
quando o desencadeamento da reforma agrária esteve na ordem do dia, o respeito 
à Carta Magna funcionava como um poderoso entrave, pelo simples fato de ser 
financeiramente impossível dar prévia indenização em dinheiro aos latifundiários, 
mesmo que os critérios de determinação de seu justo valor pudessem ser 
interpretados de forma elástica. 
Após o golpe de 1964, este dispositivo foi sucessivamente alterado por Emendas, 
tanto à Carta de 46 quanto à Constituição outorgada em 1967. 0 pagamento de 
indenizações antecipadas em dinheiro acabou sendo substituído por um rito 
sumário de desapropriação com pagamento posterior de indenizações em Títulos 
de Dívida Pública. Para a fixação do valor dessas indenizações, leva-se em conta o 
que foi declarado para efeito de Imposto Territorial Rural, acrescido 
dasbenfeitorias e da correção monetária. 
No entanto, seria enganoso pensar que o Estatuto da Terra e a legislação 
complementar visam. Ide alguma maneira, a penalização dos latifundiários 
desapropriados. Ele também contém disposições atenuantes, como, por exemplo, a 
que permite lao ex-proprietário utilizar tais títulos para o pagamento de impostos, 
para a compra de terras públicas, como caução para a obtenção de certos 
empréstimos, como garantia, etc. Neste ponto, ele se distancia bastante de outras 
leis de reforma agrária que regulamentam de forma bastante restrita a utilização 
dessas letras. 
De qualquer forma, é importante ter em conta que a atual legislação de reforma 
agrária do Brasil permite que o Estado desaproprie grandes extensões de terra, 
sem que isto implique num aumento descomunal das despesas públicas. Basta que 
emita títulos resgatáveis em 20 anos.30 
A atribuição das terras 
Uma vez desapropriadas, as áreas dos antigos latifúndios passam para o 
controle do Estado. Sua entrega aos beneficiários potenciais também pode se 
fazer de muitas maneiras. É muito raro que a transferência seja gratuita. Mesmo 
nos casos de revoluções socialistas, onde a terra foi nacionalizada, tanto os 
pequenos produtores como as fazendas coletivas devem pagar ao Estado uma 
renda anual ou, no mínimo, um imposto fundiário. Mas existem casos, mesmo no 
mundo capitalista, em que os camponeses conseguiram se tornar proprietários sem 
a obrigação de restituírem ao Estado, nem mesmo o valor das indenizações pagas a 
seus ex-proprietários. Na Bolívia, e em alguns momentos da reforma agrária 
mexicana, o movimento dos trabalhadores rurais impôs como norma que as terras 
fossem distribuídas gratuitamente. Mas tal coisa foi possível devido à uma 
correlação de forças extremamente favorável ao campesinato. Num outro caso, o 
da Venezuela, foram as rendas petrolíferas que permitiram a realização de umai 
reforma agrária bastante original: os latifundiários foram regiamente ressarcidos 
sem que houvesse uma contrapartida dos lavradores beneficiários. 
Em geral, as reformas agrárias entregam terras em propriedade e os 
beneficiários são obrigados a reservar uma poupança para o pagamento da terra 
que receberam. Em algumas leis mexicanas (1919 e 1921) e na lei chilena de Frey, 
houve a tentativa de se estabelecer uma paridade entre o valor global das 
indenizações e o montante do reembolso exigido aos contemplados pela reforma. 
Mas quase todos os outros textos legislativos são omissos nesse ponto. 
Por outro lado, existe sempre a possibilidade de se estabelecer uma diferença 
de cadência no pagamento das indenizações e das contrapartidas. Isto possibilita 
que o Estado utilize durante algum tempo a massa financeira proveniente das 
vendas de parcelas aos camponeses, ou, ao contrário, que ele seja forçado a 
financiar parte das indenizações pagas aos latifundiários. No caso dos dois prazos 
coincidirem, o Estado realiza uma operação usual de crédito. Todavia, o mais 
frequente é a existência de uma defasagem entre os doisprazos. 
A legislação brasileira é relativamente vaga com relação à modalidade de 
entrega das parcelas aos trabalhadores rurais. Ela prevê que tais lotes serão 
vendidos e na seguinte ordem de preferência: 19) ao ex-proprietário, caso ele 
queira explorar diretamente uma parcela; 29) aos que trabalham no imóvel como 
posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários; 39) aos agricultores cujas 
propriedades não alcancem a dimensão do Módulo da região. 
Mas não foram fixados critérios precisos para a determinação do preço e 
muito menos os prazos de pagamento. Se o Estatuto da Terra tivesse sido 
aplicado, os artigos referentes à venda das terras desapropriadas teriam, 
certamente, sido objeto de regulamentação complementar. No entanto, os { 
percalços da política agrária dos governos militares tornaram letra morta o 
Estatuto, tendo sido } inclusive promulgadas leis em total desrespeito aos 
princípios que estabelece (ex. o PROTERRA). 
O estatuto das novas unidades 
produtivas 
Via de regra, as reformas agrárias são distribu- tivistas. Isto é, visam 
principalmente a promoção de uma agricultura camponesa através da atribuição de 
lotes a famílias de lavradores. Mesmo a maioria das reformas realizadas no quadro 
de revoluções socialistas começaram pela subdivisão dos latifúndios e só mais 
tarde evoluíram para formas mais coletivas de organização da produção. 
Sobre esta questão difunde-se, aliás, um grande equívoco. E muito comum, entre 
nós, a ideia de que a retaliação dos latifúndios pode representar um atraso e não 
uma evolução do potencial produtivo da agricultura. Isto só pode ser verdade 
quando se pensa nas grandes plantações especializadas onde a divisão do trabalho 
já é bastante desenvolvida, chegando inclusive a estar integrada à indústria de 
transformação e constituindo verdadeiros complexos agrícolas. A partilha dos grandes 
canaviais, por exemplo, pode representar uma involução do processo produtivo. No 
entanto, a coisa muda de figura quando se pensa na massa de latifúndios onde predomina a 
exploração do trabalho familiar de pequenos arrendatários e parceiros, colonos ou 
agregados. Nestes, o processo de trabalho ainda se baseia na estrutura familiar e a sua 
subdivisão em pequenas propriedades impulsiona o desenvolvimento das forças 
produtivas. Com muito mais razão, nos latifúndios de pecuária extensiva que atingem 
níveis ínfimos de aproveitamento dos recursos naturais. 
Como as reformas agrárias sempre desapropriam grandes quantidades de 
terras pouco produtivas, ou mesmo inexploradas, é a distribuição de lotes que 
predomina sobre os outros tipos possíveis de atribuição das terras. Antes de mais 
nada porque são os próprios lavradores que reivindicam prioritariamente um 
pedaço de terra para morarem e plantarem no que é seu. O que não impede que os 
assalariados das grandes plantações prefiram formas coletivas de aquisição das 
terras, ou ainda sistemas em que se combinam os lotes familiares e a exploração 
conjunta de outras áreas. 
Outro equívoco muito comum na abordagem do problema é a confusão que se 
faz entre formas de exploração e formas de propriedade das terras. Não existe 
necessariamente correspondência entre 
elas. Podem coexistir as mais diversas formas deexploração coletivas e individuais 
em propriedadesestatais, coletivas, cooperativas, comunitárias, etc.Da mesma 
forma, a propriedade individual de parcelas de terras não impede que os 
camponeses seorganizem para explorá-las coletivamente através de cooperativas 
ou agrupamentos mais avançados • de autogestão. Muitas combinações são 
possíveis entre os diversos tipos de propriedade e os diversos ) tipos de 
exploração. Elas podem, entretanto, seragrupadas em quatro grandes padrões de 
unidades produtivas: o familiar, o cooperativo, o autogestionário e o estatal. 
As unidades de tipo familiar são as mais generalizadas pelas reformas. Elas 
apresentam, no entanto, uma distinção básica. No caso mais comum, os camponeses 
detêm a plena propriedade da terra, Mas também acontece deles adquirirem o 
direito ao usufruto perpétuo, sem que tenham, ao mesmo , tempo, o direito de 
vender ou alugar tais parcelas. 
No interior do cooperativismo, a diversidade é bem maior. Os ejidos mexicanos, as 
cooperativas peruanas, os asentamientos chilenos, os kibutzimisraelenses, 
oskolkhozes soviéticos, etc., apresentam um incrível mosaico de situações onde os 
graus de cooperação podem ser muito distintos. Os exemplos de unidades 
autogestionárias são bem mais raros. Os mais conhecidos — o iugoslavo e o 
arge-lino — também não são idênticos. Só as fazendasde Estado formam um tipo 
mais homogêneo, embora as formas de remuneração dos que nelas trabalham 
apresentem grandes diferenças. E existem ainda certas formas de propriedade e 
exploração de difícil enquadramento nestas quatro categorias. O caso mais 
conhecido é o da "comuna popular" chinesa. 
Só se pode tirar uma lição deste rápido panorama: as condições específicas em 
que se encontram os trabalhadores rurais em cada país, em cada região, é que 
devem determinar o estatuto das novas unidades produtivas. A adoção de modelos 
pré- fabricados e as tentativas de implantá-los de cima para baixo só podem levar 
a estrondosos fracassos. Quem pode saber quais são as formas mais apropriadas a 
cada situação são os próprios trabalhadores. Nesse, como em outros aspectos das 
reformas agrárias, fica muito claro que um ótimo critério a ser seguido é o de 
respeitar a vontade das massas laboriosas do campo, facilitando a sua 
autodeterminação. 
Não é, evidentemente, o que prevê o Estatuto da Terra para o nosso País. Ele 
estabelece só duas formas de atribuição das terras desapropriadas: em 
propriedade familiar ou a "associações de agricultores organizados sob regime 
cooperativo". O estatuto destas cooperativas foi posteriormente regulamentado 
por novos decretos que atribuem ao INCRA um absoluto poder de tutela, 
contrariando totalmente qualquer ideia de soberania dos futuros cooperados. 
Diga-se de passagem que o mesmo acontece com toda a legislação brasileira de 
cooperativismo da qual não escapam estas "Cooperativas Integrais de Reforma 
Agrária". Talvez seja esta uma das causas do fiasco das experiências encetadas 
nas áreas de colonização da Amazônia. De qualquer forma, pode-se pensar que essa 
legislação passará inevitavelmente por profundas modificações caso o Estatuto da 
Terra venha a ser aplicado. O desencadeamento de uma reforma agrária no Brasil 
criará certamente inúmeras situações de fato de difícil enquadramento num 
modelo tão rígido de cooperativismo. É cedo, portanto, para que se esmiuce este 
assunto. 
AS REFORMAS AGRÁRIAS DO 
SÉCULO XX 
Houve quatro grandes vagas agro-reformistas em nosso século. A primeira foi 
marcada pelo desfecho de duas longas guerras camponesas: a do México e a da 
Rússia. Delas resultaram duas reformas absolutamente distintas. No primeiro 
caso, a queda da oligarquia latifundiária deu lugar à dominação burguesa e à 
transformação capitalista da sociedade mexicana. No segundo, a aliança do 
campesinato com os operários e soldados fez com que a revolução burguesa fosse 
rapidamente sucedida pela queda da própria burguesia e a consequente 
transformação socialista de um conjunto de nações que deram origem à União das 
Repúblicas Socialistas Soviéticas. 
O segundo impulso de reforma das estruturas agrárias foi consequência da vitória 
das forças 
Vs.democráticas na grande guerra contra o nazifas- cismo. Ela também gerou dois 
tipos bem diferentes. A expansão do socialismo no Leste europeu e nos Balcãs, a 
revolução chinesa e a expulsão dos franceses do Vietnã deram origem a dez 
Repúblicas Populares onde o campesinato chegou ao poder em aliança com os 
trabalhadores das cidades. Por outro lado, na Itália, no Japão e em Formosahouve 
também modificações na distribuição da propriedade da terra, mas, neste caso, 
com oobjetivo de facilitar o desenvolvimentodo capi-talismo. 
O grande movimento de independência dos po-vos colonizados, da década de 
50, originou uma terceira onda de reformas, principalmente nos países islâmicos 
do Oriente Médio e do Norte da África, assim como na índia. Com, talvez, uma 
única exceção — a da Argélia —, todas acabaram por favorecer a consolidação do 
poder de burguesias nacionais emergentes. 
Na América Latina, onde o capitalismo já decoara no período compreendido 
entre as duas guer-ras mundiais, é que se assiste o quarto élan agro-reformista, 
sobretudo nos anos 60. Só em Cuba a reforma esteve inserida num processo global 
de revolução socialista. 
Evidentemente, estes quatro grandes períodos que marcam a história das 
reformas agrárias deste século não dão conta de todas elas. No início dos anos 60, 
por exemplo, o Xá do Irã outorgou uma reforma no quadro de sua "revolução 
branca". Após sua derrubada, em 1979, uma nova, bem mais radical, foi 
promulgada. Anos antes, duas outras nações muçulmanas haviam realizado 
revoluções antimonárquicas que engendraram reformas agrárias antifeudais: a 
Etiópia e o Afeganistão. E em dois países latinos processos significativos foram 
interrompidos por golpes de Estado: o Chile e Portugal. 
Mais recentemente, com a vitória da revolução sandinista, foi iniciada a 
modificação da estrutura agrária da Nicarágua. Em El Salvador, o governo chegou 
a anunciá-la, mas é bastante improvável que esta se realize antes de sua queda. 
Tais reparos são necessários, mas não invalidam a periodização proposta que 
facilitará bastante a apresentação das quase quarenta experiências significativas 
dos últimos 70 anos. 
México: meio século de reformas 
As causas da revolução mexicana de 1910 nãopodem ser circunscritas à revolta 
provocada pela ditadura de Porf írio Diaz. Elas têm sua origem emtempos mais 
remotos, quando o México era aNova Espanha. Para explorar a mão-de-obra indí- 
gena, os colonizadores introduziram na AméricaCentral o sistema das grandes 
propriedades (haciendas). Esses domínios coexistiram, até o século XVIII, com 
milhares de comunidades indígenas autônomas. A guerra pela independência 
iniciada em 1810, apesar de ter mostrado uma revolta agrária latente, acabou por 
consolidar o poder de oligarquias latifundiárias. E malgrado várias tentativas de 
reforma durante o século XIX, a dominação dos grandes senhores de terra sobre 
uma população subjugada acabou se solidificando. Só que o avanço da propriedade 
privada da terra gerou violentas reações das populações indígenas, entre as quais 
a dos maias do Yucatan em 1847. Durante mais de 70 anos (1825-1897) os diversos 
governos republicanos foram incapazes de esmagar a revolta dos yakis. Porfírio 
Diaz chegou a assinar um tratado de paz, prevendo uma restituição de parte das 
terras roubadas pelos hacendados. Mas estes negaram-se a cumprir o acordo e a 
guerra recomeçou no ano seguinte. 
Foi, sem dúvida, esse vigor da resistência indígena que engendrou o terremoto 
revolucionário que sacudiu o México de 1910 a 1917. Não houve um levante geral de 
forças coordenadas e centralizadas por um único comando, mas diversos 
desta-camentos camponeses, muitas vezes opostos uns aos outros. Emiliano 
Zapata tornou-se chefe de um destes exércitos no estado de Morelos e, em menos 
de dois anos, derrubou Porfírio Diaz, colocando em seu lugar Madero, como 
presidente provisório. Mas o novo chefe de Estado não enfrentou os latifundiários e 
as companhias estrangeiras. Assim, considerando que as aspirações camponesas haviam 
sido traídas, Zapata reconstituiu seu exército e sublevou os camponeses contra Madero, 
lançando um programa de reforma agrária intitulado Plan d'Aya/a. 
Tal plano tornou-se a plataforma política do movimento camponês mexicano. 
Mostrava sua determinação em recuperar a posse dos bens que as oligarquias 
haviam usurpado. Previa a desapropriação dos latifúndios, com uma indenização de 
um terço do valor estimado e o confisco puro e simples no caso de proprietários 
que se opusessem à aplicação da reforma. 
Durante a primeira metade da década de 1910 foram as tropas revolucionárias 
camponesas que tiveram o poder de fato no México. Em 1915, uma aliança da jovem 
burguesia com os sindicatos operários agrupados na Casa dei Obrero Mundial 
resulta na formação de seis batalhões para combater os camponeses chefiados 
por Zapata e Pancho Vi!la. No ano seguinte foi eleita uma Assembleia Constituinte 
com grande participação de camponeses, soldados e representantes das camadas 
médias. No entanto, os projetos aprovados eram de autoria de intelectuais 
burgueses que procuraram a todo custo reduzir o alcance social da inevitável 
reforma agrária. O limite de área das propriedades agrícolas foi fixado em 100 
hectares de terra úmida ou irrigada, ou seu equivalente em outras categorias de 
solo. Os lotes seriam distribuídos de forma privada ou comunitária, mas os 
beneficiários não teriam o direito de alugá-los, vendê-los ou entregá-los em 
parceria. 
A partir daí, a reforma agrária evoluiu deforma bastante irregular, refletindo 
diretamente avanço se recuos da luta de classes. Pode-se distinguir quatro 
grandes etapas. Até 1935, o latifundismo resistiu bastante e freiou a reforma. 
Durante o governo Cárdenas, quando o campesinato conseguiu se reorganizar, 
efetiva-se um profundo ataque à classe dos grandes proprietários. Em apenas 
cinco anos (1935-1940), as desapropriações e distri-buições de terra atingem uma 
amplitude sem precedentes. Na conjuntura de 1940-1958, fase áurea da 
consolidação capitalista, impõe-se uma nova pausa. De 1958 para cá assiste-se a 
um novo impulso, graças à pressão constante do campesinato. Ao mesmo tempo, 
parece se esgotar a possibilidade de uma solução de fundo para a questão agrária 
através da simples distribuição de terras. 
De qualquer forma, com avanços e recuos, a reforma permitiu o acesso à terra a 
mais de 2,7 milhões de famílias, pela desapropriação de quase 70 milhões de 
hectares, isto é, 34% da área agrícola do país. Os proprietários fundiários mais 
avessos ao desenvolvimento capitalista foram liquidados por uma convergência 
objetiva entre o interesse da burguesia em aumentar a produtividade agrícola e 
aaspiração camponesa pela independência econômica. 
 
Esse compromisso entre interesses burgueses e camponeses levou a uma 
reforma híbrida da estrutura agrária mexicana, pois nenhuma dessas duas classes 
teve força suficiente para impor sua concepção particular de desenvolvimento 
capitalista. Ao lado de um setor reformado, onde se desenvolve uma economia de 
pequenos produtores mercantis, consolidou-se também um outro, onde o capital 
agrícola transforma aos poucos as fazendas que subsistiram em modernas 
explorações com base no trabalho assalariado. 
Rússia: uma nova agricultura coletiva 
Como no México, a Rússia também foi palco de longas lutas camponesas durante 
o século XIX. Entre 1826 e 1861 eclodiram 1 118 levantes agrá- 1 rios dirigidos 
contra o poder dos tsares. Um destes, Alexandre II, resolveu abolir a servidão. 
Justificou sua decisão afirmando ser bem melhor que os camponeses fossem 
emancipados "pelo alto" antes que se libertassem "por baixo". Mas o resultado 
prático desse ato em pouco mudou a situação dos lavradores, pois o regime feudal 
manteve-se quase inalterado. Não houve acesso à propriedade da terra. A 
liberdade se traduziu no pagamento da renda em produtos, ou dinheiro, aos nobres 
que detinham as terras. O crescimento populacional e o aumento dos preços de 
arrendamento fizeram com que a quantidade de terra por lavrador se reduzisse de 
um terço até a revolução de 1905. Nesse ano, as lutas camponesas chegaram a 
ameaçar a manutenção do poder autocrático. Como resposta, a nobreza decidiu 
favorecer a apropriação individual das terras das comunidades (mir). Assim, nas 
vésperas da grande Revolução de Outubro de 1917, metade das famílias 
camponesas detinham terras em propriedadeprivada. A outra metade vivia em 
condições extremamente miseráveis. Comia batatas e repolhos e vivia em casas de 
madeira de precaríssimas condições. 
O caráter proletário da revolução faz, por vezes, esquecer suas raízes 
camponesas. No entanto, é preciso ter em conta que 80% da população ativa 
trabalhava na agricultura e era mantida pelo regime tsarista num obscurantismo 
medieval. Durante a Guerra Mundial, foram os camponeses que forneceram nove 
décimos dos efetivos militares do exército russo: quase treze milhões de homens. 
Foi a classe mais massacrada. Uma de suas consequências imediatas só poderia ter 
sido — e foi — a queda brutal da produção de alimentos. Isto explica por que as 
duas primeiras medidas do governo revolucionário referiram-se à paz e à terra. 
A lei agrária de 26 de outubro de 1917, promulgada pelo II Congresso dos 
Sovietes, aboliu a propriedade privada da terra, cancelou as dívidas 
de arrendamento e autorizou os lavradores a ocuparem os latifúndios através 
de comissões locais. Em pouco tempo, 150 milhões de hectares até então 
pertencentes à nobreza, à família imperial, à Igreja e à burguesia, passaram para o 
controle dos camponeses. Ao mesmo tempo, 2,5 milhões de hectares foram atribu 
idos às fazendas de Estado chamadas sovkhozes. A partilha realizada pelos 
comitês agrários beneficiou 3 milhões de famílias de lavradores sem terra 
permitindo, ao mesmo tempo, que os minifundiários aumentassem suas áreas. 
Durante a guerra civil provocada pelos defensores do antigo regime e ajudada 
por intervenções estrangeiras, o campesinato apoiou o governo soviético, 
frustrando os planos dos estrategas ocidentais. No entanto, as camadas mais 
abastadas, que dispunham de excedentes de gêneros alimentícios, ao invés de 
vendê-los, procuravam estocá-los. Para lutar contra a fome o governo decidiu 
requisitá-los. Foram criados "comitês de camponeses pobres" e sua ação acabou 
por acirrar as contradições internas da classe camponesa. Com a seca do inverno 
de 1921-22, a fome se abate sobre o conjunto da população e a produção de 
cereais caí a 1/3 do seu nível anterior à Guerra Mundial. 
Constatando o fracasso da política de "comunismo de guerra", os bolcheviques 
lançaram a Nova Política Econômica (NEP), restabelecendo o mercado livre, 
substituindo as requisições por um imposto em produto e permitindo que parte das 
terras fossem vendidas e alugadas. Graças a essa virada, e a várias outras 
concessões aos camponeses ricos (koulaks), a produção aumenta regularmente até 
atingir, em 1926, nível superior ao de 1913. Por outro fado, a coletivização da 
agricultura foi adiada. Em 1927, 94% das terras cultiváveis eram usufruídas pelos 
camponeses na base tradicional de seus conselhos municipais. As propriedades 
privadas atingiam 2% da área, as fazendas de Estado 2% e as várias formas 
cooperativas (koz, artel, kolkhoz) só detinham 1%. No interior dos mir, os koulaks 
ampliavam sua influência. Representavam menos de 1/5 dos camponeses, mas 
possuíam metade das terras e um terço do gado. Diminuía, cada vez mais, o número 
de famílias que aderiam às cooperativas. Em 1925 elas eram 300 mil e em 1927 só 
200 mil. 
A questão que se colocava nesse momento era a de saber de que maneira se 
poderia construir uma poderosa base industrial necessária à independência 
econômica do país, apesar do bloqueio comercial e financeiro dos países 
capitalistas, isto é, o resto do mundo. A única fonte de acumulação era a 
agricultura e, para isso, era absolutamente necessário captar o excedente 
econômico criado pelos camponeses para investi-lo no desenvolvimento industrial. 
Por outro lado, a modernização da agricultura exigia meios de produção de custo 
elevado que seriam bem melhor utilizados de forma coletiva. 
A partir de 1928, o governo lançou uma grande campanha pela formação de 
cooperativas de produção, e, em apenas dois anos, mais da metade das explorações 
individuais nelas estavam integradas. Tamanha reviravolta, em tão pouco tempo, 
só foi ’ possível por uma série de atropelos ao princípio da adesão voluntária. E a 
reação dos camponeses, a começar pelos koulaks, não foi branda: diminuíram as 
áreas semeadas e passaram a abater o gado. Foi um período trágico que deixou 
grandes feridas na imagem do socialismo, devido aos métodos repressivos 
utilizados contra esse tipo de resistência. 
Em 1934, 70% das explorações camponesas estavam integradas nos kolkhozes 
e graças à planificação da economia e o progresso da industrialização foi 
erradicado o desemprego. Isso só foi possível pela drenagem de recursos da 
agricultura e um enorme sacrifício do conjunto dos trabalhadores. Foi só em 1935 
que desapareceu o racionamento e a renda das cooperativas começou a aumentar. 
A partir daí o campo começou também a ser beneficiado por obras sociais, e os 
filhos dos camponeses puderam chegar à Universidade. 
Essa situação de relativa prosperidade foi aniquilada pela invasão hitleriana, em 
1941. Em algumas semanas foram destruídos os frutos de tantos anos de 
sacrifício. Os exércitos nazistas passaram a controlar 40% da população do país e 
mais de 50% de seu potencial agrícola. A outra metade teve que ser mobilizada para 
abastecer o Exército Vermelho e responder às necessidades básicas da população. Foi um 
novo esforço colossal do povo soviético e, particularmente, dos camponeses. A URSS 
pagou o mais alto tributo para que o nazi- fascismo fosse esmagado: 70 mil aldeias 
destruídas, 40% dos kolkhozes desmantelados, mais de 60% das fazendas de Estado 
varridas do mapa, 17 milhões de cabeças de gado bovino abatidas. . . 
A produção agrícola desceu, outra vez, aos níveis de 1913. Considerando-se as duas 
grandes guerras mundiais e a guerra civil, mais de 36 milhões de pessoas 
encontraram a morte nesse país! 
O pós-guerra foi marcado por uma política de reconstrução nacional que, no 
tocante à agricultura, se consubstanciou na concentração dos kolkhozes e 
sovkhozes. No fim dos anos 60 cada uma dessas duas formas coletivas de 
exploração agropecuária detinha, praticamente, a metade da área agrícola. Os 
lotes individuais auxiliares dos cooperados e dos trabalhadores das fazendas de 
Estado totalizavam 3,3% dessa mesma área. 
Hoje em dia o mujique é uma legenda. O novo camponês da União Soviética tem 
um nível de vida comparável ao dos trabalhadores das cidades. Um imenso atraso 
econômico e social foi superado e os problemas agrícolas do país são totalmente 
diferentes dos enfrentados pelos países capitalistas. 
A expansão do socialismo 
Nas Repúblicas Populares que se constituíram em 1945 no Leste europeu e nos 
Balcãs, as reformas agrárias iniciaram-se com medidas semelhantes às que foram 
introduzidas na Rússia, a partir de 1917. Mas a realidade específica a cada país fez 
com que as novas formas de produção evoluíssem de maneira bem diversificada. Na 
Polônia, por 
exemplo, entre 1950 e 1956 houve uma tentativa 
de integrar as pequenas propriedades em novas cooperativas, que se saldou por um 
fracasso. Os resultados levaram os dirigentes do país a abandonar essa política 
e a partir de 1957 a economia camponesa foi favorecida. Atualmente, as 
pequenas explorações ocupam 87% das terras agrícolas, as fazendas de Estado 
11 % e as cooperativas de pro-dução apenas 2%. 
Na Alemanha Democrática formaram-se cooperativas de três tipos. As de tipo I, 
constituídas pela exploração em comum das terras de lavoura, mas onde o gado, as 
pastagens e as máquinas continuam a pertencer individualmente aos cooperados. 
As de tipo II, onde só o gado continua em propriedade individual. E as de tipo III, 
inteiramente coletivas. Nestas existe um pequeno lote individual de meio hectare 
que fornece uma parte da subsistência do lavrador. 
Na Tchecoslováquia houve um processo avançado de coletivização: 67% das terras 
pertencem a cooperativas, onde elas continuam a ser propriedade dos cooperados 
e 21% pertencem às fazendas de Estado.Os outros 12% continuam a ser 
explorados individualmente por mais de 200 mil famílias camponesas (270 mil em 
1965). 
Na Hungria, na Bulgária, na Rumênia e na Albânia, a coletivização foi quase 
integral, com base no modelo cooperativo. A Iugoslávia é o único país socialista 
europeu que se distanciou do perfil dominante, introduzindo a autogestão dos 
chamados "combinados agrícolas". Trata-se de uma empresa autônoma, onde tanto 
a terra como os outros meios de produção pertencem ao conjunto dos 
trabalhadores, gerida através de uma Assembleia Geral que elege um Conselho e 
uma diretoria. Essas empresas autogestionárias constituem a maior parte do setor 
socializado, que conta também com fazendas de Estado e cooperativas. No 
entanto, 80% da área cultivada continua a pertencer ao setor privado, isto é, às 
famílias camponesas. 
Uma outra reforma agrária socialista que foge bastante do paradigma 
soviético resultou da revolução chinesa. Contrariamente ao que ocorreu em todas 
as outras revoluções socialistas, a reforma agrária chinesa precedeu a tomada do 
poder. Nas zonas libertadas desde o começo dos anos 30 formaram-se 
verdadeiras cooperativas de vilarejo, tendo como base as equipes de ajuda mútua 
tradicionais. Foi com base nessa riquíssima experiência, que precedeu a vitória da 
revolução de 1949, que os comunistas chineses traçaram as linhas de seu programa 
agrário. Num país com 600 milhões de habitantes e de fraquíssima 
industrialização, as bases da reconstrução econômica só podiam vir da agricultura. 
O enorme prestígio de Mao entre as populações rurais e o pragmatismo do novo 
governo levaram à consagração da propriedade camponesa como primeira etapa da 
reforma. 50 milhões de hectares foram transferidos a 70 milhões de famílias e a 
organização do sistema cooperativo se fez em três fases distintas: 19) 
sistematização das práticas tradicionais de ajuda mútua através de equipes de 6 a 
10 famílias; 29) criação de semicooperativas onde a renda de cada família era 
proporcional à superfície de suas terras; 3ª) criação de cooperativas integrais 
onde a remuneração de cada trabalhador era fixada através do trabalho 
fornecido. 
A partir de 1958, começaram a ser organizadas as "comunas populares" através 
da integração completa das atividades agrícolas, industriais e comerciais de cada 
subdistrito. A remuneração do trabalho passou a ser feita através de um sistema 
de "pontos-trabalho", onde o objetivo visado era a "auto-avaliação". Os estímulos 
materiais para aumentar a produtividade do trabalho foram substituídos pela 
emulação ideológica. 
As dificuldades existentes para que tamanhoy salto fosse realizado logo se 
fizeram sentir, e houve um recuo dos defensores do voluntarismo político. 
A partir de 1960 reestabeleceram-se os estímulos materiais, diminuíram as 
distribuições gratuitas de cereais, procedeu-se a uma descentralização das 
decisões econômicas e ressurgiram os lotes individuais complementares ao 
trabalho coletivo. Houve inclusive um certo encorajamento do comércio privado de 
gêneros alimentícios. 
De 1964 para cá desenvolveram-se intensas lutas entre os partidários de um 
pragmatismo econômico (que busca a rentabilidade imediata das unidades 
produtivas através de uma prioridade ao desenvolvimento técnico das forças 
produtivas) e os que exaltam a prioridade ao entusiasmo revolucionário. Os 
acontecimentos que sucederam a morte de Mao mostram a acuidade dessa 
contradição do processo chinês de construção socialista. 
* * * 
Foi também no final da II Guerra Mundial que se iniciou a "pré-reforma agrária" 
vietnamita. A primeira medida foi o confisco das terras até então controladas por 
inimigos de guerra e a fixação da taxa máxima de arrendamento em 25% da 
colheita. Alguns anos depois foram abolidas as dívidas camponesas, aumentados os 
impostos para os médios proprietários e distribuídos 367 mil hectares de terra. 
Com a lei de Reforma Agrária de dezembro de 1953, as terras pertencentes aos 
franceses foram totalmente confiscadas e as de outros latifundiários 
desapropriadas mediante indenizações em títulos do Tesouro. As grandes 
plantações de café e chá, os grandes arrozais e seringais, foram transformados 
em fazendas de Estado e o restante retalhado e distribuído pelos comitês de 
reforma agrária de cada vilarejo. No total, 80% das famílias camponesas do Vietnã 
do Norte foram beneficiadas pela transferência de mais de 900 mil hectares. ; 
Para evitar a pulverização minifundiária, o governo lançou, logo em seguida, uma 
grande campanha a favor do cooperativismo, começando — como na China — pela 
constituição de equipes de ajuda mútua. Em 1956, 60% das famílias camponesas 
haviam aderido a estes organismos primários de cooperação. Mas logo no ano 
seguinte 2/3 delas resolveram abandonar as equipes. No dia 29 de outubro de 
1956 Giap já havia reconhecido os excessos cometidos na aplicação dogmática dos 
princípios socialistas e lançado uma campanha de retificação. No final da década 
dá-se um novo surto da ajuda mútua, desta vez mais voluntária, acelerando-se, 
inclusive, a passagem a graus mais avançados de cooperativismo. Em 1968, 90% das 
famílias camponesas integravam cooperativas que exploravam, em média, 120 ha 
(para o arroz) contando, também em média, com a força de trabalho de 27 
famílias. Esses agrupamentos formavam, ao mesmo tempo, as unidades das milícias 
populares que conseguiram, anos depois, derrotar o gigante norte-americano. 
Experiências do bloco imperialista 
Ainda nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial realizaram-se em três 
países capitalistas reformas agrárias de peso: em Formosa, no Japão e na Itália. 
Sob o controle de técnicos norte-americanos, foi estabelecida, em Formosa, 
uma regulamentação dos contratos de arrendamento. A partir de 1949, sob a 
direção da JCRR — Joint Comission for Rural Reconstruction — iniciou-se um 
processo de redistribuição da propriedade fundiária que pertencera às antigas 
empresas japonesas. Fixaram-se limites máximos de 6 e 12 hectares 
respectivamente para os arrozais e as culturas "secas". Desta forma foram 
transferidos 320 mil ha, criando-se um verdadeiro mosaico minifundiário. A ajuda 
técnica do Estado e os incentivos ao associativismo permitiram um rápido aumento 
da produtividade. O sucesso do programa muito teve a ver com a "injeção" no país 
de mais de um bilhão de dólares americanos. . . 
Mudança semelhante, mas muito mais significativa, foi a do Japão. Desde 1945, 
uma forte pressão pró-reforma foi exercida pelo SCAP — SupremoComando do 
Poder dos Aliados. Ela se inscrevia num programa de destruição das estruturas 
econômicas e sociais que haviam presidido o desenvolvimento da política belicista 
japonesa, e seu ideal era favorecer o surgimento de sólidas instituições liberais. A 
Lei de Reforma Agrária de 1946 fixou um teto para a propriedade individual: 3 ha. 
0 Estado comprou as áreas excedentes e vendeu-as às famílias camponesas. Foram 
assim transferidos 2 milhões de hectares (1/3 da área agrícola total) e 
beneficiadas 4,3 milhões de famílias (70% do total). As indenizações foram pagas 
à vista, até o limite de mil yens, e o restante em obrigações resgatáveis em 20 
anos, com juros de 3,65%. Aos lavradores que adquiriram lotes foi dado um prazo 
de 24 anos com juros de 3% ao ano. No entanto, devido ao processo inflacionário, 
tanto o governo como os camponeses saldaram seus débitos antes do vencimento. 
Em 1961 o crescimento industrial do país já exigia uma nova reforma, desta vez 
concentra- cionista. Foi abolido o limite de 3 ha para as propriedades individuais, 
foi lançada uma grande campanha pela formação de cooperativas de produção e 
grandes extensões de terra até aí consideradas inaproveitáveis começaram a ser 
recuperadas. 
O terceiro caso é bem diferente. Na Itália, a repressão fascista havia 
refreado durante quase vinte anos um forte movimento camponês. Nos anos1919-20 certos latifúndios haviam sido ocupados e o governo obrigado a legalizar 
essas iniciativas através de desapropriações casuísticas. Durante todo o período 
fascista a questão agrária foi tratada como problema de polícia, e no imediato 
pós-guerra a revolta camponesa voltou à tona com todo o vigor. Rebeliões 
explodiram por todo o país e nas primeiras eleições o PCI, único partido que 
empunhara a bandeira da reforma agrária, obteve uma votação surpreendente. 
Como resposta, a Democracia Cristã, uma vez no poder, realizou uma distribuição 
de terras nas regiões de maiores tensões sociais. 
As indenizações foram calculadas através de uma avaliação do preço das terras 
e pagas em títulos resgatáveis em 25 anos, com juros de 5% ao ano. 
O fundo repartido atingiu 610 mil hectares e 113 mil famílias atributárias. Embora 
ela tenha se circunscrito a regiões bem determinadas do país, a reforma italiana 
permitiu uma nítida melhoria social para seus beneficiários e uma inequívoca 
modernização dos processos produtivos. 
A vez das colônias 
O terceiro grande surto de reformas agrárias re- resultou do grande 
movimento de libertação dos povos colonizados. Esse movimento repercutiu 
inclusive nas diversas instituições internacionais (ONU e FAO) fazendo com que 
assumissem a necessidade, da reforma fundiária como solução de base para as 
dificuldades das agriculturas dos países subdesenvolvidos. Foi em 1951 que se 
reuniu a primeira "Conferência Internacional sobre os Regimes Fundiários", em 
Madison (Wisconsin) e, a partir daí, inúmeros colóquios regionais preparatórios è 
Conferência Mundial da Reforma Agrária realizada em Roma, em 1966. 
Apesar de muito falada, a reforma agrária iniciada na Índia, em 1950, não 
chegou sequer a arranhar a antiga sociedade piramidal. Logo depois, os "milagres" 
da chamada "revolução verde" acabaram por desenvolver uma média burguesia 
agrária em alguns estados. Basta lembrar que mais de 60% dos indianos vivem na 
mais absoluta miséria para se demonstrar a mistificação. 
No Egito, a lei de 1952 permitia que os proprietários tomassem a iniciativa de 
vender parte de suas propriedades em pequenos lotes. Uma série de partilhas 
fictícias entre parentes puderam desvirtuar o programa de reforma. Mesmo 
assim, as expropriações atingiram 2.100 latifundiários. As indenizações foram 
fixadas em 10 vezes o valor da locação, ou 7 vezes o valor do imposto fundiário e 
foram pagas em títulos resgatáveis em 30 anos, com juros de 3%. 
As famílias beneficiadas compraram os lotes nas mesmas condições. No entanto, a 
partir de 1958 essas disposições foram modificadas, dando- se 40 anos para o 
pagamento das contrapartidas com juros de apenas 1,5%. 
Em 1960 as limitações da reforma estavam patentes. Os 8 anos de aplicação da 
Lei só haviam atingido 5% da população rural através de uma distribuição que 
tocara apenas 6% da superfície cultivada. Uma nova lei foi então promulgada, em 
1961, reduzindo o limite de área e fixando as indenizações em apenas 1/4 do valor 
estimado. Mesmo assim, o balanço das duas reformas deixou bastante a desejar. 
Menos de 10% dos lavradores foram favorecidos e apenas 13% da área agrícola a 
eles transferida. A partir de 1966 acentuou-se a intervenção do Estado na 
agricultura através da "Comissão para a Liquidação do Feudalismo" permitindo um 
significativo crescimento da massa de trabalhadores que vendem sua força de 
trabalho a um patronato agrícola em franco progresso. 
Experiências análogas foram levadas à prática na Síria e no Iraque a partir de 
1958. Em seguida, com a independência das nações muçulmanas do Maghreb 
(Tunísia, Marrocos e Argélia) novas reformas se impuseram após a partida dos 
colonos europeus. Destas, só a argelina chegou a ter maiores consequências. 
Em 1962, os assalariados dos grandes domínios pertencentes a estrangeiros 
instituíram espontaneamente um sistema de autogestão. O novo governo 
oficializou a decisão e nos anos 1962-63 nacionalizou cerca de 1,5 milhões de 
hectares. Uma pequena parte foi atribuída, em 1966, à formação de l cooperativas 
de antigos combatentes da guerra de libertação. 
O setor autogestionário organiza-se em 2.190grandes fazendas que surgiram 
da aglutinação de 21.700 antigas explorações europeias. Ele contribui atualmente 
para a formação de mais de 60% da renda bruta da agricultura, apesar de deter 
apenas 30% da área útil e contar com o trabalho de somente 15% dos ativos do 
setor agropecuário. 
A partir de 1971, novo impulso foi dado à reforma agrária pela promulgação da 
"Carta da Revolução Agrária". O limite de área das propriedades rurais privadas 
passou a ser calculado através da renda familiar que pode propiciar. Assim, a renda 
familiar de um proprietário agrícola não pode ser superior ao triplo da renda de um 
trabalhador dos domínios autogestionários. Os excedentes são desapropriados 
mediante uma indenização correspondente ao valor declarado para fins fiscais, 
paga em títulos resgatáveis em 15 anos, com juros de 2,5% ao ano. 
Até 1979 foram assim recuperados 1,9 milhões de hectares, dos quais 1,4 milhões 
distribuídos a lavradores que se organizaram em quase 6 mil cooperativas. Foram 
também criados 700 centros de comercialização de produtos agrícolas. 
Os herdeiros de Zapata 
A América Latina chega a ser considerada um verdadeiro laboratório de 
reformas agrárias. Após a revolução mexicana, a primeira tentativa foi feita pelo 
efêmero governo nacionalista de Jacobo Arbenz, na Guatemala. Em apenas 18 
meses de aplicação, a lei de 1952 chegou a beneficiar aproximadamente 100 mil 
famílias de lavradores através da desapropriação de 1.889 latifúndios. Para as 
indenizações foi adotado o valor declarado ao fisco e emitidos títulos resgatáveis 
em 25 anos. Em 1954, um golpe organizado pelo Departamento de Estado dos EUA 
derrubou o governo Arbenz. Uma enorme repressão se abateu sobre o movimento 
camponês e foi suspensa a aplicação da lei de reforma agrária. O novo regime 
devolveu. as terras que haviam sido expropriadas à United Fruit e referendou 
velhos contratos com novas concessões. 
No mesmo período, uma reforma agrária mais duradoura realizou-se na Bolívia. Em 
1952, o Exército foi derrotado por um levante armado dos camponeses auxiliado 
pelos carabineros. O presidente eleito no ano anterior — Paz Estensoro — pôde 
assim ser empossado e um forte programa de sindicalização organiza, em poucos 
meses, 200 mil lavradores. No início de 1953, os novos sindicatos orientam seus 
filiados para que ocupem os latifúndios e, em agosto, quando foi promulgada a lei de 
reforma agrária, boa parte das terras já estavam distribuídas. A partir da decisão oficial, 
uma ampla e rápida reforma atinge o conjunto do país, sem que houvesse tempo para a 
reconstituição das forças conservadoras. Um total de 110 mil famílias puderam se 
estabelecer gratuitamente numa área superior a 3,6 milhões de hectares, sem que os 
ex-proprietários fossem realmente indenizados nos termos da lei. 
A atribulada história política da Bolívia acabou não permitindo que a reforma 
prosseguisse. Em 1966, menos da metade dos pedidos de terra apresentados pelos 
camponeses haviam sido atendidos e a maioria dos beneficiários ainda não possuía 
títulos legais de propriedade. O incrível número de golpes de Estado registrados 
nas últimas décadas mostra a incapacidade das classes dominantes bolivianas em 
afirmar sua dominação sobre a sociedade, sem que, por outro lado, as forças 
populares - mineiros e camponeses — consigam erigir-se em alternativa histórica 
de poder. 
Situação diametralmente oposta configurou-se em Cuba nos primeiros dias de 
1959. A queda do ditador Batista deu lugar a um governo popular que tinha como 
um de seus principais objetivos entregar a terra aos que nela trabalhavam. 
A primeira lei de reforma agrária (19 de maio de 1959) determinava que somente 
seriam desapropriadas as fazendas com mais de 405 ha. No 
 
entanto,as propriedades bem exploradas, de produtividade superior à média, 
poderiam escapar à desapropriação até o limite de 1 340 ha. As indenizações 
previstas com base nas declarações fiscais seriam pagas em títulos resgatáveis em 
20 anos. 
Tais medidas eram mais brandas que a quase totalidade das reformas 
realizadas na primeira metade do século e demonstravam a prudência do novo 
regime. O bloqueio econômico americano e suas tentativas de represália é que 
conduziram à radicalização do processo. Uma nova lei promulgada em agosto de 
1960 desapropriou as empresas norte-americanas entre as quais estavam 61 
grandes usinas de açúcar com canaviais que totalizavam 1 260 000 hectares. 
Mesmo esta lei previa uma indenização condicionada à compra de certa quantidade 
de açúcar a preço superior ao do mercado internacional. A hostilidade dos EUA 
fez com que a desapropriação se transformasse, na prática, em confisco. 
Em outubro do mesmo ano, as sabotagens dos grandes proprietários levaram o 
governo cubano a se decidir pela nacionalização de todas as grandes empresas do 
país, atingindo uma centena de outras usinas de açúcar que detinham cerca de 900 
mil ha. Em 1963, uma segunda lei de reforma agrária ' diminuiu o limite de 
desapropriação para 67 hectares, para impedir que os médios proprietários que 
haviam sido poupados da primeira reforma continuassem a criar obstáculos à 
reconstrução econômica do país. Foram então desapropriadas 10 mil fazendas. 
A atribuição das terras aos lavradores foi feita de várias maneiras. Desde 
1961, parte dos grandes canaviais e as usinas de açúcar transformaram-se em 
empresas estatais e sua administração foi assegurada por técnicos nomeados pelo 
Instituto Nacional de Reforma Agrária. Em outros casos formaram-se 
cooperativas que, no ano seguinte, também se tornaram fazendas de Estado. 
Paralelamente, um total de 2,7 milhões de hectares foram redistribuídos em 
lotes de até 67 hectares a mais de 100 mil famílias camponesas. Assim, após a 
reforma agrária o setor privado da agricultura era constituído por cerca de 150 
mil pequenos produtores que detinham 3,5 milhões de hectares. Estes camponeses 
organizaram-se, desde 1961, numa única entidade: a Associação Nacional dos 
Pequenos Agricultores, AN AP. No início, a Associação teve um papel análogo ao de 
um grande jsindicato. Mas logo começou a assumir funções econômicas, isto é, 
orientar o conjunto do setor privado da agricultura para o cumprimento dos Planos. 
Em seguida passou a ser um canal de atribuição creditícia e de fornecimento de 
meios de produção. 
A economia camponesa em Cuba é responsável pela produção de 21% da 
cana-de-açúcar, 82% do tabaco e do café, 50% das frutas e tubérculos e Um 
terço do gado bovino. As formas cooperativas de produção foram introduzidas de 
forma gradual e prudente, com pleno respeito ao princípio da adesão voluntária. 
Em 1976, cerca de 30 mil famílias camponesas estavam integradas ao Plano e 
começavam a funcionar 40 cooperativas de produção. De resto, o cooperativismo 
concernia principalmente ao crédito e à utilização coletiva da motomecanização. 
Hoje em dia, até os mais recalcitrantes reacionários reconhecem os imensos 
progressos que a reforma agrária trouxe ao campesinato cubano, tanto ao nível do 
consumo alimentar como na educação, saúde e habitação. 
Após a revolução cubana e a Conferência de Punta dei Este, quase todos os 
países latino-americanos aderiram à ideia da reforma agrária, como forma de se 
prevenir contra uma mudança violenta. Todos dizem estar promovendo programas 
nesse sentido. Na prática, até a vitória da Frente Sandinista na Nicarágua, só a 
Venezuela, o Chile e o Peru chegaram a desapropriar um número significativo de 
latifundiários e distribuir terras a um certo número de camponeses. 
Na Venezuela, em 1959, o Instituto Agrário Nacional distribuiu lotes 
gratuitamente a 24 mil famílias. O procedimento era o seguinte: um ou mais 
lavradores formulavam um pedido incluindo dados sobre os pretendentes' e sobre 
as áreas solicitadas. Em posse desse pedido o IAN propunha ao latifundiário a 
compra de sua terra. Se este concordava, estabelecia-se um acordo sobre o preço. No 
caso contrário ele poderia ser desapropriado após um certo período. Mas como o preço 
pago pelo governo era, em geral, mais alto que o do mercado fundiário, frequentemente, 
os próprios latifundiários incentivavam os camponeses a formularem petições. Em certos 
casos promoviam inclusive uma invasão simulada (chamada autoinvasión) para terem 
prioridade. Foram assim transferidos 600 mil hectares. O sistema estimulou um certo 
progresso do capitalismo agrícola pois muitos antigos "senhores de terra" 
converteram-se em modernos empresários graças ao capital que obtiveram na venda de 
parte de seus domínios. Foram, evidenfemente, as altas rendas petrolíferas que 
permitiram uma tal operação. Ela é, por vezes, chamada de "petro-reforma" . .. 
A tragédia chilena não deve ofuscar a importância das duas reformas que 
mudaram o perfil do setor agrícola desse país. A primeira, da Democracia Cristã, 
fixou o limite de expropriação em 80 hectares de terras boas ou seu equivalente 
em regiões de mais difícil cultivo. Parte das indenizações era paga à vista e ò resto 
em títulos, vigorando um sistema análogo para a contrapartida camponesa. Entre 
1965 e 1969, foram assim recuperados 2,6 milhões de hectares num total de 1 094 
latifúndios desapropriados. 
A redistribuição fez surgir, no mesmo período, 568 assentamientos, onde 
quase 19 mil famílias receberam um lote privado e o direito de explorar 
coletivamente glebas comunitárias. Na prática, instituiu-se uma gestão 
paternalista da CORA — Corporación de la Reforma Agraria — sobre o conjunto 
dos assentamientos. 
Com a vitória da Unidade Popular, as desapropriações foram aceleradas e 
encetada uma política de redistribuição do poder no interior dessas cooperativas. 
Em meados de 1972, após dezoito meses de governo, a Unidade Popular havia 
praticamente liquidado o sistema latifundiário. Quase 40 mil famílias foram 
beneficiadas por 4 400 expropriações. Os assentamientos foram substituídos por 
Centros de Reforma Agrária onde também os assalariados tinham vez. 
O sangrento pinochetazzo destruiu a experiência em seu início, restituindo os 
latifúndios a seus antigos proprietários, ou simplesmente leiloando-os a novos 
empresários. Os domínios que sobraram foram retalhados e os lotes entregues em 
propriedade privada aos antigos assentados. 
No Peru, a reforma foi realmente iniciada em 1969, apesar de cerca de 600 mil 
hectares terem sido transferidos entre 1964 e 1968. A partir do golpe militar 
nacionalista de Velasco Alvarado, todas as propriedades agrícolas com área 
superior a 30 ha de terras irrigadas ou 50 ha de outras qualidades foram 
afetadas. Quase 10 milhões de hectares foram desapropriados e praticamente 
25% da população rural beneficiada. 
Quatro modalidades básicas de organização das novas unidades produtivas 
foram institucionalizadas: as cooperativas de produção, as sociedades agrícolas de 
interesse social (SAIS), as comunidades camponesas e as empresas de 
propriedade individual. As primeiras surgiram principal mente na agroindústria do 
açúcar e nas plantações de chá, deixando de fora a massa dos trabalhadores 
temporários. As SAIS, organismos de tipo semi- cooperativo, foram formadas 
pelos trabalhadores permanentes das antigas fazendas de gado da serra. Um 
sistema híbrido, onde se combinam sócios individuais e entidades jurídicas de tipo 
coletivo. Estas entidades participam da direção das SAIS e da distribuição dos 
benefícios sem estarem diretamente ligadas ao processo produtivo. As 
comunidades camponesas são consideradas um estágio preparatório à formação de 
cooperativas de produção. 
Em 1976, apenas vinte mil famílias haviam recebido terra em propriedade 
individual. As SAIS agrupavam um total de 60 mil famílias e as Cooperativas e 
Comunidades

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