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3ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA JUNTO À 7ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Processo: 0135148-77.2020.8.19.0001 Apelação 0135148-77.2020.8.19.0001 Apelantes: Alisson Davis do Nascimento Candanda e Anderson Valentim Apelado1: Estado do Rio de Janeiro Apelado 2: AVR Assessoria Técnica Ltda Relator: Des. Caetano Ernesto da Fonseca Costa Ementa: Ação popular que busca a nulidade de atos ilícitos praticados por pessoa jurídica declarada impedida de contratar com a Administração por outro ente federativo. Sentença que indefere a inicial e julga extinto o feito sem resolução do mérito. Comprovação da condição de cidadão e da aplicação da penalidade à segunda ré de suspensão do direito de contratar com a Administração Pública. Empresa que responde a outros processos de improbidade administrativa. Necessidade de prosseguimento da ação popular para apurar possível infração à moralidade administrativa e eventual lesão ao patrimônio público. Parecer no sentido do conhecimento e provimento do apelo, para afastar a preliminar de inadequação da via eleita e determinar o prosseguimento do feito. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Egrégia Câmara, Cuida-se de ação popular proposta por Alisson Davis do Nascimento Candanda e Anderson Valentim em face do Estado do Rio de Janeiro, por meio da qual pretendem a abertura de procedimento administrativo pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) ou Inquérito Civil pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para apurar as irregularidades narradas na inicial relativamente ao concurso pra soldado da PMERJ, além da declaração de nulidade dos atos ilícitos praticados pelos réus e a anulação das questões da prova objetiva de nº 21, 22, e 24, todas do Caderno de Cor Azul, assim como aquelas que forem comprovadas que não foram elaboradas de acordo com o determinado pelo Edital do Concurso, com a atribuição de pontos a todos os candidatos, com a convocação para participar das demais etapas e, caso aprovados dentro do número de vagas, a matrícula no Curso de Formação de Soldados PM, com sua consequente incorporação na PMERJ e efetivação no cargo de Soldado PM através da posse. Em suas razões, no índice 339, os apelantes aduzem, em síntese, que: cumpriram rigorosamente a exigência de apresentação de título eleitoral, sendo, por isso, partes legítimas para propor a demanda, posto que cumpriram o requisito da prova de cidadania; o fundamento principal do pedido inicial é a vedação da Banca Examinadora (AVR Assessoria Técnica LTDA) em poder licitar com o Poder Público em razão de faltar-lhe capacidade 1 / 5 T JR J 20 21 02 64 58 01 0 6/ 07 /2 02 1 12 :1 4: 54 IP A E - P E T IÇ Ã O E LE T R Ô N IC A A ss in ad a po r D E N IS E F R E IT A S F A B IA O G U A S Q U E técnica, assim como por possui histórico de fraude em licitações de concursos públicos, inclusive tendo sofrido a penalidade de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração Pública pelo prazo de cinco anos, a contar de 06 de dezembro de 2011; considerando-se que a contratação da Banca Examinadora AVR ASSESSORIA TECNICA LTDA para a realização do Concurso ao Curso de Formação de Soldados PM ocorreu às margens da legalidade, impõe-se a declaração de nulidade de todos e quaisquer atos ilícitos; a presente ação popular é a via adequada escolhida pelos Autores, uma vez que, na forma do art. 5º. inciso LXXIII, da CRFB/88, e art. 1º da Lei nº 4.717/65, a ação popular é a via processual para desconstituir os atos lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa, ao meio ambiente, e ao patrimônio histórico, artístico, paisagístico ou cultural; estão evidentes pelo menos dois requisitos autorizadores para a escolha desta via, em especial, os atos lesivos ao patrimônio, assim como lesivos à moralidade administrativa, os quais se materializam na contratação ilícita da Banca Examinadora pela Administração Pública, assim como pela autorização para realizar os atos durante a realização do concurso público que ainda está em andamento; a escolha das questões pela Banca Examinadora ocorreu de forma plenamente ímproba, a ponto de copiar as questões 23, 24 e 25 de sites da internet, o que demonstra per si a incapacidade técnica da empresa AVR ASSESSORIA TECNICA LTDA, o que provocou uma enxurrada de processos junto ao Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, sob a alegação dos candidatos que as questões da prova objetiva foram elaboradas com conteúdo fora do previsto no edital do concurso, assim como por possuírem mais de uma alternativa como opção; não se verifica a possibilidade de litispendência, em razão da Ação Civil Pública promovida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sob o nº 0047777-51.2015.8.19.0001, onde se pleiteia a declaração de nulidade de questões da prova objetiva do Concurso ao Curso de Formação de Soldados PM, porque a causa de pedir nesta ação popular é distinta, baseando-se nos prejuízos ao patrimônio público, assim como pela improbidade a pela falta de moralidade na contratação da Banca Examinadora AVR ASSESSORIA TECNICA LTDA, assim como pela falta de capacidade técnica desta para realizar o Concurso. Contrarrazões do Estado no índice 2147. A recorrida AVR Assessoria Técnica Ltda, intimada para apresentar contrarrazões por carta precatória, quedou-se inerte (índice 2238). O Ministério Público de 1º grau tomou ciência da sentença e do recurso interposto nos índices 335 e 2169. É o breve relatório. Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos, o recurso merece ser conhecido. No mérito, o apelo merece ser acolhido. O art. 5º, LXXIII da Constituição da República dispõe sobre o instituto da ação popular: LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; No clássico conceito de Hely Lopes Meirelles, a ação popular se constitui como “meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, 2 / 5 estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos”. Por sua vez, José Afonso da Silva a define como um “remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política”. A ação popular trata-se, indubitavelmente, de um instrumento de combate aos atos lesivos ao patrimônio público lato sensu. É a manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988. Os aspectos relativos ao seu cabimento e procedimento estão contidos na Lei nº. 4717/65, diploma que instituiu o referido instrumento. Como se infere da leitura do art. 1º da Lei 4.717/65, a propositura da ação popular pressupõe a demonstração da existência de um ato lesivo ao patrimônio público, seja de ente ou entidade de direito público, seja de pessoa de direito privado da qual o Estado participe, o que inclui empresas públicas, sociedades de economia mista e toda pessoa jurídica subvencionada com dinheiro público. No caso dos autos, há indícios da lesividade ao patrimônio público alegada pelo autor popular na inicial, porquanto a segunda ré teve aplicada contra si penalidade de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração Pública por outro ente público por 5 anos que ainda se encontrava vigente no período da licitação e contratação pelo primeiro réu, além de responder a processos de improbidade administrativa noutros Estados da Federação, onde,inclusive, já houve condenação. A sentença ora recorrida indeferiu a inicial, fundamentada na ausência de comprovação de cópia de título eleitoral ou regularidade junto à Justiça Eleitoral pelos autores, bem como por afirmar que o pedido de anulação de atos ilícitos da inicial é vago e genérico, que a pretensão de anulação de questões não é escopo da ação popular e coincide com pedido deduzido na Ação Civil Pública nº 0047777-51.2015.8.19.0001. Inicialmente, importa ressaltar que não foi aberta vista ao Ministério Público em 1º grau acerca do pedido inicial, que somente recebeu os autos após a prolação da sentença, dela tomando ciência (índice 335), não havendo dúvida de que se trata de hipótese em que a intervenção ministerial é obrigatória, na forma do art. 178, inciso I, do CPC, dado o interesse público inerente ao pedido inicial, sob pena de nulidade, na forma do art. 279 do CPC. A condição de eleitor, necessária ao ajuizamento da ação popular, encontra-se demonstrada às fls. 40 do índice 34 e fls. 44 do índice 41, onde se encontram os títulos eleitorais dos autores. A despeito de o pedido constante do item 4 de fls. 26 da petição inicial requerer a declaração de nulidade de atos ilícitos realizados pela empresa AVR Assessoria Técnica Ltda e pela Administração Pública, sem indicar neste item qual ato seria objeto de anulação, é possível inferir a partir da causa de pedir indicada na descrição dos fatos da exordial, que os autores se insurgem contra a contratação da segunda ré pelo primeiro réu não obstante a existência de penalidade de suspensão do direito de contratar com a Administração Pública à época do contrato e ao fato de responder por ações de improbidade administrativa, o que corroboraria sua inidoneidade para celebrar qualquer avença com o Poder Público. Assiste razão à magistrada sentenciante ao asseverar que a pretensão de anulação de questões não diz respeito ao objeto da ação popular e coincide com pedido deduzido na Ação Civil Pública nº 0047777-51.2015.8.19.0001, tendo em vista o afirmado pela própria parte autora na inicial, cabendo, por isso, a extinção por inadequação da via eleita tão- 3 / 5 somente a relação a este pedido, cuja análise prosseguiria na ação civil pública, sem que se operasse a litispendência. No mais, existem indícios que justificam a necessidade de prosseguimento do feito para regular instrução probatória destinada à apuração da ilegitimidade do ato a invalidar, por possível desvio dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública. A parte autora acostou à inicial (índice 268) “Termo de Rescisão Unilateral do Contrato Administrativo nº 095/2011, que deixa claro que, além da rescisão contratual, foram aplicadas à segunda ré as penalidades de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração Pública pelo prazo de cinco anos, com fundamento na cláusula quarta do contrato citado e nos arts. 86, 87 e 88 da Lei nº 8.666/93. Malgrado se esteja diante de penalidade aplicada pelo Município, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o termo “Administração Pública” utilizado pelo legislador, nos dispositivos da Lei n 8.666/93 concernentes à aplicação de sanções pelo ente contratante, deve se estender a todas as esferas da Administração, e não ficar restrito àquela que efetuou a punição, conforme aresto abaixo transcrito: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE EXARADA PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO A TODOS OS ENTES FEDERADOS. 1. A questão jurídica posta a julgamento cinge-se à repercussão, nas diferentes esferas de governo, da emissão da declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública, prevista na Lei de Licitações como sanção pelo descumprimento de contrato administrativo. 2. Insta observar que não se trata de sanção por ato de improbidade de agente público prevista no art. 12 da Lei 8.429/1992, tema em que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência limitando a proibição de contratar com a Administração na esfera municipal, de acordo com a extensão do dano provocado. Nesse sentido: EDcl no REsp 1021851/SP, 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 23.6.2009, DJe 6.8.2009. 3. "Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública" (art. 87 da Lei 8.666/1993). 4. A definição do termo Administração Pública pode ser encontrada no próprio texto da citada Lei, que dispõe, em seu art. 6º, X, que ela corresponde à "Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas". 5. Infere-se da leitura dos dispositivos que o legislador conferiu maior abrangência à declaração de inidoneidade ao utilizar a expressão Administração Pública, definida no art. 6º da Lei 8.666/1993. Dessa maneira, conseqüência lógica da amplitude do termo utilizado é que o contratado é inidôneo perante qualquer órgão público do País. Com efeito, uma empresa que forneça remédios adulterados a um município carecerá de idoneidade para fornecer medicamentos à União. 6. A norma geral da Lei 8.666/1993, ao se referir à inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, aponta para o caráter genérico da referida sanção, cujos efeitos irradiam por todas as esferas de governo. 7. A sanção de declaração de inidoneidade é aplicada em razão de fatos graves demonstradores da falta de idoneidade da empresa para licitar ou contratar com o Poder Público em geral, em razão dos princípios da moralidade e da razoabilidade. 8. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que o termo utilizado pelo legislador - 4 / 5 Administração Pública -, no dispositivo concernente à aplicação de sanções pelo ente contratante, deve se estender a todas as esferas da Administração, e não ficar restrito àquela que efetuou a punição. 9. Recurso Especial provido. (REsp 520.553/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2009, DJe 10/02/2011) Além de possível ofensa ao princípio da moralidade administrativa em decorrência da contratação de empresa que responde a processos de improbidade administrativa e que sofreu penalidade que suspende sua contratação pela Administração Pública por 5 anos, também é possível inferir a existência de lesividade ao patrimônio público do trecho do “Extrato de Termo de Contrato Instrumento” colacionado às fls. 05 da petição inicial, que demonstra que a segunda ré, a despeito de impedida de contratar com a Administração Pública, celebrou contrato com a Secretaria de Estado de Segurança no valor estimado de R$ 1.071.000,00 (um milhão e setenta e um mil reais), no período de 20/03/2014 a 19/03/2015. Assim, justifica-se o prosseguimento da ação popular para que se apure na instrução probatória, após a instauração do contraditório, se no momento da contratação da segunda ré pelo Estado permanecia em vigor a proibição do direito de contratar com a Administração, que impediria a contratação aqui questionada, tendo em vista que a extinção prematura do feito impediu que os réus se manifestassem acerca do documento do índice 268 e das alegações constantes da inicial acerca da impossibilidade de contratação. Pelo exposto, opino pelo conhecimento e provimento do recurso, para afastar a preliminar de inadequação da via eleita e determinar o prosseguimento da ação popular. Rio de Janeiro, 06 de julho de 2021. DENISE FREITAS FABIÃO GUASQUE Procurador(a) de Justiça Mat. 181496 5 / 5
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