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SISTEMA NERVOSO CAPI�TULO 2 - A ORGANIZAÇA� O DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC), SUAS FUNÇO� ES E PRINCIPAIS PATOLOGIAS Symara Rodrigues Antunes Introdução O Sistema Nervoso pode ser dividido em Central e periférico. Nesta unidade iremos trabalhar com o Sistema Nervoso Central (SNC), que se divide em cérebro e medula espinal (ou espinhal). E� no SNC que ocorre as ordens de comando para todas as funções do corpo, desde aquelas realizadas de forma autônoma até aquelas ações conscientes. O cérebro, porção do SNC localizada no interior da caixa craniana, será o foco desta unidade. Ao longo dos séculos, o funcionamento desse sistema sempre gerou muita curiosidade e, mesmo com o advento de modernas formas de diagnóstico e avaliação, ainda há muitas questões a serem desvendadas sobre ele. Anatomicamente, podemos dividir o SNC em telencéfalo, diencéfalo, tronco encefálico e cerebelo. Cada uma dessas porções possui funções distintas, mas se relacionam intrinsecamente. Por exemplo, para que seja realizada uma tomada de decisão, alguns sinais que chegam no tronco encefálico são processados primariamente ali e, em seguida, são retransmitidos ao córtex cerebral (NETTER, 2015). De fato, o cérebro é muito mais do que um simples órgão localizado na região superior do nosso corpo, na caixa craniana. Muito relacionado a questões racionais, é no cérebro que se processa todos os tipos de informação, sejam elas conscientes ou inconscientes, racionais ou emocionais. E� nele, também, que são tomadas as mais diversas decisões, desde o acordar até o dormir. Você já se perguntou como e porque dormimos? Ou em que local do cérebro estão os centros de criatividade? Ou, ainda, como conseguimos nos manter na postura correta e andar sobre duas pernas? Neste capı́tulo vamos desvendar algumas dessas perguntas. 2.1 Telencéfalo: classificação anatômica e funcional do córtex cerebral; substância branca; funções corticais: linguagem, atenção, dominância inter-hemisférica, afasias; núcleos da base; sistema límbico O telencéfalo compreende aquela porção que chamamos comumente de cérebro. E� nessa região, ainda não totalmente esclarecida, que ocorrem os sinais neurais da consciência, com processamento de informações que chegam das mais diversas partes do nosso corpo, através de neurônios aferentes. E� nela, também que são processadas as informações que retornam com uma resposta através de vias eferentes. Iremos aprender nesse tópico aspectos funcionais e anatômicos dessa região, bem como entender como se dá, de maneira geral, os processos de linguagem e atenção; o que é a dominância inter-hemisférica; o que são afasias; qual o papel dos núcleos de base e a importância do sistema lı́mbico para o controle de emoções e comportamentos sociais. 2.1.1 Substância branca e substância cinzenta No Sistema Nervoso Central (SNC) há uma organização espacial dos neurônios e seus corpos celulares, dendritos e botões terminais que conferem um arranjo organizado dessas células especializadas. A substância cinzenta corresponde a aproximadamente 40% do SNC e é o local onde ocorrem a comunicação sináptica e a integração neural. E� constituı́da basicamente de corpos celulares, dendritos e botões terminais que, em conjunto, formam arranjos de aparência cinza. Já os 60% restantes, compreendem a chamada substância branca, constituı́da de axônios mielinizados. A aparência esbranquiçada se deve à presença de mielina, que possui alta concentração de lipı́dios. No encéfalo, a substância cinzenta possui apresentação mais externa e a substância branca mais internamente. Apesar disso, veri�icamos áreas menores de substância cinzenta na substância branca, que são chamadas de núcleos subcorticais. Na medula espinhal a apresentação espacial entre substância branca e cinzenta apresenta-se invertida: substância branca está mais externa e a cinzenta mais interna, como é possı́vel observar na seguinte �igura. O SNC é formado pelo tecido nervoso que, por sua vez, é formado por neurônios e células da glia. Sendo os neurônios células altamente especializadas, é necessário que haja células que auxiliem na nutrição e defesa desse sistema. Quem desempenha essa função são as chamadas células da glia. Há vários tipos de células da glia, e a disposição delas parece variar entre a substância branca e cinzenta, apesar de alguns tipos serem encontrados em ambas. Na substância branca, as células da glia comumente encontradas são: astrócitos, micróglia e oligondendrócitos. Na substância cinzenta são encontrados astrocitos protoplasmáticos, micróglia e oligodendrócitos. A substância cinzenta cerebral pode ser dividida em três principais regiões. 2.1.2 Classificação anatômica e funcional do córtex cerebral O córtex cerebral desempenha os mais rebuscados processamentos de que o nosso cérebro é capaz. Funções como memória, atenção, consciência, linguagem e percepção são todas desempenhadas por ele. Anatomicamente, ele corresponde à parte mais externa do cérebro, com poucos milı́metros de espessura e, Figura 1 - Imagem ilustrativa da substância cinzenta e a branca Fonte: VANPUTTE; REGANM; RUSSO, 2016. O córtex cerebral que consiste em uma �ina camada externa, com milı́metros de espessura, que concentra funções encefálicas superiores. Os núcleos da base envolvidos com controle de movimento. O sistema límbico que funciona como um elo entre reações mais primitivas do nosso corpo e respostas de funções cognitivas superiores. para que possa ser aumentada a área de processamento sem aumento de volume, forma sulcos e giros. Evolutivamente, devido à complexidade das informações processadas nessa área, é dito que possui desenvolvimento recente. A espessura do córtex cerebral varia de acordo com sua localização, de 1,5mm a 4mm, possuindo uma imensa quantidade de células e sinapses (alguns autores falam em 1 bilhão de neurônios e 1 trilhão de sinapses). Apesar de sua espessura delgada, é dividido em seis camadas microscópicas, funcionalmente distintas, que variam de disposição de acordo com a função que aquela área exerce. A disposição das camadas pode variar conforme a região do córtex cerebral. Observe na própria imagem que há diferença entre os tipos e disposição dos neurônios entre as camadas. Até o inı́cio do séc. XX havia uma grande confusão na nomenclatura das áreas do córtex cerebral, o que di�icultava o avanço dos estudos e o entendimento desses pela comunidade cienti�ica. Foi então que um médico psiquiatra alemão, Korbinian Broadmann, propôs uma divisão do córtex em 52 áreas distintas, baseadas na citoarquitetura, que possibilitava a uni�icação das diversas nomenclaturas. Figura 2 - As camadas do córtex cerebral e disposição dos neurônios entre elas Fonte: Anna Him, Shutterstock, 2020. As camadas do córtex cerebral variam em sua composição de células, e as diferentes regiões do córtex cerebral variam a combinação de camadas que apesentam. Foi com base nessas apresentações que Broadmann fez a delimitação das 52 áreas do córtex. Mesmo atualmente, as áreas de Broadmann ainda são utilizadas para a localização de estruturas no córtex. Os hemisférios cerebrais podem ser divididos anatomicamente em lobos, totalizando cinco. O lobo frontal situa-se na parte mais anterior do cérebro. Já o lobo parietal é posterior ao frontal. Lateralmente e inferiormente ao lobo parietal, situa-se o lobo temporal. Já o lobo occipital, ocupa a posição posterior e VOCÊ O CONHECE? Korbinian Brodmann (1868-1918) foi um psiquiatra alemão que, no inıćio do século 20, propôs uma nova forma de classi�icação das áreas corticais baseada na citoarquitetura do tecido neural. Em seus estudos, o pesquisador de�iniu o córtex cerebral humano em 52 áreas distintas, as chamadas “áreas de Brodmann”. Muitas dessas áreas, após intensas pesquisas, foram relacionadas a diversas funçõescorticais. De fato, as de�inições de Brodmann marcaram o modo de estudo do córtex cerebral até os dias atuais, possibilitando que fossem terminadas as confusões de nomenclatura das partes do córtex existente na época. Seus estudos in�luenciam até hoje a neurociência. Figura 3 - Hemisférios cerebrais demonstrando as áreas de Broadmann Fonte: LOUKAS et al, 2011. inferior do cérebro. Entre esses lobos, há a separação através de sulcos. O sulco lateral separa o lobo temporal do frontal; o sulco central separa os dois lobos parietais (NETTER, 2015, MOORE; DALLEY, 2014). O lobo insular localiza-se em uma porção mais central do cérebro, “escondido” pelos demais lobos. E� relacionado principalmente a questões emocionais e de comportamento, mas participa de outras funções como atividades motoras voluntárias, fala, gustação e outras funções associadas a demais áreas do cérebro. Ainda há muito o que se descobrir deste lobo, uma vez que as informações que possuı́mos são provenientes de pacientes com alguma anomalia nesta localização anatômica, por exemplo, vı́timas de acidentes vasculares cerebrais, neoplasia ou epilepsias (DAMIANI; NASCIMENTO; PIRES, 2019, tradução nossa). Funcionalmente, podemos dividir o córtex cerebral em três especializações: Figura 4 - Representação do cérebro e de seus lobos Fonte: Christos Georghiou, Shutterstock, 2020. Áreas sensoriais ou também chamadas de campos sensoriais. São áreas que recebem estı́mulos sensitivos e produzem uma resposta de consciência; Áreas motoras são regiões que fazem o controle motor de músculos esqueléticos; Áreas de associação são regiões que podem direcionar respostas voluntárias provenientes de associação de estı́mulos de áreas sensoriais e motoras. Apesar de não haver necessariamente uma correspondência direta entre as funções cerebrais e os lobos anatômicos dos diferentes hemisférios, são bem estabelecidas as funções para quatro dos cinco lobos (SILVERTHORN, 2017), representados na seguinte �igura. O lobo insular, não representado na imagem, tem uma relação forte com a manifestação dos sentimentos e comportamento, in�luenciando uma grande quantidade de processos básicos e superiores, relacionados ao pensamento abstrato e tomadas de decisão. Entretanto, estudos mais recentes revelam que a participação funcional deste lobo pode ir além disso. Ao que tudo indica, ele pode estar envolvido na intrincada rede de análise de informações, como por exemplo, as informações provenientes da gustação. Seria neste lobo que a informação gustativa se tornaria consciente, sendo então uma experiência única e subjetiva, in�luenciada pelas emoções associadas ao momento em que comemos. 2.1.3 Funções corticais: linguagem, atenção, dominância inter- hemisférica, afasias De forma simplista, temos a ideia de que os lobos dos dois hemisférios cerebrais teriam as mesmas funções. O que se tem observado não é exatamente isso: há uma lateralidade com relação ao desempenho de funções entre os dois lados do córtex cerebral, havendo uma dominância de um deles para determinadas funções. Também se observou que não necessariamente há uma correspondência entre as áreas funcionais do córtex e os lobos anatômicos do encéfalo. A esta caracterı́stica peculiar chamamos de lateralização cerebral, também conhecida como dominância cerebral (SILVERTHORN, 2017). A lateralização cerebral é a divisão de tarefa entre os hemisférios cerebrais que coloca uma dominância no desenvolvimento de determinada função por um dos lados. Contudo, o lado dominante para determinada função não é absoluto na população. Um claro exemplo diz respeito à mão dominante. Em geral, o lado esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo e o lado direito do cérebro controla o lado esquerdo do corpo; cerca de 90% da população é destra, pois há uma dominância do lado esquerdo do cérebro em controlar a coordenação motora da mão (SILVERTHORN, 2017). Figura 5 - Representação da vinculação das funções do córtex cerebral e seus lobos anatômicos Fonte: Noiel, Shutterstock, 2020. Conforme vemos na �igura, as áreas do cérebro que comandam diferentes funções do nosso corpo não necessariamente correspondem a um lobo ou a um mesmo lobo nos diferentes lados. Há uma predominância do lado esquerdo de habilidades de linguagem e habilidades verbais, ao passo que do lado direito predominam as habilidades espaciais. Há, ainda, uma associação de aptidões para lados diferentes dos hemisférios cerebrais. Aquelas relacionadas à orientação espacial, movimentação e percepção sensitiva do lado esquerdo do corpo, criatividade, reconhecimento de rostos e músicas, �icariam a cargo do hemisfério direito. Já as aptidões para lógica e processamento analı́tico, habilidades linguı́sticas e de matemática, assim como movimentação e percepção sensitiva do lado direito do corpo, seriam funções do hemisfério esquerdo, conforme vimos em �iguras anteriores. A explicação do porquê da existência dessa lateralidade ainda não está clara. Figura 6 - Lateralização dos hemisférios cerebrais Fonte: SILVERTHORN, 2017 Nessa outra imagem podemos con�irmar, novamente, que apesar de haver correspondência entre os lobos anatômicos dos dois hemisférios, e até mesmo uma certa correlação entre as funções desempenhadas, há uma dominância de um deles em determinadas funções cognitivas e de aptidões. Dentre as diversas funções e habilidades que nosso cérebro executa, a linguagem é considerada uma das mais complexas. De fato, a comunicação não é uma habilidade exclusivamente humana, uma vez que ela é observada em outros animais, desde pássaros até mamı́feros, sendo que alguns insetos possuem recursos de propagar informações (as abelhas, por exemplo, transmitem informações para a colmeia através de toque e visão). No entanto, entre os humanos, a comunicação se dá em sua maioria através da linguagem falada ou escrita, indo, portanto, além da comunicação simples observada nos animais. Essa habilidade é tão importante para a nossa espécie, que não surpreende que haja diversas áreas de nosso encéfalo correlacionadas a ela. (GUYTON; HALL, 2017). A constituição de uma linguagem falada requer que haja um processamento do que escutamos, com envolvimento das palavras já aprendidas da lı́ngua e a emissão de sons articulados com estrutura gramatical coerente. Tradicionalmente, a lı́ngua falada tem sido associada, prioritariamente, a duas áreas cerebrais: a área de Wernicke e a área de Broca, conforme �igura seguinte. Os conhecimentos adquiridos sobre o funcionamento dessas áreas e seus envolvimentos com o processo de linguagem, seja falado ou escrito, vem de estudos com pessoas com lesões no encéfalo nessas regiões. Lesões envolvendo essas áreas são chamadas de afasias, disfunções de linguagem que podem ter apresentações diferentes de acordo com qual área foi afetada. Figura 7 - Representação da lateralização dos hemisférios cerebrais Fonte: Doggygraph, Shutterstock, 2020. Observar em A como é feito o processamento de uma palavra falada, e a interação com o córtex motor e áreas de Wernicke e de Broca. Em B, vemos o processamento de uma palavra ouvida, e já observamos que há um envolvimento do córtex auditivo. A área de Wernicke localiza-se na porção posterosuperior do lobo temporal e na parte inferior do lobo parietal. Está associada à compreensão da linguagem, seja escrita ou escutada. Devemos salientar que essa área não é responsável pela audição da linguagem, mas sim pela compreensão dela em suas diversas formas, como sons, letras escritas ou linguagem de sinais. Lesões nesta área causam a chamada afasia de Wernicke ou afasia receptiva, quando a pessoa afetada não consegue compreender a linguagem, seja qual for sua forma de apresentação. Tais indivı́duos podem falar palavras, mas o seu discurso não é coerente, devido sua di�iculdade empronunciá-las. Dessa forma, conseguimos entender, de forma simpli�icada, que a informação para a constituição da linguagem tem o �luxo de entrada pela área de Wernicke para depois ser repassada para a área de Broca e, com isso, haver uma comunicação efetiva. A área de Broca, por sua vez, localiza-se no lobo frontal, e é responsável pela expressão da linguagem, com formação de uma comunicação coerente. Possui proximidade com a área de controle motor da boca, mas não é responsável por esta função. Lesões nessa área são chamadas de afasia de Broca ou afasia expressiva. Como é de se esperar, os indivı́duos afetados entendem a linguagem falada e escrita, mas não conseguem se expressar de maneira coerente. Também é observado nesses indivı́duos uma di�iculdade na compreensão e expressão de frases complexas que possuam vários elementos ligados entre si. Figura 8 - Representação da localização da área de Wernicke e área de Broca e suas interações Fonte: SILVERTHORN, 2017 Portanto, caso a frase “como você está” seja falada a uma pessoa com afasia de Wernicke, a resposta pode ser uma frase �luente, mas incompreensı́vel como “Lua vento eu”, pois ela não consegue compreender a informação de linguagem recebida, apesar de possuir a capacidade de fala. Já uma pessoa com afasia de Broca, ao receber a mesma frase, terá di�iculdade de produzir vocalmente uma resposta, mesmo ela tendo compreendido o sentido da informação recebida. A resposta poderá vir de forma arrastada, gaga ou com erros gramaticais. Dessa maneira, podemos concluir que a constituição da linguagem, seja ela falada ou escrita, é muito complexa e envolve diferentes áreas do cérebro, com integração entre elas. No momento em que você lê este texto, por exemplo, há requerimento de diferentes áreas do seu cérebro que, em conjunto, conseguem processar as informações e gerar um signi�icado para elas. De todos os mistérios que o estudo desse funcionamento ainda carrega, destaca-se, sem dúvida, o entendimento completo do processo de linguagem. Sobre ele há ainda muito o que explorar. 2.1.4 Núcleos de base Como já falado anteriormente, o SNC possui um arranjo organizacional de seus neurônios, formando as chamadas substâncias cinzenta e a substância branca, com presença de corpos celulares, dendritos e botões terminais na primeira; e axônios mielinizados na segunda. No encéfalo, a substância branca está mais interna, contudo, encontramos no seu interior porções de substância cinzenta, chamados de núcleos subcorticais. Os mais destacados são os núcleos da base, que incluem o núcleo caudado, o globo pálido e o putâmen. (NETTER, 2015) Os núcleos da base estão relacionados com o controle da motricidade, assim como o cerebelo. Ambos, cerebelo e núcleos da base, atuam no comando motor, mas com funções diferentes. Evidências sugerem que o desempenho automático de movimentos repetitivos aprendidos envolva os núcleos da base. Por exemplo, o jogador de futebol, Rogério Ceni, que jogava como goleiro, era um excelente batedor de cobranças de falta de bola parada. Sua habilidade foi adquirida através de muito treino, em que obteve um aprendizado motor que o permitiu obter excelência na cobrança por conseguir acertar os chutes com precisão. VOCÊ QUER LER? O livro “Fantasmas no Cérebro”, de Vilayanur Ramachandran, um neurologista e neurocientista indiano, traz, em uma linguagem acessıv́el para leigos, relatos de casos surpreendentes de pacientes que sofreram lesões no cérebro e tiveram as mais diversas e intrigantes sequelas. Desde indivıd́uos que continuam sentindo membros que foram amputados até outros que adquiriram alterações curiosas de fala. Ramachandran revela ao longo do livro, suas visões de como o cérebro processa as informações, sensações, emoções e consciência. As informações recebidas e processadas pelo córtex são enviadas aos núcleos da base que, por sua vez, devolvem a informação para o tálamo, que enviará de volta para o córtex. Esse circuito de informação tem a função de auxiliar o córtex na escolha e iniciação de movimentos propositais simultaneamente à inibição de movimentos indesejados. Em geral, a ação desses núcleos é inibitória, de acordo com o que se observou em doenças como a de Parkinson e a de Huntington (GUYTON; HALL, 2017, SILVERTHORN, 2017) Na doença de Parkinson há um distúrbio neurodegenerativo progressivo que afeta o controle motor. Os sinais dessa patologia incluem tremores involuntários em repouso, marcha encurvada e arrastada e movimentos rı́gidos e geralmente lentos, entre outros. A disfunção nessa doença inclui uma perda de neurônios dos núcleos da base, comprometendo esse circuito regulatório, evidenciando a função desses na inibição de movimentos indesejados. 2.1.5 Sistema Límbico Figura 9 - Representação da localização dos núcleos da base no encéfalo Fonte: Alila Medical Media, Shutterstock, 2020. O sistema lı́mbico compreende a amigdala, o hipocampo e o giro do cı́ngulo. Ele é intrinsicamente relacionado às emoções e comportamentos sociais de forma mais primitiva, apesar de esses não envolverem somente o sistema lı́mbico, mas também outras vias no encéfalo, incluindo regiões do córtex cerebral e hipotálamo (BARRETO; SILVA, 2010). As amigdalas, situadas profundamente no lobo temporal anterior, sendo em número par, um para cada hemisfério, estão relacionadas a emoções de medo e agressividade. Experimentos realizados em animais, assim como cirurgias de remoção desses componentes em pacientes com epilepsia, geram indivı́duos com sensações exacerbadas de medo e agressividade, e relatos de hipersexualização (BARRETO; SILVA, 2010). Já o hipocampo está relacionado à memória de longa duração. Lesões nesta área geram di�iculdades de formação da memória de longo prazo. Existem dois tipos de amnésia: a retrógrada, que gera uma incapacidade de se lembrar do passado; e a anterógrada, que é a inabilidade de criação de novas memórias e de absorção de novas informações. Figura 10 - Representação do sistema lı́mbico e suas estruturas Fonte: ellepigra�ica, Shutterstock, 2020. A memória retratada no �ilme é, portanto, a anterógrada, uma vez que gerou uma permanente impossibilidade de geração de novas memórias. Na vida real, o americano Henry Molaison, em 1953, teve os dois hipocampos retirados em uma cirurgia experimental para epilepsia. Sua memória estagnou naquela data, tornando-o portador de amnesia anterógrada. A situação do americano permitiu que houvesse um melhor entendimento das funções do hipocampo na memória. Também é o que acontece com indivı́duos que abusam do álcool e sofrem no dia seguinte de amnésia alcóolica: o hipocampo �ica temporariamente impossibilitado de processar as sensações e informações obtidas e não produz memórias a longo prazo, o que faz com que a pessoa experimente o chamado “branco”. O giro cingulado, por sua vez, ainda não teve sua completa elucidação de funções no controle de emoções. Sabe-se que coordena odores e visões com memórias afetivas agradáveis de situações anteriores e que atua também na regulação da agressividade e da reação à dor. A cingulectomia (ablação do giro cingulado) em animais selvagens torna-os imediatamente domesticados. Estudos experimentais têm demonstrado também que a simples retirada de um feixe desse giro (cingulotomia) proporciona um melhor manejo de nı́veis de depressão e ansiedade. Vemos, assim, que a explicação das neurociências para a memória, comportamentos sociais e emoções ainda não está completamente elucidada, mas já possuı́mos grandes avanços. O surgimento de novas técnicas de diagnóstico por imagem tem proporcionado grandes avanços na explicação de diversos fenômenos neurológicos. VOCÊ QUER VER? O �ilme “Como se fosse a primeira vez”, de 2004, é uma comédia romântica que conta a história de amor entre Henry Roth (Adam Sandler) e Lucy Whitmore(Drew Barrimore). O fato curioso é que Lucy possui uma lesão no cérebro que a impossibilita de formar novas memórias permanentes. Sua memória é estagnada no dia do acidente que causou a lesão neural. O �ilme mostra, mesmo que super�icialmente, que memória e emoções são processadas em locais diferentes do cérebro, e que há diferenças entre capacidade de cognição e de reter a informação por longos perıódos. Vale a pena assistir, ou reassistir, sob o olhar da neuro�isiologia. 2.2 Diencéfalo: tálamo; hipotálamo; epitálamo O diencéfalo situa-se anatomicamente abaixo do corpo caloso, no interior do encéfalo, entre o tronco encefálico e o telencéfalo. Suas principais estruturas são o tálamo e o hipotálamo, mas encontramos outras estruturas como o epitálamo, e glândulas como a pineal e a hipó�ise que desempenham importante papel no controle da homeostase e funções corporais (NETTER, 2015). O tálamo é considerado um grupamento de núcleos que funciona muitas das vezes como um centro de retransmissão e distribuição de sinais para o córtex cerebral. Nesse processo pode haver modi�icação da informação que o cruza, dando a ele também o status de centro integrador. A exceção, nesse caso, são os estı́mulos provenientes do olfato, que saem dos receptores olfatórios diretamente para o cérebro (MOORE; DALLEY, 2014). O hipotálamo, por sua vez, recebe informações provenientes de várias origens, desde o córtex cerebral, formação reticular e de receptores sensoriais, que são processadas e encaminhadas primeiramente ao tálamo e posteriormente para outras vias efetoras. Nessa região está localizada uma importante glândula com função endócrina, a hipó�ise. Nela são secretados inúmeros hormônios que exercem controle sobre funções de outras glândulas endócrinas, que também atuam em órgãos ou células especı́�icas, desempenhando importante papel na regulação corporal. Figura 11 - Representação morfológica da localização anatômica do diencéfalo demonstrando as principais estruturas encontradas Fonte: Alila Medical Media, Shutterstock, 2020. Situada logo acima do tálamo, o epitálamo tem ganhado relevância entre os neurologistas nos últimos anos. Nessa pequena região ocorre a regulação dos ciclos circadianos, bem como dos processos de crescimento e amadurecimento. Assim como o tálamo e o hipotálamo, essa porção do diencéfalo relaciona-se ao sistema lı́mbico, com regulação das emoções e comportamentos. Dessa forma, cientistas que estudam as relações anatômicas da geração do comportamento e emoções humanas têm dado maior atenção à área. A glândula pineal, também presente no diencéfalo e localizada no epitálamo, está envolvida no processo de estabelecimento dos ritmos circadianos de sono e vigı́lia, discutidos mais adiante nesta unidade. Figura 12 - Funções desempenhadas pelo hipotálamo e sua forma de execução Fonte: SILVERTHORN, 2017 Portanto, o diencéfalo, apesar de não corresponder a uma grande área do SNC, possui estruturas que realizam o controle de importantes funções corpóreas. Memória, manutenção da homeostase e controle de outras funções, estão relacionadas a essa porção do cérebro. VOCÊ SABIA? Ritmo circadiano ou ciclo circadiano diz respeito a um ciclo de 24 horas, durante o qual o ciclo biológico do ser vivo, incluindo nós humanos, sofre transformações cıćlicas. Ele é modulado de acordo com a temperatura, exposição à luz solar, movimento da maré, ventos, noção de dia e noite. Também regula a atividade fıśica, nıv́eis hormonais, temperatura corporal, e ritmos de sono-vigıĺia. Distúrbios no ritmo circadiano podem ser sentidos no chamado jet-lag e em trabalhadores de turnos noturnos por exemplo; e podem levar a transtornos do sono que, em última análise, estão associados a aumento de risco de doenças cardiovasculares e metabólicas. 2.3.Tronco encefálico: núcleos de nervos cranianos e formação reticular. Controle do sono e vigília. Atenção seletiva Como já abordado, o SNC possui diferentes estruturas que desempenham importantes funções no controle das nossas funções corporais. O tronco encefálico exerce funções muito além do que seu nome sugere: está correlacionado a mecanismos homeostáticos importantes, como manutenção do ritmo cardı́aco e respiratório e a percepção de dor, além de ser um centro importante na manutenção do estado de vigı́lia e no estabelecimento do sono. Provavelmente é a região do encéfalo mais antiga e primitiva. Subdivide-se em mesencéfalo, ponte e bulbo. Localiza-se, quase que em sua totalidade no crânio, tendo somente uma porção do bulbo não protegido pelo crânio. Situa-se ainda ventralmente ao cerebelo, sendo uma estrutura de conexão entre a medula espinal e as estruturas encefálicas localizadas acima dele (MOORE; DALLEY, 2014). Durante o desenvolvimento embrionário do SNC, há a formação de três vesı́culas encefálicas primarias: prosencéfalo (formará o telencéfalo e o diencéfalo); o mesencéfalo (que formará o mesencéfalo); e o rombencéfalo (que formará ponte, bulbo e cerebelo). Muitas vezes, os autores utilizam da nomenclatura de origem embrionária para designar determinada estrutura (ou conjunto de estrutura) do SNC (MOORE; PERSAUD, 2012). A seguir, vejamos um vı́deo sobre essa temática antes de nos aprofundarmos nela. Acompanhe! Neste tópico iremos conhecer um pouco mais acerca das funções e estrutura do tronco encefálico e sua relação com o sistema de vigı́lia e sono. 2.3.1 Tronco encefálico: Núcleos de nervos cranianos e formação reticular A formação embrionária do tronco encefálico deriva do mesencéfalo e rombencéfalo embrionário. Como sua própria nomenclatura sugere, o tronco encefálico situa-se na base do cérebro, entre o diencéfalo e a medula espinal. Possui substância branca e cinzenta e assemelha-se anatomicamente à medula espinal. E� formado por três estruturas: mesencéfalo, ponte e bulbo (medula oblonga). Na imagem A, podemos observar a relação e posicionamento do tronco encefálico na base do crânio, entre o encéfalo (superior) e a medula espinal (inferior). Na imagem B, temos uma visão lateral do tronco encefálico sendo possı́vel avaliar a disposição e caracterı́sticas anatômicas das três estruturas que o formam: mesencéfalo, ponte e bulbo (medula oblonga). Observe também que estão representados alguns dos nervos cranianos que partem do tronco encefálico. Do tronco encefálico partem 11 dos 12 pares de nervos cranianos (Figura 11 B), sendo que o nervo olfatório, o primeiro par, entra diretamente no telencéfalo, sem passar pelo tronco encefálico, que você poderá ver na próxima tabela. A descrição dos nervos cranianos ainda inclui a caracterı́stica da �ibra (se motor ou sensorial ou misto). Um exemplo é o par de nervo VII, que possui �ibra mista (motor e sensorial) e inerva a face desempenhando ação em inúmeros órgãos e estruturas. O exame clı́nico neurológico inclui testagem das funções controladas pelos nervos a �im de se avaliar a integridade dos mesmos (GUYTON; HALL, 2017) Somente o primeiro par que não parte do tronco encefálico, partindo do prosencéfalo. Esses nervos provem informações motoras e sensórias relativas à cabeça e ao pescoço. O tronco encefálico possui ainda a chamada formação reticular, que pode ser de�inida como sendo uma coleção difusa de neurônios que se prolongam por toda a estrutura profundamente na substância cinzenta. Constituem uma rede de axônios que se projeta para cima, em direção às divisões superiores do encéfalo, e para baixo, em direção à medula espinal. E� dividida em grupos mediano, lateral e medial. Processos básicos como controle do sono e vigı́lia, regulação do tônus muscular e re�lexos de estiramento, coordenação da respiração, regulação de pressão arterial e modulação de dor, são controlados por essa formação reticular. Ela é de extrema importância uma vez que, por exemplo, é o quenos mantém consciente durante o dia e nos acorda do sono. Figura 13 - Anatomia do tronco encefálico e suas estruturas Fonte: Shutterstock, 2020. Quadro 1 - Os 12 nervos cranianos e suas funções Fonte: GUYTON; HALL, 2017. O mesencéfalo, a porção superior do tronco encefálico, corresponde a uma pequena porção com a função primordial de controlar o movimento dos olhos. Funciona também como ponto de retransmissão de re�lexos auditivos e visuais, além de atuar no estado de alerta e na regulação de temperatura. No mesencéfalo estão os núcleos dos nervos cranianos oculomotor (III), na superfı́cie anterior, e troclear (IV), na face posterior. A ponte é a estrutura localizada inferiormente ao mesencéfalo e apresenta-se como uma protuberância no tronco encefálico. Sua principal atuação é de retransmissor de informações entre o cerebelo e o encéfalo, o que leva alguns neurocientistas a agruparem com o cerebelo. Também auxilia o bulbo no controle da respiração. Muitos pares de nervos cranianos emergem nesta porção do tronco encefálico: temos o nervo trigêmeo (V), abducente (VI), facial (VII) e vestibulococlear (VIII). O bulbo, ou medula oblonga, é a terceira e última porção antes de chegar na medula espinal. Em sua substância branca estão localizados dois tratos o somatossensorial (ascendente) e o corticospinal (descendente). O primeiro leva informação ao encéfalo e o segundo leva informação do cérebro para a medula espinal. E� no bulbo que ocorre o cruzamento das �ibras dos tratos corticospinal, na região chamada de pirâmide, atravessando a linha média, fazendo com que o controle dos lados corpóreos seja controlado pelo lado oposto. Isto é, o lado esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo e o lado direito controla o lado esquerdo. Na região cinzenta do bulbo estão neurônios que participam do controle de funções involuntárias como pressão arterial, respiração, deglutição e vomito. Os núcleos de nervos cranianos que emergem nesta porção são o hipoglosso (XII), glossofarı́ngeo (IX), acessório espinal (XI) e vago (X). 2.3.2 Controle de sono e vigília; atenção seletiva O tronco encefálico tem importante atuação no controle de sono e vigı́lia. Mas antes precisamos de�inir o que é sono e o que é vigı́lia. O sono é um estado de inatividade cortical que pode ser facilmente revertido, por exemplo, por um toque ou um som. Nesse momento não há interação efetiva com o meio ambiente. A necessidade de dormirmos ainda não é perfeitamente de�inida, mas sabemos que o perı́odo do sono tem relação fundamental com a consolidação da memória no hipocampo, com a renovação e limpeza do lı́quido cerebrospinal e com processos imunológicos, entre outros. Inúmeros experimentos cientı́�icos já demonstraram que a privação de sono causa intensos distúrbios orgânicos, iniciando com declı́nio da capacidade de concentração e atenção, diminuição do poder de decisão racional e discernimento. Por isso, não é aconselhável passar a noite inteira estudando em véspera de uma prova, sendo fortemente recomendado boas noites de sono para a consolidação do que foi estudado e memorizado anteriormente para sucesso em provas e testes (ANACLET; FULLER, 2017). A quantidade de sono necessário para o ser humano não é unanime ao longo da vida e nem entre indivı́duos. A média de 8 horas diárias de sono pode sofrer variações ao longo da vida do indivı́duo, por exemplo, os bebês chegam a passar até 17 horas do dia dormindo e os adolescentes necessitam de cerca de 9 horas de sono. Há, também, variações individuais, algumas pessoas conseguem se sentir bem com 6 ou 7 horas de sono por dia. O que já se observou, no entanto, é que quantidades diárias de sono abaixo de 6 horas já se demonstram prejudicais ao bom funcionamento das funções neurais, indicando alterações de comportamento e outras metabólicas. Figura 14 - Os estados de sono e vigı́lia podem ser de�inidos como um perı́odo de repouso com pouca ou nenhuma interação com o meio em que estamos inseridos, e o estado de vigı́lia é aquele em que estamos atentos ao ambiente e interagindo com ele Fonte: Tartila, Shutterstock, 2020. O sono, contudo, não é um estado contı́nuo e imutável. Existem cerca de 5 estágios de sono que se alternam em uma noite de descanso (Figura 13). Dentre estes estágios é possı́vel distinguir, através de um Eletroencefalograma (EEG), padrões diferentes de ondas emitidas pelo cérebro. Esta inclusive é uma caracterı́stica de diferenciação entre o estado de vigı́lia e de sono, uma vez que quando estamos acordados o nosso padrão de ondas captadas pelo EEG tende a ser de ondas rápidas e irregulares, sem ondas dominantes. E quanto estamos dormindo os padrões de onda tendem a se sincronizar e a estabelecer padrões caracterı́sticos. Das diferentes fases de sono, duas se sobressaem: sono de ondas lentas (ou sono profundo ou não REM) e o sono do movimento rápido dos olhos (sono REM). Figura 15 - Numa noite de sono tı́pica de 8 horas, na primeira hora há a saı́da do estado de vigı́lia para o sono profundo. A partir daı́ a pessoa passa a alternar ciclos entre o sono REM (estágio 5) e o sono profundo (estágio 4) com os demais estágios acontecendo entre eles. Fonte: Inspiring, Shutterstock, 2020. No sono profundo há predomı́nio de ondas delta, que se caracterizam por alta amplitude, baixa frequência e longa duração. Nesse estágio a pessoa tende a se movimentar de maneira não consciente. No sono REM, o padrão de ondas captados no EEG chega a se assemelhar ao visto em pessoas acordadas. E� neste perı́odo que ocorre os sonhos. Entretanto, a pessoa tende a não se movimentar devido a uma inibição dos neurônios motores que inervam os músculos esqueléticos, exceto pelos músculos dos olhos e da respiração. A temperatura corpórea tende a se aproximar a temperatura ambiente. Nessa fase também é quando as pessoas são mais facilmente acordadas. VOCÊ SABIA? O eletroencefalograma (EEG) é um exame realizado através do uso de receptores de ondas elétricas emitidas pelo cérebro. Muito utilizado para mapeamento de atividades cerebrais, que serve, por exemplo, para a identi�icação de distúrbios do sono dos indivıd́uos. Quando estamos acordados, em alerta, o EEG mostra um padrão de ondas beta como sendo mais comum. Já quando estamos acordados, mas em repouso, há um predomı́nio das ondas alfa. Já as ondas delta são observadas quando estamos dormindo. O ciclo sono-vigı́lia é realizado normalmente em um perı́odo de 24 horas, com associação de outras funções corpóreas, regidas por diversos fatores ambientais e intra-corpóreos, formando o que chamamos de ritmo circadiano. Não há ainda, entretanto, uma resposta completa sobre os mecanismos que levam à alternância entre esses dois estágios (sono e vigı́lia). O que sabemos é que há certas áreas do cérebro que estão envolvidas nesse processo. Uma delas é a formação reticular do tronco encefálico, que forma o sistema de ativação reticular ascendente (SARA). Essa área aparenta ser crı́tica para a manutenção do estado de vigı́lia. Sinais provenientes do SARA são retransmitidos pelo tálamo, hipotálamo e prosencéfalo ao córtex cerebral, tornando-o mais ativo e receptivo a sinais de outras vias. Dentre os neurotransmissores associados a esta ação estão a acetilcolina, noradrenalina e dopamina. No hipotálamo, região também envolvido nesse controle da vigı́lia, são associados os neurotransmissores histamina e orexina. A ação da histamina no estado de vigı́lia/alerta é bem observada quando um indivı́duo precisa ingerir um anti-histamı́nico para controle de crise alérgica e, após a ingestão, se torna sonolento. Figura 16 - Representação dos diferentes tipos de ondas captadas em um eletroencefalograma (EEG) humano e suas correlações com atividades desempenhadas esperadas Fonte: Artellia, Shutterstock, 2020. A indução do sono de ondas lentas parece estar associadacom funções do prosencéfalo. Sabemos também que a secreção de melatonina pela glândula pineal está associada com melhor qualidade do sono, e esta secreção ocorre preferencialmente durante a noite. Transtornos do sono são muito comuns e os mais variados, e podem trazer inúmeros transtornos para a vida e saúde da pessoa. 2.4 Cerebelo: coordenação motora. Vias cerebelares O cerebelo é considerado a segunda grande área do SNC, conforme a �igura seguinte. Concentra uma grande quantidade de neurônios (alguns pesquisadores chegam a estimar que contenha metade do número de neurônios do SNC). Neste tópico iremos conhecer um pouco mais da estrutura anatômica e funcional do cerebelo. O cerebelo é um centro importante para a execução correta de um movimento voluntário. Podemos a�irmar que sua função principal é a identi�icação da diferença entre o movimento intencional e o movimento real, dessa maneira reduzindo o erro. Mas também possui a capacidade de estabelecer o equilı́brio corporal, receber informações sensoriais de músculos e tendões para controlar as atividades motoras, mantém o tônus muscular (estado de semicontração do músculo que permite uma rápida resposta a estı́mulos). Também está intimamente ligado ao aprendizado motor. Localiza-se posteriormente na caixa craniana, próximo ao osso occipital. Processa informações para comunicar com o córtex cerebral e tronco encefálico. Tal qual o cérebro, possui dois hemisférios cerebelares, um esquerdo e um direito, ligados por uma parte central, o vermis. A substância cinzenta encontra-se na periferia com a substância branca disposta de forma central, com formações de núcleos intracerebelosos de Figura 17 - Proporção e localização do cerebelo Fonte: Terpsychore, Shutterstock, 2020. substância cinzenta. Esses núcleos são: núcleo denteado, núcleo interpósito (grupamento formado pelo núcleo emboliforme e globoso) e núcleo fastigial. Nesses locais, chegam os axônios das células de Purkinje e saem deles as �ibras eferentes. A substância branca, localizada centralmente no órgão, é constituı́da de �ibras mielinizadas, que formam as �ibras aferentes, isto é, aquelas que chegam ao cerebelo. As principais vias aferentes do cerebelo são provenientes do córtex cerebral, da medula espinal e do nervo vestibular. As vias de origem no córtex cerebral são: córtico-ponto-cerebelar, córtico-olivo-cerebelar, córtico-reticulo-cerebelar. Elas partem de todos os lobos cerebrais e trazem informações acerca da ação motora voluntária e consciente. As de origem espinal são: espinho-cerebelar anterior ou feixe cruzado de Gowers, espinho-cerebelar posterior ou feixe direto de Flechsig, cuneo-cerebelosa. Essas vias permitem a avaliação do tônus muscular, tensão nas capsulas articulares e tendões, posições e velocidades do movimento das diversas partes do corpo, através das Figura 18 - Ilustração 3D de uma célula de Purkinje proveniente do cerebelo Fonte: Kateryna Kon, Shutterstock, 2020. informações dos proprioceptores. Do nervo vestibular se origina somente uma via, a vestı́bulo-cerebelar, a qual traz informações sobre o posicionamento da cabeça, informação imprescindı́vel para a manutenção da postura correta e do equilı́brio (Sokolov et al, 2017). As vias eferentes cerebelares, isto é, aquelas que partem do cerebelo em direção a outras regiões, realizam in�luência sobre neurônios motores da medula espinal, modulando a execução dos movimentos desempenhados. As conexões eferentes da Zona Medial do cerebrelo incluem a via fastı́gio-vestibular e a fastı́gio reticular. As da zona intermédia incluem a via globoso-emboliforme-rubral. E as provenientes da zona lateral, incluem a via dento-talâmica (SOKOLOV; MIALL; IVRY, 2017). As patologias associadas a disfunções no cerebelo, como é de se esperar diante das funções correlacionadas a ele, apresentam alterações na coordenação motora, muitas vezes até mesmo sua ausência; ataxia, que é a falta de coordenação voluntária; perda de tônus muscular e tremor durante o movimento (SILVERTHORN, 2017). Conclusão Concluı́mos a unidade sobre a organização do Sistema Nervoso Central (SNC), suas funções e principais patologias. Agora, você já sabe sobre como o SNC se organiza anatômica e funcionalmente e já pode descrever as principais funções e patologias das regiões mais importantes. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: aprender sobre a substância branca e substância cinzenta do encéfalo, em que na primeira há a presença dos axônios normalmente mielinizados e na segunda estão presentes os corpos celulares e dendritos; e que a substância cinzenta é externa no telencéfalo, formando o córtex cerebral, mas que existem os chamados núcleos de base; saber que o córtex cerebral corresponde a uma fina camada externa do telencéfalo, e que corresponde a área de coordenação de ações voluntárias e conscientes; compreender que, apesar de haver dois hemisférios, com os mesmos lobos, não há uma exata correspondência entre as funções comandadas entre eles, havendo a chamada lateralidade; entender porque o lado esquerdo do cérebro comanda o lado direito do corpo, e o lado direito do cérebro comanda o lado esquerdo do corpo; há ainda uma dominância entre estes lados; entender que a fala é um sistema complexo, que envolve diversas áreas do telencéfalo, mas que duas áreas são as mais importantes para a aquisição da linguagem (seja escrita ou falada): a área de Broca e a de Wernicke; e que disfunções nestas áreas de processamento de linguagem trazem tipos diferentes de afasias; • • • • • aprender que os núcleos de base se correlacionam ao controle motor, desempenhado em conjunto com o tronco encefálico e o cerebelo; aprender que o diencéfalo compreende regiões que são importantes para o controle de homeostase corporal, com presença de importantes glândulas de secreção de hormônios para a realização deste controle; e que é também no diencéfalo que ocorre o controle do ritmo circadiano, proporcionado através da secreção de hormônios que influenciam na percepção do dia/noite; conhecer que é do tronco encefálico que partem os nervos cranianos que irão inervar regiões da cabeça e pescoço; descobrir que o controle de vigília e sono é um processo complexo e ainda não totalmente esclarecido, mas que é desempenhado em sua maior parte por regiões do tronco encefálico; aprender que o cerebelo é importante para a manutenção da postura corporal, do equilíbrio e do tônus muscular. • • • • • Bibliografia ANACLET, C.; FULLER, P. M. Brainstem regulation of slow-wave-sleep. Current Opinion In Neurobiology, [s.l.], v. 44, p.139-143, jun. 2017. Disponı́vel em: (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28500870)https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28500870 (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28500870). Acesso em: 07 fev. 2020. COMO SE FOSSE a primeira vez. Produção de Peter Segal. EUA: Sony, 2004. (95 min), son., color. BARRETO, J. E. F.; SILVA, L. P. Sistema lı́mbico e as emoções: uma revisão anatômica. Revista Neurociências, Fortaleza, CE, v. 3, n. 18, p.386-394, jan. 2010. Disponı́vel em: (http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2010/RN1803/426%20revisao.pdf)http://www.revistane urociencias.com.br/edicoes/2010/RN1803/426%20revisao.pdf (http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2010/RN1803/426%20revisao.pdf). 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