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Criminalidade | Introdução www.cenes.com.br | 1 DISCIPLINA CRIMINOLOGIA CONTEÚDO Teorias Etiológicas e Sociológicas da Criminalidade Criminalidade | Introdução www.cenes.com.br | 2 A Faculdade Focus se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). A instituição, nem os autores, assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). 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A origem da palavra criminologia vem do latim “crimino” (crime) e do grego “logos”, (estudo/tratado), ou seja, do ponto de vista etimológico, criminologia significa “estudo do crime”. Dentre os vários pensamentos críticos que surgiram a época e, posteriormente culminaram nas escolas criminológicas, merecem destaque as teorias antropológicas e sociológicas a respeito do estudo da criminológico, foram através desses estudos que se formaram os objetos da criminologia. Inicialmente, através da antropologia criminal de Lombroso além do crime em si a criminologia passou a estudar também o criminoso, assim como suas características biológicas e psicológicas. Em um segundo momento, já na década de 50 o comportamento da vítima e os mecanismos de reação social também se tornaram relevantes para o estudo, trazendo à tona as teorias sociológicas da criminalidade. 3 Etiologia criminal ou criminogênese Embora possua uma vertente atual, o estudo da criminogênese surge no fim da Idade Média, início da Idade Moderna. De acordo com Sérgio Salomão (2020, p. 96) neste período o estudo da criminogênese ou etiologia criminal consistia no “exame dos fatores que podiam influenciar a conduta delinquencial; as forças físicas e cósmicas foram estudadas, muitas vezes apresentando uma formulação aparentemente científica”. Contudo, atualmente, o estudo da criminogênese pode ser definido como um desdobramento da criminologia que concentra sua atenção nos mecanismos de natureza biológica, psicológica e social, com o intuito de desvendar os motivos que levaram o indivíduo a praticar determinado ato criminoso. Para tanto, a criminogênese se vale da interdisciplinaridade, analisando os fatores de natureza sociológica, econômica, filosófica, política, médica e psicológica. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 5 Desta forma, considerando que os estudos da criminogênese analisam quais motivos levam um indivíduo a seguir o caminho do crime, esses estudos podem ser classificados de duas formas, a microcriminalidade que estuda os fatores pessoais, analisando o indivíduo e a macrocriminalidade que analisa os fatores sociais. Figura 1 – Análise sobre a micro e macrocriminalidade. Fonte: Núcleo Editorial Focus. Assim, despontam no estudo da criminogênese diversas teorias determinadas pela estrutura física e mental do indivíduo, chamadas de antropologia criminal. Em contrapartida, outras teorias valorizam a análise dos conflitos de adaptação do sujeito e as suas relações com os diversos grupos a que pertencem, atribuindo a responsabilidade da formação do caráter antissocial do indivíduoàs relações familiares conturbadas nos primeiros anos de vida, sendo essa linha teórica, a psicologia criminal. Por fim, existem também autores que relacionam a criminogênese à ação da sociedade sobre o sujeito, ou seja, a sociologia criminal. 3.1 Antropologia criminal A abordagem criminológica da antropologia, também chamada de biologia criminal, é o estudo do homem e da natureza humana, baseando-se na suposição de que os Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 6 criminosos apresentam características, físicas próprias que predispõem ao crime, tendo como principal nome o famoso criminólogo, Cesare Lombroso. Isto é, a antropologia criminal estuda o indivíduo em si, desde as suas características físicas até o psicológico. Essa corrente defende que o indivíduo é o único responsável pela conduta criminosa, dado que devido as suas características já está predestinado a esse comportamento. No entanto, embora seja extremamente relevante para o estudo da criminologia, atualmente essa linha teórica é a mais fraca dentre as outras – psicologia criminal e sociologia criminal –, pois, não consideramos possível determinar se um indivíduo cometerá crimes ou não, apenas com base em suas características. Cesare Lombroso foi um dos membros da escola positivista que analisou milhares de cadáveres de criminosos, pontuando e destacando suas principais características físicas e mentais, com o intuito de traçar o perfil dos delinquentes. Baseado em um conjunto de características físicas, Lombroso acreditava ser possível determinar o perfil do delinquente, pessoas que ostentassem, entre outras características, o crânio assimétrico, fronte fugida, rosto lago e chato teriam grandes chances de se tornarem criminosos ao longo da vida. 3.1.1 Cesare Lombroso e as teorias biológicas O psiquiatra Cesare Lombroso é um dos principais nomes e precursor no estudo da criminologia, autor da obra “O homem delinquente”, dedicou sua vida ao estudo da antropologia criminal, ao tentar descobrir fatores físicos e psicológicos nos indivíduos, que pudessem identificar com antecedência se aquele cidadão no futuro seria ou não um criminoso. Movido pelas ideias evolucionistas desenvolvidas na segunda metade do século XIX que tentavam explicar “por que algumas cometem crimes e outras não?”. Nas palavras de Juarez Cirino (2019, p. 55) “Cesare Lombroso elaborou uma teoria biológica (e, sob outras formas, ainda persistente) do comportamento criminoso, cuja ideia central aparece em todas as formulações posteriores do positivismo biológico: a noção do criminoso nato”. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 7 Assim, através das teorias do criminoso nato e do positivismo antropológico, Lombroso tenta localizar e identificar o fator diferencial em alguma parte do corpo ou no funcionamento do sistema e subsistema do ser humano, estabelecendo um padrão para determinado tipo de criminoso, de modo que a conduta delitiva pode ser entendida como uma espécie de consequência patológica. Na execução de suas pesquisas, o criminólogo utilizou o método comparativo, aplicado em diversos cadáveres de presos e soldados, com o intuito de verificar se os indivíduos portavam alguma peculiaridade física ou psicológica e comparou o resultado das pesquisas com os dados estatísticos da criminalidade. De acordo com Nestor Sampaio (2020, p. 34), Lombroso analisou diversas características como, [...] estrutura torácica, estatura, peso, tipo de cabelo, comprimento de mãos e pernas foram analisados com detalhes. Lombroso também buscou informes em dezenas de parâmetros fenológicos, decorrentes de exames de crânios, traçando um viés científico para a teoria do criminoso nato (SAMPAIO, 2020, p. 34). Assim, depois de realizar muitas pesquisas, Lombroso constatou que o tamanho da mandíbula, conformação cerebral, estrutura óssea da face e arcos superciliares pronunciados, orelhas grandes e deformadas, molares protuberantes, estrutura corporal grande e dissimétrica, eram algumas das hereditariedades biológicas que, geralmente, estavam presentes nos criminosos. Isto é, o criminólogo defendia que o delinquente é geneticamente predestinado ao crime, simplesmente por razões congénitas. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 8 Figura 2 – Crânio de Giuseppe Villella, criminoso conhecido como “Calabreso” Fonte: Foto Goffi Roberto, Museo di Antropologia Criminale “Cesare Lombroso”. Além disso, outro fator considerado nos estudos de Lombroso eram as tatuagens, pois, ainda que não ostentem um caráter hereditário e biológico, sendo adquiridas posteriormente pelo indivíduo, são consideradas um marco revelador de criminalidade, dado que, segundo ele as pessoas tatuadas eram insensíveis à dor e, consequentemente cínicas, vaidosas, sem senso moral, preguiçosas e com caráter impulsivo, com tendência ao crime. Desta forma, dizemos que os estudos realizados por Lombroso assumiram na época um papel importante no que diz respeito a interdisciplinaridade da criminologia, na medida em que retirava conceitos da psicologia, psiquiatria, examinando o comportamento mental das pessoas e da antropologia, para evidenciar a definição de atavismo ao invés de evolução. Tudo isso em prol de firmar o conceito de criminoso nato. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 9 De acordo com Lombroso, o criminoso não é totalmente vítima das circunstâncias sociais e educacionais desfavoráveis, visto que ele possui uma tendência física e hereditária para o mal, concluindo que a delinquência é uma espécie de doença genética. O criminologista acreditava que o crime pode ser definido como um produto de fixação atávica, pois, o comportamento antissocial é uma espécie de regressão do homem ao estado selvagem, devido as degenerações biológicas do sujeito. No mais, conforme destaca Nestor Sampaio (2020, p. 34) para Lombroso “não havia delito que não deitasse raiz em múltiplas causas, incluindo-se aí variáveis ambientais e sociais, por exemplo, o clima, o abuso de álcool, a educação, o trabalho etc”. Assim, o estudioso comenta que, não apenas os traços físicos e biológicos, levam o ser humano ao crime, outras causas também podem levar a delinquência e essas podem mascarar ou anular a aptidão perversa de certos indivíduos. Os fatores externos são muito variados, podendo o indivíduo ser influenciado pelo clima, pela cultura, densidade demográfica, alcoolismo, insuficiência econômica, religião, entre outros. Por outro lado, com relação as crianças, Lombroso explica que, a irritação daquelas consideradas “normais” se dá quando experimentam uma dor ou quando se tem a Conforme definição apresentada no dicionário Aulete Digital, ATAVISMO é o “reaparecimento, no ser animal ou vegetal, de caracteres genéticos (características naturais, físicas, psicológicas, intelectuais, comportamentais etc.) não presentes em seus ascendentes imediatos, mas sim em ascendentes remotos, e que haviam ficado latente ao longo de gerações”. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 10 necessidade de dormir, por exemplo. Contudo, no caso daquelas classificadas como futuras delinquentes, a causa da sua cólera é determinada sobre dois sentimentos dominantes, a obstinação e a impulsividade, demonstrando uma expressão aguda de capricho, ciúme e vingança. Ademais, como uma de suas últimas contribuições a criminologia, Lombroso apresentou uma análise sobre as anomalias do cérebro, sendo esse outro fator de identificação do criminoso. No estudo o criminologista defende que uma ou mais comunicações cerebrais não impedem o cérebro de ser inteligente, mas se forem afetadas partes importantes, o desenvolvimento defeituoso poderádesencadear a opção criminológica. Desta forma, conforme falamos anteriormente, sem deixar de frisar a importância da biologia criminal nos tempos modernos e, ressaltando sua extrema importância para o estudo da criminologia, atualmente essa linha teórica é a mais fraca dentre as outras – psicologia criminal e sociologia criminal –, pois, ainda que contribua de forma indireta com a conduta do homem e seja responsável pela forma de interação das pessoas umas com as outras, não é possível determinar se um indivíduo cometerá crimes ou não, apenas com base em suas características. 3.1.2 Críticas ao pensamento de Lombroso Por motivos óbvios, as teorias desenvolvidas por Lombroso não são aplicadas atualmente, servindo apenas para o desenvolvimento teórico da criminologia. Assim, Atualmente, embora as teorias a respeito do determinismo e da antropologia criminal realizadas por Lombroso, encontram-se superadas, é válido destacar que, alguns cientistas norte-americanos, através da neurociência, tentam explicar como o cérebro humano reage momentos antes do indivíduo praticar um crime, de modo que o livre arbítrio é manifestado apenas através dos pensamentos íntimos o indivíduo. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 11 alguns doutrinadores e criminólogos, ao longo da história, criticaram as diversas teorias elaboradas por Lombroso. Nas palavras de Eduardo Viana (2018) embora tenha contribuído significativamente para o estudo da criminologia, o precursor do estudo da antropologia criminal cometeu diversos erros na valoração estatística, especialmente quanto o tratamento de dados, haja vista o precário desenvolvimento estatístico utilizado a época. Assim, mesmo que de forma involuntária, os dados apresentados nas pesquisas são interpretados de maneira equivocada e, isso certamente foi um fator determinante para as muitas das diversas críticas que recebeu. Conforme destaca Roberto Lyra Filho (1972, apud PENTEADO FILHO, 2020, p. 157) “é visível o insucesso das correntes puramente biológicas ou psicológicas, da mesma forma que o neossociologismo da aberração (deviant behavior), devendo o criminólogo se ocupar também da gênese das normas éticas e jurídicas”. Na visão de Roberto Lyra, diante de um crime bárbaro, geralmente, as autoridades se dirigem primeiro aos lugares em que pousam os humildes, pois, antes de todos, são eles taxados como suspeitos. Durante a realização de suas pesquisas sociológicas a respeito da criminalidade, Lyra obteve resultados que indicaram que a delinquência é punida nas classes menos favorecidas. Esse entendimento é trabalhado na criminologia crítica ou dialética, que, através da estigmatização da população marginalizada, transforma como alvo preferencial do sistema penal a classe trabalhadora. Lombroso acreditava que o Direito Penal deveria ser julgado com base no autor, o que, atualmente, é inadmissível. Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 12 Ainda, é válido destacar o posicionamento adotado pelo jurista alemão Winfried Hassemer, que criticou a ideia central utilizada por Lombroso em sua obra “O Homem Delinquente”, alegando que o erudito pesquisador italiano errou ao acreditar que as anomalias corporais, devido a condições sociais propícias, fariam daqueles cidadãos criminosos ou delinquentes. Além disso, Hassemer reprova totalmente a ideia proposta por Lombroso de criar um direito penal que poderia punir antecipadamente uma pessoa por força de suas condições físicas antes dela praticar qualquer conduta desviante. A observação pelo magistrado é justamente a máxima empregada no direito penal atualmente, de modo que não se pode punir a pessoa pelo que ela é, e sim pelo ato ilícito praticado. 3.2 Psicologia Criminal A psicologia criminal, como uma vertente etiológica da criminologia estuda a personalidade e o comportamento do indivíduo, especialmente no que diz respeito ao impacto que a família tem no comportamento criminal do sujeito. Neste sentido, Eliane Dalla Coletta et al. (2018, p. 26) afirma que, A psicologia criminal hoje estuda a personalidade e os transtornos que levam a uma perturbação grave no comportamento. Os transtornos que evidenciam uma ausência de controle emocional com falta de sensibilidade para o sofrimento alheio e/ou falta extrema de remorso ou culpa podem levar a um comportamento delituoso (COLETTA et al., 2018, p. 26). Ainda, Nestor Sampaio (2020, p. 221) complementa dizendo que “a psicologia criminal Criminalidade | Etiologia criminal ou criminogênese www.cenes.com.br | 13 tem por objeto de estudo a personalidade “normal” e os fatores que possam influenciá-la, quer sejam de índole biológica, mesológica (meio ambiente) ou social”. Isto é, o papel da psicologia criminal é extremamente importante para o estudo da criminologia, pois, é através do intercâmbio de informações com essa disciplina que podemos identificar os fatores que levaram o indivíduo a cometer determinados crimes, bem como seus padrões de comportamento. 3.3 Sociologia Criminal De acordo com Nestor Sampaio (2020, p. 78) “a sociologia criminal, em seu início e postulados, confundiu-se com certos preceitos da antropologia criminal, uma vez que buscava a gênese delituosa nos fatores biológicos, em certas anomalias cranianas, na “disjunção evolutiva”. Os autores que defendiam essa perspectiva acreditavam que o comportamento delinquente do indivíduo é fruto da sociedade, seja pelo ambiente a que é exposto ou pela forma que é tratado pelas pessoas do seu convívio. Um grande nome dessa corrente foi Enrico Ferri, autor da obra “Sociologia Criminal” o criminalista defendia a ideia do determinismo social, apontando elementos antropológicos como causas determinantes do comportamento criminoso. O autor acreditava que o comportamento delinquente é um produto da sociedade que, sem ela, não existiria. Além disso, Ferri apoiava a tese de negativa do livre-arbítrio que, na visão de Natacha Alves (2020, p. 75) “não se admite crime como um produto da liberdade de escolha do delinquente, mas como um fenômeno social, determinado por causas naturais, afastando-se a responsabilidade moral do criminoso por sua conduta”. Outro pensador extremamente relevante para esse período foi o filósofo Augusto Comte que, de acordo com Natacha Alves (2020, p. 27) define o crime como sendo um “fenômeno social e busca explicar e justificar a maneira como os fatores do meio ambiente social (fatores exógenos) atuam sobre a conduta individual, conduzindo o homem à prática delitiva”. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 14 4 Teorias sociológicas da criminalidade O surgimento das teorias sociológicas aliada a forma como os sociólogos encaram a composição da sociedade, o estudo da criminalidade se dividiu em duas vertentes, a consensual e a conflitual. Essas duas teorias macrossociológicas – de consenso e conflito – analisam o conflito não só pela ótica do indivíduo, mas sim pelo viés da sociedade como um todo. Figura 3 – Teorias macrossociológicas Fonte: Núcleo Editorial Focus Neste sentido, Sérgio Salomão (2020, p. 162) afirma que, as teorias macrossociológicas têm por objetivo examinar as diferentes visões justificadoras do delito, explicativas ou críticas, não tendo por escopo examinar a interação entre indivíduos e pequenos grupos, mas sim fazer uma abordagem da sociedade como um todo, do seu complexo sistema de funcionamento, de seus conflitos e crises, de modo a obter, mediante o estudo do fenômeno delituoso, as diferentes respostas explicativas da criminalidade (SHECAIRA, 2020, p. 162). 4.1 Teoria consensual As teorias consensuais só atingem sua finalidade, quando todas as instituições presentes na sociedade estão em perfeitofuncionamento, de forma que os indivíduos compartilhem seus objetivos comuns a todos, aceitando as regras e cumprindo as ordens vigentes. Neste sentido, dispõe Sérgio Salomão (2020, p. 163) que pela ótica da teoria consensual a “finalidade da sociedade é atingida quando há um perfeito Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 15 funcionamento das suas instituições de forma que os indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos, aceitando as regras vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes. Figura 4 – Elementos da teoria consensual. Fonte: Adaptação de Nestor Sampaio Penteado Filho, 2020. Assim, podemos citar como exemplos da teoria consensual, as teorias da escola de Chicago, da associação diferencial e os white collar crimes, da subcultura delinquente e, por fim, a da anomia. Na sequência, trabalharemos melhor cada uma dessas possibilidades. Teoria consensual Escola de Chicago Teoria ecológica Teoria da associação diferencial White collar crimes Teoria da subcultura delinquente Teoria da anomia Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 16 4.1.1 Escola de Chicago Além das contribuições no desenvolvimento tecnológico e na economia, a Revolução Industrial desempenhou um papel fundamental na expansão do mercado americano, facilitando o desenvolvimento de muitas cidades promissoras. Não foi diferente com a cidade de Chicago, localizada as margens do lago Michigan em Illinois, atualmente é uma das maiores cidades dos EUA, mas em 1840 não passada de um pequeno município com 4.470 habitantes. No entanto, outro fator que foi essencial para o desenvolvimento da cidade americana foi a construção da Universidade de Chicago em 1890, atraindo um número maior de estudantes a cada ano. Assim, com o crescimento significativo do centro urbano, há uma aproximação entre as elites e a classe baixa, ocorre o chamado movimento circular centrífugo, que é a expansão do centro da cidade para os bairros e periferias. À primeira vista, o crescimento do centro urbano parece trazer apenas aspectos positivos, no entanto é isso que ocorre na prática. Devido a expansão desordenada revela graves problemas sociais, trabalhistas, familiares e culturais. Conforme destaca Sérgio Salomão (2020, p. 172) “a inexistência de mecanismos de controle social e cultural permite o surgimento de um meio social desorganizado e criminógeno que se distribui diferenciadamente pela cidade”. Assim, movidos pelos recentes problemas sociais, os acadêmicos da Universidade de Chicago, mais especificamente os alunos William Thomas, Robert Park e Ernest Burgess, Clifford Shaw e Henry Mckay, integrantes do Departamento de Sociologia, iniciaram diversas pesquisas examinando a sociedade como um todo, desde o comportamento dos grupos sociais até a opinião pública, para fins como a política criminal. Nas palavras de Eduardo Viana (2018, p. 214) Dentro da perspectiva da Escola de Chicago, a compreensão do crime sistematiza-se a partir da observação de que a gênese delitiva relacionava-se diretamente com o conglomerado urbano que, muitas vezes, estruturava-se de modo desordenado e radial, o que favorecia a Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 17 decomposição da solidariedade das estruturas sociais. Não por outra razão, seus teóricos desenvolviam uma “sociologia da grande cidade” (VIANA, 2018, p. 214) O trabalho da escola criminológica de Chicago na época, explorou a relação entre a organização do espaço urbano e a criminalidade, ela teve um papel fundamental no estudo da criminalidade urbana, utilizando principalmente os métodos da ecologia humana. Essa teoria, denominada como teoria da ecologia criminal ou da desorganização social, estuda a criminologia com base em métodos sociológicos, de modo que o crime é visto como um fenômeno ligado a uma área natural (ecologia criminal), coincidindo historicamente com a época das grandes migrações e da formação das grandes metrópoles. O termo ecologia criminal, é utilizado na análise da criminologia em áreas determinadas no meio ambiente urbano, sendo responsável pela prática de delitos. Atualmente existem dois conceitos distintos utilizados na compreensão da ecologia criminal da escola de Chicago, a definição de desorganização social, elaborada por Shaw e Mckay, e a identificação de “áreas de delinquência”. A teoria da desorganização social nasce através da análise feita por Shaw e Mckay, na análise da delinquência juvenil e a questão da migração em locais determinados como áreas de delinquência. Conforme destaca Eduardo Viana (2018, p. 218) “o ponto de partida de Shaw e Mckay foi a observação de que o volume de criminalidade nas cidades, a exemplo de Chicago, distribuía-se de modo heterogêneo”. “A razão para a denominação Escola de Chicago, e não ecologia criminal, é dupla: por um lado deriva da explosão urbana na cidade de Chicago; por outro, da criação do primeiro departamento de sociologia do mundo na Universidade de Chicago” (VIANA, 2018, p. 213). Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 18 Em um primeiro momento os sociólogos concluíram que, nas chamadas zonas de transição, onde o fluxo de pessoas é maior devido as conexões com os pontos centrais da cidade, o nível de criminalidade é maior, pois, considerando a mobilidade social, a transferência de valores pró-sociais é menor, logo o controle social é precário. Em contrapartida, quanto mais afastadas do centro urbano são as áreas de moradias, menor é a taxa de criminalidade, vez que a transferência de valores pró-sociais torna- se mais fácil e o controle social se intensifica (VIANA, 2018). No entanto, ao longo da pesquisa, constataram que além da transferência de valores pró-sociais e do controle social, outros fatores influenciavam no índice de criminalidade, como, por exemplo, as taxas de desemprego, a pobreza e a comercialização de substâncias ilícitas. Assim, concluíram que, [...] as causas determinantes da criminalidade precisam estar infundidas em singulares áreas urbanas e nas suas correspondentes estruturas; essas causas não devem ser investigadas – como sugeria a criminologia clássica – nas pessoas ou nas suas particularidades, mas sim, devem existir nos valores, nas normas e nas suas relações que marcam a vida dentro de uma área urbana (VIANA, 2018, p. 218-219). Neste ponto, devemos ressaltar o entendimento de Robert Park, o qual afirmava que a sociologia não estava interessada apenas em fatos, mas sim em como a comunidade reagia e lidava com a situação pós-crime. Essa análise sociológica, denominada como observação de participante, tinha como ponto fundamental a experiência prática, sendo aquela em que o pesquisador interage diretamente com o objeto de estudo. Isto é, no método de observação participante, o pesquisador toma parte do fenômeno, permitindo examiná-lo como ele realmente ocorre, tendo como base a própria experiência. Assim, com o advento da escola de Chicago, a criminologia abandonou o paradigma do positivismo proposto por Cesare Lombroso, deixando de analisar somente a pessoa em si e começou a prestar mais atenção nas influências causadas pelo ambiente social em que os indivíduos eram expostos. Como exemplo da influência dos estudos da escola de Chicago no Brasil, tivemos o chamado mapa de risco de violência na cidade de São Paulo em 2005, utilizando métodos para identificar os polos de desorganização com altos índices de criminalidade. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 19 4.1.2 Teoria da associação diferencial e os white collar crimes A teoria da associação diferencial foi elaborada pelo sociólogo americano Edwin Sutherland, influenciado pelasideias do filósofo Gabriel de Tarde. O primeiro contato que Sutherland teve com a criminologia foi em 1906 na universidade de Chicago, sendo por ela influenciado. De acordo com Nestor Sampaio (2020, p. 84), o sociólogo defende que “o comportamento do criminoso é aprendido, nunca herdado, criado ou desenvolvido pelo sujeito ativo. Sutherland não propõe a associação entre criminosos e não criminosos, mas sim entre definições favoráveis ou desfavoráveis ao delito”. Assim, a teoria da associação diferencial tende a aprender alguns tipos de comportamentos desviantes, por um aspecto diferente daquele que estávamos acostumados. Através de seus estudos Sutherland identifica que os criminosos diferenciais se distinguem dos outros na medida em que possuem um conhecimento especializado e habilidades em determinadas áreas. Isto é, a delinquência não pode ser atribuída somente às pessoas pobres ou com dificuldades sociais, ao passo que a criminalidade pode estar presente no cotidiano de pessoas uma vida financeira estável (classe média a alta). Portanto não se pode dizer que alguém nasce criminoso, mas que sua delinquência é resultado de uma socialização indevida. Posteriormente, no final dos anos 30, Sutherland apresenta a expressão “white collar crimes”, onde ele passa a identificar crimes diferenciados, analisando justamente os “crimes de colarinho branco”, para identificar os sonegadores, corruptos e empresários com perfil criminológico, que possuem um tratamento diferenciado diante da prática de seus crimes. Para Sutherland, o crime de colarinho branco é aquele que é cometido em razão da sua profissão por uma pessoa de elevada posição social. “[...] a associação diferencial desperta as leis de imitação, porque, ao contrário do que suponha Lombroso, ninguém nasce criminoso, mas a criminalidade é consequência de uma socialização incorreta” (PENTEADO FILHO, 2020, p. 84). Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 20 No entanto, de acordo com Sutherland existem três motivos básicos para que o Estado trate essas pessoas de forma diferente: • Os sujeitos diferenciados que praticam esse tipo de crime, como, por exemplo os “white collar crimes”, não podem ser confundidos com os criminosos comuns, pois, ocupam posições do alto escalão, causando medo e admiração na sociedade e no próprio estado; • Embora causem danos extremamente relevantes as vítimas, a resposta a essas condutas desviantes, são, em regra, não penais, mas sim administrativas. Nesses crimes as penas não são altas, admitindo penas substitutivas as de prisão, tudo com base na ideia de desnecessidade de ressocialização de tais pessoas, por não serem elas dessocializados; • Outra situação que esses débitos são analisados de forma diferente, dado que não causam um impacto direto na sociedade, sendo de efeitos difusos (não é sentido diretamente, o impacto do crime). 4.1.3 Teoria da subcultura delinquente Considerando que, a cultura em uma sociedade é o que permite a formação de uma pessoa, a teoria da subcultura delinquente parte da ideia de que a formação cultural de cada um tem extrema importância na forma de ser, de modo que, inevitavelmente a diferença cultural existente na sociedade possa ser, inevitavelmente, causa de conflitos. Teoria da associação diferencial White collar crimes Praticado por pessoas de elevada classe social Geralmente o crime é praticado em razão da função do sujeito Graves violações de confiança Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 21 Em uma sociedade de forma pacífica ou conflitiva, a análise das subculturas afirma que em algumas hipóteses, especialmente com relação as camadas menos favorecidas da sociedade, as subculturas podem ter uma reação contra a cultura dominante, desejando que a cultura, taxada como inferior dessa área, prevaleça e domine. Essa camada menos favorecida, pode querer agredir a cultura dominante, principalmente se submeter essa região à miséria, não permitindo a ascensão social dos moradores desse território. De acordo com Natacha Alves (2020, p. 114), a teoria da subcultura surge em 1955 com a publicação da obra “Delinquent Boys”, do sociólogo norte americano Albert K. Cohen, o qual indica a “existência, paralelamente à cultura predominante na sociedade, de subculturas que retratam os sentimentos e valores de determinado subgrupo social, das quais a conduta delitiva seria produto”. Assim, o sociólogo Alberto Cohen foi quem tratou mais profundamente a questão das subculturas e a defendeu como explicação para o fenômeno criminal. Os indivíduos das subculturas, querendo prevalecer sobre a cultura “oficial” do Estado, praticam um ato reprovável, que em sua opinião estão agindo dentro de uma pauta valorativa, movidos pelo intuito de ajudar seus próximos, obter elogios, respeitabilidade e confiança daqueles que aceitam a mesma subcultura como verdadeira, gerando então a criminalidade. Neste aspecto, é válido destacar a opinião de Natacha Alves (2020, p. 115) no sentido de que “diversamente da teoria ecológica, para a qual o crime seria produto da desorganização social ou da ausência de valores, para a teoria em estudo a conduta criminosa seria reflexo de um sistema de normas e valores, o subcultural”. Além disso, conforme evidência Nestor Sampaio (2020, p. 89) “três ideias básicas sustentam a subcultura: 1) o caráter pluralista e atomizado da ordem social; 2) a cobertura normativa da conduta desviada; 3) as semelhanças estruturais, na gênese, dos comportamentos regulares e irregulares”. Isto é, essa questão se torna evidente na maioria das comunidades, quando, por exemplo, na prática do crime de tráfico de drogas, a subcultura do delinquente é Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 22 aceita pelos demais moradores, diante das boas ações dos criminosos em prol da comunidade, seja com relação as pessoas ou com a infraestrutura do local, especialmente quando o Estado se torna ineficiente e omisso na região. Desta forma, dizemos que o contexto da subcultura surge quando as minorias que vivem à margem da sociedade se unem e desenvolvem determinados padrões de comportamento e de valores, em prol da sobrevivência de todos, favorecendo, muitas vezes, ainda que de forma involuntária a subcultura delinquente. 4.1.4 Teoria da anomia A teoria criminológica do sociólogo Émile Durkheim, denominada funcionalista, aprovou que a realidade social pode ser analisada independente do indivíduo, levando em conta as funções da sociedade e as normas que a regem. Durkheim escreveu sobre o vazio normativo, ou seja, na anomia nem sempre existem regras sociais. É a partir desta perspectiva surge o termo “anomia”, originário do grego (a - ausência de normas + nomos - lei), que significa ausência de lei/normas. Assim, de acordo com Durkheim, para que a sociedade chegue ao ponto de felicidade é necessário a observância de algumas regras comuns (lei), contudo, diante de uma sociedade injusta e desigual, nem todos conseguem cumprir as referidas ordens, ao passo que, sem o auxílio de facilitadores, para que seja alcançado todos os objetivos ou cumpridas todas as regras, os indivíduos de cultura inferior tendem a criar lacunas, sendo elas, muitas vezes, condutas desviantes. Desta forma, o agente não utiliza das regras adotadas no meio social, constituindo suas próprias normas, agindo de modo autônomo e praticando ações que julga como correto, independentemente do ponto de vista social. Neste sentido, é válido destacar o entendimento de Sérgio Salomão (2020, p. 251) que, de acordo com Durkheim não é o crime um fato necessariamente nocivo, uma vez que pode ter inúmeros aspectos favoráveis à estabilidade e mudança social, pelo reforço que pode trazer à solidariedade doshomens. O anormal não é a existência do delito, senão um súbito incremento ou decréscimo Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 23 dos números médios ou das taxas de criminalidade. Uma sociedade sem crimes é pouco desenvolvida, monolítica, imóvel e primitiva (SHECAIRA, 2020, p. 251). O sociólogo considera que, passa a existir uma contradição entre os meios e as normas existentes, para se chegar às metas sociais. Por conta disso, o indivíduo é levado a algumas opções como, o suicídio ou a busca do atingimento das metas, atuando sem considerar as normas vigentes. Assim, com o passar do tempo a teoria da anomia ganhou rapidamente um imenso prestígio pessoal, sendo utilizada hoje para inserir, sobre o ponto de vista sociológico, a análise do comportamento existente na sociedade, não se limitando a simples análise dos motivos que conduzem os jovens a criminalidade ou que impulsionam uma pessoa de outra classe social a praticá-lo. Figura 5 – O alcance da felicidade através da teoria da anomia. Fonte: Núcleo Editorial Focus. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 24 Uma variação do pensamento de Durkheim foi desenvolvida por Robert Merton, relacionando a teoria da anomia com a teoria da estrutura. Merton estabelece uma distinção entre “estrutura social” e “estrutura cultural”. A primeira pode ser definida como o conjunto de mecanismos disponíveis, para que sejam atingidas as metas assentadas na estrutura cultural, ao passo que a segunda são as metas em si. Figura 6 – Estrutura social e cultural. Fonte: Núcleo Editorial Focus Nas palavras de Nestor Sampaio (2020, p. 86) “Merton explica que o comportamento desviado pode ser considerado, no plano sociológico, um sintoma de dissociação entre as aspirações socioculturais e os meios desenvolvidos para alcançar tais aspirações”. Assim, considerando o ponto de vista idealista, a estrutura cultural deve corresponder à estrutura social, ou seja, às metas devem ser condizentes aos mecanismos apresentados, pois, a estrutura social é composta tanto por métodos legítimos quanto ilegítimos. À medida que “o fracasso no atingimento das aspirações ou metas culturais em razão da impropriedade dos meios institucionalizados pode levar à anomia, isto é, a manifestações comportamentais em que as normas sociais são ignoradas ou contornadas” (Ibid.., p. 86). Essa variação da teoria da anomia, conclui que o indivíduo tem a certeza que mesmo cumprindo todas as regras não atingirá a meta social. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 25 Desta forma, a questão da teoria da anomia, especialmente com relação aos incrementos realizados por Merton as concepções de Durkheim, é a explicação do fenômeno criminal se deslocando do indivíduo, como era feito nas teorias biológicas, para a estrutura social. Conforme destaca Natacha Alves (2020, p. 111) a teoria da anomia propõe “uma mudança paradigmática, com o deslocamento da perspectiva positivista biopsicológica e caracterológica da delinquência para uma concepção sociológica, despatologizando o delito, de sorte a compreende-lo com a noção da normalidade do desvio como fenômeno social”. Assim, na medida em que os meios sociais legítimos (ex.: trabalho) garantem a possibilidade do sucesso no atingimento das metas a um grupo de pessoas, a estrutura social gera para outros a certeza do fracasso inevitável, forçando-os a atuar em margens ilegítimas para atingir as finalidades sociais, ou seja, a falta de meios institucionalizados para todos os indivíduos aliado ao abandono das regras sociais, são o cenário propicio para o desenvolvimento da chamada anomia. 4.2 Teoria conflitual Diferente da teoria consensual, na teoria do conflito a coesão e a ordem da sociedade são fundadas na força, na coerção e na dominação de alguns sujeitos diante da submissão de outros. Segundo essa teoria, a sociedade só vai dar certo se o Estado tiver força, à medida que ignora quase que completamente a existência de acordos e estabelece o controle mediante o uso da força. 4.2.1 Labelling approach A teoria do labelling approach, também conhecida como teoria da rotulação social, do etiquetamento social, da reação social ou do interacionismo simbólico, nasce em 1960 resultado dos estudos definicionistas de Erving Goffman, Edwin Lemert e Howard Becher, autores da Nova Escola de Chicago. A teoria desloca-se do campo teórico etiológico, onde a culpa do crime é do estado e passa a defender que o comportamento delinquente, nada mais é do que um processo social de interação, com tendencias seletivas e discriminatórias. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 26 De acordo com Sérgio Salomão (2020, p. 309) “as questões centrais do pensamento criminológico, a partir desse momento histórico, deixam de referir-se ao crime e ao criminoso, passando a voltar sua base de reflexão ao sistema de controle social e suas consequências, bem como ao papel exercido pela vítima na relação delitual”. A teoria do labelling approach, se constitui no aprofundamento de alguns dados observados pela criminologia crítica, o que inicialmente já demonstra sua não concordância com o poder punitivo do estado, dado que o enfoque fica voltado mais para as instâncias formais de controle do que para os autores dos delitos. Nesta teoria trabalhamos com a ideia de que não existe uma conduta naturalmente criminosa, mas sim que ela decorre de uma adjetivação, ou seja, a ação criminosa não é uma qualidade inata, mas uma qualidade imposta ao indivíduo. Assim, o resultado dessa atribuição é um processo de etiquetamento, fazendo com que o crime, o criminoso e a própria criminalidade, sejam etiquetados pelo Estado. Neste sentido, é importante destacar que as etiquetas não decorrem de uma casualidade, elas são constituídas sobre a pessoa com base nos aspectos formais e informais do controle social. Assim, os indivíduos, desde a infância, no seu núcleo familiar, escolar ou em qualquer outro ambiente capaz de desenvolver as instâncias informais, são etiquetados pela sociedade. Com o reforço permanente da estigmatização, a pessoa etiquetada acaba assumindo a condição que lhe foi imposta e passa a se comportar como tal. Assim, Natacha Alves (2020, p. 121) complementa dizendo que, através do processo de estigmatização produzido pelo etiquetamento, há a aproximação dos diversos indivíduos rotulados como delinquentes e gera-se a expectativa social de que a conduta desviante torne a ser praticada, fazendo com que o próprio indivíduo assim rotulado também se conceba como tal, perpetuando o comportamento criminoso, de modo a resultar na chamada criminalização secundária (reincidência). Evidencia-se, assim, o caráter criminógeno do cárcere (função reprodutora da prisão). Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 27 Figura 7 – Teoria do etiquetamento e a ressocialização. Fonte: Núcleo Editorial Focus Desta forma, a proposta do Labelling Approach, é uma verdadeira mudança paradigmática no estudo da criminologia, pois, deixamos de investigar a pessoa como um delinquente e passamos a observá-la como um objeto de análise para a verificação das instâncias de controle social. Concluindo que, a teoria busca compreender os processos de criminalização e estigmatização social, através dos diversos comportamentos definidos como crime e da reação social a conduta delinquente. 4.2.2 Teoria crítica A teoria crítica é uma abordagem semelhante à do etiquetamento, dado que o crime passa a ser visto como uma realidade meramente normativa, moldada pelo sistema responsável e pela aplicação das leis penais vigentes. Assim, seguindo uma linha mais analítica, a teoria crítica examina o sentido normativoda conduta criminosa, com o intuito de compreender o fenômeno como um todo. Influenciada em grande parte, pelos escritos de Karl Marx, a criminologia crítica passa a discutir muitas das afirmações e das posições antecedentes, inclusive os seus métodos e bases de fundamentação. Grande defensor do socialismo, Marx acreditava Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 28 que o crime era um produto derivado do modo de produção capitalista, de modo que a sua constituição atende aos interesses da classe social dominante. Conforme destaca Natacha Alves (2020, p. 126) a escola crítica parte da premissa de que a divisão de classes no sistema capitalista gera desigualdades e violência, apresentando a norma penal a finalidade de estabelecer um sistema de controle social e, com isso, assegurar uma estabilidade provisória por meio da contenção de confrontações violentas entre os grupamentos sociais Além disso, outro aspecto trazido pelo estudo da criminologia crítica, diz respeito ao uso equivocado da estatística criminal, com relação as formulações criminológicas desenvolvidas no final do século XIX e da primeira metade do século XX. Assim, considerando que a utilização da estatística, serviu como base para, se não todas, uma grande parte das correntes criminológicas existentes até o momento, ao dizer que os métodos eram totalmente falhos, a criminologia crítica rompe com a estrutura básica utilizada até então, quando deixa de considerar a cifra negra e a cifra dourada e, é justamente por não considerar esses dados que a estatística se tornou um grande furo no estudo da criminologia. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 29 Figura 8 – Cifra negra e cifra dourada. Fonte: Núcleo Editorial Focus Em consonância, Nestor Sampaio (2020) entende que existem três formas de criminalidade: a real, a revelada e a cifra negra. A primeira representa a quantidade real dos crimes praticados na sociedade, já a segunda – a criminalidade revelada – representa os números que efetivamente chegam ao conhecimento das autoridades policiais, ao passo que a terceira representa a porcentagem dos crimes que não são relatados e, consequentemente, não chegam ao conhecimento das autoridades, também estão compreendidos nesse percentual os crimes não elucidados. O autor apresenta ainda a cifra dourada como uma subespécie da cifra negra, já que representa aqueles crimes praticados pela elite, muitas vezes não apurados ou revelados, que possuem penas baixíssimas ou até mesmo nenhuma pena. No mais, é válido destacar o entendimento de um dos grandes nomes da criminologia crítica italiana, Alessandro Baratta (2011) observa que existe uma tendência de manifestação punitiva em privilegiar os interesses das classes dominantes, imunizando-as do processo de criminalização. Esse processo está funcionalmente ligado a existência da acumulação de riquezas, especialmente com relação as formas de desvio típicas das classes secundárias. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 30 A atuação estatal comentada por Alessandro Baratta (2011), ocorre devido a influência de uma classe selecionadora sobre a outra, de modo que a classe dominante manipula as duas primeiras etapas do processo de criminalização. A criminologia crítica, aponta essa concepção de lei, como uma atividade não plenamente neutra, pois, há que se considerar a influência dos legisladores no processo de criação e desenvolvimento das leis, formando assim, um conjunto gerador de penas comprometidas com essa escala valorativa, de maneira que nem tudo que ofende o bem jurídico, é crime, mas prioritariamente as condutas, que geram desconforto para as classes dominantes. Desta forma, de acordo com a criminologia crítica, especialmente na visão de Baratta (2011), é evidente que os integrantes dos órgãos responsáveis pela atuação repressiva e punitiva (força policial e poder legislativo), não agem da mesma maneira com relação a todas as pessoas, sendo complacentes com os membros do meio social que integram e, extremamente positivistas e discriminatórios com as demais classes. Assim, dizemos que a criminologia crítica deixa de estudar apenas o autor do fato e passa a se preocupar mais com as instâncias de controle social, a medida em que há seletividade na criação primária, significando que, não necessariamente algo é crime porque atinge o bem jurídico, mas sim porque é praticado pelas classes menos favorecidas e representa um ato incômodo as classes dominantes. Devido a sua influência, as classes dominantes criam leis favorecendo a si mesmos, atribuindo penas mais brandas aos crimes que eventualmente praticam, como, por exemplo os crimes de colarinho branco. Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 31 4.2.2.1 A cifra oculta da criminalidade Ainda, com relação a cifra negra, também chamada de cifra oculta da criminalidade, o criminólogo Arno Pilgran propõe alguns filtros que impedem a condenação do criminoso na chamada cifra negra, ou seja, com relação aos crimes comuns que não chegam ao conhecimento das autoridades policiais. Um grande defensor dessa teoria no Brasil foi o jurista Luiz Flávio Gomes que, em 2001, chegou até publicar um estudo a respeito da impunidade no Brasil, intitulado como “A impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Esboço de um decálogo dos filtros da impunidade”. O autor relaciona os filtros desenvolvidos por Pilgran com o cenário brasileiro e defende que, com relação a criminalidade de um modo geral, uma das melhores formas de explicar e compreender os fenômenos da cifra oculta, da seletividade e da impunidade do sistema penal é através dos filtros de Pilgran (GOMES, 2001). Assim, podemos classificá-los da seguinte forma: ● Filtro da criminalidade primária: a) Ausência de criminalização b) Criminalização Dúbia, confusa ou lacunosa c) Criminalização excessiva. ● Filtro da notitia criminis: a) Ausência do registro de ocorrência. ● Filtro da abertura da investigação: a) Ausência de instauração de inquérito policial para apuração da materialidade e autoria do delito. ● Filtro da investigação: a) Apresenta as deficiências no processo de apuração da autoria e da materialidade. ● Filtro da abertura do processo: a) Depara com os casos que não são denunciados, pelos seguintes motivos: → A falta de requisitos formais; → Propostas de arquivamento de procedimento feito pelo Ministério Público; Criminalidade | Teorias sociológicas da criminalidade www.cenes.com.br | 32 → As imunidades de parlamentares, do Presidente da República e etc; → Suspensão do processo e do curso prescricional. ● Filtro da comprovação legal e judicial do delito: a) Apresenta as falhas na instrução do processo: → Provas ilícitas; → Provas não jurisdicionalizadas; → Vítimas e testemunhas que tem medo; → Vítimas e testemunhas que desaparecem com o tempo por conta da morosidade da justiça brasileira; → Atraso tecnológico da justiça. ● Filtro da “justiça territorializada versus criminalidade globalizada”; a) A globalização de vários delitos, tais como: narcotráfico, tráfico de mulheres, de crianças, de órgãos humanos, de armas, de animais e a corrupção internacional; b) A internacionalização do criminoso, que se tornou mais poderoso; c) A globalização das vítimas; d) A globalização dos bens jurídicos; e) A falta de cooperação internacional; f) O despreparo tecnológico da justiça criminal. ● Filtro da condenação: a) Demonstra que nem todos os casos processados culminam em condenação. ● Filtro da prescrição; a) A morosidade da justiça que leva à multiplicidade de prescrições. ● Filtro da execução efetiva: a) Demonstra as falhas no sistema com relação à execução da pena.Assim, de acordo com Gomes (2001) a impunidade está relacionada não só com um, mas com diversos fatores, que vão desde a criação legislativa, com a chamada seletividade proposta por Baratta, de modo que determinada conduta é tipificada como crime não porque atinge o bem jurídico, mas sim porque é praticado pelas classes menos favorecidas e representa um ato incômodo as classes dominantes, até a execução da pena abrangendo inclusive as fases investigatória e processual. Criminalidade | A criminologia e o paradigma da reação social www.cenes.com.br | 33 5 A criminologia e o paradigma da reação social A criminologia da reação social ou interacionista e seus desdobramentos através da criminologia crítica e da radical, surgem na década de 60 nos EUA, afastado a percepção positivista do homem e sua disfunção biológica social como fonte causadora de delito, direcionando-se para parâmetros de subjetividade interrelacional, que buscam enfatizar a valorização social de comportamentos e a incidência desses na constituição das regras jurídicas e sociais, bem como as valorações no campo da criminologia. A maneira pela qual ocorre a interação entre o indivíduo e a sociedade é que irá designar o conceito de desvio e comportamento desviante, da mesma forma que, a valoração das pessoas explica o que de fato é a socialização dos indivíduos, frente aos valores que representa, através dos processos de rotulação. Outro elemento que fez grandes contribuições neste sentido foi a escola interacionista, que se subdivide em duas correntes: a interacionista norte-americana e a alemã. De acordo com a visão norte-americana, a lei tornou-se um exemplo da concretude de valores pregados pela criminologia da reação social, de modo que ela divide os homens em dois gêneros distintos, rotulando-os com base nos comportamentos condenados pela sociedade. Assim, a doutrina norte-americana enfatiza a importância da lei frente ao estudo criminológico, sendo considerada fonte original do delito e do delinquente. A teoria da reação social ao trabalhar em seus fundamentos com os paradigmas da teoria do etiquetamento analisa as consequências da automação e, ao buscar autores como Goffman e Becker, as bases de seu desenvolvimento demonstram certa Criminalidade | A criminologia e o paradigma da reação social www.cenes.com.br | 34 insegurança com relação ao objeto ser catalogado como desviante. Desta forma, partindo da hipótese que a lei tipifica certas condutas como criminosas e, que ela não passa de um reflexo do poder em uma sociedade, tem-se que pela própria evolução da sociedade a lei se modifica, alterando, consequentemente, o conceito de delito e de delinquente. Três dos principais efeitos desse processo de rotulação e etiquetamento são: a) Os fatores que levam um indivíduo ao comportamento desviante, não difere dos mesmos que conduzem outros indivíduos ao comportamento não desviante; b) Os indivíduos desviantes são segregados pelos não desviantes; tal segregação faz com que os desviantes também acabem por formar um grupo próprio e passem a estigmatizar os não desviantes; c) Gera a continuação do comportamento desviado naquele que já teve contra si a etiqueta desviante. Dentro dessa reação social, os estudos realizados pelas instituições oficiais recaem sobre o indivíduo assim como os efeitos da situação, modificando o paradigma da escola positivista de que o homem desviante era apenas um produto biológico. Assim, através do entendimento do fenômeno da reação social, o comportamento desviante para a ser entendido como algo que surge da realidade social, preexistente ao próprio indivíduo. Além disso, é justamente neste aspecto – se o entendimento de desvio e desviante formam-se exclusivamente da lei – que surge a diferenciação entre as escolas À medida que a lei tipifica novas condutas como criminosas outras deixam de ser ilícitas, devido a mudança de valores na sociedade. Um exemplo dessa situação é o crime de ato obsceno que, durante os séculos XX e XXI era considerado crime, mas atualmente não é mais punido. Criminalidade | A criminologia e o paradigma da reação social www.cenes.com.br | 35 interacionistas norte-americana e alemã. Figura 9 – Escolas interacionistas norte-americana e alemã. Fonte: Núcleo Editorial Focus. A criminologia da reação social, tanto americana, quanto alemã, trazem um mérito incontestável, no qual o sistema penal existente, nada mais é que uma maneira de dominação social, política ou econômica, fazendo com que a função seletiva do sistema penal gire em torno de interesses específicos, beneficiando apenas os grupos sociais dominantes na sociedade. Criminalidade | A sociedade criminógena www.cenes.com.br | 36 Figura 10 – Ideologia penal e criminologia de reação social. Fonte: Núcleo Editorial Focus. 6 A sociedade criminógena Conceituar a ação humana e definir algo como indesejável ou não, geralmente denota a ideia de um direito distinto daquele positivo que estamos acostumados, ou seja, o direito apresentado, geralmente, é aquele imposto pelo Estado – direito penal e direito processual penal –, fundamentado na ideia de que certo e errado são determinados por um padrão eterno, universal e imutável. Imaginar o direito natural, significa conceber um conjunto de regras não escritas, como expressão da natureza. Um exemplo disso é o senso comum, um conjunto de opiniões e sentimentos impostos pela tradição, que leva os cidadãos a classificar determinadas condutas como irritantes, perigosas e até mesmo criminosas, reconhecendo se o ato é revestido de maldade, se os indivíduos são irrecuperáveis ou se possuem uma personalidade voltada ao crime. Assim, dizemos que a sociedade em sua essência é criminógena, produzindo e reproduzindo cada vez mais crimes e violência, estimulando a desigualdade e a exploração, intensificando diferenças e promovendo condições que levam as pessoas a cometerem infrações. Criminalidade | Sociologia criminal e a desorganização social www.cenes.com.br | 37 Figura 11 – Direito natural e os indivíduos. Fonte: Núcleo Editorial Focus. Considerando a perspectiva de Durkheim, a conduta criminosa é um fato comum, inerente a toda estrutura social. Assim, unindo essa definição as considerações apresentadas pelo direito natural, dizemos que o crime é primordialmente um conjunto complexo de fenômenos sociais, que reflete atos políticos, enraizados em conflitos decorrentes de profundas desigualdades entre grupos sociais e classes opostas. Isto é, sendo clara a evidência desses crimes indissociáveis, com relação a sociedade criminógena em que vivemos atualmente, agenciadores de comércios clandestinos oferecem vantagens econômicas muito superiores às alternativas proporcionadas pelo mercado de trabalho, tendo a juventude como alvo. Desta forma, nas palavras de Mannheim (1985) a sociedade seria comparada a um “caldo de cultura de criminalidade”, razão pela qual temos os criminosos que merecemos e não podemos acusar ninguém, vez que somos todos culpados. 7 Sociologia criminal e a desorganização social Concordando parcialmente com o marco lombrosiano, na segunda etapa do positivismo criminal, houve um desenvolvimento intenso do pensamento de Enrico Ferri, o criminólogo, juntamente com Cesare Lombroso, combateu a ideia de livre- arbítrio nas ações criminosas praticadas pelo indivíduo, apenas difundindo a Criminalidade | Sociologia criminal e a desorganização social www.cenes.com.br | 38 substituição de grande parte do estudo da criminologia, tratado antropologicamente na etapa anterior, sob o ponto de vista sociológico. À medida que Lombroso se preocupou unicamente com a investigação de fatores internos – físicos e psíquicos – do sujeito, que impulsionam o cometimento do crime, Enrico Ferridedicou seus estudos aos aspectos externos, centrados na influência social sobre o indivíduo. No entanto, as pesquisas de Ferri não são puramente sociológicas, ao passo que, para concluir seus estudos, o criminólogo também utiliza alguns elementos individuais, próprios da ecologia criminal e da antropologia criminal de Lombroso. Além disso, sociologia proposta por Ferri, mantém uma postura seletiva e preconceituosa sobre o ponto de vista individual, pois, segundo o autor, a origem negra assim como a latina, seriam fatores de influência na criminalidade, da mesma forma que os níveis sociais mais pobres e a temperatura mais quente, afirmando que moradores dos países africanos e latinos seriam criminosos, atribuindo então tranquilidade para a exploração colonial da Europa sobre esses países. Assim, relembrando as questões ideológicas criminais, igualmente como a deformação biológica faz do crime inexorável na formulação do homem delinquente de Lombroso, para Ferri o que gera essa inexorabilidade é o convívio social, de modo que a punição é empregada para garantir a defesa social. Com o discurso sociológico criminal de Ferri, a pena ganha o status de “salvador da pátria”, pois, deixa de ser considerada apenas um castigo imposto ao delinquente e passa a ser um meio de defesa. É justamente neste contexto que as ideias prevencionistas ganham destaque em detrimento da concepção antiga de punição repressão. O pensamento prevencionista defendido pela teoria sociológica de Ferri, defendia que mesmo antes do sujeito praticar um crime, o Estado, em nome de uma defesa ou de uma teoria, poderia atacar de forma preventiva. Assim, considerando a premissa de que “é melhor prender o delinquente antes dele praticar o crime do que depois”. A crença na antecipação interventiva, mascarada de defesa social, faz com que uma parcela da população fique submetida ao sistema, tendo sua liberdade mitigada, Criminalidade | Cárcere e a marginalidade social www.cenes.com.br | 39 independentemente de ter praticado qualquer ação danosa. Isto é, mais uma vez, a proposta de investigação sobre os fatores de influência no cometimento do crime não serviram apenas para explicação e compreensão do fenômeno, pelo contrário, a proposta permitiu que um grupo populacional fosse controlado por outros. 8 Cárcere e a marginalidade social A criminologia é crítica com relação à prisão, os modernos institutos de custódia têm tornado ilusória toda e qualquer tentativa de reintegração social do condenado. Contudo, antes de falarmos mais especificamente sobre isso, precisamos nos atentar ao termo “ressocialização” que, torna-se equivocado quando empregado para determinar que o criminoso já foi algum dia socializado, o correto, de acordo com o professor Alvino de Sá, seria dizer reintegração social do condenado. Assim, o cárcere privado, ao contrário do que muitos defendem não possui um caráter educativo, na realidade o cárcere só destrói ainda mais a personalidade estigmatizada e perturbada do indivíduo, fato que podemos confirmar através do aumento da taxa de reincidência. As previsões da lei de execução penal, são totalmente ignoradas na prática, pois, devido ao seu custo elevado, são deixadas de lado para que as demais parcelas da população também possam ser atendidas. Portanto, ao sair do estabelecimento prisional o criminoso, terá uma conduta marginalizada pior do que a de quando entrou, por conta disso, a criminologia crítica veementemente a prisão, afirmando que não serve para nada nos moldes atuais. Desta forma, considerando que o cárcere tem a função de reintegrar o indivíduo na sociedade, a prisão assume o papel de reprimir criminosos, já que é preciso transformar uma pessoa que está acostumada a resolver seus conflitos através da violência em um indivíduo relativamente “calmo”. O processo é feito através de um choque de personalidade, com o intuito de reprimir o indivíduo. No entanto, a repressão não é o caminho para transformar delinquentes antissociais e violentos em indivíduos adaptáveis. Com isso, inicia-se o problema de punições internas, denominados de falta grave ou Criminalidade | Cárcere e a marginalidade social www.cenes.com.br | 40 RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), aplicadas aqueles sujeitos que praticam crimes internos. O RDD está previsto no art. 52 da Lei 7.210/84 e, é uma espécie de sansão mais grave imposta ao sujeito que pratica crimes dentro do estabelecimento prisional. É uma medida extrema que garante ao indivíduo apenas 2 horas diárias de banho de sol, ou seja, o restante do tempo (22 horas) o sujeito permanece trancado na cela. A medida terá duração máxima de 360 dias prorrogável por igual período, diante da prática de nova falta grave da mesma espécie, até o limite de um sexto da pena imposta ao sujeito. Assim, embora tenha a função de reprimir um comportamento criminoso dentro do estabelecimento carcerário, punindo de forma mais severa os indivíduos, não é exatamente isso que ocorre. Do ponto de vista da teoria crítica, essa é uma forma de castigo falha, pois, não gera resultados efetivos para a reabilitação do sujeito na sociedade, muito pelo contrário, quando o sistema restringe o contato do preso com outras pessoas, o efeito é inverso, ou seja, ao invés de se tornar mais sociável o indivíduo acaba se retraindo e age de forma individualista. A precariedade do sistema pode ser comprovada por meio da análise da população carcerária brasileira. No ano de 1990, o Brasil possuía ao todo 20.000 presos e no ano de 2018 tem-se quase um milhão de presos, isso se dá pela mudança da política criminal que, ao adotar a ordem de tolerância zero, além de aumentar o número de presos, favorece o aumento do crime organizado dentro das prisões, gerando uma espécie de condição de coação moral irresistível que exclui a culpabilidade. Esse é justamente o papel da criminologia crítica, analisar e apontar as falhas do sistema penitenciário atual. O cárcere engloba tanto a prisão provisória (CDP) quanto a prisão definitiva (presidio penitenciário). Ele tem força para marginalizar criminalmente todas as pessoas. Criminalidade | Cárcere e a marginalidade social www.cenes.com.br | 41 A prisão é o desfecho de uma “novela” trágica que começa na escola, através da estigmatização e da rotulação na sociedade infantil, gerando uma evasão e por consequência a criminalidade que, em um futuro próximo, culmina na prisão e na marginalização do indivíduo, fazendo aumentar a insegurança da sociedade diante de tanta violência, um ciclo constante que confina cada vez mais inocentes. Neste aspecto é importante lembrar que, a tolerância e a indulgência também podem ser empregadas para transformar marginais em pessoas de bem. Desta forma, o cárcere não pode mais ser levado como uma ideia positiva para a sociedade, pois, não cumprem com a sua função primordial que é socializar o indivíduo, inclusive para a criminologia, não chega nem a existir a ressocialização no estabelecimento carcerário. Assim, pregando o contrário das propostas do modelo educativo, a criminologia defende que, por consequência a segregação social o cárcere não contribui para a integração social do sujeito. As prisões não correspondem a sua função por vários motivos, desde a influência política ou até a corrupção no estabelecimento prisional, ou seja, o próprio Estado e sua formação corrupta favorecem o crime organizado em comum acordo. Assim, os estabelecimentos prisionais podem ser caracterizados pela desaculturação do sujeito em face da sociedade, de modo que: ● Ocorre a perda do senso de responsabilidade, ao passo que o indivíduo não precisa buscar o seu sustento, já que o estado oferece o necessário; ● Distanciamento dos valores sociais; ● Aproximação dos valores próprios da subcultura carcerária, ou seja, o indivíduopode adotar tanto um comportamento exemplar para obter alguns benefícios, quanto assumir definitivamente a personalidade de criminoso, compondo a organização da comunidade carcerária, cultuando a violência. Contudo, é necessário admitir que, mesmo com a presença de tantos pontos negativos a prisão se torna um mal necessário, até que se desenvolva uma nova forma de punir o indivíduo. Geralmente, o ato de prender não é no todo errado, mas sim os feitos contra quem está preso, sendo dever do Estado trabalhar com o indivíduo e não com crime organizado. Neste sentido, Alessandro Baratta (2011) afirma que as teses Criminalidade | Conclusão www.cenes.com.br | 42 da criminologia crítica podem fundamentar um programa de política criminal alternativo, que não se confunde com a política penal alternativa. Desta forma, a luta pela democracia seria inseparável da luta pela superação do sistema penal e da defesa do direito penal, impulsionando a democracia através da superação do estigma da subcultura carcerária. Da mesma forma, o impacto social dos egressos desse sistema precário na vida da coletividade é muito grande e pode ser percebido com as reincidências criminais, esse é justamente o principal problema da marginalização de indivíduos pela subcultura do cárcere. Assim, conforme destaca Alexandre Barata (2011) quando o cárcere deixar de produzir apenas a marginalidade, ele será o responsável pela reintegração social dos sujeitos como cidadãos e não como marginais. 9 Conclusão O estudo da criminologia e das diversas teorias que cercam esse tema, sofreram grandes modificações ao longo do tempo, os primeiros estudos se preocupavam unicamente com o indivíduo, analisando desde suas características físicas até as psicológicas, com o intuito de traçar o perfil do criminoso nato. Tendo como principal expoente Cesare Lombroso, a teoria biológica acreditava que a delinquência não passava de uma patologia, uma doença hereditária que estava arraigada no indivíduo. No entanto, embora essencial para a compreensão do estudo criminológico, não demorou muito para que caísse em desuso, visto que, obviamente não é possível determinar se um indivíduo cometerá crimes ou não, apenas com base em suas características. Assim, o indivíduo deixa de ser o foco da questão, abrindo espaço para as questões sociais. Os estudiosos começaram a perceber que os fatores criminológicos não estavam necessariamente ligados ao indivíduo e, que muitas vezes, estavam relacionados com fatores externos, presentes no meio social em que o indivíduo estava inserido (família, escola, amigos, comunidade, ambiente de trabalho, entre outros). Essas questões podem influenciar, inclusive, quando o indivíduo, embora não tenha nenhum Criminalidade | Conclusão www.cenes.com.br | 43 comportamento delinquente, é etiquetado como um, pois, com o reforço permanente da estigmatização, a pessoa etiquetada acaba assumindo a condição que lhe foi imposta e passa a se comportar como tal. Desta forma, o estudo da criminologia atualmente se relaciona, principalmente, com os paradigmas da relação social, analisando o comportamento do indivíduo com perante a sociedade e vice-versa, e com a marginalização social, no que diz respeito a ineficácia do sistema punitivo/ carcerário estatal. Os estabelecimentos prisionais não correspondem a sua função primordial – reintegração do sujeito na sociedade – por diversos motivos, seja por influência política ou até mesmo pela corrupção dentro do sistema prisional, ou seja, o próprio Estado e sua formação corrupta favorecem o crime organizado em comum acordo. Assim, embora seja o único meio existente para punir o sujeito infrator, é extremamente ineficaz, sendo função da criminologia analisar e apontar as falhas existentes no sistema, para que no futuro o sistema punitivo cumpra com seu verdadeiro propósito, reduzindo as taxas de criminalidade. Criminalidade | Referências Bibliográficas www.cenes.com.br | 44 10 Referências Bibliográficas BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 2011. COLETTA, Eliane Dalla [et al.]. Psicologia e criminologia. Porto Alegre: SAGAH, 2018. CRESPO, Aderlan. Curso de criminologia: as relações políticas e jurídicas sobre o crime. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. DE ANDRADE, Vera Regina Pereira. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, v. 16, n. 30, p. 24-36, 1995. GOMES, Luiz Flávio. A impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Esboço de um decálogo dos filtros da impunidade. Revista do Centro de Estudos Judiciários, Brasília, n. 15, p. 36-37, set./dez. 2001. MANNHEIM, Hermann. Criminologia comparada. Lisboa: Gulbenkian, 1985. 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Criminalidade | Referências Bibliográficas www.cenes.com.br | 45 1 Sumário 2 Introdução 3 Etiologia criminal ou criminogênese 3.1 Antropologia criminal 3.1.1 Cesare Lombroso e as teorias biológicas 3.1.2 Críticas ao pensamento de Lombroso 3.2 Psicologia Criminal 3.3 Sociologia Criminal 4 Teorias sociológicas da criminalidade 4.1 Teoria consensual 4.1.1 Escola de Chicago 4.1.2 Teoria da associação diferencial e os white collar crimes 4.1.3 Teoria da subcultura delinquente 4.1.4 Teoria da anomia 4.2 Teoria conflitual 4.2.1 Labelling approach 4.2.2 Teoria crítica 4.2.2.1 A cifra oculta da criminalidade 5 A criminologia e o paradigma da reação social 6 A sociedade criminógena 7 Sociologia criminal e a desorganização social 8 Cárcere e a marginalidade social 9 Conclusão 10 Referências Bibliográficas
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