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Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA SEMINÁRIO IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA Questões 1. Que significa afirmar que uma norma “N” é válida? Diferençar: (i) validade, (ii) vigência; (iii) eficácia jurídica; (iv) eficácia técnica e (v) eficácia social. Ao afirmar que uma norma “N” é válida, podemos dizer que essa foi inserida no ordenamento jurídico em questão por órgão que possui competência para produzi-la, respeitando o procedimento estabelecido para esse fim. Sendo assim, não há que se falar em norma válida ou inválida, mas sim, se a norma “N” pertence a um ordenamento jurídico, qual seja um sistema “S”. É o que nos ensina Carvalho 1 : E ser norma válida quer significar que mantém relação de pertinencialidade com o sistema “S”, ou que nele foi posta por órgão legitimado a produzi-la, mediante procedimento estabelecido para esse fim. É o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma “N” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”. Uma regra, enquanto não ab-rogada por outra, continua pertencente ao sistema e, como tal, reveste-se de validade. Confirmação eloquente desse asserto está na disposição do art. 52, X, do Texto Constitucional vigente. Desse modo, uma norma considerada válida, somente deixará de assim ser, quando for excluída do ordenamento jurídico por estar em descompasso com a Carta Magna, como por exemplo, o que disciplina o art. 52, X da CF/88. No mesmo sentido, nos ensina Kelsen 2 , que a validade de uma norma ocorre quando esta entra em vigor, ou seja, a partir do momento em que é incorporada ao ordenamento jurídico. Assim, basicamente, a partir do momento em que uma norma é introduzida no ordenamento jurídico, não há e não pode haver outro critério ou condição para que ela funcione plena e eficazmente. 2 KELSEN, H. Teoria Geral das Normas. Porto Alegre: Fabris, 1986, p. 97-98. 1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 86. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA Pois a validade de uma norma é – como já observado - sua específica existência. Não a existência de um fato do ser, mas a existência, i.e., a existência de um sentido (ou do conteúdo do sentido), do sentido de um fato, do real ato de estabelecimento. A existência de um sentido constitui uma existência “ideal”, e não “real”. Que uma norma que prescreve certa conduta vale, significa que tal norma existe. Uma norma “entra em validade”, quer dizer: entra em sua específica existência, começa a valer. Uma norma “sai de validade”, quer dizer: sai de existência, cessa de valer.” Quanto a diferença entre validade, vigência, eficácia técnica, eficácia jurídica e eficácia social, faz-se necessário a definição de cada um desses conceitos, como veremos a seguir: (i) Validade: Norma “N” pertencente a um sistema “S”, inserida por Órgão que possua competência para tanto e respeitado o procedimento legal estabelecido para esse fim; (ii) Vigência: A vigência de uma norma pode ser definida como o lapso temporal necessário para que a norma produzida esteja apta a produzir efeitos. Leciona Bastos 3 que “vigência é aquele atributo da lei que lhe confere plena disponibilidade para sua aplicação”. A principal condição para a vigência de uma lei é a publicidade , que se dá pela publicação em diário oficial, pois, para uma lei seja exigível, é imprescindível que tenha sido divulgada, à medida que com a publicidade, há a presunção de que a sociedade foi devidamente informada, não podendo esta, posteriormente, alegar desconhecimento da lei quando a elas for imputado o seu descumprimento. Importante mencionar que a vigência de uma lei não pode ser confundida com a validade. Nos ensina Carvalho 4 que há normas “N” que existem e que, por conseguinte, são válidas no sistema “S”, contudo não dispõem da 4 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 466. 3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 127. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA aptidão da vigência, tendo em vista não possuírem capacidade para desencadear as consequências estipuladas para o mandamento. É o mesmo que dizer que tal norma não é vigente, tendo em vista a impossibilidade de ser invocada para produzir efeitos. Sobre a vigência da norma jurídica, define Carvalho 5 : De quanto se expôs deflui que a norma jurídica se diz vigente quando está apta para qualificar fatos e determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo. Sendo assim, é possível concluir que a vigência pode ser definida como a capacidade de uma norma para alcançar hipóteses previstas, resultando na competência para produzir efeitos jurídicos sobre determinado fato. É o mesmo que dizer que uma norma é capaz de qualificar fatos e determinar os efeitos legais sobre eles, respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico vigente, o espaço e o tempo. (iii) Eficácia técnica: Quanto à eficácia técnica, podemos dizer que é a capacidade que uma norma possui para propagar os seus efeitos no mundo jurídico. Contudo, faz-se necessário entender a diferença que há entre ter a possibilidade de geração desses efeitos e a capacidade efetiva de modificação no mundo do direito positivo. Tal diferenciação é relevante ao passo que não são todas as normas que estão aptas a produzir efeitos aos fatos que descrevem, considerando os possíveis impedimentos a sua efetiva produção de efeitos. Portanto, pode uma norma estar totalmente apta à produção de efeitos pois, além de válida, descreve hipóteses e seus consequentes efeitos, contudo, não ser capaz de produzir efeitos em decorrências de obstáculos ainda não sanados, como a entrada em vigor por exemplo. Dito isso, as normas só passam a ter eficácia, quando, já vigentes, não se depararem com quaisquer obstáculos tendentes a impedir a irradiação de seus 5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 89. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA efeitos. É o que nos ensina Carvalho 6 : Sob a rubrica de eficácia técnica vemos a condição que a regra de direito ostenta, no sentido de descrever acontecimentos que, uma vez ocorridos no plano do real-social, tenham o condão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos de ordem material que impediam tal propagação. Diremos ausente a eficácia técnica de u’a norma (ineficácia técnico-sintática)quando o preceito normativo não puder juridicizar o evento, inibindo-se o desencadeamento de seus efeitos. pela falta de outras regras de igual ou inferior hierarquia, consoante sua escala hierárquica, ou, (b) pelo contrário, na hipótese de existir no ordenamento outra norma inibidora de sua incidência. (iv) Eficácia jurídica: Eficácia jurídica pode ser entendida como a capacidade de que está investido o fato jurídico, combinado com a aptidão para propagar os efeitos constantes na norma. Podemos dizer que uma norma “N” possui eficácia jurídica quando da ocorrência de uma hipótese prevista no seu antecedente, resulta na capacidade de gerar os efeitos previstos no seu consequente. Como exemplo de eficácia jurídica, podemos citar o mecanismo lógico da incidência, haja vista que efetivando-se o fato previsto no antecedente, projetam-se os efeitos prescritos no consequente, também conhecido como causalidade jurídica. É o que prescreve Carvalho 7 , ao disciplinar que a eficácia jurídica não se trata de atributo da norma, mas sim do fato nela previsto: Eficácia jurídica é a propriedade de que está investido o fato jurídico de provocar a irradiação dos efeitos que lhe são próprios, ou seja, a relação de causalidade jurídica, no estilo de Lourival Vilanova. Não seria, portanto, atributo da norma, mas sim do fato nela previsto. Tomamos por eficácia jurídica o próprio mecanismo lógico da incidência, o processo pelo qual, efetivando-se o fato previsto no antecedente, projetam-se os efeitos prescritos no consequente. (v) Eficácia social: Por fim, quanto à eficácia social da norma, podemos dizer que está 7 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 87. 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 87. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA diretamente relacionada ao acatamento (ou não) pela sociedade. Dizemos que uma norma jurídica possui eficácia social quando a aceitação e adimplemento de seus estatutos é observado pela sociedade (seus destinatários). Considerando que norma “N” possui o condão de regular as condutas de indivíduos de uma determinada sociedade, no caso de a referida norma ser desrespeitada e/ou inobservada por essas sociedade, é possível concluir que essa norma não possui o atributo da eficácia social. Tendo em vista que tal regulação de conduta trazida pela norma é incapaz de gerar o resultado esperado, é possível concluir que a norma em questão carece de eficácia social. Conforme doutrina de Carvalho 8 , temos que: A eficácia social ou efetividade, por sua vez, diz respeito aos padrões de acatamento com que a comunidade responde aos mandamentos de uma ordem jurídica historicamente dada. Indicaremos como eficaz aquela norma cuja disciplina foi concretamente seguida pelos destinatários, satisfazendo os anseios e as expectativas do legislador, da mesma forma que inculcaremos de ineficaz aquel’outra cujos preceitos não foram cumpridos pelos sujeitos envolvidos na situação tipificada. Toda vez que a conduta estipulada pela norma for reiteradamente descumprida, frustrar-se-ão as expectativas, inexistindo eficácia social. 2. Descreva o percurso gerador de sentido dos textos jurídicos explicando os planos: (i) dos enunciados tomados no plano da expressão (S1); (ii) dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos (S2); (iii) das significações normativas (S3); (iv) das relações entre normas (S4). Em relação ao percurso gerador de sentido dos textos jurídicos, encontramos na doutrina do Professor Paulo de Barros Carvalho quatro planos, quais sejam: os enunciados tomados no plano da expressão (S1); do conteúdo de significação dos enunciados prescritivos (S2); da significação normativa (S3); e das relações entre as normas (S4). Entendo que o referido método de interpretação, ao percorrer esses quatro planos, partindo primeiramente das estruturas morfológicas e gramaticais do texto legal, permitindo ao operador do direito uma interpretação abrangente e 8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 88. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA complexa da norma, ao ordená-las na forma estrutural das normas e de suas significações enquanto enunciados prescritivos; o do conteúdo das normas jurídicas, como unidades de sentido obtidas mediante grupamento de significações que obedecem a determinado esquema formal; e o das estruturas superiores constituídas por vínculos de coordenação e de subordinação que apresentam o sistema como um todo unitário, permitem uma interpretação ampla, abrangente e assertiva das normas jurídicas. Entende Carvalho 9 : A partir do contato com a literalidade textual, com o plano dos significantes ou com o chamado plano da expressão, como algo objetivado, isto é, posto intersubjetivamente, ali onde estão as estruturas morfológicas e gramaticais, que o intérprete inicia o processo de interpretação, propriamente dito, passando a construir os conteúdos significativos dos vários enunciados ou frases prescritivas para, enfim, ordená-los na forma estrutural de normas jurídicas, articulando essas entidades para constituir um domínio. (i) dos enunciados tomados no plano da expressão (S1); Tratando dos enunciados tomados no plano da expressão, também conhecido como literalidade textual, temos as estruturas morfológicas e gramaticais da norma. Ao realizar essa análise, o intérprete da norma passa a construir uma interpretação baseada em conteúdos de vários enunciados, para posteriormente, ordená-los e estruturados de modo a permitir o início da trajetória da interpretação das normas jurídicas. Para corroborar tal afirmativa, vejamos o que leciona Carvalho 10 : O plano dos significantes (plano de expressão) é o veículo que manifesta, graficamente (no direito escrito), a mensagem expedida pelo autor. Na sua implexa totalidade, constitui o sistema morfológico e gramatical do direito posto, conjunto de frases prescritivas introduzidas por fatos jurídicos que a ordenação positiva para tanto credencia. (ii) dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos (S2); Depois de ter percorrido o caminho do plano da expressão, entramos na seara do conteúdo de significação dos enunciados prescritivos. Após realizado o isolamento da base física do texto (morfológica e gramatical), o intérprete da 10 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 116. 9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 114. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA norma é capaz de atribuir valores unitários aos vários signos encontrados na norma, selecionando suas significações e compondo os segmentos portadores de sentido do texto. Nesse momento,entendo que é possível realizar a interpretação da base material da norma, que lhe dá sustentação física, constituído através do conteúdo de significação constituído a partir da fórmula gráfica do enunciado. Cumpre mencionar que para realizar a interpretação no plano do conteúdo de significação dos enunciados prescritivos, conforme Carvalho 11 , é imprescindível o cumprimento de três requisitos: i) que sejam expressões linguísticas portadoras de sentido; ii) produzidas por órgãos credenciados pelo ordenamento para a sua expedição; e iii) consoante o procedimento específico que a ordem jurídica estipular. Sendo assim, conforme Carvalho 12 , temos que a proposição como expressão verbal de um conteúdo de significação constitui a fórmula gráfica do enunciado, qual seja: Todavia, a porção que nos interessa do enunciado, neste momento, é a proposicional, vale dizer, a substância significativa que se pode adjudicar à base material que lhe dá sustentação física. Proposição, não no sentido da Lógica Clássica, como expressão verbal de um juízo, mas enquanto conteúdo de significação constituído a partir da fórmula gráfica do enunciado. Cumpre mencionar que o conteúdo das significações, por si só, não é suficiente para uma completa compreensão do sentido da norma, sendo necessário uma construção deôntica, por meio da qual o direito regula as condutas intersubjetivas. Sendo assim, é imprescindível que as referidas proposições normativas sejam devidamente estruturadas, passando assim para o plano das significações normativas. (iii) das significações normativas (S3); No campo das significações normativas, após travado o primeiro contato como texto jurídico-positivo, ingressa efetivamente o exegeta no universo dos conteúdos significativos. Cumpre mencionar que a interpretação das significações normativas não são suficientes para interpretação e significação das 12 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 121. 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 122. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA normas, sendo necessário a realização de uma contextualização dos conteúdos obtidos nos planos i e ii do percurso gerador de sentido dos textos jurídicos. Feito isso, podemos afirmar que seja possível a produção de unidades completas de sentido para as mensagens deônticas, resultando assim em uma verdadeira e completa significação das normas.que o conteúdo das significações, por si só, não é suficiente para uma completa compreensão do sentido da norma, sendo necessário uma construção deôntica, por meio da qual o direito regula as condutas intersubjetivas. Sendo assim, é imprescindível que as referidas proposições normativas sejam devidamente estruturadas, passando assim para o plano das significações normativas. (iv) das relações entre normas (S4). Por fim, após percorridos os planos (S1), (S2) e (S3), para arrematar a interpretação abrangente da norma, temos as relações entre as normas como última barreira a ser transposta pelo exegeta, qual seja a (S4), considerado por Carvalho 13 como o estrato mais elevado, tendo em vista a estruturação das normas de forma escalonada, presentes laços de coordenação e de subordinação entre as unidades construídas. Isso posto, é possível verificar de forma clara a importância da compatibilidade da norma criada em detrimento da norma que foi seu fundamento de criação (relação de subordinação), possibilitando assim concluir pela constitucionalidade, inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma. Sendo assim, é possível constatar de igual modo uma relação de coordenação entre a norma criada, e outras demais existentes no ordenamento jurídico que versem sobre o mesmo tema, sendo imprescindível para resolução de um conflito entre normas, a identificação de um patamar hierárquico, de modo que influencie na escolha de uma ao invés de outra. Ante todo o exposto, podemos concluir que ao exegeta, após percorridos os quatro planos delimitados nesta questão – (S1); (S2); (S3); e (S4) –, é possível realizar uma interpretação consolidada, bem construída e 13 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 128. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA fundamentada do real sentido dos textos jurídicos, traduzidos em normas “N” e inseridas em um sistema “S”. 3. Há um sentido correto para os textos jurídicos? Faça uma crítica aos métodos hermenêuticos tradicionais. É possível falar em interpretação teleológica e literal no direito tributário? E em interpretação econômica? Justifique. (Vide anexos I e II). Ensina Paulo de Barros Carvalho 14 que “o direito positivo é um corpo de linguagem, de cunho prescritivo, organizado para disciplinar o comportamento dos seres humanos no convívio social.”. Partindo dessa premissa, faz-se necessário que o exegeta realize a interpretação do texto jurídico tomando por base uma análise sistêmica, considerando não somente a letra da lei, qual seja o sentido literal, contudo, deve se atentar à interpretação histórica, lógica, teleológica e sistêmica. Caso o intérprete se atenha somente aos métodos hermenêuticos, estaremos diante de uma análise precária e insuficiente dos textos jurídicos. Para Carlos Maximiliano 15 , a hermenêutica tem por objeto “o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito”. Dito isso, podemos inferir que o termo hermenêutica, refere-se à ciência da interpretação, enquanto interpretação significaria determinar o sentido e o alcance da norma jurídica. Não há que se negar que a análise hermenêutica das normas jurídicas é relevante, contudo, não poderá o operador do direito, na qualidade de intérprete da norma, se limitar apenas a essa técnica. Como dito no primeiro parágrafo, corroborado por Carvalho, é mister que a interpretação das normas seja primada pela pela interveniência de todos os métodos disponíveis, considerando as aplicações de forma sucessivas. Sendo assim, teço uma crítica quanto a análise hermenêutica tradicional, porque entendo ser insuficiente para a busca do real sentido das 15 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999. 14 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 99. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA normas, tendo em vista nenhuma palavra ou enunciado podem ser compreendidos isoladamente, pressupondo sempre uma contextualização. Isso posto, no momento em que o exegeta percorrer todos esses caminhos, não se limitando ao uso de uma técnica apenas, terá esgotado o estádio declarativo, resultando no ingresso da fase integrativa. Quanto à possibilidade de sefalar em interpretação teleológica e literal no direito tributário, temos que a interpretação literal pode ser definida como aquela que se considera a literalidade do texto legal (letra da lei), permitindo ao leitor o entendimento do que está positivado, dispensando assim a necessidade de interpretação. Contudo, Aurora Tomazini de Carvalho 16 pensa diferente, considerando que por mais clarividente possa parecer o texto de uma lei, o seu sentido somente será descoberto após a aplicação de um processo interpretativo, por mais clara e objetiva a norma possa parecer, cada leitor poderá entender de um jeito, podendo ser óbvio para um e não tão claro para outro. Referente à interpretação teleológica, que tem por objetivo a busca da finalidade da norma, o sentido buscado pelo legislador no momento da criação, entende a referida autora 17 que trata-se de uma justificação e legitimação das significações normativas que foram construídas ao longo do processo hermenêutico, como um mecanismo que permite uma interpretação analítica e profunda na busca do sentido do texto. Sendo assim, entendo ser a interpretação teleológica possível no Direito tributário tendo em vista ser um método de justificação e legitimação das significações normativas construídas no processo hermenêutico. Por fim, quanto à aplicação da interpretação econômica no Direito Tributário, entendo ser plenamente possível, considerando que são duas áreas que estão intimamente ligadas, a do direito e a da economia. Ao realizar essa análise, o intérprete procura observar não somente os efeitos tributários da norma, como também os econômicos, partindo do princípio de que tributo e economia andam de mãos dadas, como o poder de arrecadação do Estado, por 17 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 4ª ed. Editora Noeses. 2014. p. 206. 16 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 4ª ed. Editora Noeses. 2014. p. 39. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA exemplo, que se utiliza das receitas tributárias para o desempenho de suas atividades típicas. Para corroborar essa ideia, cito a doutrina de Machado 18 , ao afirmar que “na relação jurídica tributária há uma relação econômica subjacente, que deve pautar o ‘significado da norma’.”. Ante todo o exposto, entendo ser perfeitamente possível a interpretação literal, teleológica e econômica no ramo do Direito Tributário. Para corroborar tal afirmativa, vejamos alguns trechos do RE 606.107/RS (Anexo I) e REsp 1.325.709/RJ (anexo II), ambos anexos do presente seminário. O STJ fixou entendimento favorável à interpretação teleológica quanto à inconstitucionalidade da incidência da contribuição ao PIS e da COFINS não cumulativas sobre os valores auferidos por empresa exportadora em razão da transferência a terceiros de créditos de ICMS. Entendeu a Suprema Corte na análise do caso concreto, de forma acertada para mim, pela legalidade da interpretação teleológica do instituto da não incidência da contribuição do PIS/COFINS referente aos créditos de ICMS obtidos na aquisição de produtos destinados à exportação, afirmando que tal interpretação empresta-lhe abrangência maior, com escopo de assegurar à norma supralegal máxima efetividade. Por conseguinte, no anexo II, o STJ decidiu pela possibilidade de ampliação da interpretação da norma jurídica, além da literalidade da norma, sob o argumento de que a especificidade exegética do Direito Tributário não deriva apenas das peculiaridades evidentes da matéria jurídica por ele regulada, mas sobretudo da singularidade dos seus princípios, sem cuja perfeita absorção e efetivação, o afazer judicial se confundiria com as atividades administrativas fiscais. 4. A Lei “A” foi promulgada no dia 01/06/12 e publicada no dia 30 de junho desse mesmo mês e ano. A Lei “B” foi promulgada no dia 10/06/12, tendo sido publicada no dia 20 desse mesmo mês e ano. Na hipótese de antinomia entre os dois diplomas normativos, qual deles deve prevalecer? Justificar. 18 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29. ed., p. 112. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA Na análise do caso concreto, considerando que ambas as leis possuam o mesmo grau hierárquico, que regulem inteiramente a mesma matéria e que sejam válidas, em caso de antinomia, entendo que a Lei “A” deverá prevalecer sobre a Lei “B”, considerando que norma posteriormente publicada deverá prevalecer sobre norma anterior, com fulcro no Art. 2º, § 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, combinado com o art. 101 do CTN, quais sejam: Decreto-Lei Nº 4.657/1942 LINDB. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (grifo nosso) Lei nº 5.172/1966 CTN Art. 101. A vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o previsto neste Capítulo. Isso porque a LINDB estabelece regras de prevalência de normas jurídicas em caso de antinomia de primeiro grau. Para tanto, disciplina que deverão ser considerados os seguintes critérios: cronológico, onde norma posterior deverá prevalecer sobre a anterior; da especialidade, ocasião em que norma especial deverá prevalecer sobre a norma geral; e hierárquico, quando norma superior terá prevalência em detrimento de norma inferior. Cumpre mencionar que diante da antinomia entre as duas normas, o fato de a Lei “A” prevalecer sobre a Lei “B” não resulta na exclusão desta do ordenamento jurídico, conforme já debatido no presente seminário, onde se firmou entendimento de que uma norma considerada válida, somente deixará de assim ser, quando for excluída do ordenamento jurídico por estar em descompasso com a Carta Magna, como por exemplo, o que disciplina o art. 52, X da CF/88. 5. Compete ao legislativo a positivação de interpretações? Existe lei puramente interpretativa? Tem aplicabilidade o art. 106, I, do CTN Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA ao dispor que a lei tributária interpretativa se aplica ao fato pretérito? Como confrontar este dispositivo do CTN com o princípio da irretroatividade? (Vide anexos III e IV). Como já debatido anteriormente, cabe ao operador do direito realizar a interpretação da norma, por meio do percurso gerador de sentido dos textos jurídicos e das técnicas hermenêuticas. Entendo que a positivação da interpretação da norma pelo poder legislativo é possível e ocorre no nosso ordenamento jurídico, mesmo não sendo essa sua atividade principal. Em relação às normas puramenteinterpretativas, parafraseando Neto 19 , a lei interpretativa, nada mais é do que um instrumento de redefinição (sem prejuízo dela mesmo ser passível de múltiplas interpretações), que promove a escolha apriorística de um sentido normativo da legislação, vinculando o aplicador, com a característica específica de sua retroatividade no âmbito tributário. Como exemplo, podemos citar a ADI-MC n. 6053/DF (anexo III do presente seminário), no qual aduziu o ministro Celso de Mello que "É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica". Dito isso, entendo pela possibilidade de norma interpretativa, resultando em mais um critério disponível ao exegeta na árdua tarefa de interpretação da norma, assim como as muitas outras já citadas no presente seminário. Em relação à aplicabilidade do art. 106, I, do CTN, ao dispor que a lei tributária interpretativa se aplica ao fato pretérito, faz-se necessário frisar que a referida aplicabilidade não abarca a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados. Entendo que tal exceção se coaduna perfeitamente com o princípio da irretroatividade da lei tributária e da não surpresa, ao garantir 19 NETO, Carlos Augusto Daniel. A Lei nº 14.395/22 e as leis interpretativas: "A Traição das Palavras". Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-20/direto-carf-lei-1439522-leis-interpretativas, acessado em 10/05/2023. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA que o contribuinte consiga prever com antecedência os impostos que deverá pagar e limita o poder de tributar do Estado. Dito isso, no caso em que a retroprojeção normativa da lei interpretativa não resulte em aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados, ou a instituição e/ou oneração de tributos, nada impede que sejam editados atos normativos interpretativos com efeitos retroativos, em respeito ao disposto no art. 150, III da Carta Magna. 6. Dada a seguinte lei fictícia, responder às questões que seguem: Lei ordinária federal n. 10.001, de 10/10/2016 (DO de 01/11/2016) Art. 1º Esta taxa de licenciamento de veículo tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor com registro de domicílio no território nacional. Art. 2º A base de cálculo dessa taxa é o valor venal do veículo. Parágrafo único. A alíquota é de 1%. Art. 3º Contribuinte é o proprietário do veículo. Art. 4º Dá-se a incidência dessa taxa no primeiro dia do quarto mês de cada exercício, devendo o contribuinte que se encontrar na situação descrita pelo art. 1º dessa lei, desde logo, informar até o décimo dia deste mesmo mês, em formulário próprio (FORMGFA043), o valor venal, o tipo, a marca, o ano e a cilindrada do respectivo veículo. Art. 5º A importância devida, a título de taxa, deve ser recolhida até o décimo dia do mês subsequente, sob pena de multa de 10% sobre o valor do tributo devido. Art. 6º Diante da não emissão do formulário (FORMGFA043) na data aprazada, poderá, a autoridade fiscal competente lavrar Auto de Infração e Imposição de Multa, em decorrência da não observância dessa obrigação, Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA impondo multa de 50% sobre o valor do tributo devido. (...) a) Em 01/06/2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em ação direta (com efeito erga omnes), pela inconstitucionalidade desta lei federal. Identificar nas datas abaixo fixadas, segundo os critérios indicados, a situação jurídica da regra que instituiu o tributo, justificando cada uma das situações: Critérios\ datas 11/10/2016 01/11/2016 01/02/2017 01/04/2017 01/07/2019 É válida SIM SIM SIM SIM SIM É vigente NÃO NÃO SIM SIM NÃO Incide NÃO NÃO SIM SIM NÃO Apresenta eficácia jurídica NÃO NÃO SIM SIM NÃO Validade: Considerando esse critério, conforme já debatido no presente, a validade da norma é considerada a partir do momento em que seja inserida no ordenamento jurídico em questão por órgão que possui competência para produzi-la, respeitando o procedimento estabelecido para esse fim. Sendo assim, como a lei foi assinada em 11/10/2016, considerando o critério de validade, entendo que na data de sua assinatura tenha ocorrido a positivação no ordenamento jurídico. Cumpre mencionar que o critério de validade não pode ser Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA confundido com o da vigência. Sendo assim, mesmo diante da declaração de inconstitucionalidade da referida lei pelo STF, com efeitos erga omnes em 01/06/2019, e como no caso concreto não foi apresentada nenhuma informação referente à Resolução do Senado Federal para expurgar a referida lei do ordenamento jurídico, entendo que permanecerá válida desde a data de 11/10/2016 até a data de 01/07/2019. Vigência: De acordo com o que já fora citado no presente, conceituamos que a vigência de uma norma pode ser definida como o lapso temporal necessário para que a norma produzida esteja apta a produzir efeitos. No caso concreto, a referida Lei foi publicada no DO em 01/11/2016. Como se trata de lei que instituiu tributo, em obediência ao princípio da anterioridade (art. 150, III, alíneas b e c da CF/88), entendo que a referida exação só poderá ser exigida pelo ente tributante a partir de 01/02/2017. Considerando o mesmo critério utilizado pela validade da norma, como no caso concreto não foi apresentada nenhuma informação referente à Resolução do Senado Federal para expurgar a referida lei do ordenamento jurídico, entendo que permanecerá vigente desde a data de 01/02/2017 até a data da declaração de inconstitucionalidade pelo STF, qual seja 01/06/2019. Sendo assim, não é possível afirmar que 01/07/2019 a lei continuará vigente, tendo em vista a ausência de aptidão para produção de efeitos. Incidência: No tocante à incidência, utilizando o mesmo critério da vigência, a referida lei incidirá sobre os fatos geradores ocorridos entre 01/02/2017 (considerando o respeito ao princípio da anterioridade) até 01/06/2019 (considerando a declaração de inconstitucionalidade pela Corte Suprema). Eficácia Jurídica: Conforme já conceituado no presente seminário, a eficácia jurídica pode ser resumida como a capacidade de que está investido o fato jurídico, combinado com a aptidão para propagar os efeitos constantes na norma. Na análise do caso concreto, entendo que o critério para que a norma detenha eficácia jurídica será o mesmo utilizado para a incidência, qual seja a ocorrência dos fatos geradores entre 01/02/2017 (considerando o respeito ao Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA princípio da anterioridade) até 01/06/2019 (considerando a declaraçãode inconstitucionalidade pela Corte Suprema). 7. Uma lei inconstitucional (produzida materialmente em desacordo com a Constituição Federal – porém ainda não submetida ao controle de constitucionalidade) é válida? O vício de inconstitucionalidade pode ser sanado por emenda constitucional posterior? (Vide anexo V). Entendo que uma lei inconstitucional (produzida materialmente em desacordo com a Constituição Federal – porém ainda não submetida ao controle de constitucionalidade) é válida. Para ratificar tal afirmação, faz-se necessário a análise de alguns conceitos. Como já dito anteriormente, ao afirmar que uma norma “N” é válida, podemos dizer que essa foi inserida no ordenamento jurídico em questão por órgão que possui competência para produzi-la, respeitando o procedimento estabelecido para esse fim. Sendo assim, não há que se falar em norma válida ou inválida, mas sim, se a norma “N” pertence a um ordenamento jurídico, qual seja um sistema “S”. No caso concreto, temos uma lei que foi produzida em desacordo com os preceitos da Carta Maior. Dito isso, enquanto a referida lei estiver inserida no ordenamento jurídico, mesmo que eivada de inconstitucionalidade material, enquanto não houver a declaração de inconstitucionalidade pela Suprema Corte, entendo ser ela válida. Somente será possível afirmar que a norma não será válida após a declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF, seguido pela Resolução do Senado para determinar a suspensão de sua eficácia técnica e, por conseguinte, para expurgar a referida lei do ordenamento jurídico pelo órgão responsável pela sua promulgação. Quanto a possibilidade de sanar o vício de inconstitucionalidade por emenda constitucional posterior, entendo não ser possível. Isso porque, no nosso Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA ordenamento jurídico, não há que se falar em constitucionalidade superveniente, como muito bem decidido pelo STF no RE n. 346.084/PR (anexo V do presente seminário). Considerando que a lei em questão possui hierarquia inferior a da emenda constitucional, o vício de inconstitucionalidade por ela trazido não poderá ser convalidado por meio de emenda. 8. Leia atentamente abaixo a sucessão de fatos no tempo: FATO 1 – A lei n. 9.528/97, alterando o art. 25 da Lei n. 8.212/91, estabeleceu que: “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea “a” do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada a Seguridade Social, é de: I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para o financiamento das prestações por acidente do trabalho.” FATO 2 – Emenda Constitucional 20/1998 alterou a redação do art. 195, inciso I, da Constituição Federal. REDAÇÃO NOVA: Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; REDAÇÃO ANTERIOR: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II - dos trabalhadores; FATO 3 – O STF, em controle difuso, declarou inconstitucional o art. 25, incisos I e UU, da Lei n. 8.212/91, com as alterações promovidas pela lei n. 9.528/97: (RE 363852, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-071 DIVULGAÇÃO 22-04-2010 PUBLICAÇÃO 23-04-2010): “RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO - VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO - ANÁLISE - CONCLUSÃO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS - PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS - SUB-ROGAÇÃO - LEI Nº 8.212/91 - ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL - PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 - UNICIDADE DE INCIDÊNCIA - EXCEÇÕES - COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PRECEDENTE - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo - considerações.” FATO 4 – A lei 10.256/2001, alterou o caput do artigo 25 da Lei n. 8.212/91: Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:” FATO 5 - O STF reconheceu a constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL): (RE 718874, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 26-09-2017 PUBLIC 27-09-2017 REPUBLICAÇÃO: DJe-225 DIVULG 02-10-2017 PUBLIC 03-10-2017) Ementa: TRIBUTÁRIO. EC 20/98. NOVA REDAÇÃO AO ARTIGO 195, I DA CF. POSSIBILIDADE DE EDIÇÃO DE LEI ORDINÁRIA PARA INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DE EMPREGADORES RURAIS PESSOAS FÍSICAS INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.256/2001. 1.A declaração incidental de inconstitucionalidade no julgamento do RE 596.177 aplica-se, por força do regime de repercussão geral, a todos os casos idênticos para aquela determinada situação, não retirando do ordenamento jurídico, entretanto, o texto legal do artigo 25, que, manteve vigência e eficácia para as demais hipóteses. 2. A Lei 10.256, de 9 de julho de 2001 alterou o artigo 25 da Lei 8.212/91, reintroduziu o empregador rural como sujeito passivo da contribuição, com a alíquota de 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; espécie da base de cálculo receita, autorizada pelo novo texto da EC 20/98. 3. Recursoextraordinário provido, com afirmação de tese segundo a qual É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/01, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção. FATO 6 – Resolução do Senado n. 15/2017: “Art. 1º É suspensa, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e a Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA execução do art. 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação ao art. 12, inciso V, ao art. 25, incisos I e II, e ao art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852.” Considerando as ocorrências acima, responda fundamentadamente: a) Em dezembro de 1999, é possível afirmar que o art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97) é válido, vigente e possui eficácia técnica? Sim. Mantendo a coerência apresentada nas questões anteriores, quanto à validade, vigência e eficácia técnica, entendo que o art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97) em 12/1999 era válido, por ter sido inserido no sistema jurídico órgão que possui competência para produzi-lo, respeitando o procedimento estabelecido para esse fim, vigente por não ter sido expurgado do ordenamento jurídico por Resolução do Senado e detinha eficácia técnica, tendo em vista que o STF, em controle difuso, declarou a inconstitucionalidade do referido artigo em 03/02/2010, tendo sido sido publicado em 23/04/2010. b) A decisão na RE 363.852 é capaz de alcançar a validade, vigência ou a eficácia do art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97)? A decisão no RE 363.852 é capaz de alcançar tanto a vigência quanto a eficácia do art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97). Consideramos que a vigência de uma norma pode ser definida como o lapso temporal necessário para que a norma produzida esteja apta a produzir efeitos. Com a declaração de inconstitucionalidade pelo STF ao referido artigo, não restam dúvidas quanto à inaptidão para produção de efeitos do dispositivo. Sendo assim, não há que se falar em vigência da norma. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA Consideramos que a eficácia jurídica pode ser resumida como a capacidade de que está investido o fato jurídico, combinado com a aptidão para propagar os efeitos constantes na norma. Ao passo que a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade do referido artigo, não resta presente a capacidade de propagação dos efeitos constantes na norma. Por fim, entendo que a decisão no RE 363.852, por si só, não é capaz de alcançar a validade da norma, tendo em vista o que já foi defendido no presente seminário, no sentido de não ter sido editada Resolução do Senado Federal para expurgar a referida lei do ordenamento jurídico (art. 52, X CF/88). c) Quais os efeitos da Resolução do Senado n. 15/2017 no que se refere à Vigência, validade e eficácia do art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97)? Os efeitos da Resolução do Senado n. 15/2017 afetam a validade da norma, tendo em vista ter o condão de expurgar a referida norma do ordenamento jurídico. Pela lógica, também afetará tanto a vigência quanto à eficácia, tendo em vista a suspensão da execução do referido artigo. d) A decisão no RE 718.874 alcança a validade, vigência ou eficácia do art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97)? Entendo que a decisão do STF no RE 718.874 alcançou a vigência e a eficácia do art. 25, incisos I e II, da Lei 8.212/98 (redação dada pela lei n. 9.528/97). Cumpre mencionar que a referida decisão não alcançou a validade pelo fato de que a norma “N” já estava inserida no sistema “S”. Dito isso, tendo a decisão do STF reconhecido pela constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física ao FUNRURAL, com efeitos erga omnes, entendo ter alcançado tanto a vigência quanto a eficácia do referido artigo, presentes os pressupostos de aptidão para produção de efeitos (vigência) e a capacidade de que está investido o fato jurídico, combinado com a aptidão para propagar os efeitos constantes na norma (eficácia). Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário IV - INTERPRETAÇÃO, VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA
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