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Ludicidade nos Processos Pedagógicos Professora Me. Fabiane Fantacholi Guimarães Reitor Prof. Me. José Carlos Barbieri Vice-Reitor Prof. Dr. Hamilton Luiz Favaro Pró-Reitora Acadêmica Prof. Ma. Margareth Soares Galvão Diretor de Operações Comerciais Prof. Me. José Plínio Vicentini Diretor de Graduação Prof. Me. Alexsandro Cordeiro Alves da Silva Diretor de Pós-Graduação e Extensão Prof. Ma. Marcela Bortoti Favero Diretor de Regulamentação e Normas Prof.. Me. Lincoln Villas Boas Macena Diretor de Operações EAD Prof. Me. Cleber José Semensate dos Santos 2021 by Editora Edufatecie Copyright do Texto C 2021 Os autores Copyright C Edição 2021 Editora Edufatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correçao e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permi- tidoo download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. UNIFCV CAMPUS SEDE Avenida Advogado Horácio Raccanello Filho, 5950, Novo Centro - Maringá - PR CEP: 87.020-035 UNIFCV SEDE ADMINISTRATIVA Avenida Advogado Horácio Raccanello Filho, 5410, Maringá - PR CEP: 87.020-035 (44) 3028-4416 www.unifcv.edu.br/ As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites Google, Pixabay e, Unsplash. AUTORA Fabiane Fantacholi Guimarães ●Mestre em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Universidade Pitágoras Unopar). ● Licenciatura e Bacharel em Pedagogia (CESUMAR). ● Especialista em Psicopedagogia Institucional (Faculdade Maringá) ● Especialista em Educação Especial (Faculdade de Tecnologia América do Sul) ● Especialista em EAD e as Novas Tecnologias Educacionais (UniCESUMAR). ● Especialista em Docência no Ensino Superior (UniCESUMAR). ● Especialista em Tecnologias Aplicadas no Ensino A Distância (UniFCV). ● Professora orientadora de trabalho de conclusão de curso da Pós-Graduação (UniFCV). ● Professora conteudista na área da Educação (UniFCV/UniFATECIE). ● Professora de disciplinas de Pós-Graduação na área da Educação (UniFEV). ● Coordenadora de cursos EAD de Pós-Graduação na área da Educação (UniFCV). ● Supervisora de Cursos EAD de Graduação na área da Educação (UniFCV). ● Psicopedagoga do Núcleo de Atendimento Escolar (NEA). ● Experiência na Educação Básica há 9 anos. ● Experiência no Ensino Superior (presencial e a distância) desde 2012 até os dias atuais. Acesse meu currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7315666246327967 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Olá, caro(a) acadêmico(a)! Seja bem-vindo(a) à disciplina de LUDICIDADE NOS PROCESSOS PSICOPE- DAGÓGICOS, para o curso de Psicopedagogia. Você já venceu algumas etapas de seu curso e chegou até aqui, meus parabéns! O objetivo principal da disciplina é compreender o lúdico como recurso psicopeda- gógico no processo de aprendizagem. Para compor este material, organizamos uma introdução, seguida de quatro unidades criteriosamente analisadas, selecionadas para dar sustentação à presente discussão, conclusão, referências, leituras complementares, indicações de livros, filmes, entre outros. ● Unidade I, intitulada LUDICIDADE, com os subtópicos: Ludicidade: o que é isso?; A ludicidade na educação. ● Unidade II, intitulada O PAPEL DO BRINCAR/JOGAR NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA, com os subtópicos: Representantes das teorias psicogenéticas: Piaget e Vigotoski; Representante da psicanálise infantil: Winnicott. ● Unidade III, intitulada O LÚDICO COMO RECURSOS PSICOPEDAGÓGICOS, com os subtópicos: O lúdico como recurso psicopedagógico na aprendizagem e reapren- dizagem; Recursos psicopedagógicos com ênfase no lúdico. ● Unidade IV, intitulada O LÚDICO NO DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO, com os subtópicos: Atividades lúdicas como prática no diagnóstico psicopedagógico; Sugestões de atividades lúdicas. Lembre-se, caro(a) estudante, que o texto apresentado não irá esgotar todas as possibilidades de pensar e refletir acerca das temáticas abordadas ao longo da disciplina, mas irá iniciar momentos importantes e oportunos para a compreensão das análises realizadas acerca das temáticas propostas. Pensamos que, para além do texto em si, você, estudante, poderá explorar as sugestões de leitura na ludicidade nos processos psicopedagógicos. Bom estudo! Sucesso! Professora Mestre Fabiane Fantacholi Guimarães SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 3 Ludicidade UNIDADE II ................................................................................................... 31 O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança UNIDADE III .................................................................................................. 61 O Lúdico como Recurso Psicopedaógico UNIDADE IV .................................................................................................. 81 O Lúdico no Diagnóstico Psicopedagógico 3 Plano de Estudo: A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ● Ludicidade: o que é isso? ● A ludicidade na educação. Objetivos da Aprendizagem: ● Apresentar uma discussão sobre o que é ludicidade; ● Apresentar a ludicidade na educação, como uma atitude pedagógica na prática do professor de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. UNIDADE I Ludicidade Professora Me. Fabiane Fantacholi Guimarães 4UNIDADE I Ludicidade INTRODUÇÃO Prezado(a) acadêmico(a), Seja bem-vindo(a) à Unidade I da disciplina de LUDICIDADE NOS PROCESSOS PSICOPEDAGÓGICOS, para o curso de graduação em Psicopedagogia. Nesta primeira unidade intitulada “LUDICIDADE”, apresentaremos uma discussão sobre a Ludicidade com base em alguns elementos do contexto histórico e cultural da ludicidade, bem como abordaremos a ludicidade na educação, como uma atitude pedagógica na prática do pro- fessor de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Elaborar esta unidade foi de grande relevância, uma vez que pensarmos a ludicida- de no sentido de sistematizar conhecimentos teóricos e práticos centrais para a utilização do lúdico como recurso pedagógico para professores, educadores, psicopedagogos, e todo profissional da área da educação, saúde, é de extrema importância. Esperamos que estes textos colaborem para a sua melhor compreensão sobre o tema de nossa primeira unidade. Boa leitura! 5UNIDADE I Ludicidade 1. LUDICIDADE: O QUE É ISSO? Para iniciarmos nosso diálogo, convidamos você acadêmico(a) a pensar em duas questões: O que é lúdico? O que é ludicidade? Arriscamos afirmar que não seria muito complicado propor algumas ideias gerais e respostas para essas questões. Isso acontece porque, de certa forma, o uso dos termos lúdico e ludicidade se popularizou e vários sen- tidos são compartilhados por sujeitos e instituições, seja para referir-se ao comportamento de um indivíduo, usar como estratégias de marketing para vender produtos ou serviços ou referir-se a objetos ou jogos. O uso dos termos lúdico e ludicidade também é comum entre os educadores. In- fluenciado por seu contexto e referencial teórico, cada autor atribui um determinado sentido a esses termos, por exemplo, ora lúdico é o jogo, o material, ora a pessoa ou a aula. Nesta Unidade, propomo-nos a apresentar uma discussão sobre o tópico com base em alguns elementos do contexto histórico e cultural da ludicidade. Acreditamos que essa abordagem contribuirá para que o profissional possa estabelecer uma relação mais articulada entre o próprio saber e aquele construído por autores que se dedicaram a estudar o tema. Sendo assim, apresentaremos alguns elementos que contribuíram para a constru- ção do sentido que damos à unidade intitulada ludicidade. Esses elementos caracterizam um contexto que influencia profissionais, estudantes e professoresa fazer a leitura sobre o assunto nos dias atuais. 6UNIDADE I Ludicidade É importante destacar que cada uma das abordagens está circunscrita à interferên- cia de fatores sociais, históricos e culturais, aos momentos específicos em que o pesquisa- dor foi envolvido - diretamente ou indiretamente - nos acontecimentos de sua época. A ludicidade, sendo um conceito complexo, é percebida de formas distintas em diferentes contextos históricos. E na contemporaneidade, de maneira análoga, o lúdi- co é entendido pelos pesquisadores que o estudam a partir de diferentes enfoques, como: antropológico, sociológico e psicopedagógico, entre outros. REFLITA Será que ensinar por meio da ludicidade sempre dá certo ou apresenta algumas dificul- dades? Quais seriam elas e como enfrentá-las? Fonte: A autora (2021). Então, caro(a) estudante, apresentaremos a influência de quatro áreas distintas, que irão contribuir para a discussão nesta disciplina, sendo elas: psicologia, filosofia, sociologia e pedagogia. Seus representantes mais expressivos na área da educação no Brasil são: Vygotsky (2007) e Piaget (2010) (psicologia), Huizinga (2019) (filosofia), Caillois (2017) (sociologia) e Kishimoto (2017) (pedagogia). É necessário destacar que alguns des- ses autores contam com a formação acadêmica em diversas áreas. Porém, nossa opção quanto a associá-los a uma área de conhecimento baseou-se na ascendência dessa área na construção do sentido do termo lúdico para cada estudioso. O caráter multidisciplinar e também interdisciplinar com que foram produzidos os estudos sobre o lúdico colabora para a polissemia do termo, a multiplicidade de sentidos que a palavra assume em diferentes contextos (sociais, culturais e históricos). Assim, é razoável afirmar que diversos profissionais se relacionam com a ideia de ludicidade de forma distinta, independentemente da área de conhecimento. Não há consenso quanto à compreensão e à posição da ludicidade no ensino. Alguns educadores defendem a ideia de que a ludicidade deve fazer parte da escola; outros são contrários a essa ideia. A opção de abordagem do assunto vai ao encontro das convicções políticas e filosóficas de cada profissional. (SILVA, 2020). Vale evidenciar ainda que, em cada época, o sentido atribuído à ludicidade ganha interpretações diferentes. “A ludicidade já foi alvo de concepções preconceituosas na es- cola, quando a forma de ensino estava mais preocupada com a disciplina e controle mais 7UNIDADE I Ludicidade rígido do comportamento dos alunos”. Posteriormente, cresceram as discussões na área da educação sobre os benefícios e as vantagens da ludicidade para o processo ensino-apren- dizagem. (SILVA, 2020, p.7). Mesmo considerando a polissemia do termo lúdico, ele é empregado predomi- nantemente como adjetivo e com significado mais restrito. Assim, encontramos a palavra associada ao jogo, à atividade, ao material, à aula, entre outras ocorrências: uma bola colorida pode ser mais lúdica do que outra, monocromática. (SILVA, 2020). Alguns autores sugerem que há uma íntima associação entre o brincar dos animais e o brincar dos seres humanos, para eles, a dimensão lúdica dos animais está nas brinca- deiras que realizam durante seu desenvolvimento. Assim, as brincadeiras dos filhotes são exercícios que simulam as habilidades necessárias para a vida adulta, como por exemplo, caçar. Seguindo esse raciocínio, as brincadeiras infantis estariam, para as crianças, situadas em uma lógica funcionalista, ou seja, diretamente ligadas à aprendizagem de habilidades necessárias para a vida adulta. (SILVA, 2020). Apesar disso, acreditamos ser arriscado fazer alguma aproximação entre o brincar dos animais e o dos seres humanos. Contrapondo-nos à ideia de ligação entre as distin- tas formas de brincar de animais e de seres humanos. Elegemos a proposta de Huizinga (1999), que afirma que o jogo (aqui estudante entendido como lúdico também) é construído historicamente e é um elemento da cultura. Considerando a diversidade de influências na construção de sentidos atribuídos à lu- dicidade, é possível aceitar que seja conferida ao termo lúdico uma série de sentidos, de certa maneira correlatos, como diversão, jogos, recreação, prazer, brincadeiras entre outros. Atualmente, vemos que a ludicidade está integrada à vida ordinária das pessoas, seja na arte, na literatura, nos esportes, no trabalho, na escola, o ser humano está inclinado a manifestar ludicidade em suas atitudes ou contar com experiências lúdicas. (SILVA, 2020). Acreditamos caro(a) estudante que o lúdico é uma linguagem humana construída no decorrer do processo civilizacional. Logo, pode-se manifestar de diferentes maneiras, como por exemplo, oral, escrita, corporal e artística. Porém, ainda há, em nossa sociedade, várias interpretações preconceituosas e, em nossa opinião, equivocadas. Entre elas está a noção de que a ludicidade está prioritariamente ligada às crianças e que é manifestada em determinados aspectos de nossa cultura, como festividades, jogos, danças, entre outros. (SILVA, 2020). Nessa direção, julgamos oportuno concordar com Gomes (2004), quando afirma que as atividades não são essencialmente lúdicas, é a experiência do sujeito que determina o surgimento da ludicidade. 8UNIDADE I Ludicidade 1.1 Ludicidade: contribuições de Vygotsky e Piaget Ludicidade é um assunto recorrente nos trabalhos de Piaget e Vygotsky, principal- mente nas problematizações sobre a escola elaboradas pelos autores. Seus estudos con- tribuíram de maneira expressiva para a compreensão do processo ensino-aprendizagem no contexto da ludicidade. Apesar de o tópico ludicidade ser comum para Piaget e Vygotsky, vale pôr em evidência que existem semelhanças e diferenças em termos de interpretação. Um primeiro aspecto das contribuições dos autores e que é comum a ambos é a construção de argumentos sob o princípio de que o conhecimento é produzido com base nas relações que o sujeito tem com o meio. Nesse caso, a escola se efetiva como um local por excelência, com base na ação pedagógica do professor na construção do conhecimen- to. (SILVA, 2020). Uma das diferenças entre as discussões de Piaget e Vygotsky é o ponto de partida muito particular de cada um. Piaget tem como princípio aspectos estruturais, ligados a questões atreladas a uma visão biologista de desenvolvimento. Vygotsky, por sua vez, constrói sua proposta partindo da cultura, da interação social e da dimensão histórica do desenvolvimento intelectual. (SILVA, 2020). Outro ponto que merece destaque quanto às distintas abordagens desses autores é a forma de entender como se processa a aprendizagem. Para Piaget, é necessário levar em conta em que estágio de desenvolvimento está a criança, para se adequar ao conteúdo de ensino. Para Vygotsky, o ensino deve ser organizado para etapas que os alunos ainda não atingiram, como estratégia motivadora de desenvolvimento do potencial. (SILVA, 2020). Para Vygotsky (2007), o lúdico exerce uma influência significativa no desenvolvi- mento da criança, o qual é expressado na brincadeira. Nesse sentido, o jogo é um espaço privilegiado para a manifestação da brincadeira infantil. É por meio do jogo, caro(a) estu- dante segundo o autor citado, que a criança aprende a agir, a ter autocontrole e iniciativa. Também é no jogo que ela tem a curiosidade despertada e desenvolve a linguagem do pensamento e a concentração. Assim, brincar e aprender. Nesse caminho, fazendo a articulação entre jogo, lúdico, brincadeira, desenvol- vimento e criança, acreditamos que construir oportunidades para a fruição do lúdico na escola é uma proposta coerente para o ambiente educacional. Para Piaget (2010), o lúdico é o caminho para a criança assimilar e transformar o meio a fim de conseguir adaptá-lo às suas necessidades. De acordo com o autor, é brincando que as crianças constroem o próprio mundo,o mundo que elas querem e do qual 9UNIDADE I Ludicidade gostam. Essa brincadeira é manifestada por meio do jogo, onde a criança tem a oportuni- dade de se desenvolver nas suas relações interpessoais, de se inserir no mundo das regras e também de construir a própria representação de mundo. Além disso, para Piaget (2010), os brinquedos (aqui caro(a) estudante enquanto objetos) são ferramentas que proporcionam à criança oportunidades de demonstrar e criar fantasias com base em suas experiências. Deste modo, a experiência lúdica se processa por meio da relação de interfluência entre a brincadeira e o brinquedo, contribuindo, logo, para o desenvolvimento físico e intelectual. Independentemente das particularidades de cada autor, tanto Vygotsky quanto Piaget aceitam a ideia de que faz parte da natureza da criança a relação com o mundo de forma lúdica. 1.2 Ludicidade: contribuições de Huizinga Para alguns estudiosos, Huizinga (2019) foi o primeiro pesquisador a defender a tese de que o lúdico é considerado um elemento construído da cultura dos povos. Assim, não há relação na forma com que os animais e os seres humanos brincam. Para o autor, a ludicidade se manifesta nos jogos infantis, na recreação das pessoas, nas disputas ou com- petições, nas representações litúrgicas, no teatro, nos jogos de azar e em outros espaços de convivência social. Nesse sentido, caro(a) estudante, podemos afirmar que, na opinião de Huizinga (2019), o jogo é a discussão central para explicar o que vem a ser lúdico. Em sua análise, o jogo incorpora também uma certa seriedade que acaba por ser algo fundamental para a sociedade em que o sujeito brincante está inserido. Um conceito importante na obra de Huizinga (2019) é a ideia de “círculo mágico”, isto significa que, quando jogamos, uma nova realidade é construída. Essa realidade é aceita pelos jogadores e funciona relativamente autônoma. Não segue de modo necessário a lógica com que estamos familiarizados, como por exemplo, a hierarquia entre as pessoas, o clima, as regras da física ou da biologia, entre outros. Incorporamos personagens e formas de agir distantes de nossa realidade. Desta maneira, quando nos inserimos no “círculo mágico”, levamos para dentro dele nossas referências da vida real como frustrações, angústias, esperanças, proble- mas, modos de ser, responsabilidades e outros hábitos. No interior desse “círculo”, de- paramos-nos com fantasias, somos lavados caro(a) estudante algumas vezes à catarse, dedicamos-nos ao jogo com certa imersão, enfrentamos desafios e vivenciamos outras 10UNIDADE I Ludicidade experiências, influenciadas pelas experiências anteriores que levamos conosco. “Quando saímos do círculo, levamos conosco reflexos dessas experiências significativas, o que, de alguma forma, acaba por representar novos significados em nossa vida ordinária”. (SILVA, 2020, p. 11). É importante destacar a observação que Huizinga (2019) faz quanto à manifestação do lúdico no jogo. Para que ela ocorra, é necessário que o jogador tenha decidido participar “espontaneamente” e que essa participação tenha sido motivada pela busca de satisfação em jogar. A predisposição de quem joga é que indica se o jogo será uma experiência lúdica. 1.3 Ludicidade: contribuições de Caillois Vamos encontrar neste subtópico similaridades do que diferenças entre as dis- cussões abordadas nos subtópicos anteriores, em que apresentamos as contribuições de Vygotsky, Piaget e Huizinga. Acreditamos, ainda, que as contribuições de Caillois (2017) podem ser analisadas como complementares às dos demais autores. Um dos aspectos que julgamos complementares está no princípio de considerar o jogo como intimamente ligado à ideia de lúdico. Apesar de Caillois (2017) propor uma definição sobre o que vem a ser jogo, consi- derando certas características, como: atividade livre, delimitada, incerta, regulamentada e fictícia, o autor afirma que o impulso lúdico ultrapassa o jogo, gerando reflexos em outros espaços da vida ordinária. Sobre as características, Caillois (2017) explica que o jogo é livre porque foi deci- são do jogador participar, caso contrário a obrigatoriedade poderia levar o participante a deixar de percebê-lo como diversão. Com relação a ser delimitado, o jogo está circunscrito a um determinado espaço de tempo. Essa delimitação é determinada como espaço do jogo previamente estabelecido e de forma rigorosa. Sobre o jogo ser incerto, o autor relata que o modo como as situações do jogo podem transcorrer dentro das limitações e restrições impostas pelas regras, não é determinado previamente, na medida em que a liberdade e a criatividade do jogador na forma de jogar podem provocar configurações distintas. A ideia de improdutividade está relacionada à concepção de gratuidade. Assim, o jogador leva, de sua participação, a experiência de ter participado, sem qualquer recompensa material. A regulamentação é o conjunto de convenções que se determinaram entre os participan- tes do jogo, com base em regras estabelecidas exclusivamente para a participação. E a característica fictícia refere-se à construção de realidades específicas, transcendentes à realidade da vida ordinária. 11UNIDADE I Ludicidade Um outro aspecto que Caillois (2017) menciona em relação ao jogo é sua função disciplinadora, que se processa principalmente com a necessidade que o participante tem de adequar-se às regras. Segundo o autor, esse aspecto “coercitivo” do jogo acaba por constituir um elemento civilizacional. 1.4 Ludicidade: contribuições de Kishimoto Kishimoto é uma autora estudiosa da ludicidade e o faz à luz da realidade edu- cacional brasileira. A função lúdica, segundo Kishimoto (2017), aqui relata sobre o jogo, que expressa na ideia de que sua vivência propicia a diversão, o prazer, quando escolhido voluntariamente pela criança. A ludicidade utilizada como recurso pedagógico em ambiente de ensino traz o prazer como um referencial das ações dos profissionais da educação. Para Kishimoto (2017) as vantagens das brincadeiras de forma lúdica para as crianças são inúmeros, mas para que sejam eficazes é necessário conhecer o público alvo antes de direcionar qualquer atividade para seu desenvolvimento, o que exige do professor ter a relação com seus alunos e fazer uma ponte entre o cuidar e o educar. As pesquisas desenvolvidas por Kishimoto (2017) apontam a diferença entre o jogo e o material pedagógico e trazem a reflexão condizente à utilização do jogo educativo em sala de aula, garantindo pela sua função lúdica: a de ser escolhido voluntariamente pelo educando ou um meio para alcançar um objetivo. Nas palavras da autora, já uma característica do jogo que deve ser levada em consideração: [...] controle interno: no jogo infantil, são os próprios jogadores que determi- nam o desenvolvimento dos acontecimentos. Quando o professor utiliza um jogo educativo em sala de aula, de modo coercitivo, não oportuniza aos alu- nos liberdade e controle interno. Predomina, neste caso, o ensino, a direção do professor. (KISHIMOTO, 2017, p. 26). Nessa perspectiva, é importante que o professor, educador, psicopedagogo entre outros profissionais da educação tenham clara essa diferenciação, pois muitas vezes o jogo é utilizado com o objetivo de ensinar sem que o professor tenha claro o que realmente pretende estimular em relação ao processo ensino e aprendizagem. Conforme a autora, o lúdico é um instrumento de desenvolvimento da linguagem e do imaginário, vinculado aos tempos atuais como “um meio de expressão de qualidades espontâneas ou naturais da criança, um momento adequado para observar esse indivíduo, que expressa através dele sua natureza psicológica e suas inclinações”. (KISHIMOTO, 2017, p. 63). Tal concepção mantém o jogo à margem da atividade educativa, mas sublinha sua espontaneidade. Ainda segundo a autora, se o objetivo é formar seres criativos, críticos e aptospara tomar decisões, um dos requisitos é o enriquecimento do cotidiano infantil, com a inserção de contos, lendas, brinquedos e brincadeiras. 12UNIDADE I Ludicidade SAIBA MAIS Caro(a) acadêmico(a) a literatura sobre a ludicidade e desenvolvimento infantil é ex- tensa, tornando impraticável abordar todas as concepções teóricas que existem sobre o assunto nesta unidade. No entanto, pode encontrar livros e artigos de muitos autores que dedicaram sua vida profissional a aprofundar os conhecimentos sobre a infância e a ressaltar a importância da ludicidade para o pleno desenvolvimento infantil. Escolhemos algumas obras para indicar, como Winnicott (1975), Maria Montessori (1990) e Rubem Alves (2000), entre outros, para ampliar seus conhecimentos sobre esse universo. Fonte: ALVES, R. A alegria de ensinar. 11 ed. Campinas: Papirus, 2000. MONTESSORI, M. A criança. Tradução de Luiz Horácio da Matta. São Paulo: Círculo do Livro, 1990. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975. 1.5 Ludicidade e a manifestação cultural: novas tecnologias Lembre-se de sua infância; você gostava de assistir à TV? As televisões começaram a se tornar mais populares já nas décadas de 1970 e 1980, atraindo as crianças para dentro de casa e reduzindo a frequência das brincadeiras de rua. A “caixa mágica”, com imagens coloridas, rapidamente se transformou em uma espécie de babá eletrônica, proporcionando uma nova forma de socialização às crianças e certa tranquilidade aos adultos. A linguagem atrativa da televisão foi, e ainda é, um dos principais meios de comunicação para a transmissão de cultura e informação. (Alguns digam que está sendo substituída pelo celular, com o aplicativo YouTuber). A televisão ainda nos dias de hoje mantém sua influência, mas é preciso destacar que “suas imagens e representações não são simplesmente imitadas pelas crianças, mas recriadas a partir de suas práticas lúdicas”. No qual, ela transforma a maneira como a criança brinca, insere elementos simbólicos e reconstrói sua visão de mundo. (TEIXEIRA, 2018, p. 54). A televisão é um dos mecanismos precursores das novas tecnologias do século XXI, as quais difundiram o avanço eletrônico em diversos setores, atraindo principalmente as novas gerações por meio de brinquedos e computadores modernos. Algumas brincadei- ras consideradas tradicionais, por serem transmitidas de geração para geração, competem 13UNIDADE I Ludicidade com esse universo cada vez mais digital e atrativo. Estas precisam ser resgatadas pelos adultos para que figurem entre as opções de brincadeira que as crianças podem escolher. Sabemos que a indústria de brinquedos modernos tem a publicidade e o marketing a seu favor, principalmente na sociedade atual, em que a criança se torna protagonista na esco- lha de seus brinquedos e brincadeiras. Mesmo as camadas mais pobres da sociedade se sensibilizam e são atraídas pelas novas tecnologias. (TEIXEIRA, 2018). A população mundial vai crescendo na mesma proporção que os espaços privados vão reduzindo. O crescimento vertical das cidades criou um novo modelo de moradia, representado por apartamentos pequenos, por exemplo, que ampliam a segurança, mas privam as crianças das experiências no jardim. Nesses casos, as brincadeiras ao ar livre diminuem consideravelmente à medida que o uso da internet, de brinquedos digitais e apetrechos eletrônicos se torna uma das poucas alternativas para as experiências lúdicas. SAIBA MAIS Uma pesquisa realizada por Carneiro e Dodge (2007) estendida para todo o Brasil, re- presentando-o em todas as regiões e em todos os estratos de porte de cidade (peque- nas, médias e grandes), num total de 77 municípios. O universo considerado foi de pais com filhos de idades entre 6 e 12 anos, porque nessa faixa etária seria possível perce- ber as possíveis relações entre a brincadeira e o desempenho escolar, pois trata-se de crianças que já frequentam a escola. Também se escolheu essa faixa etária porque a equipe de trabalho partiu da premissa de que, nessa fase, diferentemente dos primeiros cinco anos de vida da criança, os pais já não estimulam tanto o brincar, apesar de essa atividade continuar sendo crucial para o desenvolvimento dos filhos. Nesse sentido, o grupo de trabalho sentia que havia um bom escopo para um trabalho social, consideran- do especialmente esses pais e essas crianças. Os referidos autores relataram que observou-se que além de se modificarem, as ativi- dades lúdicas realizadas antigamente estão desaparecendo. As brincadeiras mais co- muns, ou seja, realizadas por seus filhos pelo menos três vezes na semana eram de assistir TV, vídeos e DVDs, brincar com animal de estimação, cantar e ouvir música, desenhar, andar de bicicleta, patins, patinetes, carrinhos de rolimã, jogar bola, brincar de pega-pega, polícia-e-ladrão, esconde-esconde, brincar de boneca, brincar com cole- ções e ficar no computador. (CARNEIRO; DODGE, 2007). Caro(a) acadêmico(a) para saber mais sobre a pesquisa citada acima acesse-a o link abaixo: http://www4.pucsp.br/educacao/brinquedoteca/downloads/a-descoberta-do-brincar-livro2008.pdf Fonte: CARNEIRO, M. A. B.; DODGE, J.J. A descoberta do brincar. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2007. Disponível em http://www4.pucsp.br/educacao/brinquedoteca/downloads/a-descoberta-do-brincar- -livro2008.pdf Acesso em maio de 2021. 14UNIDADE I Ludicidade Assim, as experiências lúdicas de cada criança vão se transformando no decorrer do tempo e variam conforme ela interage com esses instrumentos. Celulares e tablets são, muitas vezes, utilizados como equipamentos para distrair as crianças, fazê-las comer ou dormir e diminuir a ansiedade de esperar por algo. Aqui caro(a) estudante, estou recordan- do, vendo o meu sobrinho de 1 ano e 8 meses por parte do meu esposo, na hora do almoço com sua avó materna, tentando dar comida para ele e colocando no celular a música do Mundo Bita nossa sensação do momento, em especial a música da “Fazendinha”. Jogos digitais substituem a falta de possibilidades de realizar jogos físicos, simulando-os como se fossem reais, além de oportunizar o contato entre crianças de várias partes do planeta, estimulando a aprendizagem de outros idiomas. Crianças que não tinham animais de estimação para brincar, por conta de espaços pequenos ou qualquer outro motivo, encontraram no Tamagotchi, lançado em 1996 no Ja- pão, uma alternativa para simular, com o bichinho virtual, os cuidados com um bichinho de verdade. Neste exemplo, lembrei da minha infância e da minha irmã. Hoje, existem vários aplicativos que simulam esses cuidados e estão disponíveis para tablets e smartphones. Aqui vou citar minha sobrinha por parte da minha irmã de 8 anos de idade que brinca com seu bichinho virtual no aplicativo Meu Talking Tom, aplicativo gratuito. Meu Talking Tom é o melhor jogo de bichinho virtual para a família inteira, pois os jogadores podem adotar o Tom e cuidar dele todo dia, garantindo que ele coma e durma o suficiente, vá ao banheiro e esteja sempre feliz e sorridente. Há uma coleção de minigames cria- dos para testar habilidades, reflexos e a capacidade de resolver quebra-cabeças — jogos de quebra-cabe- ça, de ação, de aventura e até um jogo de esporte. Há opções para todos! Os jogadores podem competir cara a cara no Gol! ou ser lançados para sobreviver no Subindo! — o desafio nunca acaba! O Tom gosta de receber carinho e de conversar — tudo o que ouve, ele repete com sua voz engraçada! À medida que o Tom cresce, novas roupas para ele e novos móveis para sua casa são desbloqueados. Há muitas roupas para escolher: astronauta, piloto, super-herói… ou talvez apenas algo descolado e casual. O Tom pode viajar para outros países e criar um álbum de fotos de suas viagens! (resumo apresentado no Apps sobre o jogo). Fonte: Elaborado pela autora com base na descrição do app Meu Talking Tom. São inúmerasas possibilidades de jogos digitais que têm o objetivo de estimular a aprendizagem ou apenas entreter; de trazer novas oportunidades de brincar em uma nova era ou de reproduzir os vícios dos adultos. As novas tecnologias, de uma forma ou de outras, estão presentes nas rotinas das crianças atualmente; e impedir isso mostra-se um 15UNIDADE I Ludicidade contrassenso. Elas apresentam um potencial lúdico muito interessante e, se bem utilizadas, podem colaborar significativamente no desenvolvimento infantil. Mas, caro(a) acadêmico(a) como saber se os instrumentos tecnológicos mais uti- lizados pelas crianças atualmente (celulares, tablets, computador, jogos portáteis, video games e brinquedos eletrônicos) estão gerando mais benefícios do que malefícios? Para isso, é importante analisar os seguintes pontos, vide na imagem 1 abaixo: IMAGEM 1 - PERGUNTAS RELEVANTES Fonte: A autora (2021) 16UNIDADE I Ludicidade É importante refletir também, caro(a) estudante, sobre as condutas que as escolas assumem em relação ao uso das novas tecnologias. Não podemos (e nem devemos) ignorar o uso de dispositivos digitais na escola, tampouco devemos permitir que se banalizem e se- jam utilizados aleatoriamente. Todos os recursos utilizados nas escolas - eletrônicos, digitais ou não digitais - precisam ter seu uso devidamente planejado estando atrelado a objetivos claros. Um bom exemplo disso são os celulares, comumente utilizados para a produção de vídeos (a nova sensação do momento é criar vídeos para o Tik Tok ou para o YouTube). Mais uma vez, é possível considerar as novas tecnologias em um novo paradigma lúdico, mas é importante analisar os seguintes aspectos: ● O ambiente escolar onde a criança está inserida possibilita o acesso a recursos tecnológicos de qualidade e promove o uso crítico e consciente dessas novas tecnologias? ● A escola diversifica as atividades lúdicas mesclando o uso das novas tecnolo- gias com brincadeiras ao ar livre, livros infantis, dança, musicalização, pintura, faz de conta, expressões corporais, atividades físicas e contação de histórias? ● A escola se reconhece como um ambiente que promove a socialização e as relações presenciais de respeito e amizade, uma vez que ficam evidentes os desdobramentos de relações predominantemente virtuais? Esperamos que essas questões caro(a) acadêmico(a) possibilitem a reflexão crítica não somente como um ponto de vista negativo em relação ao uso das novas tecnologias nas atividades lúdicas, mas como um ponto de equilíbrio entre as experiências virtuais e as experiências reais. 17UNIDADE I Ludicidade SAIBA MAIS No documentário “Criança, A Alma do Negócio”, a cineasta Estela Renner analisa os efeitos que a mídia de massa e a publicidade têm em relação às crianças, mostrando como a indústria descobriu que elas são os melhores alvos para venda de produtos. Além de ouví-las, o filme conversa com os pais que relatam o quão influentes seus filhos são dentro de casa e como isso está ligado diretamente com as propagandas. Além dis- so, especialistas debatem os efeitos negativos dessa exposição. Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=ur9lIf4RaZ4 Fonte: CRIANÇA, a alma do negócio. Direção: Estela Renner. Brasil, 2009. Disponível em https://www. youtube.com/watch?v=ur9lIf4RaZ4 Acesso em maio de 2021. SAIBA MAIS Caro(a) acadêmico(a) para saber mais sobre a temática abordada, vamos agora consi- derar a seguinte situação-problema, hipoteticamente elaborada, e pensar algumas rela- ções cotidianas vinculadas à ludicidade. A escola onde trabalha pretende desenvolver um projeto baseado na utilização de jo- gos e brincadeiras para melhorar o ambiente escolar e, dessa forma, contribuir para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Você foi convidado(a) para fazer a gestão desse projeto. Indique os primeiros encaminhamentos que sugeria para o desenvolvi- mento desse projeto. Resposta: Reunir todo o grupo de trabalho (professores, administrativos e direção) e propor um treinamento da equipe; Nesse treinamento, sensibilizar os membros da equipe quanto às percepções que pos- suem a respeito da ideia de ludicidade, de jogo e de outros elementos relacionados. Fonte: A autora (2021) com base em Silva (2020). 18UNIDADE I Ludicidade 2. A LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO Para compreender a ludicidade e a sua manifestação na educação e na vida do indivíduo, seja ele professor ou estudante, começamos com a tentativa de entender o seu significado etimológico. A palavra ludicidade, embora bastante utilizada no contexto da educação, não existe no dicionário da língua portuguesa. Nem tampouco em outras línguas, como inglês, francês, alemão, espanhol ou italiano. (HUIZINGA, 2019). Além disso, não dispomos de nenhuma outra palavra que encapsule toda a gama de significados atribuídos à ludicidade. (MASSA, 2015). A palavra lúdico vem do latim ludus e significa brincar. “Nesse brincar estão incluídos os jogos, brinquedos e brincadeiras e a palavra é relativa também à conduta daquele que joga, que brinca e que se diverte”. No que lhe concerne, “o jogo possibilita a aprendizagem do sujeito e o seu pleno desenvolvimento, já que conta com conteúdos do cotidiano, como as regras, as interações com objetos e o meio e a diversidade de linguagens envolvidas em sua prática”. Assim, com base no pressuposto de que “a prática pedagógica possa propor- cionar alegria aos alunos no processo de aprendizagem, o lúdico deve ser levado a sério na escola, proporcionando-se o aprender por meio do jogo e, logo, o aprender brincando”. (RAU, 2012, p.30-31). Podemos deduzir, assim caro(a) estudante que a formação lúdica do professor favorece essa prática. 19UNIDADE I Ludicidade IMAGEM 2 - MAPA CONCEITUAL: LÚDICO Fonte: A autora (2021). O entendimento do jogo como recurso pedagógico passa pela concepção de que a função educacional da escola é ensinar e que por isso esta tem objetivos educacionais a atingir, o aluno, nesse sentido, faz parte da elaboração e orientação rumo a esses objetivos, para chegar à construção de seu próprio conhecimento. (RAU, 2012). Deste modo, qualquer atividade dirigida e orientada visa a um resultado e possui finalidades pedagógicas, portanto, a ludicidade como recurso pedagógico tem objetivos educacionais a atingir. Nessa perspectiva, utilizado em sala de aula, o jogo torna-se então um meio para a realização dos objetivos educacionais, e ao educando, ao praticá-lo nesse contexto, deve ser garantida a ação livre, iniciada e mantida unicamente pelo prazer de jogar é atrelada aos objetivos educacionais sistematizados pelo educador. (RAU, 2012). Para tanto, a abordagem feita sobre a ludicidade na educação até aqui caro(a) estudante aponta essa ferramenta como recurso pedagógico que pode ocupar um espaço na educação básica, atendendo a necessidades e interesses do educando e do educador no processo de ensino-aprendizagem. Assim, fica evidente o papel das interações desenvolvidas no ensino das diferentes áreas de conhecimento, fato que se soma à ideia de que qualquer atividade para a criança 20UNIDADE I Ludicidade e com a criança tem um sentido educativo. Por exemplo, o olhar estabelece confiança, manifesta carinho e compreensão; o toque da mão do adulto pode dar segurança ou medo esses elementos não são desvinculados do conteúdos da proposta pedagógica, que, por sua vez, não são conhecimentos abstratos, desvinculados de situações de vida, e não são elaborados pela criança unicamente com base em sua transmissão oral no contexto do ensino formal. São interiorizados pela criança em um processo interativo, no qual entram em jogo a iniciativa, a ação e a reação, a pergunta e a dúvida, a busca de entendimento. (RAU, 2012). SAIBA MAIS Você sabia que um dos aspectos que justifica a ludicidade na educação básica seria jus- tamente a possibilidade de utilização de recursos pedagógicos que venham ao encontrodos diferentes estilos de aprendizagem encontrados em sala de aula, o que atualmente é um grande desafio para o profissional da educação. Fonte: A autora (2021). REFLITA Você se lembra da última vez em que brincou? Você se divertiu? Em que contexto esta- va, quais as pessoas envolvidas, que objetos faziam parte desse cenário? Fonte: A autora (2021). 2.1 Dimensões lúdicas: jogo, brinquedo e brincadeira Caro(a) estudante ao longo da unidade falamos sobre os elementos que compõem o lúdico: o jogo, o brinquedo e a brincadeira. Entre eles existem diferenças entre seus usos, a ação contida em cada um deles e o comportamento que despertam nas crianças. Para que fiquem mais claros os conceitos e significados de jogo, brinquedo e brincadeira, vamos aqui abordá-los um a um. 21UNIDADE I Ludicidade A principal característica do jogo é o fato de ele ser composto por regras. Entretan- to, se elas não atendem às necessidades do grupo de jogadores, podem ser reavaliadas e modificadas, ajustando-se aos seus interesses. São as regras que diferenciam um jogo de outro. (DUPRAT, 2014). Para você estudante entender melhor também há regras na brincadeira, mas elas são mais flexíveis e mutáveis. Enquanto os jogos já trazem consigo regras predetermi- nadas, que os participantes podem modificar ou não, as regras das brincadeiras não são preestabelecidas, pois crianças, por exemplo, se reúne para brincar de escolinha, as regras de quem será o professor, o aluno, as condutas que deverão ter nessa sala de aula, entre outros pontos, são decididas assim que a brincadeira começar. (DUPRAT, 2014). Antes de abordarmos sobre o significado do brinquedo no desenvolvimento huma- no, é importante desconstruirmos a ideia comum que temos sobre ele. No sentido literal, o brinquedo normalmente é classificado como sendo o objeto da brincadeira. No entanto, podemos notar que sua função não é apenas a de ser um simples material que se pode tocar, nas ideias abordadas sobre o brinquedo, podemos destacar a que diz que ele é importante no desenvolvimento da criança. Vygotsky (2007) explica que no brinquedo é criada uma zona de desenvolvimento proximal da criança na medida em que ela sempre se comporta além do habitual de sua idade, parecendo ser maior do que é na realidade. Nesse sentido, o desenvolvimento da criança é dado por meio da atividade do brinquedo, pois tal atividade oferece uma estrutura básica que permite mudanças da necessidade e da consciência. Portanto, de acordo com esse pensamento, podemos afirmar que o brinquedo serve como um substituto do objeto real, fazendo com que a criança se sinta “maior do que é na realidade”. Ao brincar com uma boneca, por exemplo, a criança pode apenas manipulá-la ou brincar de mãe e filha. A filha, que seria o objeto real, não está ao alcance da criança, que acaba representando-a na boneca. Vygotsky (2007, p. 130) afirma ainda que “[...] no brinquedo, a criança opera com significados desligados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente vinculados; entretanto, uma contradição muito interessante surgem uma vez que, no brinquedo, ela inclui também, ações reais e objetos reais”. Ou seja, a criança apropria-se de um objeto para ser seu brinquedo, mas ela lhe atribui um significado diferente do que ele costuma ter. Suas ações serão guiadas mais por suas ideias do que pelo objeto em si. Isso acontece, por exemplo, quando a criança pega um cabo de vassoura para fazê-lo de cavalo. O cabo vira seu brinquedo, seu cavalo, ou seja, a criança deu para ele um significado e uma ação 22UNIDADE I Ludicidade diferentes do habitual, que é sustentar a vassoura. Ao mesmo tempo, a criança também inclui ações e objetos reais em seus brinquedos, como quando ela dá banho na boneca, por exemplo, em uma banheira real. (VYGOTSKY, 2007). Isto posto, podemos concluir, caro(a) estudante, que o brinquedo não reproduz apenas objetos, mas também realidades sociais. A criança relaciona ao seu brinquedo aqui- lo que enxerga e vivencia em sua volta, por isso, é importante frisar o papel do profissional da educação em observar o contexto que envolve o seu educando e propiciar atividade lúdicas que se encaixem em suas necessidades e em seus interesses. REFLITA Quantas vezes você se pegou brincando e inventando passatempos e histórias para aliviar as tensões do cotidiano? Fonte: A autora (2021). 2.2 O lúdico na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental Os profissionais que buscam metodologias criativas para desenvolver seu trabalho na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental vêm observando que as crianças aprendem quando brincam, pois a ludicidade envolve as habilidades de memória, atenção e concentração, além do prazer da criança em participar de atividades pedagógicas de maneira diferente e divertida. O lúdico na educação infantil, segundo o autor Silva (2020) tem três aspectos es- senciais e interligados que nos dão condições de compreender este cenário. Primeiramente, cabe destacar a ruptura existente entre o universo infantil da criança fora da escola e aquele que ela encontra ao ingressar no universo escolar. Julgamos haver um distanciamento entre esses dois cenários. O primeiro, envolvido em uma atmosfera de liberdade, espontaneidade, informalidade e particularidades. O outro, constituído de controle, rigidez, padronização e coletividades. (SILVA, 2020). O distanciamento existente entre a informalidade da casa, do ambiente familiar e a formalidade da escola, provoca um estranhamento na criança e exige dela a adequação de seus hábitos e comportamentos. Nessa direção, acreditamos que a escola também precisa se adequar à realidade da criança. 23UNIDADE I Ludicidade Dessa forma, entendemos que é fundamental promover na escola, motivações seme- lhantes às encontradas pelas crianças no ambiente não escolar. Com essa postura, a constru- ção de um ambiente acolhedor estará mais próxima às questões que ele encontra em casa, do que a rigorosidade da formalidade, muito pertinente ou muito própria do ambiente escolar. Nossa hipótese é que apesar das dificuldades existentes na rotina do professor, como por exemplo, o controle das crianças, é possível com muito esforço, claro, criar um ambiente, no qual crianças de diferentes núcleos familiares, consigam sentir e criar representações que aquele ambiente realmente é muito próximo daquele outro que ela tinha fora da escola. Dentro desse cenário, é necessário destacar que o tratamento dos jogos e brincadei- ras no ambiente não formal é muito mais espontâneo do que aquele encontrado na escola. Outro aspecto que é necessário levar em consideração quanto à ludicidade no universo da educação infantil é o percurso individual dessas crianças. Esse é um momento especial de nossos alunos e precisa ser enriquecido com ações educativas intencionais, sem perder o foco do contexto. “Neste caso, cabe reconhecer as necessidades de apren- dizado, articulado com as questões sociais e emocionais desses alunos e transformar a brincadeira, o jogo, em potencial educativo.” (SILVA, 2020, p. 34). A tensão existente nesse espaço deve manter para a criança, a alegria e felicidade de conviver na escola, e para o professor, as condições necessárias para transformar a brincadeira em aprendizado. Isso nos ajuda a reforçar que o jogo, o brinquedo e a brincadeira são instrumentos excelentes para o processo de ensino na educação infantil. Veja, por exemplo, o professor ao narrar uma história, conscientemente está contribuindo para o processo de alfabetização das crianças, que, na sua percepção, estão se divertindo. Entretanto, cabe destacar que não é a natureza da atividade que provoca isto - aprendizado e prazer - mas, a forma como o professor apresenta a atividade para a criança. O lúdico muitas vezes é aplicado na escola para completar os espaços vazios do plano diário, ou seja, é “negligenciado seupotencial educativo”. Isto se materializa quando um professor não faz um plano de aula adequado, não planeja cuidadosamente como usar seus recursos pedagógicos, quando não pensa em sua sala de aula, como um espaço acolhedor para seu aluno, entre outros fatores. (SILVA, 2020, p. 35). A adoção dos jogos e brincadeiras como recurso para “passar o tempo” é o reflexo da dificuldade em compreender a dimensão da ludicidade como elemento essencial na educação infantil. Situações como “aulas livres” - aquelas em que os professores deixam os alunos brincarem, por determinado tempo, sem haver alguma forma de intervenção, ou mesmo intencionalidade atrelada a um plano de trabalho - são exemplos dessa falta de compreensão.(SILVA, 2020). 24UNIDADE I Ludicidade Acreditamos que neste momento de nossa unidade já tenha ficado claro que tra- balhar com jogos e brincadeiras não é perda de tempo. Apresentamos várias situações concretas que apresentaram condições que permitem levar os educandos a desenvolver competências e habilidades no ambiente escolar. Reconhecemos que pode ser complexo trabalhar sob o princípio da ludicidade. Existem algumas variáveis que podem distanciar o professor de adotar uma postura didá- tica nessa direção. Entre as barreiras existentes, apontamos a questão comportamental como um dos principais. Quando pensamos em trabalhar na escola, por meio dos jogos e das brincadeiras, automaticamente, admitimos que o ambiente ganha contornos distintos, muito próximo à indisciplina - isto porque nosso desejo é que aulas que tenham características favoráveis à manifestação da alegria, do prazer. As crianças gritam, falam alto, correm para todos os lados, disputam a atenção, entre outras situações. Ao contrário de um ambiente com características mais formais, e de certa forma, mais rígida. (SILVA, 2020). Esse comportamento, aparentemente mais “indisciplinado”, exige que o professor tenha ainda mais controle da situação. Quanto maior o espaço que o professor permite a autonomia, isto é condição imprescindível para a ludicidade, maior o desafio enfrentado pelo professor. Porém, a ludicidade estará mais presente, mais intensa. “O contrário também é verdadeiro, quanto maior o controle e menor a autonomia permitida aos alunos, menor será o espaço da ludicidade no ambiente escolar.” (SILVA, 2020, p. 36). Apesar de não haver uma “receita” sobre como permitir a autonomia dos alunos dentro de um ambiente lúdico, mas, há algumas direções, como por exemplo: administrar momentos específicos com maior ou menor regulação no comportamento das crianças. Outro encaminhamento, é contar com espaços para o debate, o feedback com as crianças. E, nessas “rodas de conversas” levar para elas, as situações que ocorreram para elas debaterem sobre o assunto. (SILVA, 2020, p. 36). O processo é moroso e está de acordo com o processo de amadurecimento dos alunos e também do professor. As dificuldades encontradas são etapas que precisam ser superadas. Ao adotar posturas mais tradicionais, e de certa forma, mais distantes da atmosfera da ludicidade, é provável que algumas questões de caráter operacional sejam resolvidas de forma mais rápida e prática. Entretanto, é questionável a dimensão da autonomia con- quistada pelos alunos. Assim, organizar as crianças sentadas em círculos, e pedir silêncio para começar a atividade, por exemplo, um jogo, pode dar a sensação de uma aula mais organizada, mais disciplinada, mas há vários fatores restritivos no processo de aprendizado da criança. 25UNIDADE I Ludicidade “Alegria infantil permite com que essa criança apresente um comportamento infantil próprio das características de sua idade, e todas as suas emoções podem ser potencializa- das. A brincadeira faz parte de tudo isso.” (SILVA, 2020, p. 36). Para tanto, o jogo e a brincadeira são conteúdos que nos dão condições de estar mais próximo dos aspectos da ludicidade. Vale pôr em evidência que nem todo jogo vem a ser lúdico, pois, a motivação das crianças em participar, de maneira relativamente espon- tânea e voluntária, por mais que tenha do professor organizando e coordenando, é o que determina a dimensão da ludicidade. SAIBA MAIS Caro(a) acadêmico(a) para saber mais sobre a temática abordada, vamos agora fazer um exercício prático. Trouxemos para você um desafio. Uma situação-problema, muito ligada com que nós discutimos nesta unidade. Vamos lá! Você é um(a) professor(a) responsável por uma turma da educação infantil em uma escola ou o psicopedagogo(a) da escola ou de uma clínica. Nesse período, você gostaria de aplicar um jogo para estimular a oralidade das crianças. Para isto, você optou por fazer o clássico bingo. Desta forma, indique algumas sugestões de como or- ganizar a atividade para desenvolver com eles. Resposta: Elabore as cartelas de bingo com figuras de animais (dê preferência aqueles mais co- muns); Produza várias peças com as figuras dos animais que estão nas cartelas; Apresente às crianças os animais (um de cada vez) e peça para elas falarem em voz alta o nome do animal; À medida que as crianças vão identificando os animais, coloque as figuras em um reci- piente ou em uma sacola; Explique para os alunos a dinâmica do jogo (cada vez que houver uma peça “canta- da”em sua cartela, coloque ela em cima da figura da cartela; Convide uma criança de cada vez para “cantar” a peça sorteada; Como variação, você professor(a) pode pedir também para que a criança imite o som do animal. Fonte: A autora (2021) com base em Silva (2020). 26UNIDADE I Ludicidade 2.3 A ludicidade no trabalho do professor É de conhecimento de todos o quanto a escola pode proporcionar um ambiente lú- dico para a aprendizagem significativa, mas muitas vezes não é nesse cenário que a apren- dizagem ocorre. O pano de fundo que se descortina em muitas realidades educacionais brasileiras é a intercorrência de uma aprendizagem mecânica, baseada na memorização e em metodologias que não se contextualizam com atividades práticas do dia a dia e que não refletem a realidade da infância. A aprendizagem só é significativa quando se processa a interação entre conheci- mentos prévios e conhecimentos novos - interação que é não arbitrária (interação lógica, e não forçada com a estrutura presente). (AUSUBEL, 2003). A teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (2003) propõe um novo modelo muito menos engessado, mais dinâmico, relacionado às práticas cotidianas e com foco na resolução de problemas. Nesse contexto, os aspectos lúdicos ganham um significado especial. Um educador comprometido com a aprendizagem dos alunos não deve focar, em seu trabalho, somente a memorização; ele precisa vivenciar uma práxis que tenha significado para o aluno. As brincadeiras e os jogos comumente fazem parte da rotina dos alunos, aliados aos demais aspectos lúdicos, como a literatura, os desenhos, a música, a dramatização e a arte como um todo, promovem resultados mais produtivos para a apren- dizagem. A atividade lúdica em si, no entanto, nem sempre gera aprendizagem. Ela precisa da mediação do educador, planejada e intencional. (TEIXEIRA, 2018). Esse profissional precisa conhecer as propostas da legislação brasileira, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como estratégias didáticas e metodológicas de ensino. Em todos os documentos citados, há implicações diretas e indiretas sobre a im- portância da abordagem lúdica nos espaços escolares para o desenvolvimento das ha- bilidades cognitivas, emocionais, motoras e sociais. Inusitadamente, porém, os aspectos lúdicos forma suprimidos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, mas se destacam na resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Resolução n. 1, de 7 de abril de 1999, em seu artigo 3, incisoI alínea c: “Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais”. (BRASIL, 1999, p. 1). Consideramos que é preciso refletir sobre a manutenção e a continuidade dos aspectos lúdicos no ensino fundamental, não restringindo-o à educação infantil. 27UNIDADE I Ludicidade A formação lúdica do professor é um passo importante para as atividades lúdicas sejam levadas mais a sério nas escolas e passem a ser mais utilizadas, através delas o aluno interage com diversos meios, como conteúdos do seu próprio cotidiano, as diferentes linguagens que podem ser expressadas, as interações com o meio e as regras de cada jogo, tornando o seu aprendizado mais plural, alegre e dinâmico. (DUPRAT, 2014, p. 7 - 8). Nesse sentido, é importante que o educador reflita sobre como a ludicidade pode contribuir para o desenvolvimento do potencial criativo dos alunos, apresentando desafios de valor sociocultural em uma perspectiva mais dinâmica. (TEIXEIRA, 2018). Assim, pode- mos enfatizar a relevância dos aspectos lúdicos para a formação docente como recursos que definem as ações pedagógicas. REFLITA Caro(a) acadêmico(a) agora, com base no que aqui foi exposto, reflita: Como você acha que as atividades lúdicas podem favorecer a aprendizagem? Em que momento elas po- dem contribuir para o desenvolvimento infantil, não sendo meramente um passatempo ou uma atividade apenas com fins de entretenimento? Fonte: A autora (2021). 28UNIDADE I Ludicidade CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) acadêmico(a). Chegamos ao final da Unidade I da disciplina de LUDICIDADE NOS PROCESSOS PSICOPEDAGÓGICOS, nesta primeira unidade intitulada “LUDICIDADE”. Ao longo da unidade apresentamos uma discussão sobre a Ludicidade com base em alguns elementos do contexto histórico e cultural da ludicidade, bem como autores renomados como Vygotsky (2007) e Piaget (2010) da psicologia, Huizinga (2019) da fi- losofia, Caillois (2017) da sociologia e Kishimoto (2017) da pedagogia, estudamos suas contribuições para a ludicidade e ainda a manifestação cultural da novas tecnologias na ludicidade, bem como abordaremos a ludicidade na educação, em suas dimensões lúdicas: jogo, brinquedo e brincadeira e como uma atitude pedagógica na prática do professor de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Assim, convidamos você acadêmico(a) interessado(a), a consultar as indicações de leitura complementar, filmes e as referências, de modo a aprofundar seu conhecimento. Boa leitura! 29UNIDADE I Ludicidade LEITURA COMPLEMENTAR Para nossa leitura complementar, indicamos o trabalho do autor Cipriano Luckesi, intitulado “Ludicidade e formação do educador”, publicado na Revista Entreideias. O artigo trabalha dois temas: o que é ludicidade e a formação do educador para ensinar de modo lúdico. Ludicidade é compreendida como experiência interna de inteireza e plenitude por parte do sujeito. Para ensinar ludicamente, o educador necessita cuidar-se emocionalmente e, cognitivamente, adquirir as habilidades necessárias para conduzir o ensino de tal forma que subsidie uma aprendizagem lúdica. Fonte: LUCKESI, C. Ludicidade e formação do educador. Revista Entreideias, Salvador, v. 3, n. 2, p. 13-23, jul./dez, 2014. Disponível em https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/entreideias/article/view/9168 Acesso em maio de 2021. 30UNIDADE I Ludicidade MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: O lúdico na prática pedagógica. Autor: Abel Bemvenuti, Alice Bemvenuti, Angela Ariadne Hofmann, Fábio Brazil, Isabel Marques, Lucrécia Raquel Fuhrmann, Márcia Castiglio Da Silveira, Rochele Da Silva Santaiana. Editora: InterSaberes. Sinopse: Este livro levará você a aprofundar sua compreensão sobre o lúdico como prática pedagógica. Dessa forma, você pode- rá construir sua própria noção de ludicidade, partindo de vestígios da própria infância para compreender a brincadeira como “coisa séria”. Os textos apresentam reflexões sobre a brincadeira e o jogo na construção do simbólico e do imaginário, com seus possíveis impactos nos processos cognitivos e afetivos dos alunos. Os te- mas abordados nesta obra têm também o objetivo de impulsionar as possibilidades de projetos e propostas de estudo na escola. FILME/VÍDEO Título:Tainá: a origem. Ano: 2013 Sinopse: Piratas da biodiversidade invadem a área da floresta ama- zônica onde vive Maya, jovem índia que é vítima do ataque predatório, deixando órfã a bebê Tainá (Wiranu Tembé). Abrigada entre as raízes da Grande Árvore (sapopema), a criança é salva e criada pelo velho e solitário pajé Tigê. Cinco anos depois, ele leva Tainá à aldeia do seu povo, onde está para ser recolhido o novo líder defensor da natureza. Por ser menina, Tainá é impedida de se apresentar ao combate, mas pela herança de Maya, a última das amazonas guerreiras, e com apoio de Laurinha, esperta menina da cidade, e do índio nerd Gobi (Igor Ozzy), a indiazinha parte para derrotar os malfeitores, desvendando os mistérios de sua própria origem. 31 Plano de Estudo: A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ● O lúdico como recurso psicopedagógico na aprendizagem e reaprendizagem. ● Recursos psicopedagógicos com ênfase no lúdico. Objetivos da Aprendizagem: ● Estudar os representantes das teorias psicogenéticas: Piaget e Vigotski; ● Estudar o representante da psicanálise infantil: Winnicott. UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança Professora Me. Fabiane Fantacholi Guimarães 32UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança INTRODUÇÃO Prezado(a) acadêmico(a). Seja bem-vindo(a) à Unidade II da disciplina de LUDICIDADE NOS PROCESSOS PSICOPEDAGÓGICOS, para o curso de graduação em Psicopedagogia. Nesta segunda unidade intitulada “O PAPEL DO BRINCAR/JOGAR NO DESENVOLVIMENTO DA CRIAN- ÇA”, estudaremos os pressupostos teóricos de Piaget e Vigotski, principais representantes das teorias psicogenéticas, bem como o representante da psicanálise infantil Winnicott. Elaborar esta unidade foi de grande significado no papel do brincar no desenvol- vimento infantil a partir da perspectiva das teorias psicogenéticas e da psicanálise infantil. Esperamos que estes textos colaborem para a sua melhor compreensão sobre o tema de nossa primeira unidade. Boa leitura! 33UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança 1. REPRESENTANTES DAS TEORIAS PSICOGENÉTICAS: PIAGET E VIGOTSKI Neste tópico abordaremos caro(a) acadêmico(a) sobre as contribuições das teorias psicogenéticas à construção do papel do brincar/jogar no desenvolvimento da criança. As teorias de Piaget e Vygotsky apresentam afinidades e divergências sobre determinados temas, mas comungam, ao nosso ver, de uma visão interacionista de desenvolvimento humano e aprendizagem. O interacionismo entende que o desenvolvimento e a aprendizagem humanos acontecem por meio da interação entre o indivíduo (questões internas) e o meio (dados externos) onde está inserido. Dessa forma, o ser humano é visto como um ser ativo que ao interagir com o mundo se desenvolve e aprende. A cultura e o momento histórico nos quais o sujeito está situado também influenciam o desenvolvimento das possibilidades cognoscentes. (LEPRE, 2008). Por meio do pressuposto interacionista, a psicogenética pode ser definida como “o estudo da origem e do desenvolvimento da mente e do conhecimento”. Portanto, as teorias psicogenéticas coincidem em seu objeto de estudo: “[...] definir a maneira como se origina e se desenvolve o conhecimento no ser humano”. (LEPRE, 2008, p. 311). É importante lembrar que Piaget e Vygotsky realizaram suas pesquisas no campo da Psicologia, mas que seus nomes foram difundidos, sobretudo, nos meios educacionais, haja vista a colaboração de seus estudos para a Educação. Aqui caro(a) acadêmico(a) devem estar se perguntando, mas faltou o autor Henri Wallon,que também contribuiu para esta teoria. Correto estudante! Mas em nossa unidade focaremos nos dois autores citados e deixaremos você caso tenha interesse em se aprofundar nos estudos de Wallon em pesquisar mais sobre. 34UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança 1.1 Piaget: um pouco da sua vida e da sua obra Jean William Fritz Piaget, biólogo, nascido em Neuchâtel, Suíça, em 9 de agosto de 1896, desde muito cedo revelou suas qualidades de investigador da natureza, dedicando-se ao estudo de moluscos. Seguindo um itinerário rigorosamente coerente, a par de trabalhar na natureza, Piaget passou por quase todos os domínios do conhecimento até chegar à lógica formal e à teoria da ciência. Entretanto, foi como epistemólogo - teórico voltado para a questão do conhecimento ou, ainda, para os mecanismos que produzem conhecimento - que Piaget deixou sua maior contribuição para a educação, ou seja, buscava conhecer o “sujeito epistêmico”, o que signi- fica dizer, o indivíduo em seu processo de construção do conhecimento. A história de Piaget mostra que ele jamais pretendeu escrever um manual por meio do qual o professor aprendesse a ensinar; foram os profissionais da educação que busca- ram em sua teoria subsídios epistemológicos para melhor entender o desenvolvimento da inteligência infantil. Dessa forma, foi na condição de epistemólogo que Piaget pesquisou a formação das estruturas intelectuais da criança. Investigou cientificamente a criação plástica, a linguagem e as atividades lúdicas infantis. Com os dados coletados nessas pesquisas, escreveu sua grande obra, não somente em volume como também em importância. Obra essa que é composta por inúmeros livros, trabalhos, pesquisas etc… A denominação epistemologia genética surgiu com o fato de Piaget afirmar sempre que “Não há gênese sem estrutura, nem estrutura sem gênese”, por isso esse conceito está centrado nos termos epistemologia (teoria do conhecimento) e gênese (origem, começo, base). (BALESTRA, 2012, p. 19). Compreender a gênese do conhecimento infantil era, portanto, sua meta. Embora nunca tivesse procurado usar suas experiências para fins estritamente pedagógicos. Entre suas inúmeras produções, podemos encontrar: A linguagem e o pensamento da criança (1923), O juízo e o raciocínio da criança (1924), A representação do mundo na criança (1924), A causalidade física na criança (1927) e O Juízo moral na criança (1932). Num segundo momento da sua produção teórica, Piaget escreveu: O nascimento da inteligência (1936), A construção do real na criança (1937), A gênese da noção do número (1941), O desenvolvimento das quantidades físicas na criança (1941), Classes, relações e números (1942) e Formação do símbolo na criança (1945). 35UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança Nesses trabalhos, Piaget abordou os problemas relativos à formação da inteligência infantil. Os resultados das suas investigações ressaltam aquilo que consiste na verdadeira essência da sua teoria: o desenvolvimento da estrutura do raciocínio lógico da criança. É Importante salientar que, ao longo de sua vida, Piaget cultivou um grande sonho: “o de contribuir para a formação de uma sociedade justa e igualitária”. Entretanto, a con- cretização desse sonho passaria, sem qualquer sombra de dúvida, pela educação escolar. (BALESTRA, 2012, p. 20). Sua teoria é o caminho para a realização desse sonho. Suas pesquisas em torno da formação e do desenvolvimento das estruturas mentais da criança permitiram que a prática pedagógica se adequasse melhor às condições biopsíquicas e sociais do aluno. O desenvolvimento espontâneo da criança é possível de ser diagnosticado por meio das atividades deixadas por Piaget, que oportunizam ao professor conhecer as estruturas mentais do aluno nas suas diferentes faixas etárias e, de posse dessas informações, o pro- fessor pode promover, em sala de aula, situações desafiadoras que motivem o crescimento intelectual do educando. A trajetória profissional de Piaget foi longa e extremamente produtiva. 1.1.1 Epistemologia genética: definição, natureza e abrangência Para Piaget, os estágios psicogenéticos mais elementares, situados no domínio da psicologia, são precedidos de fases consideradas organogênicas, de domínio da biologia. Portanto, para recuarmos à gênese do conhecimento, é preciso ter em conta que o ato de conhecer é resultante de uma construção simultânea - desenvolvimento e aprendizagem - que, para ser estudada em sua origem e evolução, necessita da contribuição teórica também e, sobretudo, da biologia e da psicologia. Na perspectiva, antes de tudo é preciso saber o que nos leva a diferenciar educar de ensinar. Por educar “entendemos atuar junto ao sujeito visando seu integral desenvolvi- mento”; já ensinar - para nós - “é agir de forma a possibilitar ao educando o acesso ao conhecimento, intermediando sua busca por novos horizontes em direção à cidadania”. (BALESTRA, 2012, p. 24). A expressão epistemologia genética significa “a passagem de um conhecimento inferior e mais pobre para um saber mais rico em concepção e extensão” (PIAGET, 1983, p.4). Assim, essa é a denominação atribuída à teoria de Jean Piaget, que estuda a evolução do fenômeno psicológico individual e, abstratamente, propicia um retorno às suas fontes, ou seja, à gênese do conhecimento. 36UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança Seus fundamentos teóricos visam provar os equívocos da epistemologia tradicio- nal, de cunho empirista, que se volta apenas para os estados superiores da inteligência, preocupando-se somente com as manifestações da inteligência, sem, entretanto, voltar-se às suas origens. (BALESTRA, 2012). A epistemologia genética investiga as raízes do conhecimento desde a sua forma mais elementar, seguindo sua evolução, seus níveis de desenvolvimento, até a forma es- truturante do pensamento científico. Caro(a) estudante, uma melhor compreensão dessa ideia será obtida na leitura no próximo subtópico quando abordarmos sobre os estágios do desenvolvimento da inteligência. Entretanto, todas as fontes de informações científicas oriundas das mais diferentes áreas do conhecimento, como física, química, matemática, biologia, entre outras, ganham projeção no âmbito da epistemologia genética. Isso a torna uma teoria de natureza inter- disciplinar. (PIAGET, 1983). Para maior clareza no entendimento do aspecto teórico-científico dos pressupostos piagetianos, convém ressaltar que há a necessidade da colaboração de um especialista em epistemologia da área que for pesquisada (PIAGET, 1983), ou seja, cada abordagem do co- nhecimento implica não apenas o seu respectivo saber, mas todos os saberes que a compõem. Exemplo disso é: à pergunta do aluno sobre a causa da queda de uma manga da mangueira, não basta que o professor lhe diga apenas que a manda caiu porque estava madura. A resposta do professor ao educando deve contemplar uma explicação muito mais abrangente: biologia (o ciclo da fruta na mangueira), física (a força da gravidade, o vento atuando sobre a árvore), química (a maturação da haste que sustenta a fruta no galho, diminuindo sua resistência), matemática (a velocidade da queda diante da distância entre o galho e o chão), entre outras. (BALESTRA, 2012). Não se esquecendo o mestre, todavia, das regras do uso do vernáculo na explica- ção, das bases culturais e das experiências prévias do aluno entre outros fatores que são indispensáveis para que este possa compreender por inteiro a explicação. Sobre isso, nunca é demais lembrar das palavras de Marina Müller (1987, p. 32, apud, BOSSA, 2019, p.90), psicopedagoga argentina: “mediante a aprendizagem, cada indivíduo se incorpora a este mundo com uma participação ativa, ao apropriar-se de co- nhecimentos e técnicas, construindo em sua interioridade o universo de representações simbólicas”. De modogeral, esse era o procedimento adotado nos trabalhos de Piaget sobre epistemologia genética. 37UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança 1.1.2 Os estágios do desenvolvimento da inteligência Cada estágio de desenvolvimento do ser humano caracteriza-se por uma determina- da estrutura de desenvolvimento mental, marcado notadamente pelos aspectos motor, inte- lectual e afetivo. Sobre esse processo a partir da psicogenética é que versa este subtópico. Os conhecimentos obtidos por meio da pesquisa psicogenética levaram Piaget (1970) a estruturar em estágios o desenvolvimento psicológico da criança. Com o intuito de melhor entender as peculiaridades e a evolução que caracterizam a formação das estrutu- ras intelectuais em cada um deles, foram divididos em quatro, vide o quadro abaixo: QUADRO 1 - OS 4 ESTÁGIOS COGNITIVOS DE PIAGET 4 ESTÁGIOS COGNITIVOS DE PIAGET IDADE CAPACIDADES DESENVOLVIDAS ESTÁGIO 1 - Sensório- motor Do nascimento até os 2 anos de idade da criança aproximadamente. Sentidos e manipulação de objetos. Permanência do objeto. ESTÁGIO 2 - Simbólico ou pré-operatório Dos 2 anos aos 7 anos aproximadamente. Imaginação e memória. Compreensão sobre a ideia de passado e futuro. ESTÁGIO 3 - Operatório concreto Dos 7 aos 11/12 anos aproximadamente. Consciente sobre “os outros” e eventos externos. ESTÁGIO 4 – Operatório formal A partir dos 11/12 anos, com patamar de equilíbrio por volta dos 14/15 anos. Capaz de usar a lógica para resolver problemas, planejar o futuro e ver o mundo ao redor. Fonte: Elaborado com base em Piaget (1970). Em resumo, o estágio sensório-motor inicia-se com o nascimento. No começo da vida mental do recém-nascido, apenas os reflexos sensório-motores hereditários e instin- tivos têm a função de satisfazer o impulso básico de nutrição. Em seguida, os reflexos de sucção vão se aperfeiçoando e se tornando mais complexos, “por integração nos hábitos e percepções organizados, constituindo o ponto de partida de novas condutas, adquiridas com ajuda da experiência”. (PIAGET, 2004, p. 18). Essa fase pode parecer não ter muita importância para o desenvolvimento da crian- ça, mas, ao contrário, é um estágio marcado por extraordinárias transformações mentais e, 38UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança por conseguinte, o progresso da inteligência dá passos largos nesse período. (NOGUEIRA; LEAL, 2018). Na verdade, pode não parecer, mas essa fase é decisiva para “[...] o curso da evolução psíquica: representa a conquista, através da percepção e dos movimentos, de todo o universo prático que cerca a criança”. (PIAGET, 2004, p. 17). No início dessa fase, o bebê traz tudo para si, pega e manipula tudo o que vê; seus movimentos são sempre no sentido de trazer os objetos em direção ao seu corpo, para ex- plorá-los ou, simplesmente, e com muita frequência, levá-los à boca, em uma assimilação sensório-motora. Ao longo do tempo, por volta dos 2 anos de idade, quando se iniciam a linguagem e pensamento, on bebê vai se apropriando pouco a pouco do mundo exterior (físico e social) que o cerca. (NOGUEIRA; LEAL, 2018). Outras noções construídas nessa fase são as de causalidade e de temporalidade, assim como a evolução da inteligência, as quais “[...] são indissociáveis e constituem os dois aspectos complementares de toda conduta humana”. (PIAGET, 2004, p. 22). Nesse período, devemos lembrar que a criança se encontra “presa” ao “aqui” e ao “agora” pela ausência de representação simbólica (NOGUEIRA; LEAL, 2018, p. 130), ou seja, dá a possibilidade de representar o que não se encontra presente, construção que é realizada no estágio seguinte. Já no estágio pré-operatório da criança, as mudanças de conduta são profundas, tanto as intelectuais quanto as afetivas, pois por meio da linguagem, que é a grande con- quista do estágio, a criança torna-se capaz de retornar o passado e “antecipar o futuro”, ou seja, ela é capaz de “reconstituir suas ações passadas sob a forma de narrativas, de antecipar suas ações futuras pela representação verbal” (PIAGET, 2004, p. 24). A criança no estágio pré-operatório tem uma visão da realidade que parte do seu próprio eu, dessa forma, atribui às pessoas e ao mundo um sentido próprio de seus pensamentos e sentimentos. (NOGUEIRA; LEAL, 2018). Segundo Piaget (2004, p. 24), resultam três consequências essenciais para o desenvolvimento: [...] uma possível troca entre os indivíduos, ou seja, o início da socialização da ação; uma interiorização da palavra, isto é, a aparição do pensamento propriamente dito, que tem como base a linguagem interior e o sistema de signos, e, finalmente, uma interiorização da ação como tal, que, puramente perceptiva e motora que era até então, pode daí em diante se reconstituir no plano intuitivo das imagens e das “experiências mentais”. (PIAGET, 2004, p. 24, grifo do autor). Assim, nessa etapa, a criança passa a socializar suas ações por meio da lingua- gem, a qual se torna “[...] um veículo de conceitos e noções que pertence a todos e reforça o pensamento individual com um vasto sistema de pensamento coletivo. Neste, a criança mergulha logo que maneja a palavra”. (PIAGET, 2004, p. 28). 39UNIDADE II O Papel do Brincar/Jogar no Desenvolvimento da Criança A linguagem possibilita a troca e a comunicação entre a criança e o seu meio sociocultural, pois permite a ela representar o que se encontra ausente e se comunicar com o ambiente social, expondo seu mundo interior e constituindo-o, simultaneamente. Assim, iniciam-se as relações de subordinação da criança em relação aos adultos, que se tornam modelos a serem copiados, por serem considerados grandes e fortes. Nas trocas e intercomunicações existentes com adultos, entre si e consigo mesmas - em seu solilóquio - as crianças apenas apresentam seu ponto de vista em um monólogo, pois elas não con- seguem ainda argumentar como outro, o que vai diminuindo progressivamente dos 4 anos em diante. Por conseguinte, nessa etapa de pensamento, a criança permanece centrada em si mesma, ou seja, exibe um pensamento egocêntrico. (NOGUEIRA; LEAL, 2018). Essa também é a fase dos “porquês”, em que a criança reafirma o caráter egocên- trico do seu pensamento, já que, nessa etapa, o ser humano é o centro de tudo. Segundo Piaget (2004, p. 30), “[...] não há acaso na natureza, porque tudo é ‘feito para’ os homens e crianças, segundo um plano sábio e estabelecido, no qual o ser humano é o centro”. Dessa forma, o pensamento egocêntrico desse período dificulta muito a resolução dos problemas que a criança enfrenta cotidianamente, pois a percepção que ela tem sobre o mundo baseia-se, exclusivamente, em seu próprio ponto de vista. Uma grande conquista do estágio pré-operatório é a construção do que Piaget denominou de função simbólica, que envolve, além da linguagem, outros três aspectos: o desenho, o jogo simbólico e a imitação. Como escreve Piaget (2004, p. 28), [...] entre duas crianças, aparece uma forma de jogo, muito característica da primeira infância e que sofre intervenção do pensamento, mas um pensa- mento individual quase puro com um minimum de elementos coletivos: é o jogo simbólico ou jogo de imaginação e imitação. Entre 2 e 7 anos de idade, existe ainda uma inteligência prática que consiste, em síntese, na afirmação de que “[...] a criança é muito mais adiantada nas ações do que nas palavras”. (PIAGET, 2004, p. 33). A inteligência prática desempenha um importante papel nessa fase. Essa inteligência, por um lado, prolonga a inteligência sensório-motora do período anterior (pré-verbal) e, por outro, prepara a criança para as noções técnicas que se desenvolverão até a vida adulta. Nessa etapa, as crianças utilizam a intuição, e não a razão, para resolver proble- mas, “imitando” a realidade sem utilizar a lógica; são, também, incapazes de realizar a reversibilidade de pensamento. Já no estágio
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