Prévia do material em texto
STRNADOVÁ, Vera. Castigo Editora Ltda. M.E. p. 118-119. No terceiro ano, tivcnros unra profèssora muito rígide. Já no segunclo dia de ar-rla fìcou muito zanqlcla comigo. I\ecebe- nfos l terefi de coloc:rr rs etiqtrcres nos cadernos. Tentava escre\¡er-. conr nruico esnlero, o nonle de nratéri¿r e depois o nfell uonre. Não era o bastante. A prolessora devolveLr-llle o crderno porque estiìva faltanclo Lrnì pol-tto depois do nome da nr:rtéril. Não entendir o qne estílvn nre pedindo, nurìca antes hlvíanros feito isso na escoi:r. Quancìo entendi final- rlìente do quc se trf,rava. telltci agr:rcìá-la. Fiz nnr ponto bent caprichado rpós o nonr.c da nurér'ia e n:i linha nrais rb¡ixo, depois do meu llome, fiz or-rtros cinco lindos pontinhos. Es- forcei-nre plra qLle ficassem benr enr cirna da lir-rha. l)evolvi o cade.,-no e não acreditei, nunca vi ur-u¡ protessora tão ner- rrosa. Enr vez de elõgio, levei a nraior bronca c nenì entendi por qLre. Acho que seria mais eficiente clizer que não era pera fizer ¿rssinr. l)esde aquele clia, tive rnuito nredo desta profèssor-a. N:ìo sentia nenhum prazer nas aulas. Nio er¿r ape¡Ìxs por caLrsa deia Todo dia aguarclav:ì col-ìr medo o fìnal das ar-rlas, o iní- cio cìc um dia conìLrn-t enl intcrnato. Qr-rem iria apanhar hoje? Serei eur oLr outra criança? Por qtre :r ltronitom rlullca está lá prra lìos defender? ,Ficavl l-lll.lico desrrenra nes aul¿rs. Hoje, esca professora nl-ro está nìais vivl. Que pena. Iria acrás dela para fàzer as pâzes. Collfess:rrin a ela que minha intencio não era irritá-l¿r nras, pelo conrrário, de agradá-la. Qr.rando crianca, não erl capaz de uma explicacão desses. Castigo por causa de cinco pontinhos por causa de cinco pontinhos. ln:_. Gomo é ser ISBN 85-85626-02-X. Original Tcheco Jaké jê to nesly.et. surdo. Tradução de Daniela Richter Teixeira. Petrópolis/RJ: Babel Os ditados eram bastattte dificeis pala mim, pois não entendia ¿ìpenxs através do aparelho auditivo, senr fazer a lei- tura labial. Do mesmo modo conìo era feito nas escohs para ouvintes, cambém aqui, a professorl clitava e os alunos escre- viam. Ao contrário das crienças ouvintes, para nós isto repre- sentavâ um problema, conl a audição n¿ìo entenclíamos a fala e precisávanros ver a professora. Até para uma surdo adulto a leitura labial poderá ser dificil, não entendendo logo na pri- meira vez o que foi dito lnfeiiznrente, não consigo nlexer cada olho sepalada- mente conro alguns animais. Só posso escoiher entre duas possibilidades. ou presto atenção nos iábios da professor:r, ou escrevo. Quando estâv:t escrevendo, fìcava conr medo de perder a fi-ase seguitrte. Enquatrto vigieva quzrlquer movi- nento da boca da p:-efstt.ra, a minhrt letr:r era horrível, nli- nha mão não era leve o suficiente parâ escrever rápida e lin- damente. Tinha rnuita pressx para poder obselvar a tempo a boca cla professora. À, ,r"t.t, nem f,cettava esclever direito em cima da linha. Ganhávatnos nota pelos ditedos. Mas o resultado de um ditado parx'as criauças surdas depencle da capacidade momentânea de ler os lábios. Esta capacidade é diferente entre as crrancas e, nunra lllesr.ìra crianç1, cnt períodos clifetentes. A gente não consegue influenciar a capacidacle ntonr.entânea de leitura l:rbiai. Esta caprcidade diminui muito conì o can- saço. Classificar os ditados das crianças surdas dentro da ma- téria de granútica não é celto. Espero que hoje esta prática tenha mudado. STRNADOVA, Vera. O labirinto. ln:_. Como é ser surdo. Tradução de Daniela Richter Teixeira. Petrópolis/RJ: Babel Editora Ltda. M.E. p.208-21O. ISBN 85-85626-02-X. Original Tcheco Jaké jê to nesly.et. Enr Pr:rga, eu não qosto de vi¡ar de nrecrô. I)izenl que é o nrais nroderno e nrlis boniro da Er.rropl... Mas no que diz respeito :ros p:rssageiros surdos, o nletrô está atrasadíssinro. Nele. eu nre sinto conìo Lìllì rato ¡lo labirinto C)urros passrgeiros lrão esrio rlÈnì Lrnt pouco preoclr- pedos Viljrnr de nretrô todos os di:rs e depois cle tantos r¡ros, _¡á se rcc:rstunìamnì conì setrs itinerários. Entrlnt ltos dife¡en- tcs rúneis senr vacillr e sÈnìpre entr:ìlll no vrqio certo, rudo rsso senl Pelìsar M¡s e nós, pessors'de outr¡s rcqiòes do plis? Entr:ttlos no lrrecrô e descemos pela esc:rd:r rollnte qtle rtos cospc enl tunlr conrprida plataforrir:r. Os tt'ens plss:ìlll ent rnrbos os h- dos d:r plarrtbrma, basta enrrar enl rrllì deles . rlrrs..- etri qu:rl? Não sei de que lado passr o nlelÌ trenr Concordo, existem as pllcas com os nonres dls esr:rções fin¿ris enr anrbos os lldos. nras não informlm os nonrcs cl:rs estacòes por onde o ¡letrô passa (por que será?). Eu vott descer, nrais ou tltenos, n:f nretade do trajeco e não sei quc c'lireçio devo tonr:rr. As plrc:rs inclicativas com os nonìcs de todas as estrçöes estìo loc¡lizad:ls enr aìgum lugar no nreio dl compri5la pìatafolnr;r. Perco clois trens antes de achlr o qu:ìdro de lvisos-Esrudo-o lo¡rqenrente e com muita atenção - precisarei nle lenrbr¡r clos nonres des esraçôes por onde o ¡riecrô pass:rrá e o d:r ¡rri- r-rha pu'ecla. Não posso errar. Sc o v:rqìo estivcr lotedo, po- derá ¡contecer que serei obrig:rtìe ficrr longe da porrl oncle estão afìxados os nones das escações. Assim, só poderei con- tar com r minhl memória fraca. Nio vou poder enxergar' por cimr das cabeças de outras Pessols, :r pleca lá fora conr o nonre da estação quando o trenr do metrô parar, princip:rl- nlente se o nreu vagão não plrar exltxnlente em frente dela' Sou obrigld:r a cont;ìr as estações de menlória (odeio fazer essa contlgenr). Não posso mistutar nada' A minha estação é O labirinto "Sertlrcra, por -favor, pode tne auisar qrtattdo o ntelrô clrcgar tta estação "Andel?" "Mas vão avisar pelo alto-falatte!" "Hnt... Eu scí... É q,r, ,,, soit sttrda ' "c quase peço desculpas' I)e novo a nralclita dependência Enl todo luqar' r roda hor:r' depencier das pessoas corlhecidas or-r descollhecid:'s' C¡¡rrro é desagradável. Eu acharia ótimo se nos vlgòes exlstissenì qu:rdros de avisos h¡minosos e que semPre acendcsse ulrra lltzinh:r cor- respondertte à estrção na quaì o trenÌ estivesse p:rrando na- quele monento- Etr vi isso nrs nrinh'¡s viagens ao extetlor' Pelo menos na Alemanha é assinr: É m''tito ber-n perlsado' Aqui, nos bondes e em alguns ônibus' o urotorista ¿vi- sa o nome da estação pelo alto-falante (ìs vezes ê trtna gtavl- ção). Se estou fazendo unr itinerário rlovo e eirrd:r desconhe- cido para nrim, fico enr pé logo acrás do tlrotorista e explico para ele, xo entrar, que soLr stlrd:t e para onde vott' Outra vez venr a chrta dependência da boa vontade e d:r nremória dos oucros. No l.rretrô é ilrrpossível fìcar :rtlás do rrrotorista, já que está nutrra cabine separ:acla' Assinr, tenho que incomodar os passageiros. Aindl bem que eu sei falar' Mas e os nleus anlr- gos surdos que tênì LrnlíÌ etìor¡tle ditìculdade eur se conruni- cxr conì os ouvtntes? Qtrando escrevi qne os nioradores de Pr:rga viajam de metrô senr problelììxs, trão era, totrlnrente, a verdade. Eles conhecent seus itirrerários perfeitamente' lll:ls correnl o Pell- go de serem corrados xo nleio pela porra do v:rgào. Otr que fiquenr senr o bt'aço, senì :r Pelnâ otl conÌ a bols¿r presa entre as drurs llretrdes dr polta. Perguntenr aos st-lt'dos cle Praga durrnce quanto tellrpo tiverxtrr que atldrt pelas rcpaltiçòes e pedir, hunrildellÌerlte, Pxrt que fosse colocldr tlnu sin¡liza- ção luminosl de segurançit Vocês lchllnr qr'te os burocratas enterìclerînl, pedir:rur as desculpas e plovidencirralìì, illledi- âtinìellte, o necessário? Não sejarrr bobos Até lro t-tosso metrô, o ul;tis ntodertro e trr:tis borlitcl c'lll Er-rropa, o embarqr-re e o desenrblrque são perlgosos Par:l os sur clos. STRNADOVA, Vera. A proximidade indesejável. ln:- Como é ser surdo. Traduçåo de Daniela Richter Teixeira. Petrópolis/RJ: Babel Editora Ltda. M.E. p. 185-186. ISBN 85-85626-02-X. OriginalTcheco Jaké jê to nesly.et. Os ouvintes desconhecidos e ben educados não se encaranl quandose encontram involuntarialttente rnuito próximos r.rns dos outros. Principalmente no espaço exíguo de um eleva- dor. Um geralmente olha para a porta e oLrtro pâra o chão ou para o teco. Este desvio de olhar'é instinrivo; se não houver ourro jeito e for necessário ficar bem perto de outra pessoâ, o desvio do olhar demonstra respeiro e boa educação. Se, nLrma situação dessas, unl encarar o outro, é tido conro alguént sem bons nrodos. Se um homeru encara de perto rula nrulher descorrhe- cida, é considerado atrevido. E o que diriam de uma mulher se encarasse assim um homem? Sinto nruito, ntas às vezes sou obrigada a conteter tal indiscrição. Por exemplo, quando entro no elevador, en1 vez de desviar o olhar da pessoa que se en- contra dentro preciso encará-la para saber se não está per- guntando qual é o nreu andar. Se for algum colega do traba- lho não posso deixar de responder algunr conrenráúo amistoso, conlunÌ entre os colegas. Mas nresmo agindo cle uma manei- ra ou de olltrx, não consigo âcertar:. Se desvio o olhar, não percebo se o oLrtt-o falou alguma coisa. Se, ao conrrírio, fìco a encará-lo, sou desagradável. No decorrer do tempo, elaborei uma tática. Entro no elev¿rdor e, senr esperar pela perguntl, digo logo qual é o nreu andar ou apeüo o botão correspondente sozinha. De- pois me posiciono de tal maneira que não fico de fi-ente para A proximidade indesejável e oLrtra pessoa, mrrs elrr pernullece no nreu can-rpo visurl. O nrelhor itigar é o carìto no fi-rndo da cabine. Enfio-nre de costas rìo canto e fico rra cliagonai eu relação a ela. Assumo unl¡ expressão neutra e fìxo nreu olhar em algum pot-ìto ao lado do rosto dela. Finjo qure estou interessada no acab:rnren- to interno da cabine do elevador, nras preciso ficar atentâ e se notar pelos carltos dos meus olhos algunr nrovinrento llos Iábios do outro, presto atençio para cntender o que está cli- zendo. Depois desvio o olhar e respondo. Tento falar duran- te todo o tenlpo que me resta até nreu tndrr para não preci- ser ler nos lábios a resposta. Isso signifìcrria lancar nreu olhar ao movinrento dos lábios dele. l)e acordo conl a etiqueta dos ouvintes. seria falta de educrção. A conversa só pode ser pr:r- ticada no couedor numa distância nrais respeitável. . Pensando benr, uma dis¡ância nr:rior é melhor tambénr para mim e não só por callsa da etiqueta. Em condicões nor- mais, o sr-rrdo não conversíì cont ninquénr que estír muito perto, meslno que seja alguénr da sr-n intintidade. Não con- seguiria entender di¡eito. Flçlm ess:r experiêncir algunr clirr. Sentenr-se ao laclo de um surclo nnnra distância rproxinrada de nreio netro. Ele estanclo sentaclo, n:ìo poderá af,rsrar-se facilmente de vocês- Comecenr a faìar e observem-lio. O surdo v¿ri collÌecar por afastar a cabeca e clepois a parte supe- rior do corpo. E isso vai acolltecer ntesnto que vocês nãô cenham conriclo alho ou cebola. Ele se afastará, sinrplesnren- te, para poder ler seus lábios. Isso não é possível nunìa disrân- cre nÌutfo pequena. STRNADOVA, Vera. O que aconteceu por causa dos lírios. ln:-. Gomo é ser surdo. Tradução de Daniela Richter Teixeira. Petrópolis/RJ: Babel Editora Ltda. M.E. p. 129-130. ISBN 85-85626-02-X. OriginalTcheco Jaké jê to nesly.et. C.tt" vez, lnossa classe saiu para um passeio. Fomos de bonde até a periferia da cidade e depois fomos pessear no bosque. Quem acha que leva¡ as criancas surdas para pâsseaï é o mesmo conro conr as ouvintes, está enganado. Em primeiro lugar, é nuito dificit manter uma classe de criancas surdas num grupo coeso. As criancas conversanl entre si e, cono são surdas, precisanr olhar uma para olltra e não ao seu redor. Algumas vezes, afastam-se um pouco do grupo sem querer. É impossível chamá-los conl ^voz.É pr.- ciso alcancá-las uma I unìa, fazer conr que olhem para o professor e, então, repreendê-las. Enquanro isso, é preciso vigiar todos os outros. É ,r.n rrabalho de Sísifo. Lembro conlo eu e minha amiga tirantos, sent querer, o sono dos nossos professores: nós nos perdemos no bosque. Naquele dia, os lírios silvestres invadianì o ar cont seu perfu- me e, por isso, resoivemos colher alguns. Ficamos cão entretidas enr procurar as flores, que nos separanlos do gru- po. Se pudéssemos escutar, saberíanos enr qLre direção deve- ríamos anda¡ para alcancá-lo. Mas assinr, ficamos sem saber o que fazer. O buquê dos lírios não tinha nrais a nìenor graca, sentimos muito medo. Ficamos paradas por algr-rnt [entpo na esperanca de que alguénr voltaria para nos buscar. E se al- guém resolvesse nos buscar e não nos encontrasse naquele lugar? Imaginar conr.o é procurar uma crianca surda nunr bosque é absurdo, pois a criança pode ter romado qualquer direção e não irá ouvir o chamado, qr-re poderia orientá-la. O que aconteceu por causa dos lírios lìesolvemos, Eva e eu, andar serìlpre par:a fì-ente ettr linh:r reca - enr aiqum h-rgrrr o bosque tinha que terminar- Lembrei que havi:t licìo que ulììf, Pesso:l per:dida no nrato costLrnra andar enr círculos. Tivenros solte e achalios a saída. Mais adi:rnte, encoutrlnÌos Llma mtilher e perguntalnos a ela conlo ir para casa. A boa senhora deu-nos algum dinheiro e lrlostrou a c'lireção certa drr parada do bonde. ,\incla bem que â noss:r história teve final feliz. Nunca nìe esqueci do que passei. Senrpre, quaudo s:tio para pìsse:ìr conl nlclls anligos' presto muita rtenção para não nìe sep¿ìral- do gupo- E o que não passerant os coitados clos nossos profèsso- res quando descobrirenÌ que estão faìta¡ldo cluas crianças? Melhor neÌl penser. Sinto pena deìes até hoje. Sei que tanr- bém eles não se esqLìeceratll deste episóclio; otltro dil, relenrbrei o ocorrido cont Lìllt deles. Aqora não está nlais zangado comigo.