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Direito Civil - Direito das coisas Professor: João Guilherme USUCAPIÃO • Presente no art. 1.260 do CC/2002 O mais importante direito oriundo da posse, já que a usucapião é um modo de aquisição originário da propriedade pela posse continuada durante certo tempo. Essa posse, que permite a aquisição da propriedade, chama-se posse ad usucapionem. É a posse daquele que detém a coisa como se sua fosse – animus domini. A usucapião, faz predominar a situação de fato, de uso, sobre a situação formal. Assim, quem adquire por usucapião, adquire ex novo, apagando as situações jurídicas anteriores. No direito brasileiro, como já tratado, a posse de diferentes pessoas pode ser unida para fins de contagem dos prazos exigidos para a usucapião (art. 1.243). Atente para o art. 1.243. Segundo ele, o possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos arts. 1.238 a 1.242, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (accessio possessionis), contanto que todas sejam contínuas e pacíficas. Ou seja, não se exige que as posses sejam de boa-fé, literalmente. Por fim, de acordo com previsão do art. 1.244, estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. A exceção fica, obviamente, por conta da usucapião familiar, cuja suspensão da prescrição prevista no art. 197, inc. I (“Não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal”) não é aplicável, sob pena de virtual inutilidade do instituto. Em havendo posse ad usucapionem, com animus domini, possível se falar em aquisição da propriedade pela passagem do tempo. E se o tempo para a aquisição da propriedade não tiver sido preenchido quando da propositura da demanda? Segundo o Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil, esse prazo pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor. Modalidades de usucapião USUCAPIÃO PRAZO E CARACTERÍSTICAS 1) EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238 do CC) Prazos: • 15 anos de posse (regra) • 10 anos O prazo da usucapião extraordinária será de 10 anos se: a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual; OU b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé. Não importa o tamanho do imóvel. 2) ORDINÁRIA (art. 1.242 do CC) Prazos: • 10 anos (caput) • 5 anos (parágrafo único) O prazo da usucapião ordinária será de apenas 5 anos se: a) o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro e este registro foi cancelado depois; e b) desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Ex: o indivíduo compra um imóvel sem saber que havia um vício na escritura. Nele constrói uma casa ou uma loja. Essa hipótese do art. 1.242, parágrafo único (prazo de 5 anos) é chamada por alguns autores de usucapião tabular (veja item 8 abaixo). Exige justo título e boa-fé. Não importa o tamanho do imóvel. 3) ESPECIAL RURAL (PRO LABORE) (AGRÁRIA) (art. 1.239 do CC) (art. 191 da CF/88) Requisitos: a) 50 hectares: a pessoa deve estar na posse de uma área rural de, no máximo, 50ha; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) tornar a terra produtiva: o possuidor deve ter tornado a terra produtiva por meio de seu trabalho ou do trabalho de sua família, tendo nela sua moradia. Em outras palavras, o possuidor, além de morar no imóvel rural, deve ali desenvolver alguma atividade produtiva (agricultura, pecuária, extrativismo etc.). d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé. 4) ESPECIAL URBANA (PRO MISERO) (PRO HABITATIONE) Requisitos: a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2; (art. 1.240 do CC) (art. 9º do Estatuto da Cidade) (art. 183 da CF/88) b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família; d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Observações: • Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé; • Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; • É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc., mas tão somente a parte privativa); • O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 5) ESPECIAL URBANA COLETIVA (USUCAPIÃO FAVELADA) (art. 10 do Estatuto da Cidade) Requisitos: a) existência de um núcleo urbano informal; b) esse núcleo deve viver em um imóvel cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a 250m2; c) esse núcleo deve estar na posse do imóvel há mais de 5 anos, sem oposição; d) os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Neste caso, poderá haver uma usucapião coletiva da área. Observações: • O possuidor pode, para o fim de contar o prazo de 5 anos, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. • A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. • Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. • O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. • As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes. 6) RURAL COLETIVA (art. 1.228, §§ e 4º e 5º do CC) O proprietário pode ser privado da coisa se: - um considerável número de pessoas - estiver por mais de 5 anos - na posse ininterrupta e de boa-fé - de extensa área - e nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. Alguns doutrinadores, especialmente civilistas, afirmam que esse instituto tem natureza jurídica de “usucapião”. Outros autores, no entanto, sustentam que se trata de uma hipótese de “desapropriação”, considerando a posição topográfica (o § 3º do art. 1.228 está tratando sobre desapropriação) e o fato de se exigir pagamento de indenização. 6) ESPECIAL URBANA RESIDENCIAL FAMILIAR (POR ABANDONO DE LAR OU CONJUGAL) (art. 1.240-A do CC) Requisitos: a) posse direta por 2 anos ininterruptamente e sem oposição, com exclusividade; b) sobre imóvel urbano de até 250m² c) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex- companheiro que abandonou o lar; d) utilização do imóvel para a sua moradia ou de sua família; e) não pode ser proprietáriode outro imóvel urbano ou rural. Observações: • esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; • o prazo de 2 anos é contado do abandono do lar; • aplica-se ao casamento e à união estável (hetero ou homoafetiva). 7) INDÍGENA (art. 33 do Estatuto do Índio) Requisitos: a) posse da terra por índio (integrado ou não) b) por 10 anos consecutivos c) devendo ocupar como se fosse próprio trecho de terra inferior a 50 hectares. Não é possível a usucapião indígena de: • terras do domínio da União; • terras ocupadas por grupos tribais; • áreas reservadas segundo o Estatuto do Índio; • terras de propriedade coletiva de grupo tribal. 8) TABULAR (CONVALESCENÇA REGISTRAL) (art. 214, § 5º, da Lei 6.015/73) Trata-se da possibilidade de o réu, em uma ação de invalidade de registro público, alegar a usucapião em seu favor. O juiz, na mesma sentença que reconhece a invalidade do registro, declara a ocorrência de usucapião, concedendo ao réu a propriedade do bem. A usucapião tabular tem relação com a usucapião ordinária do art. 1.242, parágrafo único, porque exige do possuidor justo título e boa-fé. 9) DE QUILOMBOLAS (art. 68 do ADCT) O art. 68 do ADCT da CF/88 confere proteção especial aos territórios ocupados pelos remanescentes quilombolas. Confira: Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. O que são as terras dos quilombolas? São as áreas ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e utilizadas por este grupo social para a sua reprodução física, social, econômica e cultural. O que são remanescentes das comunidades dos quilombos? Existe uma grande discussão antropológica sobre isso, mas, de maneira bem simples, os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos são agrupamentos humanos de afrodescendentes que se formaram durante o sistema escravocrata ou logo após a sua extinção. Alguns doutrinadores afirmam que esse instituto teria natureza jurídica de “usucapião”. Essa, contudo, não é a posição que prevalece, considerando que o fundamento jurídico para esse direito de propriedade não é a posse mansa, pacífica e por determinado prazo. A fonte desse direito é uma decisão do legislador constituinte. A previsão do art. 68 do ADCT foi uma forma que o constituinte encontrou de homenagear “o papel protagonizado pelos quilombolas na resistência ao injusto regime escravista” (Min. Rosa Weber). Extrajudicial chamada de administrativa, está prevista no art. 216-A da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos – LRP), mas não é propriamente uma modalidade de usucapião, antes uma forma de se fazer usucapião sem necessidade de intervenção judicial. Direitos de Vizinhança Os direitos de vizinhança regulam as relações entre “direitos reais” de imóveis contíguos, devido à proximidade geográfica entre eles. Objetiva- se garantir utilização adequada dos bens, bem como convivência pacífica entre os vizinhos. O direito de vizinhança é uma limitação ao direito de propriedade. Os vizinhos, porém, não se limitam aos confinantes, às propriedades contíguas, aos “vizinhos de porta”. Os vizinhos abrangem todos os que se localizam nas proximidades. A. Uso anormal da propriedade O uso normal é aquele considerado tolerável e habitual no que concerne ao proprietário quanto à utilização de seus bens. Para tentar facilitar as controvérsias, utiliza-se, de início, a regra da pré- ocupação. Ou seja, há a resolução do conflito a partir do uso dado por quem originalmente ocupava o espaço, o que vincula os vizinhos que posteriormente chegam ao local. Evidentemente, fala-se em uso de acordo com as regras legais. Assim, qualquer uso anormal, aquele que foge dos padrões de normalidade e tolerabilidade já predispostos nas relações de vizinhança, será considerado nocivo. O mau uso da propriedade, desta feita, dá-se pela prática de atos abusivos ou excessivos. Os atos excessivos são aqueles realizados com finalidade legítima, mas que causam dano anormal. Já os atos abusivos (abuso de direito ou ato emulativo) são aqueles nos quais o proprietário pratica em frustração à destinação socioeconômica, gerando prejuízo ao vizinho. De qualquer forma, analisam-se as condutas objetivamente, sem se perquirir sobre dolo/culpa. Eventualmente, inclusive, o não uso da propriedade pode causar conflitos de vizinhança. Isso ocorre especialmente nos casos em que o imóvel abandonado ou utilizado com desleixo pode gerar insegurança e danos aos vizinhos. Por isso, estabelece o art. 1.277 que o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. B. Imóvel em ruínas O art. 1.280 apregoa que o proprietário ou possuidor tem direito de exigir do dono do prédio vizinho a demolição ou reparação dele quando ameace ruína. Além disso, o proprietário pode exigir garantias, reais ou fidejussórias, sobre os eventuais danos causados, segundo o art. 1.281, por meio de uma ação de dano infecto. C. Árvores limítrofes Há a previsão do art. 1.282 de que a árvore cujo tronco estiver na linha divisória presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes. Assim, se uma árvore estiver exatamente sobre a “fronteira” dos nossos imóveis, ela pertence a nós, em condomínio. Se as raízes e os ramos de árvores ultrapassarem a estrema do prédio vizinho poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido (art. 1.283 do CC/2002). Por fim, quanto aos frutos caídos de árvore do terreno vizinho, o art. 1.284 estabelece que eles pertencerão ao dono do solo onde caíram. Ou seja, ainda que eu não seja o proprietário do bem principal, a árvore, serei proprietário do bem acessório, os frutos, desde que caiam eles sobre o meu terreno. D. Passagem forçada O art. 1.285 esclarece que o dono do prédio que não tiver acesso à via pública (imóvel encravado) poderá, mediante pagamento de indenização, reclamar passagem ao outro (imóvel serviente). Isso ocorre, segundo o §2º, mesmo quando o imóvel tinha passagem e, posteriormente, a perdeu, por alienação parcial do prédio. O §1º do artigo diz que será obrigado aquele que tem mais facilidade para dar a passagem, em acordo com o princípio da menor onerosidade. E. Passagem de cabos e tubulações O proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente oneroso, segundo regra do art. 1.286 do CC/2002. Trata-se, em realidade, da passagem forçada. Segundo o parágrafo único, pode o proprietário do imóvel serviente exigir que a passagem se dê do meio menos gravoso e, posteriormente, que a remoção se dê à custa do beneficiado. F. Águas Em conformidade com o art. 1.288, o dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. Segundo o disposto no art. 1.289, quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou lhe indenize o prejuízo que sofrer. No entanto, novamente, segundo o parágrafo único, pode ele exigir que a passagem se dê do meio menos gravoso. Aqui, ao contrário, há dever de indenizar. Não há dever de indenizar na passagem de águas que correm naturalmente, mas se elas correm artificialmente, cria-se a obrigação. De acordo com os arts.1.290, 1.291 e 1.292, o proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio para satisfazer as necessidades de seu consumo. Ele ainda não pode impedir ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores, nem as poluir. G. Tapagem e limites entre propriedades O art. 1.297 dá ao proprietário a prerrogativa de cercar, murar ou tapar seu prédio. A presunção (relativa) é de que as divisórias são de propriedade de ambos os proprietários vizinhos, até prova em contrário. Por isso, sendo os muros divisórios em comum (sejam por presunção ou não), ambos os proprietários devem repartir as despesas. Porém, o §3º excepciona a regra geral de divisão de custos entre os proprietários dos terrenos limítrofes quanto à tapagem. Estabelecendo a norma que a construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas. H. Direito de construir Em regra, é livre a edificação no terreno (art. 1.299), desde que se limite no interesse dos vizinhos e pela ordem pública. O CC/2002, no entanto, estabelece uma série de “pequenos limites” às construções. Condomínio O condomínio se verifica quando um objeto é titularizado por mais de um sujeito, havendo divisão dos sujeitos, mas indivisão do objeto. Essa indivisão do objeto fica claramente disposta no art. 1.314, que estabelece as bases do condomínio. Pluralidade de proprietários na unicidade do objeto. Trata-se de uma hipótese de copropriedade, talqualmente a composse. Há, entre os sujeitos, uma situação de comunhão de um mesmo direito sobre uma mesma coisa, pelo que cada um deles pode exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a posse, alhear a parte ideal ou gravá-la. Porém, prevê o parágrafo único do art. 1.314, nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros. São duas as fontes da comunhão. Ou seja, classifica-se o condomínio quanto à origem: A. Vontade das partes (condomínio voluntário) B. A lei (condomínio legal) Modalidades do condomínio: O condomínio extingue-se em duas hipóteses: Voluntário Em linhas gerais, cabe a você lembrar que, em regra, tudo o que ocorre num condomínio deve ser partilhado entre os condôminos, tanto em relação a despesas (arts. 1.315 e 1.318) quanto aos ganhos (art. 1.319), e aos frutos (art. 1.326), sempre na proporção dos quinhões (arts. 1.315 e 1.326). Ainda, de acordo com o parágrafo único do art. 1.315, presumem-se (relativamente) iguais as partes ideais dos condôminos, se nada tiver sido estipulado. Por isso, segundo o art. 1.317, quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum (presunção juris tantum). Quanto à administração, os arts. 1.323 e 1.324 estabelecem que a maioria delibera sobre a administração da coisa comum. A maioria também escolhe o administrador, que pode, inclusive, ser estranho ao condomínio, funcionando na qualidade de representante comum, presumivelmente. Essa maioria não é numérica, no entanto, mas baseada nos quinhões (art. 1.325). B. Necessário Se edifico um muro divisório entre nossos terrenos, há um condomínio entre nós relativamente a esse muro. Por fim, qualquer que seja o valor da meação, enquanto aquele que pretender a divisão não o pagar ou depositar, nenhum uso poderá fazer na parede, muro, vala, cerca ou qualquer outra obra divisória. Multipropriedade De acordo com o art. 1.358-C, multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. Em outras palavras, é a propriedade no tempo. Contrariamente ao condomínio edilício tradicional, porém, o parágrafo único prevê que a multipropriedade não se extinguirá automaticamente se todas as frações de tempo forem do mesmo multiproprietário. De maneira peculiaríssima, prevê o inc. II que a multipropriedade imobiliária inclui as instalações, os equipamentos e o mobiliário destinados a seu uso e gozo. O grande diferencial da multipropriedade é, certamente, a cisão da propriedade no tempo. Essa divisão temporal, contudo, não é de todo livre. O art. 1.358-E prevê que cada fração de tempo é indivisível. Cada fração de ser de, no mínimo, 7 dias, seguidos ou intercalados (§1º). O período de tempo pode ser fixo e determinado, no mesmo período de cada ano (inc. I). Pode também ser a fração flutuante, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo ser previamente divulgado. Institui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente Registro de Imóveis, devendo constar do ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo, prevê o art. 1.358-F. Trata-se de reprodução quase completa do caput do art. 1.332. Já o §2º coloca que a responsabilidade pelas despesas referentes a reparos no imóvel, bem como suas instalações, equipamentos e mobiliário, será: A transferência do direito de multipropriedade não depende de anuência ou cientificação dos demais multiproprietários (art. 1.358-L). Em regra, não há direito de preferência na alienação de fração de tempo, esclarece o §1º do art. 1.358-L. No entanto, pode haver no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em multipropriedade a previsão de direito de preferência em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do condomínio em multipropriedade. Já o art. 1.358-S prevê a hipótese de inadimplemento, por parte do multiproprietário, da obrigação de custeio das despesas ordinárias ou extraordinárias. Em caso de inadimplência, é cabível, na forma da lei processual, a adjudicação ao condomínio edilício da fração de tempo correspondente. Direito de laje Criado pela Lei 13.465/2017, a Lei da Regularização Fundiária Rural e Urbana – LERFRU, sob o nome de “direito real de laje”. trata-se de situação que, em boa medida, já estava regulada pelo “direito de superfície”. Apesar do nome, a sobrelevação prevista no CC/2002 não se volta apenas ao espaço aéreo, mas também ao subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base, prevê o art. 1.510-A, §1º. O art. 1.510-A esclarece que o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. A sobrelevação consiste, portanto, numa espécie de fusão do direito de superfície com o condomínio horizontal. A semelhança com o condomínio é tão grande que o art. 1.510-C determina que as regras condominiais sejam aplicadas, no que couber, à laje. Tanto o proprietário do edifício-base, quanto o lajeiro podem promover reparações urgentes na construção, valendo-se do expediente da obrigação de fazer, por aplicação do art. 249, parágrafo único. o art. 1.510-D prevê que em caso de alienação de quaisquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-basee da laje, nessa ordem. Devem ser eles cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de 30 dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso. Em caso de pluralidade de lajes, tem preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes. Assegura- se a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada. O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros. Para tanto, deve requerer a medida, uma ação adjudicatória, no prazo decadencial de 180 dias, contado da data de alienação. Distingue-se a laje do condomínio vertical porque não há transferência de direito de propriedade do imóvel sobrelevado, mas apenas se destacam alguns poderes proprietários. Não à toa, a sobrelevação não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas (art. 1.510-A, §4º). Aqui se vê, novamente, como não se pode tratar a laje como um direito real sobre coisa alheia, tecnicamente falando. A laje parece, assim, um direito real de propriedade sui generis, uma propriedade “descolada do chão”, ou, mais tecnicamente, um direito de propriedade restrito verticalmente e que restringe, também verticalmente. O titular da laje pode ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje. Para isso, necessário autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes (art. 1.510-A, §6º). De modo a evitar maiores problemas à urbanização, os Municípios e o DF podem dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas a respeito (§5º). Igualmente, como se trata de uma unidade autônoma, o titular da laje é responsável pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade (§2º). Além disso, o que ocorre quando há ruína da construção-base? Nesse caso, estatui o art. 1.510-E que a ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo se a: ➢ Sobrelevação tiver sido instituída no subsolo ➢ Construção-base não for reconstruída no prazo de 5 anos Por fim, cabe usucapião do direito real de laje? Depende. Como a laje pode ser instituída sobre bens privados e públicos, a conclusão será diferente. De acordo com o Enunciado 627 da VIII Jornada de Direito Civil, o direito real de laje em terreno privado é passível de usucapião, mas não aquele constituído em imóvel público.