Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O Quadro 26.1 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. FILO LORICIFERA Panarthropoda FILO TARDIGRADA FILO ONYCHOPHORA FILO ARTHROPODA SUBFILO CRUSTACEA* SUBFILO HEXAPODA SUBFILO MYRIAPODA SUBFILO CHELICERATA Deuterostomia FILO ECHINODERMATA FILO HEMICHORDATA FILO CHORDATA *Grupo para�lético. s hemicordados constituem um filo de invertebrados deuterostômios bentônicos exclusivamente marinhos e bilateralmente simétricos (ver quadro desta página e Quadro 26.1). Eles habitam os fundos de todos os oceanos do planeta, desde os hábitats intertidais até as profundezas abissais. Esse filo inclui cerca de 135 espécies, cuja maioria (121) consiste em perfuradores bentônicos conhecidos como enteropneustos (ou vermes-língua), que estão agrupados na classe Enteropneusta (Figuras 26.1 A; 26.2 A a D). As espécies restantes fazem parte da classe Pterobranchia – em grande parte formas coloniais de zooides diminutos, que se assemelham superficialmente aos briozoários (Figuras 26.1 B; 26.2 E a H). O primeiro hemicordado conhecido, um espécime de Ptychodera flava (um Enteropneusta), foi descoberto em 1821 e registrado por Eschscholtz em 1825 como um holotúrio aberrante. Em 1850, Müller descobriu o primeiro espécime de uma larva tornária, embora ele a tenha considerado uma larva de equinodermo, até que Metschnikoff a reconheceu como um Enteropneusta em 1869. Os primeiros espécimes de pterobrânquios descritos eram indivíduos de Rhabdopleura, que foram dragados por G. O. Sars em 1866, embora tenham sido confundidos com briozoários. Algum tempo depois, S. F. Harmer propôs sua relação com os espécimes de Cephalodiscus recuperados pela expedição Challenger e a relação desses dois com os enteropneustos. Harmer também adotou o nome Hemichordata para descrever todo o grupo, conforme havia sido proposto por William Bateson em 1885. As contribuições mais importantes para o conhecimento da biologia dos hemicordados no final do século 19 e nos primeiros anos do século 20 foram oferecidas por J. W. Spengel, C. Dawydoff e C. van der Horst. Hoje em dia, os hemicordados ainda possibilitam descobertas empolgantes, como o gênero Saxipendium das fontes hidrotermais e a família Torquaratoridae de enteropneustos bizarros de águas profundas (Figura 26.2 D). Recentemente, pesquisadores descreveram um Enteropneusta minúsculo, Meioglossus psammophilus, de Belize e Bermuda, que vive permanentemente na areia de corais como componente das comunidades da meiofauna. Características do �lo Hemichordata. Deuterostômios bilateralmente simétricos, corpo vermiforme ou saculiforme (em forma de bolsa) e fundamentalmente trimérico, com prossomo, mesossomo e metassomo, cada qual com compartimentos celômicos; solitários ou coloniais; os pterobrânquios têm extensões mesocélicas para dentro dos braços e dos tentáculos. Com ductos e poros mesocélicos. Com faringotremia (comunicação do trato digestivo com o exterior por meio de fendas e poros branquiais faríngeos). Sistema circulatório aberto e bem-desenvolvido. Estrutura excretora singular, conhecida como glomérulo. Gônadas extracélicas no metassomo. Tubo digestivo completo. Depositívoros ou suspensívoros. Com divertículo oral ou estomocorda como estrutura de sustentação do prossomo; a estomocorda não é homóloga à notocorda dos cordados. Músculos circulares e longitudinais presentes na parede corporal da probóscide e no colarinho dos enteropneustos; os pterobrânquios têm apenas músculos longitudinais. As estruturas esqueléticas colágenas na probóscide e nas barras branquiais dos enteropneustos são derivadas das membranas basais dos epitélios adjacentes. Cordão nervoso (neurocorda) curto, dorsal, mesossômico e ocasionalmente oco, provavelmente homólogo ao cordão nervoso dos cordados. 12. 13. 14. Gonocorísticos com fecundação externa e desenvolvimento indireto por meio de uma larva tornária singular; algumas espécies têm desenvolvimento direto; a reprodução assexuada é comum. Clivagem radial, holoblástica, mais ou menos igual. Embora o blastóporo assinale a extremidade posterior do corpo, a boca e o ânus formam-se secundariamente e depois do fechamento do blastóporo. A mesoderme e as cavidades corporais formam-se por enterocelia. Animais estritamente marinhos e bentônicos. Os vermes enteropneustos geralmente vivem enterrados nos sedimentos macios, entre ganchos de algas ou debaixo de pedras; esses animais são considerados basicamente criaturas que vivem nas regiões intertidais, mas descobertas recentes sugeriram uma diversidade expressiva de enteropneustos subtidais e ainda não descritos, que vivem nos mares profundos. Dentre os poucos enteropneustos conhecidos de águas profundas, uma espécie – Saxipendium coronatum (o “verme-espaguete”) – faz parte das comunidades das fontes hidrotermais; alguns outros animais de águas profundas constroem sistemas de túneis amplamente ramificados e gravações de vídeos recentemente confirmaram que alguns enteropneustos de águas profundas são epibentônicos (Figura 26.2 D) e usam a coluna de água para movimentar-se entre os sítios de alimentação. Como vimos em relação a tantos outros invertebrados bentônicos, sésseis e sedentários, os hemicordados incluem uma fase de dispersão planctônica em suas estratégias de vida. O ciclo de vida dos enteropneustos inclui um estágio de larva tornária livre-natante, embora algumas espécies tenham desenvolvimento direto. Mesmo nos enteropneustos com desenvolvimento tecnicamente direto, o padrão é estrategicamente indireto, sendo os embriões pelo menos planctônicos de vida livre, mesmo que não sejam larvas de desenvolvimento direito. Figura 26.1 Representantes dos hemicordados. A. Verme-bolota Saccoglossus (filo Hemichordata, classe Enteropneusta). B. Parte de uma colônia de Cephalodiscus (filo Hemichordata, classe Pterobranchia) mostrando vários indivíduos em diferentes estágios de desenvolvimento. Os pterobrânquios são hemicordados que vivem em tubos e formam colônias, que se alimentam por meio dos braços e tentáculos ciliados (Figura 26.2 E a H). Muitas espécies foram encontradas nas águas da Antártida, embora algumas colônias vivam nas águas tropicais rasas, agarradas à parte inferior das rochas, às conchas de moluscos bivalves ou aos seixos de corais. Nos casos típicos, os pterobrânquios vivem em colônias formadas por agregados extensivos de tubos conhecidos como coenécios, com um indivíduo em cada tubo. Os zooides de Rhabdopleura estão conectados por um pedúnculo ou estolão de tecidos vivos, enquanto os zooides de Cephalodiscus estão ligados a um disco basal. As colônias de pterobrânquios crescem através de reprodução assexuada por brotamento. A reprodução sexuada envolve uma larva ciliada livre-natante, que se assenta para formar uma nova colônia. Esse padrão é comum entre os animais sésseis pequenos, que não podem produzir grandes quantidades de ovos, mas dependem ao menos de uma fase de dispersão breve. Classificação dos hemicordados A classificação apresentada aqui segue a divisão tradicional do filo em duas classes – Enteropneusta e Pterobranchia – e adota a opinião geral de que Planctosphaera pelagica é a larva hipertrofiada de um enteropneusta ainda desconhecido. Contudo, hoje em dia existem evidências crescentes fornecidas por estudos moleculares, indicando que os pterobrânquios sejam o táxon-irmão da família Harrimaniidae de enteropneustos, tornando a classe Enteropneusta um táxon parafilético (ver a discussão da filogenia dos hemicordados adiante neste capítulo). Figura 26.2 Anatomia externa de alguns representantes dos hemicordados. A. Saccoglossus (Enteropneusta). B. Glossobalanus (Enteropneusta). C. Balanoglossus clavigerus (Enteropneusta) em seu sistema de galerias. Observe também B. sarniensis na fotografia de abertura do capítulo, fora de sua galeria. D. Tergivellum cinnabarinum, uma criatura epibentônica de mares profundos (Enteropneusta: Torquaratoridae) com seu molde espiral. E. Parte de uma colônia de Rhabdopleura (Pterobranchia). F. Um zooide de Rhabdopleura. G. Parteda colônia de Cephalodiscus (Pterobranchia). H. Zooide individual de Cephalodiscus. As correntes de alimentação e rejeição estão assinaladas por setas. A água é puxada entre os tentáculos e circula por uma corrente de rejeição para cima e para longe do animal. As partículas alimentares são movidas proximalmente ao longo dos tentáculos até um canal alimentar indicado pelas pontas de setas. CLASSE ENTEROPNEUSTA. Enteropneustos ou vermes-língua. Corpo vermiforme com três regiões corporais: probóscide, colarinho e tronco; celomas reduzidos pelo desenvolvimento muscular; tubo digestivo alongado e reto; boca ventral na extremidade anterior do colarinho; série dorsolateral longa de fendas branquiais; cordão nervoso dorsal oco no colarinho; ânus posterior e terminal; animais marinhos, escavam sedimentos macios ou se aninham embaixo de pedras ou em apressórios de algas; basicamente, são criaturas que vivem nas regiões intertidais, embora tenha aumentando o número de espécies descobertas em águas profundas. Existem cerca de 121 espécies descritas e distribuídas em quatro famílias: Harrimaniidae (Harrimania, Protoglossus, Horstia, Meioglossus, Mesoglossus, Ritteria, Saccoglossus, Saxipendium, Stereobalanus, Xenopleura); Spengelidae (Glandiceps, Schizocardium, Spengelia, Willeyia); Ptychoderidae (Balanoglossus, Glossobalanus, Ptychodera); e Torquaratoridae (Allapasus, Tergivellum, Torquarator, Yoda). A antiga classe Panctosphaeroidea foi instituída para incluir Planctosphaera pelagica descoberta em 1932 e que, de acordo com a opinião de muitos especialistas contemporâneos, é a larva de Enteropneusta ainda desconhecido. CLASSE PTEROBRANCHIA. Pterobrânquios. Corpo saculiforme, com três regiões corporais: disco pré-oral (= escudo cefálico), mesossomo tentaculado e metassomo subdividido em tronco e pedúnculo; não há neurocorda; faringe com um par de fendas branquiais, ou nenhuma; tubo digestivo com formato de “U”; animais marinhos, geralmente pequenos (menos de 1 cm), gregários ou coloniais. Cerca de 14 espécies reunidas em duas famílias: Rhabdopleuridae (Rhabdopleura) e Cephalodiscidae (Cephalodiscus e Atubaria). O gênero Atubaria é representado por uma única espécie (A. heterolopha), identificada apenas entre as 43 espécies coletadas em 1935 no Japão. Esses animais são praticamente idênticos a Cephalodiscus, mas foram encontrados como formas solitárias sem moldes secretados, daí seu nome. Entretanto, eles nunca foram encontrados novamente e os espécimes de Cephalodiscus são conhecidos por abandonar seus moldes quando ficam estressados; isso torna Atubaria duvidoso como um gênero válido. Plano corpóreo dos hemicordados As duas classes de hemicordados têm aspectos e estilos de vida muito diferentes: os enteropneustos são animais vermiformes, perfuradores e solitários, enquanto os pterobrânquios são sésseis, vivem em tubos e formam colônias – ainda que os dois grupos tenham um plano corpóreo trimérico comum, atestando a plasticidade evolutiva de sua arquitetura deuterostômia básica. O corpo dos hemicordados é dividido em prossomo, mesossomo e metassomo. O prossomo – a probóscide dos enteropneustos e o disco pré-oral ou escudo cefálico dos pterobrânquios – está unido ao mesossomo ou colarinho por um pedúnculo delicado. Nos pterobrânquios, o colarinho contém dois ou vários braços, nos quais se localizam tentáculos. O metassomo ou tronco é alongado nos enteropneustos e globular a piriforme nos pterobrânquios, diferenciado nos primeiros por especializações do trato digestivo em regiões branquiogenital, hepática e posterior, e nos últimos estendidos em direção posterior para formar uma cauda ou estolão, onde se formam espécimes novos por brotamento. As características diagnósticas do filo também incluem: a existência de um divertículo oral dorsal conhecido como estomocorda; fendas branquiais pareadas que conectam a faringe ao exterior; um complexo excretor na probóscide formado por vesícula cardíaca, seio cardíaco, glomérulo e poro da probóscide; e um cordão nervoso dorsal no mesossomo. Os enteropneustos e os pterobrânquios parecem ser tão diferentes e têm formas de vida tão diversas, que os descrevemos separadamente neste capítulo. Enteropneustos | Vermes-bolota Anatomia externa Os enteropneustos são animais vermiformes, alongados e solitários, cujo comprimento varia de alguns centímetros até mais de 2 metros. Seu corpo é nitidamente dividido em três regiões referidas como probóscide, colarinho e tronco (Figura 26.2), homólogas a prossomo, mesossomo e metassomo de outros deuterostômios. A probóscide é curta e de piriforme a cônica. O pedúnculo da probóscide, curto e delgado, conecta a probóscide dorsalmente ao colarinho, esse último possuindo a boca ventral em sua extremidade anterior. O ânus termina na extremidade posterior do tronco longo. O tronco tem saliências longitudinais mediodorsal e medioventral, que correspondem à localização de certos nervos e vasos sanguíneos longitudinais. Além disso, o tronco apresenta diferenciação variável em regiões ao longo do seu comprimento, basicamente por especializações do trato digestivo (Figura 26.2 A e B). A maioria das espécies tem uma região branquiogenital nítida, que se caracteriza pela existência de duas séries de poros branquiais (= fendas) dorsolaterais. As gônadas também ocorrem ao longo dessa região; espécies de ao menos uma família (Ptychoderidae) desenvolvem aletas genitais longitudinais externas, que contêm as gônadas (Figura 26.2 B). A porção anterior do intestino apresenta uma série de evaginações dorsolaterais, que protraem visivelmente ao exterior e, em geral, apresentam coloração verde-escura e são conhecidas como região hepática. Em certo número de gêneros, não há subdivisões nítidas do corpo, exceto na região branquial. A epiderme dos enteropneustos é formada por células multiciliadas altas com um plexo nervoso basoepitelial. Em geral, a epiderme é ricamente suprida de células glandulares, muitas envolvidas na produção de muco – um produto de secreção muito característico e abundante, com odor bem-definido semelhante ao de iodo. A secreção mucosa é particularmente abundante na probóscide e no colarinho, onde participa da retenção de partículas alimentares. Em alguns enteropneustos, certas células epiteliais produzem compostos mucopolissacarídicos nocivos, que podem repelir predadores. Junto com seu plexo nervoso associado, a epiderme repousa sobre uma matriz extracelular bem-desenvolvida, que é formada por fibras de colágeno embebidas em uma substância basal. A matriz extracelular da epiderme fica de frente para a matriz extracelular do mesotélio subjacente, que reveste as cavidades celômicas. Essas duas matrizes extracelulares fundem-se em sua maior parte, exceto nas áreas em que ocorrem lacunas sanguíneas, ocupando espaços de origem blastocélica. Estruturas de sustentação A matriz extracelular é hipertrofiada em algumas regiões, formando estruturas esqueléticas de sustentação, denominadas esqueleto da probóscide e bastonetes de sustentação da barra branquial. O esqueleto da probóscide é uma peça única de cartilagem moldada como um “Y” invertido e justaposto ventralmente ao divertículo oral, com os dois “chifres” ou furcas voltadas para trás e em posição ventral ao colarinho (Figura 26.3 A e B). O aparato branquial – barras e fendas – é sustentado por dos conjuntos dorsolaterais de peças colagenosas esqueléticas, cada qual com formato de um tridente alongado ou “M”. O bastonete central do “M” está dentro das barras branquiais primárias, enquanto as barras secundárias ou “linguais” têm dois bastonetes originados de peças adjacentes (Figura 26.3 D e E). Nos enteropneustos adultos, o divertículo oral, ou estomocorda, é um bastonete rígido oco e fechado em uma das extremidades, formado por um epitélio extremamente vacuolado. O divertículo tem função estrutural de sustentação, trabalhando para antagonizar o pericárdio contrátil, que bombeia sangue através do coração para dentro do glomérulo (Figura 26.3 A). No entanto, a sustentação do corpoé basicamente uma função da natureza hidrostática das cavidades do corpo, suplementada pela integridade estrutural da parede corporal, dos tecidos conjuntivos e das estruturas esqueléticas descritas antes. Cavidades celômicas A disposição dos espaços celômicos segue o plano corpóreo trimérico dos deuterostômios, com uma protocele única na probóscide e duas mesoceles e metaceles no colarinho e no tronco. A protocele é aberta ao exterior por meio de um único poro à esquerda, localizado no pedúnculo da probóscide da maioria dos enteropneustos; a mesocele conecta-se com a primeira bolsa branquial mais anterior por meio de dois ductos ciliados, e a metacele é cega. A metacele emite dois pares de extensões celômicas com musculatura forte dentro do colarinho – os chamados celomas peri-hemal e peribucal – para reforçar a sustentação e os movimentos. A contração das fibras musculares longitudinais que revestem essas cavidades ajuda a retrair a probóscide para dentro do colarinho e, desse modo, fecha a boca (como se introduzisse uma rolha dentro de uma garrafa), podendo também ajudar a bombear sangue ao coração. Musculatura e locomoção A musculatura dos enteropneustos deriva dos revestimentos mesoteliais dos espaços celômicos. A disposição das miofibrilas é, na maior parte, do tipo liso. Músculos circulares e longitudinais estão presentes na parede da probóscide e no colarinho anterior dos enteropneustos, o que explica os movimentos peristálticos de rastejar e perfurar, mas em todas as outras partes predominam apenas fibras longitudinais (Figura 26.3 C). Embora a maioria desses animais provavelmente seja estritamente bentônica e praticamente sedentária, ao menos uma espécie (Glandiceps hacksii) enxameia na superfície de águas rasas, onde se alimenta de fitoplâncton. Gravações de vídeo recentes dos enteropneustos torquaratorídeos dos mares profundos demonstraram que esses animais se desprendem do fundo do oceano e entram na coluna de água, provavelmente para ser transportados pelas correntes até um novo local. Sistema digestivo O trato digestivo dos enteropneustos é um tubo retilíneo com especializações regionais, estendendo-se da boca ao ânus. A musculatura do trato digestivo é escassa, e o alimento é movimentado basicamente pelos cílios. A boca leva a uma cavidade oral existente dentro do colarinho e pode ser fechada pela retração da probóscide contra o colarinho. Um divertículo oral, ou estomocorda, projeta-se para frente e para dentro do pedúnculo da probóscide a partir de sua base. A faringe começa depois da cavidade oral na parte anterior do tronco. A faringe tem duas séries dorsolaterais de fendas branquiais separadas por uma saliência epibranquial mediodorsal baixa (Figura 26.3 D). Duas saliências parabranquiais laterais dividem a faringe dos pticoderídeos em uma câmara branquial dorsal e outra câmara digestiva ventral. Numericamente, as fendas branquiais podem ser poucas ou mais de 100 pares. Cada fenda é um orifício em forma de “U” na parede da faringe, que leva a uma bolsa branquial e depois a um poro branquial dorsolateral, através do qual a água sai para o exterior (Figura 26.3 A e D). O septo entre as fendas branquiais adjacentes é uma barra branquial primária e a divisão entre os braços do “U” de cada fenda é uma barra branquial secundária, ou barra lingual. As barras primárias são sólidas, enquanto as linguais contêm uma extensão do celoma do tronco (Figura 26.3 E). As barras primárias e secundárias são sustentadas por elementos esqueléticos derivados da membrana basal do revestimento do trato digestivo e são supridas por uma configuração complexa de vasos e seios sanguíneos. Pontes curtas, conhecidas como sinápticos, interligam as bordas faríngeas das barras branquiais primárias e secundárias dos membros da família Ptychoderidae, certamente contribuindo para a estabilidade estrutural de todas as brânquias (Figura 26.3 E). Figura 26.3 Anatomia interna dos enteropneustos. A. Organização interna de um verme-bolota idealizado, mostrando o complexo da probóscide; as fendas, as bolsas e os poros branquiais; as saculações hepáticas; e o sistema circulatório simplificado. B. Esqueleto da probóscide de Saccoglossus mereschkowskii em vistas ventral e lateral. C. Musculatura da probóscide, do colarinho e da região anterior do tronco de Meioglossus psammophilus, revelada por microscopia de varredura a laser confocal (CLSM; do inglês, confocal laser scanning microscopy) com coloração por faloidina e codificação de profundidade. A escala de profundidade segue as cores da luz espectral (azul ao vermelho); cm = músculos circulares (do inglês, circular muscles); lm = músculos longitudinais (do inglês, longitudinal muscles); map = ponto de ancoragem muscular (do inglês, muscular anchoring point); mo = abertura oral (do inglês, mouth opening); om = músculos oblíquos (do inglês, oblique muscles); pcm = músculos circulares da probóscide (do inglês, proboscis circular muscles); ped = divertículos peri-hemais (do inglês, perihaemal diverticula). D. Reconstrução tridimensional (3D) do sistema faríngeo de um enteropneusto pticoderídeo. E. Detalhe da organização das barras branquiais primária e secundária e das bolsas e dos poros branquiais. Atrás da faringe está o esôfago que, ao menos em alguns (p. ex., Saccoglossus), contém aberturas que se comunicam com o exterior através da parede corporal dorsal, provavelmente para eliminar excesso de água. Na maioria das espécies, a parede do intestino anterior tem dobras profundas, formando duas séries de evaginações dorsolaterais, que protraem visivelmente ao exterior em Schizocardium e membros da família Ptychoderidae (Figuras 26.2 B e 26.3 A); o epitélio do trato digestivo está cheio de inclusões verdes ou marrons densas, que conferem um aspecto característico a essa região hepática do tronco. O intestino estende-se, mais ou menos indiferenciado, até um reto curto, que termina no ânus. O ânus está localizado em posição dorsal nas formas juvenis dos harrimanídeos, restando atrás uma região pós-anal. Alimentação e digestão Em geral, supõe-se que os enteropneustos sejam depositívoros, em alguns casos sedimentívoros (que ingerem substrato [Balanoglossus]) ou detritívoros (que retêm partículas alimentares da superfície do sedimento [Saccoglossus]). Outros tendem a ser suspensívoros ou filtradores, que produzem correntes ciliares para puxar a água com partículas suspensas para dentro do trato digestivo. Na verdade, estudos clássicos e recentes mostraram que a maioria das espécies provavelmente consegue alimentar-se pelos dois métodos – depositivoria e filtragem – até mesmo simultaneamente. A matéria alimentar, que inclui detritos e organismos vivos, fica retida no muco secretado sobre a superfície da probóscide e é deslocada posteriormente pelas correntes ciliares (Figura 26.4). A seleção alimentar ocorre na extremidade proximal da probóscide e, no pedúnculo, passa as partículas maiores sobre a borda do colarinho; essas partículas são depois removidas por correntes especiais de rejeição. A maior parte do alimento é transportada ventralmente ao redor do pedúnculo da probóscide, sobre uma estrutura em formato de ferradura conhecida como órgão ciliar pré-oral, depois é condensada em um cordão de muco que, por fim, é passado para dentro do fluxo inalante da boca. O órgão ciliado pré-oral inclui uma concentração de neurônios sensoriais e, provavelmente, também desempenha função quimiorreceptora. A corrente de água inalante é potencializada pelos cílios laterais longos das barras branquiais e sai do corpo por meio das bolsas e dos poros branquiais. As partículas com dimensões adequadas são retidas pelo muco faríngeo e transportadas ventralmente para formar um cordão de muco–alimento, que é dirigido posteriormente. O esôfago espreme o excesso de água do alimento. A digestão e a absorção dos nutrientes ocorrem nas saculações hepáticas, primeiramente no nível extracelular nos divertículos mais anteriores e depois no nível intracelular nos divertículos posteriores, cujascélulas armazenam as escórias e também transportam nutrientes para os seios sanguíneos subjacentes. As espécies sedimentívoras deixam moldes sedimentares típicos no exterior de suas galerias com formato de “U” (Figura 26.2 C e D). Sistema circulatório Os enteropneustos têm sistema circulatório parcialmente aberto e bem-desenvolvido com vasos e seios sanguíneos. O sangue é bombeado pelas células contráteis das paredes dos espaços sanguíneos por ação muscular dos celomas peri-hemais do colarinho e por uma vesícula cardíaca contrátil localizada na probóscide (Figura 26.3 A). Dois vasos longitudinais principais estão situados nos mesentérios dorsal e ventral ao longo de todo o comprimento do tronco e no colarinho (Figura 26.3 A e D). O sangue flui em direção anterior pelo vaso dorsal e em direção posterior pelo vaso ventral. O vaso dorsal expande-se no colarinho e forma o seio venoso, que também recebe sangue anteriormente por meio de um par de veias laterais da probóscide. O seio venoso leva a um seio central maior e alongado, ou coração, na probóscide, que está situado entre o divertículo oral e a vesícula cardíaca dorsal. A vesícula cardíaca é uma cavidade fechada de origem ectodérmica com paredes mioepiteliais, cuja contração pressiona o seio central contra a estomocorda situada embaixo. Isso empurra o sangue para o glomérulo excretor na protocele, com aumento da pressão para facilitar a ultrafiltração das escórias metabólicas. O glomérulo, o divertículo oral, o coração e a vesícula cardíaca compõem o que se conhece comumente como complexo da probóscide dos enteropneustos (Figura 26.3 A). O sangue sai do glomérulo por dois vasos peribucais, que se unem em posição medioventral para formar o vaso longitudinal ventral. Ao longo do tronco, o sangue passa do vaso ventral para as redes de seios que suprem o tubo digestivo e a parede corporal. Na faringe, os seios ventrais do tubo digestivo drenam para dois vasos parabranquiais laterais, que emitem vasos em direção dorsal para dentro das barras branquiais primárias. Depois da ramificação ventralmente para dentro das barras secundárias, essas estruturas enviam um vaso em direção dorsal até o vaso dorsal mediano do tronco. Figura 26.4 Seleção de alimento e correntes de rejeição (setas) na probóscide e na região do colarinho do enteropneusto Protoglossus kohleri. O sangue dos enteropneustos é incolor, com partículas pigmentadas transportadas em solução, e contém algumas células semelhantes aos amebócitos. Sistema excretor O principal órgão excretor nos enteropneustos é o glomérulo, uma estrutura singular aos hemicordados. O glomérulo é formado por evaginações digitiformes do mesotélio protocélico associado aos seios sanguíneos. As células mesoteliais são diferenciadas em podócitos, um tipo de célula especializada em ultrafiltração. Pressionado pela contração do pericárdio ou da vesícula cardíaca, o sangue que sai do coração ou do seio central é forçado a passar pelos seios glomerulares, nos quais as escórias metabólicas são filtradas pelo revestimento de podócitos para a cavidade protocélica. Em seguida, a urina primária provavelmente é eliminada pelo poro da protocele, que está localizado no pedúnculo da probóscide na maioria das espécies. Os podócitos também revestem as paredes dos sacos branquiais, sugerindo que a faringe tenha uma função excretora suplementar. Trocas gasosas Durante muito tempo, acreditou-se que as barras branquiais fossem as estruturas nas quais ocorria a troca gasosa, uma hipótese certamente influenciada por nossos conhecimentos acerca das brânquias dos cordados. Contudo, a estrutura epitelial das barras branquiais faz com que isso seja improvável. Poucos estudos foram realizados sobre a questão da troca gasosa e é possível que outras estruturas, como os sacos branquiais ou a superfície do corpo, também estejam envolvidas nessa atividade. Sistema nervoso A maior parte do sistema nervoso de todos os hemicordados consiste em um plexo nervoso reticulado, que está localizado entre as bases das células epiteliais, tanto de origem ectodérmica (epiderme) quanto endodérmica (tubo digestivo). Nos enteropneustos, o plexo é espessado na forma de tratos longitudinais de neurônios ao longo das linhas mediodorsal e medioventral do tronco (por isso, existem cordões nervosos longitudinais dorsal e ventral). Além disso, um cordão nervoso dorsal subepidérmico (não intraepidérmico), ou neurocorda do colarinho, está presente no mesossomo dos enteropneustos, cuja morfologia, organização celular e processo de neurulação ontogenética poderiam ser homólogos aos do tubo nervoso dos cordados. Os enteropneustos têm células sensoriais sobre a maior parte do corpo, que provavelmente funcionam como receptores táteis e quimiorreceptores, as quais fornecem a esses animais crípticos alguma informação quanto ao seu ambiente. Como mencionamos antes, os enteropneustos também têm um órgão ciliado pré-oral, que supostamente tem função quimiorreceptora no processo alimentar. Reprodução e desenvolvimento Reprodução assexuada. A reprodução assexuada nos enteropneustos está diretamente relacionada com sua capacidade bem- conhecida de regenerar tecidos e partes do corpo, quando elas são perdidas ou danificadas. Esses animais são vermes muito frágeis, que se quebram facilmente quando são manuseados. Pesquisadores demonstraram que os enteropneustos passam por múltiplas fissões transversais do corpo (arquitomia), resultando em vários espécimes regenerados. Recentemente, a paratomia também foi descrita na espécie intersticial Meioglossus psammophilus, na qual novos indivíduos desenvolvem-se alinhados ao eixo corporal por regeneração tecidual e fissão transversal subsequente, um processo bem-conhecido entre Annelida e Acoela. Reprodução sexuada. Os enteropneustos são gonocorísticos, mas não apresentam evidências exteriores de diferenças sexuais. Numerosas gônadas saculiformes estão localizadas no tronco, fora do mesotélio (ou seja, são retroperitoneais), desde a região branquial até a hepática; em geral, essas gônadas são muito alongadas e, na família Ptychoderidae, ocupam duas extensões dorsolaterais alares do corpo, que são conhecidas como aletas genitais (Figura 26.2 B). Cada saco gonadal comunica-se com o exterior por meio de um ducto e um gonóporo, que estão localizados dorsolateralmente na parte anterior do tronco. A fecundação sempre é externa. A desova nos enteropneustos envolve a liberação de massas mucosas de ovócitos pelas fêmeas, seguida pelo espalhamento dos espermatozoides pelos machos vizinhos. Uma vez que os ovócitos são fecundados, a cobertura de muco rompe-se e, dessa forma, libera os ovos na água do mar, onde ocorre todo o desenvolvimento subsequente. Desenvolvimento. A clivagem é holoblástica, radial e mais ou menos igual, confirmando a natureza deuterostômica dos vermes enteropneustos. Em seguida, há formação de uma celoblástula, que sofre gastrulação por invaginação. O blastóporo está localizado na extremidade posterior presuntiva, mas ele se fecha e o ânus e a boca formam-se mais tarde. Na fase final de gástrula, o embrião adquire cílios e desprende-se da membrana do ovo na forma de um organismo planctônico livre-flutuante. As cavidades celômicas (uma única protocele mais mesoceles e metaceles pareadas) derivam da endoderme arquentérica como dilatações independentes por enterocelia. Outros tipos morfogenéticos, incluindo esquizocelia, certamente foram descritos em algumas espécies. Algumas espécies (família Harrimaniidae, p. ex., Saccoglossus) têm desenvolvimento direto a partir de ovos com vitelo até vermes juvenis, sem uma fase larval interveniente (Figura 26.5 A a F). Os vermes juvenis apresentam uma cauda pós-anal, que não pode ser equiparada à cauda pós-anal dos cordados, mas quase certamente é comparável ao pedúnculo dos pterobrânquios. Nos animais que liberam ovos sem vitelo (família Ptychoderidae, p. ex., Balanoglossus), o estágio de eclosão desenvolve-se rapidamente em uma larva tornária característica, planctotrófica, com faixasciliadas complexas remanescentes das larvas diplêurulas dos equinodermos (Figura 26.5 G e I). Essa larva tornária livre-natante alonga-se pouco depois e afunda, diferenciando as três regiões típicas do corpo e seus órgãos (Figura 26.5 J a L). As fendas branquiais desenvolvem-se assimetricamente – lado esquerdo primeiro, da região anterior para a posterior – como evaginações do tubo digestivo que, por fim, abrem-se ao exterior por meio dos poros branquiais dorsolaterais (Figura 26.5 M). Figura 26.5 Desenvolvimento dos enteropneustos. A a F. Desenvolvimento direto de Saccoglossus kowalevskii. A. Larva/embrião inicial, 36 horas depois da fecundação. B. Diferenciação da probóscide e do colarinho, 56 horas depois da fecundação. C. Formação da prega nervosa dorsal (neurulação), 132 horas depois da fecundação. D e F. Formas juvenis: 156, 340 e 750 horas depois da fecundação. Observe os poros branquiais dorsolaterais por trás do colarinho em F. G a M. Desenvolvimento indireto de Balanoglossus misakiensis. G. Larva/embrião inicial, 30 horas depois da fecundação. H. Larva tornária inicial, vista lateral, 120 horas depois da fecundação. I. Larva tornária completamente desenvolvida, vista ventral, 10 dias depois da fecundação. J e K. Metamorfose da larva tornária, 13 e 14 dias depois da fecundação. A probóscide e o colarinho são formados, e o telotróquio larval persiste. L. Forma juvenil inicial, 12 horas depois do assentamento. M. Forma juvenil, 3 dias depois do assentamento. O telotróquio desapareceu e as primeiras duas fendas branquiais em forma de “U” são formadas. Pterobrânquios O corpo dos pterobrânquios é pequeno, geralmente globular ou piriforme, mas ainda conserva a divisão regional tripartite ancestral. O prossomo dessas criaturas singulares – conhecido como disco pré-oral ou escudo cefálico – é uma sola (língua) rastejante, que se dobra ventralmente sobre a boca. O mesossomo forma um colarinho, que contém a boca anteroventral e estende-se dorsalmente na forma de dois ou vários braços tentaculados. O tubo digestivo tem formato de “U” e o ânus abre-se anterodorsalmente (Figuras 26.2 G e H; 26.6). O metassomo é subdividido em tronco e pedúnculo posterior. Os pterobrânquios vivem em colônias (Rhabdopleura) ou agregados (Cephalodiscus), que consistem em zooides abrigados dentro de envoltórios tubulares secretados conhecidos como coenécios (Figura 26.2 E e G). Nas colônias de Rhabdopleura, os zooides são conectados entre si por extensões teciduais conhecidas como estolões (Figura 26.2 E), mas essas ligações interzooidais não ocorrem em Cephalodiscus. As formas gerais dos agregados e das colônias variam entre as espécies. Em todos os casos, os zooides associados são produtos da reprodução assexuada iniciada por um único indivíduo produzido sexualmente. Parede e cavidades corporais A epiderme dos pterobrânquios é muito simples, composta de células escamosas. Apenas no escudo cefálico a epiderme torna-se alta e glandular, com vários tipos de células secretoras, que produzem materiais para os coenécios e muco para o deslizamento. Os espaços celômicos seguem o padrão corporal trimérico, com uma única protocele no escudo cefálico, e mesoceles e metaceles pareadas no colarinho e no tronco. A protocele comunica-se com o exterior por meio de dois ductos e poros celômicos situados nas bases dos braços. A mesocele penetra nos braços e tentáculos e, em Cephalodiscus, envia dois canais do colarinho posteriormente, que se comunicam com o exterior perto do único poro branquial. A metacele não tem orifícios. Sustentação, músculos e movimento As dimensões diminutas dos pterobrânquios correlacionam-se com a redução dramática das estruturas de sustentação. O esqueleto da probóscide não existe e o único orifício branquial de Cephalodiscus não tem bastonetes de sustentação. Além disso, a estomocorda dos pterobrânquios é praticamente sólida e não tem células vacuoladas. A maior parte do suporte corporal e da proteção é fornecida pelo envoltório externo secretado pela colônia ou pelo agregado. Os pterobrânquios têm apenas músculos longitudinais bem-desenvolvidos no escudo cefálico para rastejar dentro dos seus tubos e também no lado ventral do tronco e do pedúnculo. A protração e a retração dos indivíduos dentro de suas casas tubulares são realizadas, respectivamente, pela pressão hidrostática e pela contração dos músculos longitudinais. Tubo digestivo e alimentação A boca está localizada sob a borda anteroventral do colarinho. O tubo digestivo com formato de “U” começa com um tubo oral, a partir do qual se origina um divertículo oral dorsalmente. A faringe tem um par de fendas branquiais em Cephalodiscus, mas nenhuma em Rhabdopleura. Quando está presente, o aparato branquial é muito mais simples do que o dos enteropneustos, ou seja, sem barras secundárias ou estruturas de sustentação, além de sacos branquiais menos definidos. As fendas comunicam-se com o exterior por meio de poros. O esôfago curto conecta a faringe com o estômago saculiforme, que ocupa a maior parte do espaço dentro do tronco (Figura 26.6). A parte ascendente do tubo digestivo é o intestino, que leva anteriormente ao ânus dorsal. A alimentação dos pterobrânquios é realizada pelos braços e tentáculos do mesossomo. Rhabdopleura tem um par de braços, enquanto Cephalodiscus tem de cinco a nove pares de braços, dependendo da espécie (Figura 26.2 F e H). Cada braço tem duas fileiras de tentáculos ciliados. Os pterobrânquios são suspensívoros mucociliados. Durante a alimentação, eles assumem uma posição perto de um orifício nos seus envoltórios tubulares e estendem seus braços e tentáculos para a água; Rhabdopleura simplesmente afasta seus dois braços em forma de penas na corrente de água, enquanto Cephalodiscus forma uma chamada “esfera alimentar” com seus 8 a 10 braços e tentáculos interdigitantes (Figura 26.2 F e H). Partículas suspensas e diatomáceas ficam retidas no muco tentacular e são levadas à boca por ação dos cílios presentes nos tentáculos e nos braços. O único orifício branquial de Cephalodiscus elimina o excesso de água que entra na boca. A digestão ocorre no estômago e no intestino, que são bem-irrigados por seios sanguíneos. Circulação e trocas gasosas O sistema circulatório dos pterobrânquios é uma versão reduzida e simplificada do que existe nos enteropneustos. Há um coração ou seio central e uma vesícula cardíaca associada ao divertículo oral e a um vaso glomerular, com as mesmas funções do complexo da probóscide nos enteropneustos (Figura 26.6). Existem vasos ventrais e dorsais no tronco, continuando no pedúnculo. Sob outros aspectos, o sistema circulatório é reduzido a uma rede de lacunas basoepiteliais. É pouquíssimo provável que o único par de fendas branquiais de Cephalodiscus realmente ajude na troca gasosa; em vez disso, as distâncias curtas de difusão através do corpo provavelmente permitem trocas cutâneas generalizadas, especialmente sobre as amplas superfícies tentaculares expostas às correntes de água. Sistema nervoso Existem poucas informações sobre o sistema nervoso dos pterobrânquios. Uma concentração de neurônios no mesossomo – o chamado gânglio do colarinho – é supostamente homóloga à neurocorda do colarinho dos enteropneustos, que se ramifica até o escudo cefálico, o orifício branquial e o sistema tentacular. Além disso, há uma rede nervosa intraepidérmica simples ao longo do corpo. Receptores táteis provavelmente estão presentes nos tentáculos. Figura 26.6 Anatomia interna do hemicordado pterobrânquio Cephalodiscus (corte sagital). Reprodução e desenvolvimento Como na maioria dos invertebrados coloniais, a reprodução assexuada por brotamento é uma parte integral da história de vida dos pterobrânquios agregados e coloniais. Em Cephalodiscus, os brotos originam-se perto da base do pedúnculo dos indivíduos adultos e podem eventualmente desprender-se um do outro quando estão maduros, vivendo como agregado de indivíduos (Figura 26.7). O brotamento em Rhabdopleura ocorre ao longo dos estolões, que crescemdas pontas dos pedúnculos dos zooides adultos. Contudo, nesse gênero, os brotos nunca se desprendem do zooide materno e, desse modo, formam uma colônia. Nos dois gêneros, os agregados ou as colônias formam-se por brotamento depois do desenvolvimento de um único indivíduo sexualmente produzido. Os sexos geralmente são separados, embora o hermafroditismo tenha sido descrito entre Cephalodiscus. As gônadas são únicas em Rhabdopleura e pareadas em Cephalodiscus. Em Rhabdopleura, um único poro abre-se no lado direito do tronco; os gonóporos de Cephalodiscus estão localizados na base dos braços. Os ovócitos são dispersos dentro dos tubos da colônia ou do agregado, onde são fecundados. Os embriões em desenvolvimento são chocados dentro dos coenécios. Entre os pterobrânquios, apenas Rhabdopleura foi estudado embriologicamente e, mesmo nesse caso, existem poucos detalhes. Os ovos grandes com vitelo passam por clivagem holoblástica, radial e subigual. Existe alguma controvérsia quanto ao tipo exato de gastrulação. A formação do celoma ocorre por bolsas arquentéricas, mas a sequência da produção não está clara. Contudo, estudos mais recentes sobre os pterobrânquios sugeriram a possibilidade de que a mesocele e a metacele possam formar-se por esquizocelia. O embrião sai da área de germinação dentro do tubo parental como uma larva totalmente ciliada semelhante às plânulas (ainda que sem nome). As larvas livres-natantes assentam dentro de 24 horas depois da sua liberação do tubo parental, embora larvas cultivadas tenham permanecido nadando por vários meses sem passar por metamorfose. A larva assentada circunda-se de um casulo translúcido selado, dentro do qual passa por metamorfose. Primeiramente, o escudo oral desenvolve-se e, em seguida, há brotamento dos braços, do pedúnculo posterior e dos tentáculos. A formação do tubo digestivo, última estrutura a entrar em funcionamento, começa com a invaginação da ectoderme para formar a faringe. A larva não se alimenta durante a metamorfose. A forma juvenil metamorfoseada constrói um tubo em algum orifício do casulo e começa a alimentar-se e secretar o coenécio para uma nova colônia. Registro fóssil e filogenia dos hemicordados O registro fóssil dos hemicordados é dominado quase inteiramente pelos pterobrânquios (especialmente os graptólitos), cujos esqueletos tubulares têm sido bem-preservados. Na verdade, um estudo recente considerou que Rhabdopleura seja simplesmente um graptólito vivo e que ele seja o táxon-irmão dos cefalodiscídeos. Em razão de suas chances pequenas de preservação, os enteropneustos fósseis são extremamente raros, embora tenham sido descritos alguns gêneros fósseis (Mazoglossus, Megaderaion, Mesobalanoglossus), assim como vários outros gêneros de supostos fósseis residuais. Há pouco tempo, pesquisadores descreveram o enteropneusto fóssil Spartobranchus tenuis, que foi recuperado de Burgess Shale do período Cambriano Médio e, surpreendentemente, estava associado a envoltórios tubulares. Essa descoberta complementou a descoberta muito recente dos enteropneustos torquaratorídeos de águas profundas, que constroem tubos mucosos. Figura 26.7 Brotamento do hemicordado pterobrânquio Cephalodiscus, mostrando zooides em diferentes estágios de desenvolvimento. Cientistas têm sustentado duas visões muito diferentes quanto à relação entre os enteropneustos e os pterobrânquios. A visão clássica baseada na morfologia e na paleontologia considerava que esses táxons eram grupos-irmãos, geralmente ordenados em classes. Contudo, as primeiras análises do DNA ribossômico 18S sugeriram que os pterobrânquios poderiam ser um subgrupo dos enteropneustos, o que faria Enteropneusta um grupo parafilético e Pterobranchia um táxon-irmão da família Harrimaniidae. Contudo, em 2015, Simakov e colaboradores publicaram uma ampla análise genômica confirmando a visão clássica, de que essas duas classes compreendem um grupo-irmão. Esse estudo também reforçou o conceito de que as fendas branquiais se originaram da linhagem-tronco, que deu origem a Deuterostomia. Desde que foram descobertos, os hemicordados têm desempenhado papéis fundamentais e controversos nas tentativas de entender as relações entre os três filos principais de deuterostômios (equinodermos, hemicordados e cordados), na natureza do ancestral dos deuterostômio e nas buscas pela origem evolutiva dos cordados. Bateson criou o nome atual do filo, reconhecendo semelhanças com a embriogenia dos cordados e, durante muitos anos, os hemicordados realmente foram classificados como um subfilo dos cordados (Chordata). Os traços dos hemicordados, como a presença de estomocorda, neurocorda do colarinho e fendas branquiais também reforçaram sua proximidade filogenética aos cordados. Contudo, o pensamento atual é de que apenas as fendas branquiais e (provavelmente) a neurocorda possam ser comparadas com as estruturas correspondentes dos cordados. As fendas branquiais faríngeas são usadas na alimentação por filtração, da mesma forma que ocorre nos protocordados; além disso, os dados relativos à expressão gênica apoiam a hipótese de que as fendas branquiais estivessem presentes no suposto ancestral comum dos hemicordados e dos cordados. Por outro lado, uma relação direta com os equinodermos também foi proposta com base em características como o sistema cardíaco-renal excretor e as larvas tornário-diplêurulas. Hoje em dia, uma relação de grupos-irmãos entre os hemicordados e os equinodermos (um clado conhecido como Ambulacraria) geralmente é favorecida e muito bem-apoiada por análises de filogenia molecular. A busca por um ancestral dos deuterostômios invocava classicamente um organismo reminiscente de um zooide pterobrânquio solitário, influenciado pela posição suposta dos pterobrânquios como hemicordados basais. Contudo, análises modernas (morfológicas e moleculares) e os achados fósseis sugerem que o ancestral dos deuterostômios tenha sido um enteropneusto solitário vermiforme. As considerações quanto às formas larvais também concordam com essa hipótese. A larva tornário-diplêurula é compartilhada pelos equinodermos e, hoje em dia, pelos hemicordados basais amplamente reconhecidos – ou seja, os enteropneustos pticoderídeos. Por isso, os grupos derivados mais recentemente (harrimanídeos e pterobrânquios) formam larvas que não se alimentam e de vida muito curta e, em geral, são consideradas formas de desenvolvimento direto. Uma hipótese plausível seria de que a mudança para o desenvolvimento direto nos hemicordados solitários permitiu a transição para a colonialidade. Descobertas recentes de miniaturização (Meioglossus) e moradia em tubos (Spartobranchus e torquaratorídeos) entre os enteropneustos ilustram a plasticidade evolutiva do plano corpóreo desses animais. Bibliografia Balser, E. J. e E. E. Ruppert. 1990. Structure, ultrastructure, and function of the preoral heart-kidney in Saccoglossus kowalevskii (Hemichordata, Enteropneusta) including new data on the stomatochord. Acta Zoologica 71: 235–249. Benito, J. e F. Pardos. 1997. Hemichordata. pp. 15–102 in F. W. Harrison e E. E. Ruppert, (eds.). Microscopic Anatomy of Invertebrates, Vol. 15. Wiley–Liss, Inc. Bromham, L. D. e B. M. Degnan. 1999. Hemichordates and deuterostome evolution: robust molecular phylogenetic support for a hemichordate + echinoderm clade. Evol. Dev. 1 (3), 166–171. Burdon-Jones, C. 1952. Development and biology of the larva of Saccoglossus horsti (Enteropneusta). Phil. Trans. R. Soc. Lond. B, Biol. Sci. 236: 553–590. Cameron, C. B. 2005. A phylogeny of the hemichordates based on morphological characters. Can. J. Zoolog. 83(1): 196–215. Cannon, J. T. et al. 2009. Molecular phylogeny of Hemichordata, with updated status of deep-sea enteropneusts. Mol. Phylogenet. Evol. 52: 17–24. Caron, J. B., S. Conway Morris e C. B. Cameron. 2013. Tubicolous enteropneusts from the Cambrian period. Nature. doi: 10.1038/nature12017 Cedhagen, T. e H. G. Hansson. 2013. Biology and distribution of hemichordates (Enteropneusta) with emphasis on Harrimaniidae anddescription of Protoglossus bocki sp. nov. from Scandinavia. Helgoland Mar. Res. 67: 251-265. Deland, C. et al. 2010. A taxonomic revision of the family Harrimaniidae (Hemichordata: Enteropneusta) with descriptions of seven species from the Eastern Pacific. Zootaxa 2408: 1–30. Dilly, P. N. 1985. The habitat and behavior of Cephalodiscus gracilis (Pterobranchia, Hemichordata) from Bermuda. J. Zool. 207: 223– 239. Ezhova, O. V. e V. V. Malakhov. 2009. Three-dimensional structure of the skeleton and buccal diverticulum of an acorn worm Saccoglossus mereschkowskii Wagner, 1885 (Hemichordata: Enteropneusta). Invert. Biol. 6(2): 103-116. Gilmour, T. H. J. 1982. Feeding in tornaria larvae and the development of gill slits in enteropneust hemichordates. Can. J. Zoolog. 60: 3010–3020. Gonzalez, P. e C. B. Cameron. 2009. The gill slits and preoral ciliary organ of Protoglossus (Hemichordata, Enteropneusta) are filter- feeding structures. Biol. J. Linn. Soc. 98: 898-906. Gonzalez, P. e C. B. Cameron. 2012. Ultrastructure of the coenecium of Cephalodiscus (Hemichordata: Pterobranchia). Can. J. Zoolog. 90: 1261-1269. Hadfield, M. G. 1975. Hemichordata. pp. 185–240 in A. C. Giese e J. S. Pearse (eds.), Reproduction of Marine Invertebrates, Vol. 2. Academic Press, Nova York.
Compartilhar