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As relacoes entre Africa e a China O caso de Angola

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL
ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO DA CHINA
UM BREVE OLHAR SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE A CHINA E
ÁFRICA - A REAPROXIMAÇÃO DA CHINA AO CONTINENTE
AFRICANO
JOSEMAR RICARDO CAMENHA CARDOSO QUINGUAIA
UFRJ/RJ
MARÇO 2022
1- INTRODUÇÃO
As relações entre África e a China começaram por volta dos séculos XV, os primeiros
países africanos a estabelecerem contacto com a China foram os países da África Oriental
(Etiópia, Moçambique, Quênia e Tanzânia). Muito tempo depois, ao se fundar como nação
em 1949, a República Popular da China procurou adotar uma política externa de
aproximação aos países africanos e após um longo período de reformulações, reformas
internas e abertura para o mundo(1980 à 1990), a China decidiu no final da década de 90
voltar a prestar atenção aos países do terceiro mundo, na qual fazem parte os países do
continente africano.
O reposicionamento da China perante ao mundo no âmbito das relações internacionais e o
forte crescimento econômico que resultou num aumento da necessidade do consumo de
recursos naturais estiveram na base do interesse da China no continente africano. O
continente africano por sua vez, na década de 60, vivenciava na altura um processo de
inversão de paradigmas, perspectivando um caminho diferente rumo a liberdade,
consolidação da paz e consequentemente o desenvolvimento econômico, vários países
africanos procuravam parceiros e aliados para essa nova empreitada. O interesse africano
por desenvolvimento e a crescente demanda da China por recursos naturais estabeleceram
as bases de uma relação de interesses mútuos que viria a se consolidar bastante,
principalmente a partir dos anos 2000. Desde os anos 2000 para cá a balança comercial
entre África e China deu um salto muito significativo passando de cerca de 10 Bilhões para
mais de 210 Bilhões de dólares, apesar do notável crescimento é necessário que se avalie
impactos mais profundos destas relações, como elas ocorrem e o quão benéfica elas são
para ambas as partes.O objetivo deste trabalho é de apresentar um breve panorama sobre
a reaproximação da China ao continente africano e abordar as diferentes nuances e
implicações na base destas relações.
2 - Breve Panorama sobre a China e África de 1960 a 2000
A década de 1960 foi marcada por vários acontecimentos no continente africano, nesta
altura, um expressivo número de países colonizados conquistaram a sua independência,
por via de processos de oposição pacífica e armadas várias nações encontravam formas de
se desvencilhar dos seus colonizadores. Após a década marcada pela independência
principalmente de ex-colônias inglesas e francesas foi a vez das colônias portuguesas na
década de 1970 alcançarem a independência.
Com várias nações independentes, vários passaram a ser os desafios dos países do
continente africano, procurando alternativas internas e diferentes das utilizadas pelos
colonizadores, os africanos lançaram-se para o mundo global capitalista em busca de
estabilidade e desenvolvimento tendo que lidar com os resquícios da colonização, as
imposições e constantes interferências do ocidente.
Durante o período que o continente africano apenas se libertava das amarras coloniais
europeias a República Popular da China passava por mudanças significativas, após o
fracasso da revolução cultural, no final da década de 70, sob novos paradigmas a China
desencadeou uma série de reformas graduais que resultaram num crescimento jamais visto
na história das nações. Em momentos históricos similares os objetivos de boa parte dos
países africanos pairavam sobre questões voltadas à liberdade e estabilidade política ao
passo que os da maior potência asiática já eram voltados para o desenvolvimento
sustentável e orientado. Graças a experiência adquirida nas reformas anteriores a república
popular da China passou a partir da década de 1990 a sentir de forma concreta os
resultados das suas reformas através do crescimento do seu produto interno bruto (PIB).
Enquanto a China preparava-se para a decolagem no cenário de crescimento econômico
internacional, o continente africano conhecia os novos desafios e os problemas advindos da
descolonização, segundo (Vanderlei Matias - 2015) ‘’ ao fim do processo de descolonização,
os prejuízos ainda fazem parte da dinâmica territorial africana. Muitos países falidos,
assolados por baixo crescimento econômico e conflitos territoriais entre grupos, o que inibe
os investimentos financeiros em algumas partes do continente’’. Procurando novas
parcerias ao redor do mundo os países africanos de modo geral enxergaram na China a
possibilidade de uma forte aliança, o recente histórico de sucesso no crescimento e
desenvolvimento econômico, o status de potência mundial que ostenta e as ‘’diferentes’’
contrapartidas exigidas pelos chineses se mostraram bastante atrativas para os africanos.
No gráfico abaixo é possível visualizar uma comparação entre o produto interno bruto (U$-
Current) da África subsariana e a China e a partir das demonstrações é possível notar os
diferentes rumos de crescimento econômicos tomados por ambos a partir da década de 90.
1- Gráfico - China vs África Subsariana - PIN (U$ current) - World Bank 2022.
3 - As necessidades complementares entre África e China.
Em busca de melhorias significativas do quadro que vivencia, África se apresenta ao mundo
como uma terra com bastantes riquezas naturais e uma população bastante jovem, embora
seja dotada de vantagens naturais a materialização e concretização do potencial do
continente em melhorias das condições de vida da população tem sido bastante lenta. As
principais representações transmitidas pela mídia em relação ao continente estão sempre
associadas a baixo IDH, péssima distribuição de renda, corrupção, pouca produtividade
industrial, estagnação econômica e extrema dependência ocidental, embora se tratem de
problemas realmente existentes no continente, estes costumam ser apresentados como
exclusividade da região.
Ao se falar do continente africano obviamente falam-se de mais de 50 países e há que se
ter um certo cuidado para não simplificar e universalizar a experiência de nações diferentes,
porém, mesmo levando em conta as diferenças entre estas nações a realidade por boa
parte delas enfrentadas é similar em vários aspectos. A fragilidade das suas instituições, a
falta de infraestruturas resultantes de conflitos de libertação colonial e civis, a baixa
especialização da mão de obra, e outras debilidades que herdara do seu triste passado
condicionaram de forma complexa o desenvolvimento das nações africanas. Para a
consolidação do auto sustento e desenvolvimento econômico mediante as debilidades
conhecidas muitos países africanos enxergaram na exploração e comercialização de
recursos naturais nos mercados internacionais a grande solução, prática que segundo a
análise centro-periferia de Prebisch (1949) reforçaria ainda mais o status de país periférico
no mundo.
Em uma direção inversa à do continente africano aparece a China ofertando produtos
industrializados e demandando combustíveis fósseis, de acordo com Pautasso (2010) e
Carmody e Owusu (2011) isto se deve ‘’à exigência de uma maior participação nos negócios
internacionais, por parte da China, com fins de manter o ritmo acelerado do crescimento
econômico.como grande ofertante de produtos industrializados e demandante de
combustíveis fósseis e minérios. As necessidades complementares entre África e a China’’.
De acordo com o documento The China Analyst (setembro de 2013), os investimentos
chineses na África passaram de quase US $500 milhões em 2003 para US $22,9 bilhões
em 2012. Apesar de existirem investimentos em outras áreas, é perceptível que o maior
interesse econômico da China em África está ligado ao acesso a fontes energéticas,
especialmente o petróleo. Não obstante a isto, é que países produtores de petróleo da
região, como Angola, Nigéria e Líbia, estejam entre os principais parceiroscomerciais da
China. Em 2012, foi responsável por 10,9% da produção do petróleo mundial, segundo o
relatório da British Petroleum. Assim, a China, grande consumidora de petróleo (11,7% do
petróleo consumido no mundo em 2012), com oferta insuficiente para atender a demanda
interna (produziu 5% do petróleo total do planeta em 2012), procurou diversificar as fontes
de abastecimento e garantir, no longo prazo, combustível para sua máquina de crescimento
econômico.
Apesar do principal foco da presença chinesa no continente aparentar estar ligado
principalmente às fontes energéticas, tem sido perceptível desde os anos de 2010 uma
presença cada vez mais industrializadora e construtora de grandes obras da China no
continente africano, a alta capacidade de construção chinesa foi por exemplo observada no
ano de 2010 ao construir 4 estádios de futebol, com capacidade média de mais de 40.000
pessoas, em cerca de 2 anos para a realização da maior competição de futebol do
continente africano (CAN) que seria sediada em Angola. Actualmente é possível encontrar
ao redor do continente grandes infra estruturas resultantes da cooperação sino-africana.
4- China, a nova preferência dos africanos.
Para entender o crescimento das cooperações entre a China e o continente africano em
comparação a outras parcerias é necessário observar não apenas o contexto da expansão
dos investimentos chineses em todas as regiões do planeta, mas também as políticas de
não intervenção estatal e as contrapartidas exigidas pela China nos acordos bilaterais com
os países africanos. Segundo Ouriques (2014) ‘’outro aspecto importante a ser levado em
conta é a própria proeminência política que a China passou a ter aos olhos de muitas
lideranças africanas, pois este país, através da disseminação da política de parceria
estratégica (com a criação do Fórum de Cooperação China–África – FOCAC10) tem sido
mais e mais encarado como um exemplo a ser seguido pelos países periféricos e um
parceiro nos negócios que não apresenta condicionalidades para investimentos e
empréstimos, além de ter feito um gesto simbólico de perdão de dívidas externas de vários
países africanos’’. Arrighi (2008) acrescenta dizendo que os líderes africanos buscam cada
vez mais no Oriente o comércio, a ajuda e as alianças políticas, libertando-se dos vínculos
históricos do continente com a Europa e os Estados Unidos”. Um aspecto curioso
essencialmente incluso nos acordos entre a China e os países do continente Africano é o
não reconhecimento da não independência de Taiwan, através da influência que acaba
exercendo no continente africano a China reforça a sua posição histórica em relação a
antiga Ilha formosa ‘’Taiwan’’.
A nação chinesa investe apenas 1,2% dos seus investimentos diretos no continente
africano, pelo facto de ter uma especificidade de negociações personalizadas,
maioritariamente caracterizadas por acordos mútuos que envolvem exploração direta de
recursos humanos e isenções fiscais como contrapartida, este número apresenta-se pouco
expressivo, porém o total de investimentos no continente acaba sendo maior, o que gera
alguns questionamentos em torno do perfil de relações entre a China e África suscitando
questionamentos sobre intenções imperialistas da China dentro do continente Africano.
Parceria mútua ou imperialismo?
A relação Sino-Africana, como todo o tipo de relação, é passível de questionamentos. É sim
possível listar alguns pontos a serem ajustados e melhorados nestas relações, porém, o
olhar menosprezante do Ocidente sob o continente africano, aquele que relega sempre ao
continente um lugar de negligência, pouca consciência, vulnerabilidade e passividade no
que diz respeito à vida política internacional tem servido de suporte a teorias que têm
recentemente surgido como forma de caracterizar as relações Sino Africanas como Neo
colonialistas e Imperialistas.
A visão ocidental marginal sobre o continente africano no cenário econômico internacional
foi percebida pela China como oportunidade que como observou Postolo (2021) motivou
muito investimento, ‘’se em 1996 o fluxo comercial entre China e África era de US$ 4
bilhões, em 2000 já chegava em US$ 10 bilhões, em 2018, em cerca de US$ 185 bilhões –
bem acima dos US$ 61,8 bilhões do fluxo comercial do continente com os Estados Unidos
da América (EUA) no mesmo ano e da mesma forma, os investimentos externos diretos
(IED) chineses em África registraram um aumento exponencial entre 2003 e 2018,
passando de US$ 75 milhões para US$ 5,4 bilhões – ultrapassando o montante dos EUA
desde 2014, já que estes têm diminuído seus investimentos na África desde 2010.
Como forma de escapar dos projetos ‘’desenvolvimentistas’’ neoliberais alinhados aos
interesses ocidentais, os países da periferia de modo geral têm recorrido cada vez mais às
relações sul-sul procurando interação direta com os seus similares do terceiro mundo, ou
países recém saídos de tal condição, fato que incomoda o ocidente ávido pela propagação
dos seus ideias liberais. A caracterização neocolonial e imperialista atribuída às relações
sino-africanas estão diretamente ligadas a dois pontos muito comuns das contrapartidas
chinesas nas negociações. A utilização de mão de obra chinesa pouco qualificada em
detrimento da mão de obra africana na execução de obras de infraestruturas e os acordos
de exploração ou preferência em licitações de exploração de recursos naturais são os
principais argumentos que embasam as análises depreciativas das relações entre África e a
China.
Deborah Bräutigam (2015), especialistas nas relações entre China e África, afirma que os
recorrentes argumentos anti-chineses não se sustentam quando confrontados com a
realidade: cerca de 75% dos trabalhadores em obras chinesas no continente são africanos;
longe de atenderem a interesses especulativos, 70% dos empréstimos servem às obras de
infraestrutura energética e de transporte, com taxas de juros baixas e longos períodos de
pagamento.
Longe das abordagens ''neo coloniais'' e ‘’imperialistas’’ que são formuladas para
caracterizar as relações sino-africanas aparece uma realidade representada por acordos
que respeitam as soberanias africanas, promovem a estabilidade, desenvolvimento,
cooperação técnica e boas condições de financiamento. Diferente do que muito se
especula, as relações entre os países africanos e a China não são encaradas pelos
africanos como a salvação e resolução dos seus problemas, mas sim como um parceria
estratégica capaz de acima de tudo servir de aprendizado e modelo para a emancipação do
continente africano em várias frentes. As parcerias estabelecidas entre África e a China têm
um enorme potencial, mas não serão responsáveis pela mudança de paradigmas e
melhoria econômicas e sociais no continente africano, estas deverão tal como no caso da
China advir de planejamentos estritamente rigorosos, devidamente contextualizados e
instituições fortes capazes de executar e acompanhar tais planos.
CONCLUSÃO
Os diferentes acontecimentos históricos desde 1950 ao ano 2000 foram marcados por
fortes mudanças para ambas as regiões, o continente africano recém colonizado e
destruído despertava e alcançava a sua independência ao passo que neste período a China
se projetava para a ascensão a segunda maior potência econômica mundial que viria a se
tornar mais tarde. Os interesses convergentes e complementares entre África e China
resultaram em um conjunto de acordos entre os chineses e vários países do continente
africano que nestes enxergavam a possibilidade de ganhos múltiplos, porém, diferentes das
instituições ocidentais, os chineses apresentaram maneiras diferentes de negociar e foram
ganhando consideravelmente a confiança dos líderes africanos fechando vários acordos em
várias frentes.
A natureza destes acordos, normalmente acompanhados de contrapartidas no âmbito da
exploração de recursos naturais em solo africano, têm gerado alguns questionamentos a
nível mundial sobre possíveis intenções imperialistas e coloniais da China no continente
africano. Baseando-se na concessãode crédito e ocupação de mercados outrora ocupados
maioritariamente por instituições e empresas ocidentais, a política chinesa de expansão
econômica é questionada e vê os resultados dos seus acordos questionados e associados
a uma manutenção estrutural do status de periferia que os países do continente africano
auferem. A verdade é que tal como as relações entre África e os países do ocidente as
relações entre África e China apesar de diferentes e ‘’melhor intencionadas’’ não têm
capacidade de mudar o status periférico das nações africanas. As relações entre África e
China não representam o imperialismo nem o neo colonialista, elas também não
representam a solução dos problemas estruturais enfrentados pelo continente africano, mas
sim uma possibilidade de aliança e aprendizado importante para o processo de melhorias
no continente africano.
REFERÊNCIAS
ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. 1997. Petrópolis, Vozes
DEBORA BRAUTIGAM, 2010, The Dragon's Gift: The Real Story of China in Africa,
Oxford University Press.
DIEGO PAUTASSO,2021, A cooperação China-África e a hipocrisia ocidental, OUTRAS
PALAVRAS
HELTON OURIQUES, 2014, Às relações econômicas entre China e África: uma perspectiva
sistêmica, CARTA INTERNACIONAL.
JORGE PAULA, 2020, UM OLHAR REALISTA DO INTERESSE CHINÊS EM ANGOLA: as
ações em Angola e o desequilíbrio entre Brasil e China no Atlântico Sul.
VANDEIR MATIAS, 2015, A Geografia da África: Caminhos e descaminhos no século XXI.
WORLD BANK, 2022, <https://data.worldbank.org/>

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