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UNIDADE 4 DIREITO E LEGISLAÇÃO DO CONSUMIDOR Fonte legislativa do direito do consumidor imagem sem audiodescrição fonte: Vergani Fotografia / Shutterstock. A primeira informação a ser conhecida no campo do direito do consumidor é a sua fonte legislativa. Há um conjunto de regras e princípios específicos para o campo consumerista, que estão sistematicamente organizados no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990 (BRASIL, 1990). A proteção e a defesa do consumo decorrem de expresso direito fundamental, previsto no art. 5º, XXXII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (BRASIL, 1988, [s.p.]). O CDC consiste num microssistema especializado que se refere à tutela das relações privadas de consumo. À medida que vivemos numa sociedade capitalista, a troca de bens e serviços constitui o elemento básico do nosso sistema econômico. Com o passar do tempo essas relações se aprofundaram e receberam novos contornos. Por este motivo, surgiu a necessidade de o Estado e o Direito tutelarem de forma mais adequada esse novo tipo de relação privada então surgida, que se forma entre o fornecedor de bens e serviços e o consumidor final. As peculiaridades da relação jurídica de consumo fizeram com que se destinasse um corpo de normas responsáveis para a sua regulação, à medida que as relações privadas que envolviam o típico processo de fornecimento do mercado de consumo não fossem tuteladas pelas disposições mais genéricas do Código Civil Brasileiro, mas observassem as peculiaridades econômicas e sociais das partes envolvidas nessas relações privadas de consumo, à luz da necessidade de criação de meios recíprocos de proteção e salvaguarda de direitos, sobretudo ligados à incolumidade física do consumidor, como vida, saúde e integridade (THEODORO JÚNIOR, 2017). Dessa maneira, a defesa do consumidor constitui matéria que, apesar de envolver relações privadas, é dotada de relevante interesse social, vez que envolve questões de ordem pública. Suponha, por exemplo, se um determinado produto, que seja muito comum, seja comercializado com sérios problemas de fabricação, levando à intoxicação de várias pessoas. As consequências sociais desse tipo de acontecimento certamente seriam sentidas muito além da mera relação jurídica de consumo, pois envolveriam, até mesmo, a saúde pública. Tudo isso para ficar claro que o direito do consumidor lida justamente com as regras e os princípios que animam a adequada prestação de serviços e o fornecimento de bens no mercado de consumo, para que as pessoas tenham liberdade de escolha e, ao a terem feito, não incorram em riscos de toda ordem (TARTUCE; NEVES, 2018). A proteção que o CDC, por exemplo, garante para os consumidores é, ao mesmo tempo, uma proteção para os fornecedores em geral e para aqueles que orbitam no mercado de consumo, específico e amplo. Isso se dá porque as consequências do descumprimento da legislação de consumo, das normas de segurança e tantas outras, resultarão em impactos econômicos de relevante monta. O conhecimento dessas normas é de vital importância para o administrador e para o empresário de nosso tempo, sobretudo num quadro em que o consumidor, o cidadão, já está mais consciente das garantias que lhe assistem e dos direitos que lhe preservam a possibilidade de discutir eventuais abusos ou ilegalidades cometidas na interface da relação consumerista (KOURI, 2013; FILOMENO, 2018). Mas, como é essa relação consumerista? Quais são as partes que a integram e quais suas características? O veremos a seguir! Direitos básicos do consumidor imagem sem audiodescrição Agora que já compreendemos as partes e o objeto da relação de consumo, é preciso identificar quais são os direitos básicos do consumidor. Segundo o art. 6º do CDC (BRASIL, 1990), alguns direitos são considerados básicos para a finalidade de proteção do consumidor, notadamente em razão da sua vulnerabilidade na relação jurídica de consumo, conforme já comentado (NUNES, 2019). Inicialmente, a relação de consumo deve proteger a vida, a saúde e a segurança do consumidor, de modo que não é permitido que se ofereça riscos a tais bens essenciais em função de produtos ou serviços considerados perigosos. Além do mais, o direito de informação é de fundamental importância na proteção do consumidor, vez que inclui o conhecimento adequado e claro acerca dos diferentes produtos ou serviços, que devem ser corretamente especificados em relação à “quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (BRASIL, 1990, [s.p.]). Outro aspecto é a proteção contra a publicidade enganosa (que leva o consumidor propositadamente a erro) e abusiva (que destoa da moral e dos bons costumes socialmente aceitos), bem como contra métodos comerciais que impliquem em coerção ou sejam desleais aos consumidores (NUNES, 2019). Também é direito do consumidor a modificação de cláusulas contratuais que impliquem em prestações desproporcionais – as chamadas cláusulas abusivas –, bem como o direito de revisão de contratos em função de fatores supervenientes que tornem as obrigações assumidas excessivamente onerosas. No que se refere à maneira pela qual ocorre a defesa dos direitos do consumidor, o CDC também prevê acesso facilitado para tal finalidade, sobretudo com a possibilidade de inversão do ônus da prova, a favor do consumidor, no curso de processo judicial, “[...] quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (BRASIL, 1990, [s.p.]). ______ Exemplificando Em processo judicial onde se discuta a falha na prestação de serviço ou defeito de algum produto, o consumidor, demonstrando que não tem condições de evidenciar a falha cometida pelo fornecedor, poderá pedir que o juiz inverta o ônus da prova. Isso significa que, a partir desse momento, é o fornecedor que deverá provar que não causou nenhum prejuízo, ele é que precisa se desincumbir da sua responsabilidade. Se ele conseguir, vencerá o processo. Caso contrário, a demanda será vitoriosa para o consumidor. ______ Esses direitos dizem algo a mais, que é importante para a compreensão da matéria. Os contratos de consumo encontram-se permeados por grande interesse social, dada a relevância e o impacto que a ausência de regulamentação acarretaria. Por tal motivo o contrato de consumo sofre forte dirigismo por parte do Estado. Afinal, o Direito e o Estado, como já comentado, tutelam as relações consumeristas e preveem o que pode e o que não pode acontecer no campo da contratação entre partes que estão em níveis diferentes de suficiência e vulnerabilidade. Desde a fase pré-contratual, até a celebração do contrato em si, quanto em sua conclusão, o Direito protege as partes, sobretudo o consumidor. Refere-se a um dever absoluto de boa-fé, especialmente voltado para o fornecedor de produtos ou serviços. Se o fornecedor não age de boa-fé, mas sim com o intuito de prejudicar ou ludibriar o consumidor estamos diante de um gravíssimo problema (TARTUCE; NEVES, 2018). Logo, tema de fundamental importância, sobretudo na fase pré-contratual é a questão da oferta e da publicidade no mercado de consumo. Aquilo que é ofertado, veiculado de modo geral nos meios publicitários, reveste-se de regulamentação específica no âmbito do CDC, justamente porque é a partir dessa fase, que antecede a contratação em si (ainda que seja para uma simples compra e venda de um produto, por exemplo), que o consumidor será levado ou não a interessar-se pela aquisição de um determinado bem ou serviço (NUNES, 2019). A oferta no mercado de consumo está disciplinada no art. 30 do CDC (BRASIL, 1990).Trata-se de toda e qualquer informação ou conteúdo publicitário preciso o bastante, veiculado em qualquer meio ou por qualquer forma de comunicação, com relação a produtos ou serviços. A oferta, nestes termos, vincula o fornecedor a cumprir exatamente o que foi oferecido. É, como sabido, questão de boa-fé, pois não há sentido (e não há legalidade) na prática comercial de oferecer determinado produto, por exemplo, revestido de algumas qualidades, e, no momento da contratação, aparecer uma coisa diferente. A obrigação a que o fornecedor está vinculado diz respeito a todas as características dos bens ou serviços oferecidos no mercado de consumo, o que inclui, sobremodo, as questões relativas ao preço da oferta e quanto às formas de pagamento. Se o produto foi anunciado com certo valor, o consumidor tem o direito de que tal valor seja o efetivamente praticado no momento da aquisição do bem ou serviço, sob pena de responsabilização do fornecedor por ato atentatório ao seu direito. Ademais, de acordo com o art. 31 do CDC (BRASIL, 1990), a publicidade deve assegurar o estrito cumprimento e respeito ao direito de informação do consumidor. Deve-se pautar os anúncios com informações corretas, claras, precisas, em língua portuguesa, que permitam aos consumidores conhecerem as características, qualidades, quantidades, composição, preço, garantia, prazos de validade, origem, bem como os eventuais riscos que os produtos ou serviços podem causar à saúde e segurança (BRASIL, 1990). ______ Assimile O preço anunciado na oferta, no âmbito do mercado de consumo, vincula o fornecedor do produto ou serviço. Isto é, por um dever de boa-fé e cumprimento. ______ Interessante saber, além disso, que o fornecedor do produto ou serviço tem responsabilidade solidária relativamente aos atos praticados por seus prepostos ou representantes, como previsto no art. 34 do CDC (BRASIL, 1990). Trata-se de regra de fundamental importância, pois se o preposto ou representante praticar algum ato de oferta, esta vinculará o fornecedor como se ele mesmo a tivesse feito (SOUZA; WERNER; NEVES, 2018). Ademais, o CDC (BRASIL, 1990) traz algumas possibilidades ao consumidor, na hipótese de o fornecedor recusar-se a cumprir exatamente o que está previsto na oferta, apresentação ou publicidade. Segundo o art. 35 do CDC (BRASIL, 1990), o consumidor poderá, de maneira alternativa, isto é, escolher uma dentre as seguintes opções: I. poderá exigir o estrito cumprimento, de maneira forçada, da obrigação nos exatos termos da oferta, apresentação ou propaganda; II. poderá aceitar um produto ou prestação de serviço que seja equivalente; e III. poderá rescindir o contrato de consumo, com direito a que lhe seja restituído eventual quantia antecipada, com atualização monetária e perdas e danos. No mesmo sentido trabalhado quanto à oferta de produtos e serviços, o CDC (BRASIL, 1990) regula especificamente a publicidade no mercado de consumo, a qual deve se dar de maneira que o consumidor a identifique como tal. O art. 6º, IV, do CDC (BRASIL, 1990) garante que o consumidor tem o direito de ser protegido da publicidade enganosa e abusiva. A mesma precaução da legislação consumerista é retomada no art. 37 (BRASIL, 1990), no qual é apresentada, de maneira mais extensa, os conceitos de publicidade enganosa e abusiva. Publicidade enganosa é: [...] qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (BRASIL, 1990, art. 37, § 1° [s.p.]) Já publicidade abusiva é: [...] a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (BRASIL, 1990 art. 37, § 2° [s.p.]) ______ Exemplificando É enganosa uma propaganda de cigarros dizendo que o produto não causa nenhum risco à saúde, visto que há inúmeras pesquisas que apontam os danos causados em função do consumo. Por outro lado, é abusiva uma propaganda de cigarros de chocolate na qual aparece uma criança ostentando um em suas mãos – acaba por estimular, de modo subliminar, que não há problemas em uma criança consumir cigarros, ainda que de chocolate. Passa-se uma ideia, como suposto, inaceitável, eis que a substância é proibida para menores. ______ Também existe a figura da publicidade enganosa em virtude de uma omissão. Quando o fornecedor deixar de informar algum dado essencial do produto ou do serviço, além de violar o dever de informação ao consumidor, estará violando a disposição segundo a qual é vedada a publicidade enganosa. Falar de menos é, assim, expressamente proibido, especialmente de elementos essenciais do que está sendo oferecido. De igual modo, a responsabilidade de demonstrar que a informação veiculada sobre algum produto ou serviço é verdadeira e correta, é daquele que está patrocinando sua divulgação, à luz do art. 38 do CDC (BRASIL, 1990). Espécies de contrato de consumo imagem sem audiodescrição Por fim, falemos de algumas espécies de contrato de consumo. Diferente do modelo geral do direito civil comum, no qual há a previsão de alguns contratos típicos, como a compra e venda, a doação, a locação etc., na legislação consumerista não há esse tipo de especificação. Tal se dá por um motivo bastante óbvio. A incidência do CDC ocorre em função da qualidade que as partes ostentem numa dada relação. Se preenchidos os pressupostos para qualificar as partes, ora como fornecedor, ora como consumidor, destinatário final do produto e marcado por certa vulnerabilidade, então estaremos diante de um contrato sobre o qual recairá o conjunto de regras e princípios que formam o estatuto de proteção das relações de consumo (TARTUCE; NEVES, 2018). No entanto, há no CDC (BRASIL, 1990) a previsão de um contrato muito comum no dia a dia: o contrato de adesão. Previsto no art. 54 do CDC (BRASIL, 1990), o contrato de adesão é aquele, como o próprio nome indica, em que não houve discussão das cláusulas, sobretudo por parte do consumidor que, por conseguinte, meramente adere a ele (NUNES, 2019). No contrato de adesão, as cláusulas ou foram aprovadas por alguma autoridade competente (como pode acontecer em contratos bancários, onde há cláusulas aprovadas pelo Banco Central) ou, como é mais comum, foram estabelecidas de maneira unilateral pelo fornecedor. Nesse caso, o consumidor não dispõe de plena autonomia da vontade (liberdade contratual) para discutir ou modificar substancialmente o conteúdo das cláusulas contratuais, que já vêm prontas. Em tais contratos, porém, as cláusulas que porventura limitem direitos do consumidor deverão ser redigidas de maneira destacada, permitindo sua imediata e facilitada compreensão, bem como deverão constar no contrato de adesão apenas cláusulas legíveis, escritas de maneira ostensiva, cujo tamanho da letra não poderá ter fonte inferior a doze, tal como determinado pelos §§3º e 4º do art. 54 do CDC (BRASIL, 1990). Em alguns tipos contratuais, ligados a certos produtos ou serviços oferecidos no mercado, já foram consagrados como típicos contratos de consumo. É o caso, por exemplo, dos contratos bancários. Ora, o próprio art. 3º, §2º do CDC (BRASIL, 1990) indica que a prestação de serviços bancários configura relação de consumo. Então, contratos bancários de conta corrente, poupança, investimentos, empréstimo e outros, estão abarcados pelocampo de incidência das normas consumeristas (FILOMENO, 2018; NUNES, 2019). Outro contrato bastante comum é o de arrendamento mercantil ou leasing, que é operação por meio da qual o proprietário de um bem móvel ou imóvel, denominado arrendador, cede a terceiro, denominado arrendatário, o uso desse bem por um prazo determinado, mediante recebimento de uma prestação em dinheiro. No final desse contrato, o arrendatário poderá comprar o bem pelo valor então combinado, renovar o contrato por novo período ou devolver o bem ao arrendador. É uma espécie de negócio jurídico (contrato) que envolve locação de coisas e financiamento, sendo que esta acaba predominando. Com efeito, essa operação está absolutamente abarcada pelo CDC (BRASIL, 1990), sobretudo porque, na esmagadora maioria das vezes, os contratos de leasing, como mencionado, são de adesão, o consumidor não assiste nenhum direito de discussão das cláusulas mais importantes (TARTUCE; NEVES, 2018). Por fim, vale comentar sobre o contrato de seguro. O seguro nada mais é do que uma maneira de garantir que, contra eventualidades, acidentes, haja uma espécie de proteção. É tipo de contrato de busca garantir segurança. O Código Civil, conceitua o contrato de seguro no art. 757: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados” (BRASIL, 2002, [s.p.]). Uma vez que se verifique no mundo dos fatos a ocorrência de uma causa a deflagrar o acionamento do seguro, a seguradora não poderá se furtar ao dever de pagar o prêmio. Como, no geral, se trata de contratos de adesão, porque as seguradoras elaboram complexo cálculo de risco quanto à oferta ou não de seguro num caso determinado, ao consumidor resta apenas a aderência. Está, pois, em situação de vulnerabilidade, merecendo a proteção da legislação consumerista correspondente (BOLZAN DE ALMEIDA, 2019). Reflita Quais outros tipos de contrato poderiam ser enquadrados como de consumo, isto é, tutelados pelas disposições da legislação consumerista? Conclusão imagem sem audiodescrição Depois de termos estudado os elementos iniciais para a caracterização da relação de consumo, você já deve estar se lembrando da situação-problema proposta no início desta aula, não é mesmo? É bem possível que até mesmo já tenha alcançado alguns horizontes de respostas para a incúria criada. Então, vamos nos lembrar do que se tratava? Você foi consultado pelos seus sócios da loja de suplementos alimentares para, de fato, propor uma solução para o caso apresentado. Há cerca de um mês a loja veiculou em diversos meios de comunicação que aconteceria uma promoção especial, que consistiria numa oferta sobre determinados produtos, que poderiam ser adquiridos com desconto, caso houvesse a aquisição em conjunto. Os clientes que adquirissem dois potes de proteína, receberiam um terceiro, como uma espécie de brinde. A unidade do pote de proteína, da marca XYZ, é usualmente vendida na sua loja pelo valor de R$ 100,00 (cem reais). Ocorre que, por um erro no momento da divulgação da oferta, veiculou-se um preço diferente do referido pote de proteína. Por um equívoco de um dos seus sócios, que ficou responsável pela oferta, ao invés de constar o valor adequado do pote de proteína, ou seja, R$ 100,00 (cem reais), na publicidade fez constar o valor de R$ 40,00 (quarenta reais) pelo mesmo produto. A partir disso, vários clientes apareceram na loja querendo comprar não apenas um pote de proteína da marca XYZ, porém dois, para que ganhassem mais um, conforme anunciado. No momento em que vários clientes estavam na loja, um funcionário alertou que o preço divulgado estava errado e que eles deveriam pagar o valor real, ou seja R$ 100,00 (cem reais), inclusive para fazerem parte da promoção anunciada, quanto ao terceiro pote grátis. Imediatamente, os clientes ficaram revoltados e exigiram o cumprimento da oferta anunciada. Dessa forma, seus sócios foram até você para que, na qualidade de conhecedor da legislação consumerista, proponha uma solução para o problema. Qual é o correto a ser feito neste caso? Diante desta situação, você já deve ter se lembrado que a oferta vincula o fornecedor do produto, à luz do CDC (BRASIL, 1990) e que o fato de alterar, no momento da compra, isto é, da contratação em si, o valor do produto, constitui em prática igualmente vedada, eis que poderia configurar propaganda enganosa. Ademais, diante de um quadro desse tipo, a primeira ação é a de retirar as propagandas equivocadamente redigidas de circulação. Porém, para aqueles consumidores que se fizerem presentes na loja, a fim de adquirirem os potes de proteína pelo preço de R$ 40,00 (quarenta reais), eles poderão obrigar a loja a realizar a venda nesses termos, sob pena de se judicializar a questão e envolver custos adicionais. Trata-se de um erro que pode causar um grave impacto econômico no faturamento da empresa, mas, infelizmente, deve-se cumprir, no rigor do dever de boa-fé, aquilo que foi oferecido ao mercado de consumo. Caso os clientes, consumidores, exijam o cumprimento, nada poderá ser feito nesse sentido, mas você poderá negociar diretamente com eles para que optem por levar produtos semelhantes, que mais se aproximariam do preço equivocado. Se tiver acontecido alguma antecipação de valores, estes deverão ser restituídos aos consumidores, com correção monetária e eventual apuração de perdas e danos. Todas essas alternativas, na verdade, partem do consumidor, porque a legislação lhes garante a escolha. Nada obsta, por outro lado, que se proceda a uma resolução negociada, oportunidade na qual, como medida de segurança jurídica, é recomendado redigir um contrato ou termo, ainda que simplificado, que contenha as condições do eventualmente acordado. A lição que fica, com efeito, é quanto à importância e seriedade com se deve tratar o tema da publicidade em matéria de consumo, dado que as alternativas, via de regra, pertencem mais ao campo de escolha do consumidor do que dos fornecedores, dada, claro, a relação de consumo na qual há presumida vulnerabilidade daquele. Práticas abusivas e extinção do contrato de consumo Cláusulas abusivas imagem sem audiodescrição Comecemos a falar sobre as chamadas cláusulas abusivas em contratos de consumo. Inicialmente, cabe elucidar que, em geral, as cláusulas abusivas têm o intuito de estabelecer uma relação desigual de vantagens e desvantagens entre as partes envolvidas na relação consumerista. As situações que caracterizam a abusividade têm previsão, de forma exemplificativa, no art. 51 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), ou seja, outras hipóteses, além das estabelecidas em tal dispositivo, dão ensejo à abusividade, já que a redação da lei assinala que “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços [...]” (BRASIL, 1990, [s.p.]). Logo, no caso concreto, as hipóteses definidas servirão como nortes iniciais, mas não se exaurem apenas na lei, pois dependem das circunstâncias concretas. A ilicitude das cláusulas tem como fundamento um abuso de direito contratual (TARTUCE; NEVES, 2018). Como efeito, dado que o legislador se preocupou em proteger a parte mais vulnerável da relação de consumo, são nulas de pleno direito e podem, ainda, dar ensejo ao dever de reparar, nas hipóteses em que houver dano, demonstrando os primeiros resquícios da ideia de responsabilidade civil do fornecedor do respectivo produto ou serviço – tema que analisaremos em outra oportunidade. ______ Assimile As hipóteses legais de abusividade das cláusulas em contratos de consumo não são taxativas, isto é, não se esgotam nas previsões legais. A abusividadeou não de uma cláusula inserta em contrato de consumo, notadamente em contratos de adesão, será analisada caso a caso, pois são inúmeras as condições fáticas, de natureza social e econômica, que podem suscitar a revisão de uma disposição contratual, sobretudo para se reequilibrar a relação jurídico- consumerista. ______ Feitas essas considerações iniciais acerca da temática, trataremos, sucintamente, das hipóteses exemplificativas previstas no art. 51 do CDC (BRASIL, 1990). São nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos, ou seja, não têm validade as cláusulas tendentes a diminuir ou excluir o dever de o fornecedor responder por eventuais problemas em seus produtos ou na prestação de serviços. Tal disposição encontra respaldo legal no art. 51, I, do CDC (BRASIL, 1990). Igualmente, conforme previsão do art. 51, II, do CDC (BRASIL, 1990), são nulas as cláusulas que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, que funciona como verdadeiro instrumento de vedação ao enriquecimento ilícito, ou seja, aquele que sem justa causa, à custa de outro indivíduo, aufere determinada vantagem. Ainda, são abusivas as cláusulas que transmitam responsabilidades a terceiros, conforme previsto no art. 51, III, do CDC (BRASIL, 1990). Precipuamente, são abusivas, de acordo com art. 51, IV, do CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, isto é, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Trata-se do exemplo mais amplo, tendo em vista que são vastas as situações passíveis de abuso em detrimento do consumidor. Como parâmetro para caracterizar uma cláusula que posicione o consumidor em uma situação de desvantagem exagerada, o próprio dispositivo define como aquelas que ofendem os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence, restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual, que se mostram excessivamente onerosas para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. Ainda, são consideradas abusivas, nos termos art. 51, VI, do CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. Como regra geral, cabe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu provar os fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito alegado pelo autor, em eventual processo judicial. Todavia, no caso das relações de consumo, se restar demonstrada a verossimilhança das alegações, ou seja, se houver um juízo de probabilidade tendente a concluir que tais alegações são inequívocas ou que há hipossuficiência do consumidor, isto é, se este se encontrar em uma situação de impotência ou de inferioridade em relação ao fornecedor, poderá haver a inversão do encargo de produção da prova em favor do consumidor. Ademais, em observância à redação do art. 51, VII, do CDC (BRASIL, 1990), são nulas as cláusulas que determinem a utilização compulsória de arbitragem. A arbitragem pode ser caracterizada como um meio alternativo de solução de conflitos no qual as partes envolvidas estabelecem que um terceiro resolverá eventuais lides, ou seja, não haverá interferência do poder judiciário. Também são abusivas, em conformidade com o art. 51, VIII, do CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor, ou seja, não é válida disposição que afaste uma pessoa do exercício efetivo de seus direitos. São igualmente abusivas, na redação do art. 51, IX, do CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato embora obriguem o consumidor a seu cumprimento. Ou seja, é evidente a falta de equivalência, deixando a conclusão do negócio jurídico à mercê do fornecedor. Além disso, são caracterizadas, consoante art. 51, X, do CDC (BRASIL, 1990), como abusivas, as cláusulas que permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, impor variação do preço de maneira unilateral. Dado que, como exposto anteriormente, a vedação à abusividade das cláusulas tem como fundamento impedir o enriquecimento ilícito, isto é, à custa de outrem; tal impedimento tem o objetivo de conservar o negócio jurídico de forma equivalente e justa para ambas as partes envolvidas. ______ Exemplificando Uma instituição de ensino não pode, sem justificativa plausível, aumentar deliberadamente mensalidade a princípio contratada, com o mero objetivo de enriquecimento. ______ Ainda, há evidente abusividade, conforme disposto no art. 51, XI, do CDC (BRASIL, 1990), nas cláusulas que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. Dado que o regramento voltando às relações consumeristas tem o intuito de promover a equiparação do consumidor, hipossuficiente, ao fornecedor, superiormente posicionado em virtude do conhecimento técnico e do aspecto econômico, tal cláusula tem o intuito de preservar a equidade, bem como a boa-fé objetiva, princípio que deve nortear os negócios jurídicos, sobretudo os contratos voltados às relações de consumo (NUNES, 2019). ______ Exemplificando Em contratos de longa duração, como os contratos de seguro ou plano de saúde, é abusiva a cláusula que confira apenas ao fornecedor a possibilidade de rescindir o respectivo contrato. ______ Saliente-se, ainda, que são dotadas de abusividade, nos termos do art. 51, XII, do CDC (BRASIL, 1990), as disposições que obrigam o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor. Isto implica dizer que o conteúdo de tais cláusulas não é vedado, desde que o mesmo seja imposto à parte contrária. Ademais, são nulas de pleno direito, dada a redação do art. 51, XIII, do CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. Tal disposição implica afirmar que, após convencionados pelas partes os ônus e bônus recíprocos da relação contratual, não cabe ao fornecedor, sem a devida anuência do consumidor, isto é, sem seu consentimento, alterar o objeto ou qualidade do que anteriormente foi acertado. ______ Exemplificando É abusiva a cláusula que permite a alteração unilateral de contrato de plano de telefonia móvel, sem expressa anuência do consumidor. ______ Dada a preocupação cada vez maior com as questões ambientais, são igualmente abusivas, segundo o art. 51, XVI, do CDC (BRASIL, 1990), as disposições que infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais. Logo, sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e sendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito de todos, quaisquer cláusulas que causem danos ao meio ambiente são consideradas nulas. Por fim, nos termos do art. 51, XVI, do CDC (BRASIL, 1990), são caracterizadas como abusivas as cláusulas que possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias, que são os bens acessórios que visam a melhorar ou acrescer o objeto principal. Tal previsão tem o propósito de tutelar a boa-fé do consumidor. Banco de dados do consumidor imagem sem audiodescrição Feitas as considerações acerca das circunstâncias que ensejam abusividade previstas pelo legislador, a partir de agora, aprofundaremos nosso conhecimento a respeito do acervode informações coletadas dos consumidores, seu cadastro e que compõem o banco de dados. Antes de adentrarmos propriamente no conteúdo, cumpre estabelecer algumas distinções entre banco de dados e cadastro do consumidor, segundo alguns critérios (TARTUCE; NEVES, 2018). Nesse sentido, no que diz respeito à maneira pela qual os dados são coletados, no caso do banco de dados, a arrecadação ocorre de forma aleatória, ou seja, não há um interesse específico. A coleta tem um único objetivo: arrecadar o máximo de informações possíveis. No cadastro dos consumidores, por sua vez, ao contrário, há uma relação jurídica entre o coletor e o fornecedor de tais informações; há, aí, um interesse. No que tange à organização das informações, no banco de dados, visto que elas não serão imediatamente utilizadas, o armazenamento é feito em momento posterior, considerado oportuno. No cadastro de consumidores, por seu turno, os dados são instantaneamente organizados. A respeito da duração do armazenamento e da divulgação, na hipótese do banco de dados, as informações coletadas serão mantidas o máximo de tempo possível, dada a característica da aleatoriedade. No cadastro de consumidores, tendo em vista a natureza específica da coleta, o interesse específico do fornecedor, via de regra, as informações não são mantidas no decorrer do tempo. Acerca de requerimento de obtenção das informações, este não é observado no banco de dados, visto que, geralmente, o consumidor não tem conhecimento da coleta de tais dados. Circunstância diferente do cadastro do consumidor, hipótese na qual, dado o interesse específico, há consentimento e, em algumas situações, até mesmo pedido para aquisição das informações. No tocante à extensão dos dados disponíveis a terceiros, em virtude da imprevisibilidade do banco de dados, as informações são objetivas, imparciais. No cadastro de consumidores, todavia, visto que a coleta tem um objetivo específico, pode haver uma espécie de julgamento a respeito das condições do consumidor, como sua situação financeira para fins de aferição de sua capacidade de endividamento (TARTUCE; NEVES, 2018). Especificamente em relação aos dados obtidos, note-se que no banco de dados tal obtenção é seu objetivo e sua razão de ser. No cadastro de consumidores, as informações são utilizadas com o objetivo de controlar possíveis negócios jurídicos a serem realizados, ou seja, a utilização é secundária, suplementar. Em particular, cumpre ressaltar o alcance da divulgação das informações. No banco de dados, as informações são difundidas aos consumidores interessados em conhecer seus próprios dados ou sobre a existência de reclamações contra fornecedores de produtos e serviços. No cadastro de consumidores, observado o interesse particular, a disseminação ocorre internamente, entre instituições (financeiras ou que estejam oferecendo crédito, por exemplo), sempre no interesse do consumidor. Até mesmo porque a divulgação pública de dados privados é proibida, sobretudo pelo que dispõe a Lei n° 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (BRASIL, 2018). Assim, o cadastro de consumidores é arquivo que se constitui pelo fornecimento de informações pelo próprio cliente em diversas situações, como na abertura de conta em banco, abertura de crediário, dentre outras. Já o banco de dados é voltado ao mercado em geral e as informações são colhidas independentemente da vontade do consumidor, embora não possam ser difundidas deliberadamente, como comentado. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) prevê um regramento específico acerca da coleta e do arquivamento de dados, estabelecendo, assim, nos arts. 43 a 45 que os consumidores terão acesso às suas informações arquivadas em cadastros, fichas, além de registros e dados pessoais e de consumo. Ainda, é assegurado ao consumidor o direito de retificar dados incorretos, retirar informações negativas após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, bem como a comunicação, por escrito, de abertura de cadastro, ficha ou registro cadastral, com dados pessoais ou de consumo, quando não requerida. Note-se que, em caso de negativa de acesso a informações, é cabível uma ação específica, denominada Habeas Data (que serve basicamente para acessar as informações e, caso necessário, retificá-las). Ressalte- se, ainda, que na hipótese de adimplemento de dívida do consumidor com o nome negativado, a retificação deve ser imediata (ALMEIDA, 2015). Há empresas específicas responsáveis pela coleta de informações do consumidor, como por exemplo, o Serviço de Proteção ao Consumidor (SPC), Serasa, dentre outros. Tais empresas, segundo o art. 43, § 4º, do CDC (BRASIL, 1990), são consideradas entidades de caráter público, logo, devem prestar a informações pertencentes ao consumidor, quando por ele solicitada (THEODORO JÚNIOR, 2017). Extinção do contrato oriundo da relação de consumo imagem sem audiodescrição Elucidadas as questões relativas às cláusulas abusivas, aquelas nas quais o fornecedor é colocado em situação de vantagem em detrimento do consumidor, em que há manifesta desproporcionalidade na relação consumerista, bem como estudados os pontos relativos ao acervo de informações do consumidor caracterizado como banco de dados e cadastro dos consumidores, daqui em diante trataremos da extinção do contrato oriundo da relação de consumo, dado que, muitas vezes o consumidor encontra certa dificuldade e resistência do fornecedor para pôr termo ao negócio jurídico, ou seja, em que pese o regramento estabelecido com o intuito de impedir os empecilhos colocados ao consumidor, o mesmo ainda encontra inúmeras dificuldades na rescisão. A fim de compreendermos com maior profundidade cumpre, primeiramente, definir alguns aspectos relacionados aos contratos, em geral. Contratos podem ser caracterizados como uma das fontes de obrigações de fazer ou não alguma coisa (TARTUCE; NEVES, 2018). Ainda, são conhecidos como uma espécie de negócio jurídico que se aperfeiçoam por uma composição de interesses das partes contratantes e têm como fundamento a manifestação de vontade, ou seja, resulta de consenso mútuo (KOURI, 2013). Assim, trata-se de um acordo de vontades, bilateral ou plurilateral, isto é, se perfaz pela manifestação de vontade de duas ou mais partes que assumem entre si obrigações recíprocas, na conformidade da lei e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direito (TARTUCE; NEVES, 2018; BOLZAN DE ALMEIDA, 2019). Tais acordos estão condicionados a alguns aspectos. Ou seja, além da licitude do objeto, o acordo entre as partes deve estar em conformidade com a lei, a moral e os bons costumes, devendo, ainda, haver a capacidade dos contratantes, aptidão específica para contratar, e consentimento. Ainda, são regidos por alguns princípios indispensáveis, como a autonomia da vontade, boa-fé e probidade (que implica no dever de as partes agirem de forma correta, ética e honesta), obrigatoriedade da proposta e vedação à onerosidade excessiva (SOUZA; WERNER; NEVES, 2018). Dentre as diversas espécies de contratos, encontramos o contrato de venda, que se perfaz pela manifestação de vontade de duas partes, ou seja, é bilateral, pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de uma coisa a outra parte (comprador) mediante contraprestação de certo preço em dinheiro, isto é, há transferência de domínio (da posse da coisa, do bem). Em geral, os contratos se extinguem pelo adimplemento da obrigação, ou seja, pelo seu cumprimento. Entretanto, em algumas situações, o contrato pode ser extinto por causas anteriores ou contemporâneas à sua formação, como no caso de invalidação do negócio jurídico. Especialmente no estudo das relações de consumo, nos interessa minuciosamente analisar a extinção do contratodecorrente do direito de arrependimento, sendo esta uma causa contemporânea ao contrato e que confere às partes a possibilidade de terminar unilateralmente com o contrato dentro do prazo convencionado ou antes de sua execução, pois o cumprimento da obrigação caracteriza renúncia a este direito. A outra parte não poderá se opor, uma vez que admitiu a cláusula que previa o direito de arrependimento (NUNES, 2019). É o que observamos na possibilidade de o consumidor desistir do contrato no prazo de 7 (sete) dias, contados da assinatura ou do recebimento do produto ou serviço, na hipótese de a contratação ter ocorrido fora do estabelecimento comercial, sobretudo por telefone ou em domicílio, conforme previsto no art. 49, do CDC (BRASIL, 1990). Ademais, poderá haver a revisão do contrato pela ocorrência de fato superveniente, ou seja, por algum motivo que aconteceu depois da celebração do contrato. Assim, conforme previsão do art. 6º do CDC (BRASIL, 1990), verificado que a cláusula contratual estabelece prestação desproporcional ou em virtude de fatos ocorridos depois que o contrato for firmado, tais prestações serão consideradas excessivamente onerosas, autorizando a revisão do contrato ou mesmo o seu encerramento (FILOMENO, 2018). Ainda, poderá ocorrer a rescisão do contrato por onerosidade excessiva diante da ocorrência de fato extraordinário, alheio à vontade das partes, que promova um desequilíbrio contratual; neste caso, o consumidor também poderá solicitar a extinção do contrato (NUNES, 2019). Conclusão imagem sem audiodescrição Você foi procurado, na qualidade de consultor, por uma empresa com a finalidade de revisar um contrato de adesão então elaborado. Considerando que a empresa tem como objeto social a concessão de crédito, ela submeteu a sua análise o contrato de adesão que havia redigido, para que você procedesse à revisão e eventual sugestão de ajustes. Ao analisar o conteúdo do contrato, você identificou, de pronto, algumas cláusulas potencialmente problemáticas. O contrato prevê que em caso de qualquer dano sofrido pelo consumidor, a responsabilidade por parte do fornecedor estaria limitada à terça parte do respectivo conteúdo econômico, isto é, sem previsão de responsabilidade integral. Também consta a proibição de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, caso este ingressasse com ação judicial contra a empresa. Ademais, há cláusula que possibilita a modificação unilateral do percentual dos juros aplicados na concessão dos créditos, que, assim, deveriam variar, a critério da empresa, com base na inflação. Por fim, está prevista outra cláusula que obriga o consumidor a ressarcir à empresa os custos provenientes da sua própria cobrança, sem qualquer contrapartida. Considerando essas cláusulas, você já deve ter percebido o quanto elas parecem, no mínimo estranhas, sobretudo depois que estudamos a necessidade de equilíbrio nos contratos de consumo. E é justamente por isso que a legislação consumerista prevê uma série de direitos e garantias aos consumidores, para que eles não sejam prejudicados pela natural vulnerabilidade que decorre, via de regra, deste tipo de relação. Depois que estudamos as chamadas cláusulas abusivas nos contratos de consumo, à luz do art. 51 do CDC (BRASIL, 1988), você já tem condições de entender que as cláusulas inseridas no contrato pela empresa que lhe contratou certamente violam importantes disposições legais. Veja, por exemplo, a cláusula segundo a qual eventuais danos sofridos pelo consumidor seriam suportados pela empresa fornecedora até a terça parte do valor do conteúdo econômico respectivo. Ora, trata-se de imposição abusiva, porque não se pode prever a natureza, extensão ou mesmo o valor de eventual prejuízo que o consumidor venha a ter em função do contrato de consumo firmado. Dessa maneira essa é uma cláusula nula de pleno direito, porque estabelece forma de limitação de responsabilidade por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços, com base no disposto no art. 51, I, do CDC (BRASIL, 1990). Não seria possível uma limitação abstrata de responsabilidade, pois, ainda que fosse o caso de haver equacionamento de responsabilidade, este somente ocorreria em processo judicial. Também, o contrato proíbe a inversão do ônus da prova, o que é expressamente vedado tanto pelo art. 6º, quanto pelo art. 51, VI, ambos do CDC (BRASIL, 1990). A inversão, como possibilidade, é direito do consumidor em processo judicial. Não pode haver cláusula que limite tal direito, tampouco que imponha dever probatório exclusivamente à parte hipossuficiente. Depois, a cláusula que autoriza a modificação unilateral do percentual dos juros aplicados na concessão dos créditos encontra barreira no art. 51, X e XIII, do CDC (BRASIL, 1990), ainda que se trate, no caso, de contrato de adesão. Isso se dá porque deve haver previsão por parte do consumidor quanto ao impacto financeiro que irá suportar, até mesmo em respeito à boa-fé e ao dever de informar. A variação do preço, de modo unilateral, de que não depende nenhum ato de concordância pelo consumidor, afronta os direitos básicos deste, sendo, portanto, nula. Por último, a cláusula de ressarcimento à empresa dos custos de cobrança de dívida do consumidor, sem estabelecimento de contrapartida, viola a proibição encartada no art. 51, XII, do CDC (BRASIL, 1990), sobretudo por impor condição deveras custosa, sem razão, uma vez que os custos de cobrança correspondem à própria atividade da empresa. Inexistindo forma de contrapartida, a cláusula não se revela adequada. Em suma, as cláusulas que lhe foram submetidas à apreciação precisam ser revisadas ou excluídas para se garantir o maior equilíbrio contratual possível. Responsabilidade nas relações comerciais de consumo Responsabilidade civil nas relações consumeristas imagem sem audiodescrição A partir de agora, estudaremos a responsabilidade civil nas relações consumeristas. A fim de embasar nosso entendimento, primeiramente faremos uma análise no que consiste a responsabilidade jurídica. Assim, é possível caracterizá-la como uma situação que tem origem em uma ação ou em uma omissão de um indivíduo que, contrariando o regramento jurídico, se obriga a responder por tais fatos com seus bens ou sua pessoa (TARTUCE; NEVES, 2018). Diferente da obrigação, que se caracteriza como um vínculo entre sujeitos que confere a um (credor) o direito de exigir de outro (devedor) o cumprimento de uma obrigação anteriormente avençada, a responsabilidade decorre do inadimplemento desta, ou seja, trata- se da consequência do descumprimento da relação que obrigou as partes. Nos casos específicos dos contratos, temos como fonte da responsabilidade a vontade humana, dado que eles se perfazem pelo consensualismo, ou seja, pela manifestação de vontade de ambas as partes envolvidas (ALMEIDA, 2015). Via de regra, alguns fatores são apurados a fim de verificar o grau de responsabilidade. Assim, devem ser obedecidos alguns pressupostos primordiais: configuração de um dano, isto é, prejuízo; ofensa de caráter material ou moral, à medida que não é apenas o prejuízo puramente econômico (material) que se tutela, mas a mácula, o sofrimento moral, a ilicitude causada com repercussão no bem-estar da pessoa, psíquico ou emocional, também é tutelada; nexo causal, ou seja, deve-se verificar uma relação entre causa e efeito; e, por fim, culpa, que pode ser definida como uma ação ou omissão reprovável de acordo com os valores tidos como comuns pela sociedade (SOUZA; WERNER; NEVES, 2018). Nesse sentido, a culpa é graduada como: grave (qualificada pela falta de cautela, mínimo cuidado, zelo – trata-se de uma atitude repreensível grosseira); leve (identificada pela falta de atenção ordinária, comum segundo os parâmetros sociais); e levíssima(tipificada pela falta de atenção extraordinária, na desatenção de circunstância que requer cuidado extremo). Observados tais aspectos, está caracterizada a chamada responsabilidade subjetiva, que pressupõe o elemento culpa como seu fundamento. Entretanto, nas relações de consumo, a caracterização do dever de responder independe da verificação e gradação do elemento culpa. Logo, trata-se de responsabilidade mais grave, determinando a obrigatoriedade da reparação. Assim, conforme o regramento do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) nos arts. 12, 14, 18, 19 e 20, só existe a necessidade de comprovação da ação ou da omissão, do resultado (dano, prejuízo) e do nexo de causalidade para atribuir a responsabilidade objetiva aos fornecedores de produtos e prestadores de serviços (ALMEIDA, 2019). A única exceção reside no caso dos profissionais liberais, conforme artigo 14, §4º, do CDC (BRASIL, 1990, [s.p.]), segundo o qual: “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. ______ Assimile A responsabilidade civil nas relações de consumo, via de regra, é objetiva. Isto significa dizer que o consumidor prejudicado, lesado, para fins de buscar eventual indenização, ressarcimento ou reparação por danos morais ou materiais de fornecedores de produtos ou serviços, deverá demonstrar três elementos: I) ação ou omissão; II) dano; III) nexo causal. Na responsabilidade civil objetiva não há necessidade de se provar a culpa do agente causador do dano. ______ Note-se que o dever de reparar encontra respaldo na Constituição da República de 1988, no art. 5º, V e X (BRASIL, 1988), e abrange não só os danos relativos aos bens, prevalecendo o dever de ressarcir nas hipóteses de vício, ausência ou insuficiência de informações que deveriam constar no rótulo dos produtos ou no oferecimento de prestação de serviços. Código de Defesa do Consumidor imagem sem audiodescrição A fim de compreender com precisão a temática, analisaremos a seguir alguns conceitos basilares e imprescindíveis do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990). Devemos lembrar que fornecedor, nos termos do artigo 3º do CDC (BRASIL, 1990, [s.p.]), são as pessoas que desenvolvem “atividades de produção, montagem, criação, construção, transformações, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Ressalte-se que atividade, nesse contexto, é designada por atos continuados e habituais, ou seja, a prática de atos isolados não qualifica a figura de fornecedor. Além disso, nessas hipóteses apresentadas, quando há vários autores integrantes da cadeia produtiva, haverá responsabilidade solidária entre todos eles (ALMEIDA, 2019). Dessa forma, o consumidor poderá acionar judicialmente qualquer das partes responsáveis pela colocação do produto ou serviço no mercado. Ressalte-se que se equiparam a consumidor todas as vítimas efetivas e potenciais. Ainda no que tange à indenização, o art. 51, I, do CDC (BRASIL, 1990) veda a chamada “indenização tarifada”, isto é, não há limitação para a fixação da indenização, que será integral, suficiente conforme a extensão do dano verificado. Logo, como estudado anteriormente, são nulas as cláusulas tendentes a atenuar ou até mesmo excluir a responsabilidade do fornecedor. No contexto das relações de consumo, duas são as espécies de responsabilidade: pelo fato do produto ou serviço. pelo vício do produto ou serviço. A seguir, ambas serão minuciosamente analisadas e feitas as devidas distinções. A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço deriva de danos do produto ou serviço, os chamados acidentes de consumo (ALMEIDA, 2019). Conforme previsto no art. 12 do CDC (BRASIL, 1990) é considerado fato do produto todo e qualquer acidente ocasionado por produto ou serviço que provocar prejuízo ao consumidor. Vale a pena a transcrição do referido dispositivo: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (BRASIL, 1990, [s.p.]) ______ Exemplificando Um acidente aeroviário, bem como um acidente automobilístico em que a causa tenha sido um defeito de fabricação, configura hipótese de dano indenizável por fato do produto ou serviço, a depender da situação. ______ Ainda, a legislação consumerista explicita no que consistem os produtos ou serviços defeituosos para fins de caracterização da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. Consoante dispõe o art. 12, §1º, do CDC (BRASIL, 1990), considera-se defeituoso o produto que não manifeste a segurança que deveria, observados sua apresentação, seu uso e o risco presumível, bem como a época em que ele foi colocado no mercado (FILOMENO, 2018). Ainda nesse sentido, o artigo 12, §1º, II, do CDC (BRASIL, 1990) determina como defeituoso o produto que contenha dados insuficientes ou inadequados acerca de sua utilização e risco e, até mesmo, aqueles veiculados em meio publicitário devem ser apresentados com todas as informações necessárias, conforme art. 31 do CDC (BRASIL, 1990). ______ Exemplificando Também são exemplos de fato do produto, a situação de um aparelho de ventilação cuja hélice se desintegra, ocasionando ferimentos ao consumidor, bem como o caso dos aparelhos de celular cujas baterias explodem, causando queimaduras (danos) ao consumidor. Ainda é possível mencionar os alimentos estragados que podem causar intoxicações. Como fato do serviço, observamos a utilização de tintas tóxicas em serviços de pintura, provocando intoxicações. Ainda, um serviço de dedetização com dosagem superior que cause igualmente intoxicações caracteriza o fato do serviço. ______ Nesse sentido, a responsabilidade principal é voltada ao fabricante, produtor, construtor ou importador do produto (NUNES, 2019). O comerciante só responderá de forma solidária, na forma do art. 13 do CDC (BRASIL, 1990), quando verificado que: a) não conservou adequadamente os produtos perecíveis; ou b) quando o fornecedor não puder ser identificado; ou c) produto fornecido sem identificação clara do fabricante, produtor, construtor ou importador. Ressalte-se que há previsão legal, no art. 13, parágrafo único, do CDC (BRASIL, 1990) no sentido do chamado direito de regresso, isto é, a parte que efetivamente ressarcir o prejuízo do consumidor poderá acionar os demais responsáveis consoante sua participação no dano. ______ Assimile O comerciante responde de maneira solidária com o fabricante, produtor, construtor ou importador do produto, quando: a) não conservou de modo adequado produtos perecíveis; b) o fabricante não puder ser identificado; e c) o produto não trouxer informações claras sobre fabricante, produtor, construtor ou importador. ______ Como analisado anteriormente, nas relações consumeristas, a responsabilidade do fornecedor independe da comprovação do elemento culpa, cabendo ao consumidor provar, apenas, o dano, a conduta do agente e o liame entre a conduta e o dano (THEODORO JÚNIOR, 2017). Todavia, a exceção a esta regra encontra previsão nos termos do §3º do art. 12 do CDC (BRASIL, 1990), relativamente à exclusão da responsabilidade pelo fato do produto, quando o fabricante, construtor, produtor ou importador provar, alternativamente, que: Não colocou o produto no mercado; Apesar de ter colocado o produtono mercado, não há defeito; Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Igualmente, quanto ao fato do serviço, o §3º do art. 14 do CDC (BRASIL, 1990) estabelece que o fornecedor do serviço estará isento de responsabilidade nas hipóteses nas quais provar, alternativamente, que: Prestado o serviço, o defeito é inexistente; Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Cumpre ressaltar, ainda, que nestes casos haverá inversão do ônus da prova, isto é, alteração do encargo de produzir provas sempre que o juiz, na análise do caso concreto, verificar que a alegação do consumidor está próxima das evidências ou quando o consumidor for considerado hipossuficiente (ALMEIDA, 2019). A responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, por sua vez, está relacionada a vícios de qualidade ou quantidade, intrínsecos, ou seja, quando se verifica que o defeito torna a coisa imprópria ou inadequada para a utilização a qual está destinada ou, ainda, que lhe diminua o valor, conforme previsto no art. 18 do CDC (BRASIL, 1990). Vale a pena conhecer a redação do dispositivo: Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (BRASIL, 1990, [s.p.]). Além disso, são dotados de vício os produtos ou serviços que divirjam dos indicados nos rótulos, embalagens, recipientes ou mensagens publicitárias. Nestas hipóteses, conforme previsão do art. 18, §1º, do CDC (BRASIL, 1990), uma vez constatados vícios nos produtos, o consumidor poderá exigir alguma das opções abaixo, na hipótese de o vício não ser sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias: Que o produto seja substituído por outro da mesma espécie, em perfeitas condições; Que a quantia paga seja imediatamente restituída, com correção monetária e sem prejuízo da apuração de eventuais perdas e danos; Que haja abatimento proporcional do preço. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes reduzam o valor, bem como quando o serviço destoar do anunciado em oferta ou em publicidade, de modo que, na forma do art. 20 do CDC (BRASIL, 1990), o consumidor poderá exigir, alternativamente: que os serviços sejam reexecutados, se possível, e sem custo adicional; que a quantia paga seja restituída imediatamente, com correção monetária, e sem prejuízo da apuração de eventuais perdas e danos; que haja abatimento proporcional do preço. ______ Reflita Você conseguiria pensar em situações em que possa estar configurada a responsabilidade por fato do produto ou serviço e a responsabilidade por vício do produto ou serviço, para destacar as diferenças? ______ De acordo com o art. 26 do CDC, o direito de reclamar por vícios aparentes (que são aqueles de fácil constatação) decai em 30 (trinta) dias para bens não duráveis, isto é, aqueles utilizados por curtos períodos de tempo, cujo consumo é imediato (como produtos de higiene e alimentícios) e de 90 (noventa) dias para bens duráveis, ou seja, aqueles utilizados por longos períodos, no qual o consumo não é instantâneo (como computadores, automóveis, celulares e televisores). Tais prazos são iniciados a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço (KOURI, 2013; NUNES, 2019). No que diz respeito aos vícios ocultos, o prazo é contado a partir do momento em que o consumidor detectar o defeito. ______ Exemplificando É possível caracterizar como serviços duráveis a pintura de um imóvel, uma dedetização com prazo estipulado, o serviço de assistência técnica, ou seja, o que se espera é a razoável duração do serviço. Como serviços não duráveis, observa-se a faxina, a lavagem de automóvel, cujos efeitos perduram por um período mais curto. ______ Como comentado, a responsabilidade civil decorrente das relações de consumo resulta em um dever de reparar os danos eventualmente causados. Trata-se de uma reparação de feitio essencialmente patrimonial. Mesmo o dano moral configurado será convertido em uma indenização pecuniária. Sobre o assunto é interessante saber que o Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilização patrimonial. Neste sentido, o art. 28 do CDC (BRASIL, 1990) estabelece que o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando esta praticar atos em prejuízo do consumidor, notadamente quando incorrer em abuso de direito, excesso de poder, infração das disposições legais, por cometimento de ato ilícito, bem como por violação dos estatutos ou contrato social. Igualmente, a “desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração” (BRASIL, 1990, [s.p.]). Ademais, havendo grupo econômico ou sociedades controladas por outras, estas responderão de maneira subsidiária pelas obrigações decorrentes da legislação consumerista. Servem como uma forma de garantia de cumprimento das obrigações, assim como em caso de dever de pagamento de indenizações. Já as sociedades que atuarem em consórcio (espécie de parceria com propósitos específicos) são solidariamente responsáveis, de modo que, um ato praticado por um, se resultar em dever de indenizar, poderá ser cobrado integralmente da outra sociedade, então consorciada (ALMEIDA, 2019). Fundamental regra, no entanto, está presente no §5º do art. 28 do CDC (BRASIL, 1990), segundo o qual a desconsideração da personalidade jurídica poderá ocorrer sempre que esta constituir, de qualquer modo, em obstáculo ao dever de ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Além da responsabilidade patrimonial decorrente de ilícitos cometidos no domínio da legislação de proteção do consumidor, o fornecedor de produtos ou serviços também poderá responder na via administrativa, perante os órgãos públicos competentes. O art. 56 do CDC (BRASIL, 1990) prevê algumas possibilidades de sanções a serem aplicadas em caso de cometimento de infrações das normas de defesa do consumidor, como: multa, apreensão do produto, inutilização do produto, suspensão temporária de atividade, cassação de licença de estabelecimento ou de atividade, interdição total ou parcial de estabelecimento e imposição de contrapropaganda (ALMEIDA, 2019). É válido lembrar que a aplicação das sanções depende da existência de um processo administrativo, ainda que possam ser aplicadas de maneira cautelar, de modo antecedente ao processo ou mesmo em seu curso. Neste processo, a parte que tenha sofrido a imposição de penalidade poderá discuti-la, bem como lhe assiste o direito de discutir a questão judicialmente. Por fim, o CDC (BRASIL, 1990), a partir do art. 61 prevê uma série de infrações penais, os chamados crimes contra as relações de consumo (TARTUCE; NEVES, 2018). Como se pôde perceber, a responsabilização daquele fornecedor que praticar ato ilícito em detrimento do consumidor poderá ocorrer nas três vias: civil, administrativa e penal. Ademais, uma não exclui a outra. E com isso chegamos ao fim dos nossos estudos no campo do direito do consumidor. Agora você já estará muito mais preparado para enfrentar a prática administrativa das empresas, uma vez que conhece os elementos essenciais que caracterizam a proteção da relação consumerista. Conclusão imagem sem audiodescrição Depois de aprendermossobre as hipóteses de responsabilidade no contexto das relações de consumo, é chegado o momento de nos dedicarmos a resolver a situação-problema proposta no início desta seção. Você deve se lembrar que foi chamado, na qualidade de sócio administrador de uma loja de suplementos alimentares, para resolver uma questão pontual surgida com a venda de um produto para um cliente, então consumidor. Ele efetuou a compra de um pote de proteína importada, que fazia menção ao conteúdo líquido de 900 quilogramas, porém, imediatamente depois da compra, o cliente abriu a embalagem e percebeu que havia menos produto do que o inicialmente informado. Chegou a ponderar a situação com um funcionário da loja que procedeu à pesagem do conteúdo do pote de proteína, constatando, no próprio local, que havia apenas 500 quilogramas do produto. Havia, portanto, uma diferença de 400 quilogramas, embora o consumidor já tivesse pago o valor integral da mercadoria. Você soube que o consumidor ponderou novamente junto ao funcionário que o atendera, cobrando por alguma alternativa de solução do problema, vez que não seria justo ele suportar o prejuízo. Na oportunidade, o funcionário informou que nada poderia ser feito e que o cliente deveria procurar o fabricante e com este buscar o direito que entendia possuir. No entanto, não havia indicação, no rótulo do produto, de qualquer fabricante. O consumidor dirigiu-se novamente ao funcionário que asseverou que nada poderia ser feito por ele naquele momento. Decidiu-se então por chamar você para que, como sócio-administrador, propusesse a resolução do caso. Diante disso, além de resolver a situação perante o cliente, você deveria avaliar a conduta do funcionário da loja, considerando seu acerto ou não diante da legislação consumerista. Neste sentido, você já percebeu que o funcionário não agiu de maneira acertada, de modo que precisaria ser instruído, bem como os demais que eventualmente colaboram com a loja, para que o evento não se repita e para que todos saibam agir adequadamente. De início, é possível verificar que se trata de hipótese de responsabilidade por vício do produto, eis que apresenta quantidade inferior àquela anunciada. Neste caso, você poderia pensar que, como comerciante, não seria responsável solidariamente perante o fabricante, produtor, construtor ou importador do produto. No entanto, a responsabilidade da loja será solidária na forma do art. 13 do CDC (BRASIL, 1990), pois foi verificado que o fornecedor não pôde ser identificado. Em princípio, então, alguma solução deve ser empreendida pela loja de suplementos, diante da ausência de identificação do fornecedor. Apesar disso, com base no art. 13, parágrafo único, do CDC (BRASIL, 1990) há o chamado direito de regresso, isto é, a parte que efetivamente ressarcir o prejuízo do consumidor, poderá acionar os demais responsáveis consoante sua participação no dano. Mediante essa possibilidade você poderá acionar aqueles que participaram da cadeia produtiva do bem viciado, inclusive o distribuidor, o importador etc., a fim de apurar de quem é realmente o dever de ressarcimento. Perante o consumidor, entretanto, a loja de suplementos responderá, neste caso, integralmente. Mas, e quanto ao consumidor, o que poderá ser feito para resolver a sua situação? Conforme previsão do art. 18, §1º, do CDC (BRASIL, 1990), uma vez constatados vícios nos produtos, o consumidor poderá exigir alguma das opções a seguir, na hipótese de o vício não ser sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias: que o produto seja substituído por outro da mesma espécie, em perfeitas condições; que a quantia paga seja imediatamente restituída, com correção monetária, e sem prejuízo da apuração de eventuais perdas e danos; que haja abatimento proporcional do preço. Então, você poderá propor qualquer uma das alternativas acima elencadas, inclusive ofertando ao consumidor o conhecimento dos seus direitos, vez que a escolha, afinal, pertence a ele.