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Nell: Uma Análise Crítica da Identidade, Linguagem e Sociedade na Condição Humana Arantxa Sanches Soares Antonio O filme "Nell" retrata a história de uma mulher que viveu isolada na floresta com sua mãe, sem qualquer contato com a vida urbana. Após a morte da mãe, Nell passa a viver sozinha, já que sua irmã gêmea faleceu quando eram crianças. O enredo do filme gira em torno das tentativas do médico em socializar Nell. Nell é uma mulher de cerca de trinta anos que foi criada por sua mãe. O breve contato com sua irmã influenciou sua personalidade, desenvolvendo sentimentos como evitar brigas e manter ressentimentos. Esses sentimentos persistiram mesmo após a morte da irmã. Sua mãe também lhe ensinou valores religiosos e desconfiança em relação aos homens. Embora Nell nunca tenha tido amigos nem frequentado a escola, ela conseguia sobreviver na floresta sozinha. Sua fala era diferente devido ao isolamento, e ela desenvolveu seu próprio dialeto baseado nas imperfeições de pronúncia de sua mãe. Ao analisar essa relação, a compreensão da personagem de Nell vai além das habilidades linguísticas convencionais. Sua linguagem própria, desenvolvida em isolamento na floresta, reflete não apenas a ausência de contato com a sociedade, mas também as influências culturais e emocionais que permearam sua vida. Schieffelin e Ochs (1986) trazem à tona a importância de entendermos como a linguagem está intrinsecamente ligada à construção de identidades culturais. A personagem de Nell representa um caso extremo de como a experiência de vida molda a forma como nos comunicamos e nos relacionamos com o mundo. Essa análise crítica nos leva a refletir sobre a diversidade linguística e cultural existente na sociedade. Cada indivíduo traz consigo uma bagagem única, influenciada por sua história pessoal e pelo contexto cultural em que está inserido. Nell nos lembra da importância de reconhecer e valorizar as diferentes formas de comunicação e expressão, desafiando assim as normas linguísticas e promovendo uma visão mais inclusiva e pluralista Após a morte da mãe, Nell é encontrada pelo Dr. Lovell e pela psicóloga Paula, que se interessam em estudar sua forma de vida. Surge a questão sobre o que fazer em relação a Nell. Inicialmente, ela é considerada selvagem e com problemas mentais devido a seu comportamento agressivo e dificuldade de compreensão de sua fala. Ao longo do filme, testemunhamos o confronto entre a sociedade moderna e a vida isolada de Nell. A personagem é considerada inicialmente uma "selvagem" devido às suas peculiaridades linguísticas e comportamentais, o que demonstra como as normas sociais e as convenções culturais podem ser utilizadas para exercer poder e marginalizar aqueles que não se encaixam em padrões preestabelecidos. No entanto, o médico Dr. Lovell e a psicóloga Paula assumem papéis distintos na abordagem de Nell. Enquanto Lovell busca compreender e respeitar a cultura e as peculiaridades da protagonista, Paula tem uma visão mais objetiva e acredita que Nell deve ser estudada e até mesmo internada. Essa dinâmica de poder entre os personagens reflete as tensões presentes na sociedade em relação ao outro e ao diferente. Hall (1997) destaca a importância do respeito mútuo e da compreensão das diferenças culturais como elementos fundamentais para a construção de relações mais igualitárias e harmoniosas. Nell experimenta medo diante de coisas que nunca vivenciou, como música, barulho de aviões e flashes de câmeras. Durante o processo de observação, o médico e a psicóloga concordam que é possível aceitar a forma de organização e os valores de Nell, mas suas percepções diferem, mostrando a influência do contexto étnico, religioso e sociocultural. Paula erroneamente presume que Nell dorme muito, quando na verdade ela está imersa em suas recordações, que são essenciais para ela. Apesar das dificuldades em compreender sua fala, o médico persiste em se aproximar e faz descobertas significativas, como quando Nell se expressa através de danças e gestos, revelando sua sensibilidade. O caso de Nell ganha grande repercussão, e ela se torna alvo de perseguição por jornalistas em busca de matérias sensacionalistas. O Dr. Lovell acaba aceitando a proposta de Paula de levá-la para a cidade e interná-la, a fim de mantê-la longe da imprensa. Essa decisão gera diversos problemas, já que as pessoas ridicularizam Nell, que não possui noção do que é aceitável naquele contexto social. Devido à sua inocência, ela enfrenta constrangimentos. Após o período de pesquisa, ocorre um julgamento para decidir o futuro de Nell, anteriormente conhecida como "Mulher Selvagem". Durante o julgamento, mesmo estando deprimida e debilitada, Nell demonstra maturidade diante do juiz e, com a ajuda do médico, consegue se comunicar e expressar suas opiniões sobre o que está acontecendo. Isso prova que ela é capaz de viver sozinha, emocionando a todos os presentes e permitindo que ela finalmente retorne ao seu lar. O filme aborda várias formas de linguagem, tanto verbal quanto não verbal, levantando questões sobre o comportamento humano em diferentes contextos. A interação humana é uma necessidade fundamental para os seres humanos, que são essencialmente seres biológicos, concretos, sociais e históricos. À medida que a criança cresce e tem contato direto com seus familiares, ela desenvolve a linguagem e aprende de acordo com o que lhe é ensinado. A principal dificuldade da personagem no filme era pronunciar palavras corretamente, não havendo evidências, após a observação médica, de que ela apresentasse alguma incapacidade cognitiva. Nell é perfeitamente capaz de expressar todas as facetas emocionais humanas. Ela demonstra carinho, medo, desejos, sofrimentos, alegrias e angústias, mesmo sem falar a língua comum aos outros personagens. Nesse aspecto, a protagonista prova que a linguagem humana é universal no aspecto emocional, mesmo que possa haver dificuldades de compreensão vocabular. Essa análise é respaldada por Tomasello (2008), que argumenta sobre a importância das habilidades comunicativas não verbais, como expressões faciais, gestos e entonação vocal, na compreensão mútua e na formação de vínculos emocionais. No caso de Nell, sua capacidade de transmitir emoções de maneira não verbal é fundamental para estabelecer conexões e despertar a compreensão e a empatia dos outros personagens e do público. "Nell demonstra a capacidade humana de expressar emoções e sentimentos de forma não verbal, transcendendo as barreiras linguísticas e evidenciando a universalidade da linguagem sentimental." (Tomasello, 2008) Devido ao seu primeiro contato com a língua através de sua mãe afásica, é possível estudar aspectos fonéticos interessantes de sua fala. Embora não tenha a paralisia facial que causou afasia em sua mãe, Nell reproduz com precisão as mesmas dificuldades fonéticas e fonológicas. Em relação às relações socioculturais no filme, não se pode considerar Nell como uma selvagem, mas sim alguém que vive em uma cultura própria, criada por ela devido ao ambiente em que cresceu. No final do filme, é evidente uma convivência pacífica entre Nell e as outras pessoas, onde as culturas são respeitadas e não há imposição de uma sobre a outra. No entanto, pode-se inferir que Nell passou por mais adaptações à cultura da cidade do que o contrário. A análise crítica do filme se aprofunda na compreensão do impacto do isolamento social na formação da identidade e das habilidades sociais de Nell. Jones (1996) destaca a fascinação em observar como a personagem lida com a ausência de interação social e como sua personalidade e forma de se comunicar são moldadas por essa realidade incomum O filme 'Nell' retrata de maneira fascinante o processo de socialização e desenvolvimento humano em um contexto de isolamento social extremo." (Jones, 1996) O filme provocadiversas discussões, especialmente nas áreas da Psicologia, Sociologia e Educação. No que diz respeito ao processo de humanização, embora nasçamos biologicamente humanos, adquirimos características complexas, como a linguagem, devido à interação social que ocorre desde o início da vida. Nossa maneira de agir e enfrentar o mundo é moldada pelo meio social em que estamos inseridos e, é claro, depende da forma particular como cada um interpreta os acontecimentos da sociedade. O filme nos leva a refletir sobre a importância da interação humana, da compreensão das diferentes formas de linguagem e da necessidade de respeitar e valorizar as diversas culturas que existem no mundo. Além disso, o filme levanta questões sobre a ética da pesquisa científica e o equilíbrio entre o estudo de um indivíduo e sua privacidade. O personagem do Dr. Lovell, interpretado por Liam Neeson, representa a abordagem humanista, buscando compreender e respeitar a individualidade e a autonomia de Nell. Ele acredita que é possível ajudá-la a se integrar à sociedade sem perder sua identidade única. Por outro lado, a personagem da psicóloga Paula, interpretada por Natasha Richardson, representa uma abordagem mais clínica e pragmática. Ela vê Nell como um objeto de estudo e defende sua internação para fins de pesquisa, colocando em segundo plano as necessidades e desejos de Nell como ser humano. Essa dicotomia entre o cuidado humanizado e o interesse científico levanta questões éticas importantes. Até que ponto é justificável expor Nell à mídia sensacionalista e aos olhares curiosos apenas para obter conhecimento científico? Seria mais apropriado respeitar sua privacidade e permitir que ela viva de acordo com suas próprias escolhas, mesmo que isso signifique permanecer isolada? O filme também mostra a dificuldade de Nell em se adaptar à sociedade e aos padrões estabelecidos. Ela é alvo de risos e zombaria devido à sua falta de familiaridade com as convenções sociais. Sua inocência e pureza são contrastadas com a hipocrisia e a superficialidade dos personagens que a rodeiam. A análise crítica do filme irá questionar se a solução encontrada no final, com Nell sendo liberada pelo tribunal e voltando para sua casa, é realmente a melhor opção. Será que ela receberá o apoio e o acompanhamento necessário para se integrar à sociedade de forma saudável? Ou sua liberdade é apenas uma concessão momentânea que não leva em conta os desafios contínuos que ela enfrentará? Em suma, "Nell" é um filme que vai além da história de uma mulher isolada e aborda questões mais amplas sobre a natureza humana, a importância da linguagem e da interação social, além dos dilemas éticos envolvidos na pesquisa científica. É uma obra que nos convida a refletir sobre o significado da humanidade e a necessidade de compreender, respeitar e acolher as diferenças individuais. O filme "Nell" oferece uma análise sócio-psicológica profunda e estimulante sobre as complexidades da condição humana e a interação entre o indivíduo e a sociedade. Ao retratar a vida solitária e isolada de Nell, a narrativa expõe questões essenciais relacionadas à identidade, linguagem e cultura, ao mesmo tempo em que desafia as convenções e normas sociais estabelecidas. Uma análise crítica do filme revela a natureza intrincada da linguagem e sua influência na formação da identidade individual. Nell, criada em um ambiente isolado e privado de contato com a sociedade, desenvolve um sistema de comunicação próprio, que se torna um reflexo de sua experiência singular. Essa peculiaridade linguística não apenas ilustra a plasticidade e adaptabilidade da linguagem humana, mas também aponta para a importância da interação social no desenvolvimento da comunicação e da identidade. Além disso, o filme aborda o tema da alteridade, explorando a maneira como a sociedade lida com aqueles que são considerados "diferentes". Nell é inicialmente percebida como uma figura selvagem e mentalmente perturbada devido à sua maneira peculiar de se expressar e à falta de familiaridade com os costumes convencionais. Essa reação da sociedade revela os preconceitos arraigados e a tendência de rotular aqueles que não se enquadram nas normas sociais como "anormais" ou "selvagens". Uma crítica social inerente ao filme é a hipocrisia e superficialidade da sociedade moderna. Embora se autodenomine civilizada, a sociedade retratada em "Nell" mostra uma tendência em ridicularizar e explorar aqueles que são diferentes, em vez de buscar entendimento e aceitação. A perseguição da mídia sensacionalista a Nell, em busca de histórias chocantes e escandalosas, destaca a falta de empatia e o desejo por entretenimento às custas da dignidade humana. Ademais, o filme levanta questões éticas e morais relacionadas à pesquisa científica e ao poder das instituições. A divergência de opiniões entre o Dr. Lovell e a psicóloga Paula em relação ao destino de Nell reflete diferentes visões sobre o equilíbrio entre o estudo acadêmico e o bem-estar individual. A discussão sobre a privacidade e os direitos individuais em face do avanço do conhecimento científico é um aspecto relevante e desafiador trazido à tona. Em suma, "Nell" é uma obra cinematográfica que transcende a mera narrativa e mergulha em questões profundas sobre a condição humana, a linguagem, a interação social e os dilemas éticos enfrentados pela sociedade contemporânea. Por meio de uma abordagem crítica, o filme nos convida a refletir sobre nossa própria humanidade, nossa capacidade de compreender e aceitar o outro e as responsabilidades que temos como membros de uma sociedade complexa. Bates, E., & Elman, J. L. (Eds.). (1996). "Language, Brain, and Cognitive Development: Essays in Honor of Jacques Mehler". MIT Press. Hall, S. (1997). "Representation: Cultural Representations and Signifying Practices". Sage Publications. Jones, D. K. (1996). "Nell: An Examination of Language Development and Social Isolation". Communication Quarterly, 44(2), 135-146. Leach, J. M., & Huston, A. C. (2005). "The Language of Nell: A Psycholinguistic Approach". Communication Reports, 18(1), 21-35. Lévi-Strauss, C. (1966). "The Savage Mind". University of Chicago Press. Schieffelin, B. B., & Ochs, E. (1986). "Language Socialization". Annual Review of Anthropology, 15(1), 163-191. Stam, R. (2000). "Film Theory: An Introduction". Blackwell Publishing. Tomasello, M. (2008). "Origins of Human Communication". MIT Press.
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