Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Dosagem de Troponina A dosagem da atividade enzimática no soro ou plasma é valiosa no diagnóstico e acompanhamento de uma ampla variedade de doenças. Dentre as enzimas presentes na corrente sanguínea, existem aquelas que apresentam função no plasma (por exemplo, os fatores da cascata de coagulação e os fatores do sistema do complemento), e portanto são ativamente secretadas no sangue para cumprirem sua função fisiológica. Contudo, a maioria das enzimas apresenta função no meio intracelular, e são liberadas no sangue em decorrência da renovação ou lesão celular. A dosagem dessas enzimas intracelulares no sangue é de grande valia para o diagnóstico e acompanhamento de doenças, considerando que danos no tecido de origem, aumento da renovação ou proliferação celular, bem como obstrução de secreção ou eliminação diminuída, levarão a um aumento na atividade delas no plasma. A medida de enzimas plasmáticas tem sido amplamente utilizada para auxiliar no diagnóstico de infarto do miocárdio. Nesse caso, as enzimas mais utilizadas são creatina-quinase total (CK); creatina-quinase isoenzima MB (CK-MB); lactato desidrogenase (LDH) e aspartato aminotransferase (AST). Dentre essas enzimas, CK-MB tem sido considerada a melhor no diagnóstico de infarto do miocárdio, pois CK total, LDH e AST apresentam ampla distribuição tecidual, e se elevam em outras condições que não necessariamente o infarto do miocárdio, como por exemplo, em lesões musculares em geral. No músculo cardíaco, 30% das CK são a isoforma CK-MB, enquanto o músculo esquelético, essa proporção é de apenas 1%. Dessa forma, quando ocorre aumento de CK total plasmática como resultado de infarto do miocárdio, a presença de aproximadamente 5% do total na forma de CK-MB é sugestivo de dano no músculo cardíaco. Entretanto, o uso de CK-MB plasmática no diagnóstico do infarto do miocárdio tem como desvantagens: a) a baixa sensibilidade, considerando o fato de que o aumento dessa enzima não é observado até 4-8 horas após o estabelecimento da dor no peito. Somado a isso, a sensibilidade de CK-MB não é alta o bastante para detectar pequenos danos no miocárdio; b) a especificidade de CK-MB fica comprometida em casos de acometimento muscular esquelético associado. A baixa sensibilidade nas medidas de CK-MB, particularmente nas primeiras horas após o início da dor no peito, motivou o uso de outros potenciais marcadores cardíacos mais sensíveis, como a troponina. A troponina é um complexo de proteína contrátil composto de três subunidades: I, T e C. Enquanto a troponina I (inibitória) cobre o sítio de ligação entre actina e miosina, a troponina C liga-se fortemente aos íons cálcio, e a troponina T apresenta afinidade pela tropomiosina. Juntas, elas formam um complexo proteico que regula a interação cálcio-dependente entre actina e miosina durante o ciclo de contração muscular. As troponinas I, T e C estão presentes tanto no músculo esquelético quanto no cardíaco, sendo codificadas por genes diferentes. Entretanto, enquanto a troponina C é idêntica tanto no músculo esquelético quanto cardíaco, as troponinas I e T esquelética e cardíaca apresentam diferenças que permitiram o desenvolvimento de técnicas de detecção de troponina T e I cardíaca, facilitando o diagnóstico de infarto do miocárdio. Tanto troponina T (TnT) quanto I (TnI) são bastante sensíveis para danos no miocárdio, e o aumento de troponina tem sido bastante utilizado para o diagnóstico de infarto do miocárdio e outras condições cardíacas (como angina instável, trauma direto no miocárdio, inflamações no músculo cardíaco), bem como em algumas condições não cardíacas (como sepse severa e falência renal). Todavia, seu maior uso é na exclusão de infarto do miocárdio, já que em pacientes com dores no peito, o infarto é muito pouco provável se não há aumento de troponina. A TnT e a TnI encontram-se indetectáveis em indivíduos saudáveis, tornam-se mensuráveis de 3 a 4 horas após o início do infarto do miocárdio, e podem permanecer elevadas por uma a duas semanas após o episódio agudo. Qualquer elevação de troponina cardíaca implica grande risco de morbidade ou mortalidade por um evento cardíaco nos próximos 30 a 60 dias. Dessa forma, a aplicação da dosagem de troponinas tem se estendido desde o diagnóstico de infarto do miocárdio (IM) até a estratificação do risco e modificação de terapias de síndromes coronarianas agudas (SCA). Aula prática: dosagem de TnI - Princípio do método: Para a dosagem de troponina I cardíaca (cTnI), utiliza-se a metodologia de imunocromatografia. O método utiliza Anticorpos Monoclonais de camundongo anti-cTnI, que reagem com a troponina presente em amostra de soro, plasma ou sangue total. As amostras se movem através de uma membrana cromatográfica por ação capilar. Amostras positivas para cTnI irão formar uma linha de cor vermelha na região onde os Anticorpos Monoclonais anti-cTnI estão imobilizados. As amostras continuam sendo absorvidas pela membrana até a região do Anticorpo Controle, com a formação de outra linha, confirmando o processamento correto do teste. - Procedimento: A amostra deve estar em temperatura ambiente antes de iniciar o teste. Adicionar 100 µL de soro, plasma ou sangue total sobre o centro da janela de aplicação do cassete. Aguardar a formação das linhas. Interpretar os resultados entre 15 e 30 minutos. Não realizar a leitura do teste após 30 minutos de reação. - Interpretação dos resultados: • Teste Positivo: Linhas coloridas aparecem no controle e na linha destinada ao teste. O aparecimento de duas linhas indica a presença de cTnI na amostra. A coloração da linha teste intensifica com o aumento da concentração de cTnI. • Teste Negativo: Somente uma linha colorida aparece na região do controle sem nenhuma coloração da linha na região do teste. • Teste Inadequado: Nenhuma linha aparece ou a linha do controle não aparece. Repita o teste com outro cassete. Discussão Algumas horas após o estabelecimento da isquemia do miocárdio, em decorrência da depleção sustentada de ATP, ocorre a necrose do miócito resultante de mudanças ultraestruturais irreversíveis. Essas mudanças incluem rompimento do sarcolema e escape de macromoléculas, como troponina T (TnT), troponina I (TnI), CK-MB e mioglobina. Durante muito tempo, CK-MB foi considerada padrão ouro para o diagnóstico de infarto do miocárdio (IM), no entanto, ficou claro que essa enzima não se eleva em todos os casos de lesão do miocárdio. A mioglobina, apesar de ser o indicador mais precoce de lesão muscular (tanto cardíaca quanto esquelética), devido ao seu tamanho pequeno, é rapidamente eliminada pelos rins, o que faz dessa proteína um marcador pouco confiável para lesão cardíaca no longo prazo. Somado a isso, embora haja evidência de que existam diferentes isoformas de mioglobina, ainda não foi identificada uma isoforma específica do tecido cardíaco, e sua distribuição generalizada em todas as células musculares estriadas limita sua especificidade como marcador de lesão do miocárdio. Entre todos os parâmetros, a dosagem de troponina T ou I é o melhor para avaliação de lesão no músculo cardíaco devido a sua alta especificidade como biomarcador miocárdico. A TnT pode ser utilizada tanto no diagnóstico precoce quanto tardio de IM. As concentrações séricas começam a se elevar algumas horas após o início da dor pré-cordial, e torna-se detectável depois de três horas, com um pico após 12-48 horas, permanecendo elevada por mais de 10 dias, antes de retornar aos valores de referência. O surgimento precoce de TnT não fornece uma informação diagnóstica melhor que CK-MB ou mioglobina nas primeiras quatro horas após o início da dor pré-cordial, mas a sensibilidade de TnT para detecção de IM é de 100% entre 12 h e cinco dias após o início da dor pré-cordial. Dessa forma, a dosagem de TnT é particularmente útil para o diagnóstico do infarto do miocárdio em pacientes que não procuramo atendimento médico dentro do período habitual de dois a três dias, em que CK e CK-MB estão elevadas. A TnI não encontra-se em níveis detectáveis no soro de pacientes com lesões múltiplas, lesão renal, ou aqueles com doenças agudas ou crônicas da musculatura esquelética. Dessa forma, a TnI é uma boa marcadora de lesão cardíaca em pacientes criticamente enfermos, com falência múltipla de órgãos e em outras situações nas quais pode ser difícil a interpretação das elevações de CK/CK-MB. Após um IM, a TnI aumenta entre quatro e seis horas após a dor pré-cordial, sendo observado um pico entre 12-18 horas, retornando aos valores de referência dentro de cinco a sete dias. Em alguns casos, anticorpos para TnT fazem reação cruzada com TnT do músculo esquelético, resultando em uma elevação dos níveis plasmáticos dessa substância. Isso não parece ocorrer com a TnI e, portanto, essa troponina parece ser mais específica para necrose de miócitos. Entretanto, na maioria das situações clínicas, a especificidade de TnT é comparável a de TnI. A troponina cardíaca pode ser liberada mesmo antes da morte celular, em um estágio em que a lesão ainda é reversível. Por exemplo, em triatletas, após exercício vigoroso, pode ser observado aumento discreto de troponina cardíaca no sangue. Entretanto, excetuando em exercícios intensos, a elevação de troponina cardíaca está associada com uma evolução ruim, apesar de a lesão inicial ser reversível. As troponinas T e I são marcadores sensíveis e específicos da lesão do miocárdio. Entretanto, em alguns casos, algumas enfermidades podem levar ao aumento de troponina sérica além das SCA. Entre elas, destacam-se enfermidades que devem estar no diagnóstico diferencial de IAM, tais como embolia pulmonar, insuficiência cardíaca, miocardite, sepse, rabdomiólise, exercício de resistência extenuante, venenos (serpente, aranha, centopeia, escorpião, água-viva), uso de cocaína, entre outros. Apesar de a elevação de troponina não causada por SCA poder ser fonte de confusão na interpretação clínica, considerações cuidadosas a respeito da fonte de elevação poderão ajudar o médico a determinar seu significado clínico. Já foi reportado troponina falsamente elevada como resultado de interferência analítica, entretanto essa ocorrência é rara e a elevação de troponinas cardíacas na ausência de isquemia reflete uma lesão no miocárdio por outra causa. Resultados anormais podem ocorrer como resultado da interferência devido à presença de micropartículas em amostras coaguladas. Bibliografia: - Bishop, M. L.; Fody, E. P.; Schoeff, L. E. Química Clínica. 5 ed. Barueri, SP:Manole, 2010. - Burtis, C. A.; Bruns, D. E. Tietz Fundamentos de Química Clínica e Diagnóstico Molecular. 7 ed. Rio de Janeiro:Elsevier, 2016. - Gaw, A.; Murphy, M. J.; Srivastava, R.; Cowan, R. A.; O’Reilly, D. S. J. Bioquímica Clínica. 5 ed. Rio de Jaineiro:Elsevier, 2015. - Marshall, W. J.; Lapsley, M.; Day, A. P.; Ayling; R. M. Bioquímica Clínica – Aspectos Clínicos e Metabólicos. 3 ed. Rio de Janeiro:Elsevier, 2016. - Bula Kit Bioclin.
Compartilhar