Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO CIBERNÉTICO AULA 1 Prof. Jailson de Souza Araújo 2 CONVERSA INICIAL Esta aula pretende apresentar a interdisciplinaridade do Direito com a informática, permitindo compreender relevantes interações com áreas específicas do Direito. Para tanto, analisaremos a lei de introdução às normas do Direito brasileiro e questões inerentes ao Direito Penal, Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito do Trabalho, trazendo conceitos e situações que contextualizam as referidas áreas com o uso da tecnologia da informação e comunicação. A escolha destas disciplinas jurídicas para o estudo decorre de grande relevância social e da presença de forte interação com as tecnologias da informação e comunicação, inclusive em situações cotidianas dos cidadãos e das empresas. Nesta aula, abordaremos questões que demonstram pontos de contato entre o Direito e a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), trazendo exemplos cotidianos atuais que ilustram a presente abordagem. TEMA 1 – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO Antes de iniciarmos a interdisciplinaridade do Direito Cibernético, é fundamental conhecermos o Decreto-Lei n. 4.647, de 4 de setembro de 1942, conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ou LINDB. Trata-se de uma legislação criada com o objetivo de estabelecer princípios gerais para todas as leis e ramos do Direito, sendo a “lei das leis”. A LINDB aborda temáticas relativas a: • vigência das leis; • revogação de leis; • conflito de leis no tempo; • conflito de leis no espaço (município, estado e União); • critérios de interpretação jurídica; • critérios de integração entre as leis no ordenamento jurídico brasileiro. A LINDB traz conceitos estruturantes para a adequada interpretação e aplicação do Direito. Dentre eles, destacamos os seguintes artigos, dada a sua relevância para o nosso estudo: 3 Art. 3º “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. […] Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. Parágrafo 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. Parágrafo 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. O art. 3º é estruturante para adequada compreensão do Direito e da Legislação, pois não se pode alegar ignorância para deixar de cumprir deveres legais. Este tema diz respeito a todo ordenamento jurídico, inclusive as que regulamentam as relações comerciais, pois de nada valeria a existência de leis se qualquer um pudesse justiçar seu descumprimento com base no desconhecimento das regras que regulamentam a sociedade? O art. 4º é fundamental para que o Direito sempre possa dar uma adequada solução para os conflitos de interesse que surgem na vida em sociedade, pois ainda que não exista lei específica para lidar com determinado fato social ou econômico novo, certamente existem princípios aptos a viabilizar a adequada interpretação e aplicação do Direito. Um exemplo pertinente é o princípio da boa-fé, que corresponde a um padrão de conduta esperado em todas as relações contratuais, mesmo aquelas que, em virtude de inovação tecnológica, não esteja descrita em nenhuma legislação. Finalmente, o art. 9º é relevante para estabelecer a legislação aplicável nas hipóteses de comércio internacional, algo muito corriqueiro quando tratamos de contratos e comércio eletrônicos. Todos estes temas serão tratados a seguir, à medida que analisarmos a interdisciplinaridade do Direito Cibernético. TEMA 2 – DIREITO PENAL O desenvolvimento da Tecnologia da Comunicação e Informação (TIC) facilitou o acesso e a difusão de informação, o comércio de produtos e serviços, inclusive via internet, eliminando barreiras geográficas e facilitando o acesso a 4 produtos e serviços disponíveis no Brasil e no exterior. Não por acaso, o desenvolvimento do comércio eletrônico está diretamente relacionado a disseminação do uso comercial da internet, a partir da década de 1990. Entretanto, junto com as facilidades trazidas pelo desenvolvimento da tecnologia da comunicação e informação, surgem novas formas de criminalidade, amparados pela nova realidade proporcionada pelas relações virtuais, no âmbito da internet. Para Guilherme de Souza Nucci (2021), o Direito Penal corresponde ao corpo de normas jurídicas destinado ao combate à criminalidade, garantindo a defesa da sociedade, de acordo com o texto de Leis penais, como o Código Penal. O Direito Penal corresponde a um poder soberano do Estado, que se efetiva pela lei penal, permitindo ao Estado cumprir sua função originária, que é assegurar as condições de existência e continuidade da organização social. O Código Penal Brasileiro é fruto do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Sua redação tem sido atualizada e aperfeiçoada desde então. Entretanto, seu texto base remonta a uma época em que a sociedade era “analógica”, ou seja, a comunicação se dava por mídia impressa, rádio, televisão, as relações negociais eram essencialmente presenciais. O ritmo das inovações tecnológicas era mais lento, se comparado aos tempos atuais, e os conceitos relacionados à dignidade da pessoa humana e a privacidade eram bem diferentes da forma como os conhecemos atualmente. Com o surgimento da sociedade da informação, que Manuel Castels (1999) define como a organização social em que há geração, processamento e comunicação da informação como fontes fundamentais de produtividade e poder, propiciadas por novas tecnologias, facilidades são proporcionadas pela internet, como a oferta do comércio eletrônico, internet banking, pagamentos digitais on-line (PayPal, PagSeguro, PicPay, Mercado Pago, Pix, Apple Pay, TED, DOC, dentre outros), pagamento via QR Code, por aproximação via NFC, que dispensam o uso de dinheiro em espécie (portamos cada vez menos dinheiro), cheque (usamos cada vez menos), ou mesmo a utilização de cartão de crédito de plástico, bem como a contratação de produtos e serviços via aplicativos, que também incentivam o uso de pagamento por meio eletrônico. Por sua vez, empresas têm sido vítimas de quadrilhas especializadas em roubo de informações de clientes (senhas, cartão de crédito e dados pessoais), clonagem de página (phishing), induzindo clientes e consumidores ao erro e 5 recebendo pagamentos em nome da empresa clonada, furto de base dados de clientes, fornecedores e colaboradores e sequestro de dados via criptografia (ransomware). Neste contexto, a pandemia da Covid-19 acelerou a adesão de meios de pagamento eletrônicos, notadamente por aqueles que nunca haviam realizado compras pela internet ou utilizado meio de pagamento eletrônicos, influenciando hábitos de consumo. O Capterra realizou um estudo sobre o uso de carteiras digitais com 1.002 entrevistados com mais de 18 anos, de diferentes faixas de renda (até 1 salário- mínimo, de 1 a 3, de 3 a 7, de 7 a 15, de 15 a 20 e mais de 20), de todas as regiões do país, entre os dias 14 e 21 de julho de 2020, e de todas as regiões do país. Os entrevistados deveriam ser trabalhadores em tempo integral ou parcial, freelancers/autônomos, estudantes em tempo integral, aposentados ou terem perdido o emprego durante a crise. O painel contou com 50% dos entrevistados do sexo feminino e 50% do sexo masculino. O estudo apontou um crescimento de 32% no volume de pagamentos frequentes por dispositivos móveis entre aqueles que possuem carteiras digitais, que permitem realizar as chamadas transações contactless,instaladas nos seus celulares ou relógios inteligentes. Figura 1 – O uso de carteira digital para pagar antes e depois da Covid-19 Fonte: Capterra, 2021. 6 Ao mesmo tempo em que a Tecnologia da Comunicação e Informação aproxima as pessoas, reduz barreiras e promove facilidades para o dia a dia, ela também promove reflexos sociais extremamente negativos, pois traz consigo novas formas de criminalidade capaz de comprometer a segurança do cidadão. Com um dispositivo informático devidamente conectado à internet, a criminalidade é capaz de realizar crimes contra o patrimônio. Quadrilhas estão se especializando em crimes que envolvem o uso de carteiras digitais, inclusive com a presença da vítima, como é o caso de sequestros-relâmpago para coagir a vítima a realizar pagamentos via PIX, modalidade de crime que voltou ao noticiário, catalisada pela possibilidade de transferir rapidamente significativas quantidades de dinheiro, bastando que a vítima tenha um celular e saldo bancário. Por sua vez, o crime de estelionato, definido no art. 171 do Código Penal: Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. Tal tipo penal recebeu novos contornos, pois a cada dia surgem novos golpes proporcionados pelo uso do e-mail e do WhatsApp. O mais corriqueiro é a clonagem de celular, em que o estelionatário clona o número de celular da vítima, assumindo o controle de seu WhatsApp e solicita dinheiro emprestado para amigos e familiares da vítima, que de boa-fé, fazem transferências para a conta bancária indicada pelo estelionatário. Evidentemente, diante destes novos fatos sociais e do aprimoramento dos meios utilizados pela criminalidade, a sociedade precisa da adequada proteção do Direito Penal, que por sua vez, necessita ser repensado e atualizado para atender adequadamente a sociedade, por meio da proteção do cidadão, evitando que seus bens jurídicos mais relevantes, quais sejam, sua vida, sua liberdade, sua dignidade e seu patrimônio, sejam lesados. Evidentemente, há inúmeras outras formas de criminalidade alavancada pela tecnologia da informação e comunicação, como fraudes bancárias, fraudes em compras públicas, fraudes fiscais, lavagem de dinheiro, clonagem de cartões de crédito, crimes raciais praticados em redes sociais, disseminação de pornografia infantil, dentre outras condutas que ferem a dignidade da pessoa humana e violam os direitos humanos. 7 Tal contexto demanda inclusive o aperfeiçoamento das estruturas de atuação do Estado, notadamente dos órgãos responsáveis pela investigação criminal, como é o caso da Polícia Civil e da Polícia Federal. Não por acaso vemos a criação de delegacias especializadas em combater a cibercriminalidade. No âmbito Estadual, o Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber), órgão específico da Polícia Civil do Estado do Paraná criado para o combate aos crimes cometidos por meios eletrônicos, responsável pela investigação das infrações penais cometidas com o uso ou emprego de meios ou recursos tecnológicos de informação computadorizada (hardware, software, redes de computadores e sistemas móveis de telefonia), bem como auxiliar os demais órgãos da Polícia Civil nas investigações e inquéritos policiais ou administrativos em crimes da mesma natureza. Já na esfera federal, a Polícia Federal conta com uma Diretoria especializada em crimes cibernéticos, o Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos (SRCC). Importante destacar que a Polícia Federal, diferentemente da atuação da Polícia Civil (estadual), assume a responsabilidade pela investigação de crimes de natureza transnacional em que o Brasil se comprometeu por meio de tratados internacionais e pelos crimes que atentem contra a Administração Pública Federal Direta ou Indireta. Para tanto, de acordo com o Delegado Federal Marco Aurélio de Macedo Coelho, para atuar da melhor forma possível, a PF necessita de ferramentas que auxiliem a corporação a acompanhar o avanço tecnológico, mas que em muitos casos a corporação precisa adquirir as tecnologias. “As ferramentas de investigação são essenciais para uma efetiva apuração de crimes cibernéticos em tempo razoável. Quando há o desenvolvimento de ferramentas pela própria PF uma das vantagens é que não há necessidade de se pagar pela atualização delas”, de acordo com o Delegado Federal Marco Coelho (ADPF, 2017). Coelho também esclarece que, mesmo quando a PF possui as ferramentas, são necessárias parcerias público-privadas, em especial com as empresas que oferecem as plataformas onde os crimes são cometidos. “Nas investigações de crimes cibernéticos é necessária a parceria com a iniciativa privada, até porque a maioria dos dados estão com eles. Acordos com empresas 8 como a Microsoft e a Google possibilitam que os investigadores consigam as informações em tempo hábil”, destaca (ADPF, 2017). Coelho sustenta que na luta contra o cibercrime, a Polícia Federal tem tomado várias iniciativas no combate ao cibercrime. Algumas tecnologias e plataformas vêm auxiliando a corporação a identificar criminosos com mais rapidez. Neste sentido, a plataforma Orus permite que o policial insira uma requisição de dados judicial ou extrajudicial. A partir dela são enviadas para as duas empresas aderentes ao projeto (Google e Microsoft), que respondem diretamente ao policial sem a necessidade de passar por escritórios de advocacia, o que facilita os procedimentos. De acordo com o princípio da Anterioridade da Lei, previsto no art. 1º do Código Penal, “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Para lidar com a crescente criminalidade digital, a legislação penal precisa se manter em constante atualização, criando tipos penais que contemplem as novas modalidades de delitos informáticos. A Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012, apelidada de Lei Carolina Dieckmann, atualizou o Código Penal e estabeleceu como crimes os seguintes delitos informáticos: 1) Art. 154-A - Invasão de dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. 2) Art. 266 - Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública - Pena - detenção, de um a três anos, e multa. 3) Art. 298 - Falsificação de documento particular/cartão - Pena - reclusão, de um a cinco anos e multa. Por sua vez, a Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021, alterou o Código Penal, para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita, bem como o furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet, modalidades de crimes que, infelizmente estão se tornado cada vez mais frequentes, demandando inclusive a atuação das delegacias especializadas em cibercriminalidade. 9 TEMA 3 – DIREITO CIVIL De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, o Direito Civil é o ramo do Direito responsável por reger as relações entre os particulares, disciplinando a vida das pessoas desde a concepção até depois de sua morte, ao reconhecer o respeito às disposições de última vontade registradas em testamento e ao exigir o respeito à memória dos mortos. Portanto, para o autor, compete aoDireito Civil a regulamentação das relações de família e as relações patrimoniais que surgem entre os indivíduos membros de uma sociedade, disciplinando as relações contratuais, os direitos e deveres das pessoas, na qualidade de membros de uma família, credores, devedores, proprietários, possuidores, herdeiros, condôminos, vizinhos, compradores, vendedores, regulando as relações sociais cotidianas. Percebe-se o uso cada mais vez mais abrangente da tecnologia da comunicação e informação nas relações contratuais, que cada vez se tornam mais conectadas em pelo menos uma das etapas da negociação, seja pré- contratual (publicidade on-line), contratual (tratativas por e-mail, aplicativo ou redes pessoais) ou pós-contratual (garantia e suporte pós-venda on-line). A internet tem favorecido o surgimento de negócios on-line que proporcionam ao cidadão produtos e serviços disponibilizados inclusive em aplicativos de celular que facilitam a vida cotidiana. Serviço de taxi (Uber e 99 Taxis, serviço de hospedagem (Airbnb), serviço bancário (Nubank), imobiliárias (QuintoAndar), marketplaces, como o grupo B2W (Submarino, Lojas Americanas e Shoptime), bibliotecas virtuais, serviço de assinaturas de jornais e revistas digitais, dentre outras plataformas de serviços digitais, estão em franco crescimento e superando a concorrência tradicional, estabelecida fisicamente. A Uber é considerada a maior rede de táxis do mundo, em que pese não possuir nenhum veículo. O mesmo ocorre em relação à Airbnb, considerada a maior imobiliária do mundo, mesmo sem possuir um imóvel sequer. Diversos jornais e revistas estão deixando de oferecer exemplares físicos, mantendo apenas suas versões digitais correspondentes, oferecendo uma nova experiência de leitura em dispositivos eletrônicos, notadamente, smartphones, mediante assinatura periódica. São novos modelos de negócios que se amparam numa economia fortemente amparada (e dependente) da Tecnologia da Comunicação e Informação. 10 A revista Business Week alertava em 22 de junho de 1998 que Sem dúvida, a internet está conduzindo uma era de mudanças que não deixará nenhum negócio ou indústria intocada. Em apenas três anos, a rede cresceu, de um playground para nerds, para um vasto centro de comunicações e comércio, onde cerca de 90 milhões de pessoas trocam informações ou fazem negócios ao redor do mundo. Imagine: o rádio levou mais de 30 anos para alcançar 60 milhões de pessoas, e a televisão precisou de 15. Nunca uma tecnologia se espalhou tão rapidamente. Inúmeras startups estão aproximando pessoas com interesses e necessidades comuns para proporcionar oportunidades de uso compartilhado, com economia financeira e comodidade, revolucionando a maneira de se consumir produtos e serviços. A economia do compartilhamento tem ganhado expressão recentemente e se tornado um símbolo de consumo consciente e sustentável, tornando o uso compartilhado de bens de consumo uma alternativa em detrimento de sua aquisição, para uso individual, não raro, subutilizado, como é o caso dos carros particulares de passeio, em que, na maior parte do dia, permanece ocioso, estacionado e ocupando espaço. Não por acaso, Uber e Airbnb são casos de sucesso mundial, sendo que o uso do transporte compartilhado tem gerado a diminuição do interesse de jovens em adquirir um automóvel, preferindo utilizar o dinheiro para adquirir novas experiências de vida, inclusive com diversas modalidades de turismo. Evidentemente, a economia compartilhada demanda novas formas de contratar e negociar, com intensivo uso de contratos de seguro de acidentes e de responsabilidade civil por danos, utilizando novas regras que permitam que o uso compartilhado seja seguro, inclusive em virtude da pandemia de Covid-19, sendo todas as etapas intermediadas pelo uso da tecnologia da comunicação e informação, com intensivo uso de aplicativos de celular. Um elemento indispensável para o crescimento de novas formas de contratar bens e serviços é a proteção da confiança que deve sempre existir entre as partes contratantes. Não por acaso, o art. 422 do Código Civil brasileiro estabelece que os contratantes são obrigados a agir de boa-fé, em todas em todas as etapas de uma contratação, desde a oferta, que deve sempre corresponder a realidade, sem esconder fatos relevantes, que poderiam interferir nas condições de negociação, ou mesmo gerar sua desistência, até as obrigações pós-venda. 11 As modalidades de negociação e contratação on-line não dispensam o rigoroso atendimento dos deveres de lealdade e boa-fé que devem sempre existir entre as partes, não importando se o contrato convencional ou eletrônico. Esta é a razão para que a fase negocial seja sempre transparente para ambas as partes, notadamente quando a relação negocial não ocorre de maneira presencial, mas por plataforma de venda digital. As cláusulas contratuais devem ser elaboradas de forma clara, objetiva, coerente e sem o uso de expressões desnecessariamente complexas ou com redação inacessível para o cidadão que a interpreta. Isso significa que quem oferta produtos e serviços tem o dever de descrever adequadamente as características, condições de uso, limitações técnicas daquilo que anuncia, não exagerando ao informar as qualidades, tampouco omitindo informações relevantes que eventualmente possam interferir negativamente na avaliação do produto ou serviço, na composição do preço ou mesmo na decisão do comprador de adquirir ou não. Os termos de uso e a política de privacidade de serviços e produtos ofertados on-line devem ser elaborados de forma clara e transparente, especialmente quando abordam as regras e condições com destaque para cláusulas que definam os direitos, deveres e responsabilidades de ambas as partes, multas ou limitações ou exclusão de responsabilidade. Deve existir um canal de fácil contato, que aproxime as partes e viabilize um diálogo que oportunize o esclarecimento de dúvidas e a adequada manifestação de vontade, sobre o negócio que se pretende realizar (fase pré- contratual), e para o adequado atendimento pós-venda (fase pós-contratual). Convém disponibilizar recursos como o Frequently Asked Questions (FAQ) e um glossário, que permita a compreensão de termos técnicos mencionados ou de significativa relevância na contratação. Em relação à política de privacidade, o aumento do uso de tecnologia da informação e comunicação nas nossas rotinas e contratos gera dúvidas relacionadas à privacidade e à proteção dos dados pessoais, tema que será objeto de estudo de aulas futuras, em ocasião em que estudaremos a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Finalmente, tornou-se relevante a proteção do patrimônio digital, composto pelos bens que são criados ou adquiridos digitalmente, leia-se: perfis em redes sociais que são monetizados, mídias digitais e até mesmo 12 criptomoedas, como é o caso do bitcoin. Tais bens podem ser negociados e são sucessíveis de serem transferidos inclusive por herança, exceto quando envolver conteúdo que diga respeito à intimidade e a honra, inclusive de terceiros, que o falecido tenha se comunicado, por se tratar da necessidade de proteger os direitos da personalidade do falecido. TEMA 4 – DIREITO DO CONSUMIDOR O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi sancionado em 11 de setembro de 1990, no teor da Lei n. 8.078, época em que a internet no Brasil estava confinada ao uso acadêmico e sua existência era conhecida por um percentual irrisório de brasileiros. Mesmo no meio acadêmico, a internet era apenas utilizada por poucos pesquisadores das tradicionais universidades brasileiras que enfatizam pesquisas, como Unicamp e USP, onde professores e pesquisadores trocavam informações com colegas de universidades estrangeiras, principalmente da América do Norte e Europa. Tendo em vista o contexto históricoda internet na época da publicação do CDC, não havia como se prever relações de consumo por meio da internet, até porque em 1990, ela ainda não possuía a interface gráfica intuitiva e amigável que temos hoje. Nas palavras o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado Aguiar, apesar de o Código de Defesa do Consumidor não previsto (nem poderia) na internet, na verdade possui ele possui é composto de normas, princípios gerais e cláusulas abertas. O CDC estabelece normas de proteção e defesa do consumidor. Para tanto, há que se analisar preliminarmente se a contratação em questão possui natureza cível ou consumerista, pois a depender da classificação, serão aplicados os dispositivos legais que regem as relações civis ou as relações de consumo. Existindo relação de consumo, serão adotadas as regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor, notadamente aquelas que visam o atendimento das necessidades dos consumidores o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. 13 De acordo com os arts. 2 e 3 do CDC, apresentam o conceito de consumidor e fornecedor, respectivamente: Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Parágrafo 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Parágrafo 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. O consumidor está muito mais exposto no “consumo virtual” em relação ao tradicional, devido às facilidades encontradas na internet, que também possibilitam agir de má-fé com práticas ilícitas ou abusivas, como publicidade enganosa ou descumprimento contratual. Portanto, os vícios e as irregularidades que se percebem nas relações de consumo tradicional também podem ser cometidas no consumo virtual. Para não haver prejuízo na aplicação da lei e preservação da justiça, as relações de consumo, não importando o meio utilizado, deverão ser submetidas ao rigor da lei. Isso posto, segundo o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao regular a relação de consumo do meio físico, de algum modo também regula a relação de consumo no meio eletrônico. Ele não trata de questões específicas do comércio eletrônico, mas tudo que estiver relacionado a contratos está relacionado no código. Estando caracterizada a relação de consumo entre fornecedor e cliente, aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor, além das demais codificações e diplomas legais pertinentes. O Decreto n. 7.962, de 15 de março de 2013 regulamentou o Código de Defesa do Consumidor, especificamente na matéria relativa à contratação via comércio eletrônico. Dentre suas disposições mais relevantes, destacamos o dever do fornecedor em prestar informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; prestar atendimento facilitado ao consumidor; e assegurar ao 14 consumidor o respeito ao direito de arrependimento, pelo prazo de 7 dias, contados a partir da data do recebimento do produto ou serviço, conforme prevê o art. 49 do CDC, que será detalhado adiante. O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Aguiar esclarece que em caso de dúvidas, a responsabilidade de comprovar a veracidade de uma transação on-line de consumo será do fornecedor. A observância destes procedimentos garantem um nível mínimo de segurança para a celebração do contrato. A indústria da tecnologia da informação e comunicação trabalha velozmente para a solução destes problemas, adotando tecnologias que utilizam protocolos de segurança, senhas personalizadas, criptografia e entidades certificadoras. Note-se que o legislador deixa clara a obrigação do fornecedor de concluir o contrato após a oferta, não podendo revogá-la após sua publicação. Em outras palavras, se determinado site de comércio eletrônico anuncia uma coleção rara de discos de vinil, não poderá esquivar-se de cumprir sua obrigação, podendo o consumidor escolher dentre as possibilidades previstas no art. 35 do Código de defesa do consumidor, que são respectivamente: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. De acordo com o professor Carlos Roberto Gonçalves, o regime de oferta no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 9.078/90), apresenta algumas distinções em relação ao disposto no Código Civil, vide os arts. 30 a 35 – da proposta nos contratos que tratam de relações de consumo. A oferta no Código de Defesa do Consumidor é mais abrangente, já que na maioria das vezes é dirigida a pessoas indeterminadas, e os efeitos também são mais abrangentes, pois no regime do Código Civil a recusa indevida de dar cumprimento à proposta resolve-se em perdas e danos. A oferta anunciada no contexto de uma relação de consumo dá ensejo à execução específica (arts. 35, inciso I e 84, parágrafo 1º), consistindo opção exclusiva do consumidor a resolução em perdas e danos. Além de poder preferir a execução específica (CDC, art. 35, inciso I), o consumidor pode optar por, em 15 seu lugar, “aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente” (II) ou, ainda, por “rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e perdas e danos” (III). A vinculação do fornecedor à oferta é a regra em nosso ordenamento jurídico. Sobre oferta, o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Carlos Roberto Gonçalves, afirma: “a proposta, desde que séria e consciente, vincula o proponente, podendo ser provada por testemunhas, qualquer que seja o seu valor. A sua retirada sujeita o proponente ao pagamento das perdas e danos”. É importante ressaltar a importância do dever de informação na oferta, que deverá ser clara e precisa, ou seja, sem “pegadinhas”, apresentando dados relevantes, capazes de alterar a base do negócio, de modo que, ao se conhecê- los, não se contratará ou se fará em outras condições, principalmente nas relações de consumo, onde a oferta deverá estar em consonância com o estabelecido no art. 31 do Código de defesa do consumidor que estabelece: Art. 31º. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores. A observância do artigo retrocitado é essencial, devido a alguns inconvenientes típicos dos contratos a distância, os quais destacamos: a) O fato dos consumidores estarem sujeitos a técnicas agressivas de contratação; b) O consumidor, ao contratar, corre o risco de não ter suas expectativas em relação objeto da relação contratual atendidas, haja vista que sua manifestação de vontade se baseia em imagens e descrições. Como se diz na cultura popular: “levar gato por lebre”; c) Entre a celebração docontrato e a efetiva entrega do bem existe a possibilidade de decorrer lapso temporal superior ao estabelecido no contrato; d) Possibilidade real para o consumidor de fazer valer seus direitos em face de um vendedor à distância, em caso de defeito do objeto; e) E finalmente, em casos extremos, há a possibilidade de, após a celebração do contrato e pagamento da quantia acordada, o consumidor simplesmente não receber a mercadoria contratada, além de não poder sequer se reembolsar, em virtude da insolvência ou mesmo do desaparecimento do vendedor. 16 O Código de Defesa do Consumidor estabelece no art. 49 que: O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Conforme o estudado no item anterior (validade jurídica dos atos negociais por meios eletrônicos), sendo observados os requisitos formais, a capacidade dos agentes contratantes, a licitude da contratação e a não defesa em lei, o contrato celebrado virtualmente é perfeitamente válido, gerando, portanto, efeitos jurídicos, sendo aplicável o disposto no referido artigo do CDC. De acordo com o referido artigo, quando um contrato for celebrado fora do estabelecimento comercial tradicional, considerando que o e-commerce ocorre fora do estabelecimento comercial, e que este contrato é celebrado entre ausentes, o prazo para desistência será de sete dias. Tendo em vista esses fatores que desencorajam a contratação virtual, é essencial que haja a confiança do público. A desconfiança ainda é uma barreira para a expansão do e-commerce, o que significa, ressaltamos mais uma vez, a necessidade da observância da boa-fé objetiva, que corresponde a um dever de conduta contratual, no tocante ao cumprimento da respectiva obrigação por ambas as partes, ou seja, a entrega da coisa prometida por parte do vendedor e o pagamento do preço a cargo do consumidor na compra e venda, por exemplo, além da observância dos deveres secundários, laterais, anexos ou instrumentais de conduta, tais quais os de informação correta, esclarecimento, lealdade e assistência, dentre outros. Para a plena aplicação dos preceitos pertinentes a oferta, é necessário num primeiro plano observar se no conteúdo do site existe realmente uma oferta, haja vista existirem elementos essenciais e suficientes para sua constituição. Há que se analisar ainda se a oferta, caso exista, será pública ou dirigida a pessoas específicas, obrigando o ofertante desde o anúncio ao cumprimento da proposta exposta, inclusive vinculando o ofertante ao cumprimento de sua oferta se for um contrato de consumo, o que se conclui quando o usuário transmite a declaração de aceitação. Finalmente, existe a possibilidade de o site anunciar simples convite a contratar, como é o caso de leilões virtuais. Neste caso, a relação entre consumidor e fornecedor se inverte, pois o internauta assume o status de 17 fornecedor e o contrato se completa a partir do momento em que ele recebe a aceitação da outra parte. Esta situação peculiar está localizada no âmbito das negociações preliminares, com distinta caracterização jurídica, como ensina César Viterbo Matos Santolim. Futuramente, teremos a oportunidade de aprofundar o estudo do Comércio Eletrônico e dos Contratos Eletrônicos, sob a perspectiva do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. TEMA 5 – DIREITO DO TRABALHO Segundo Carlos Henrique Bezerra, o Direito do Trabalho pode ser conceituado como o ramo da ciência jurídica formado por um conjunto de princípios, regras, valores e institutos destinados à regulação das relações individuais e coletivas entre empregados e empregadores, bem como de outras relações de trabalho normativamente equiparadas à relação empregatícia, tendo por objetivo a progressividade da proteção da dignidade humana e das condições sociais, econômicas, culturais e ambientais dos trabalhadores. Novas formas de trabalho surgiram juntamente com o desenvolvimento da tecnologia da comunicação e informação. A chamada 4ª Revolução Industrial, também conhecida como Indústria 4.0, mudou significativamente a nossa rotina de vida, em virtude da evolução tecnológica proporcionada pelo surgimento de produtos e serviços digitais, que alteraram a forma como contratamos, consumimos, nos relacionamos em sociedade e como trabalhamos. Baseada fortemente em tecnologias de automação, Internet das Coisas (IoT), Internet dos Serviços (IoS), Big Data Analytics, intensivo uso de inteligência artificial e computação em nuvem, a Indústria 4.0 objetiva aumentar a eficiência de processos produtivos, otimizando custos, reduzindo desperdícios e perda de tempo, por meio da substituição de postos de trabalhos de baixa complexidade e intensa repetição, e demandando novas habilidades e competências para uma nova geração de empregos que demandam qualificação e proficiência no uso de ferramentas digitais. Se, por um lado, inúmeros empregos e profissões desapareceram, como os datilógrafos, telefonistas, vendedores de enciclopédia, ascensoristas e telegrafistas, outras profissões surgiram e tiverem grande crescimento notadamente por causa da internet, como web designer, programador, analista de sistema, consultor de e-business, analista de marketing digital, influenciador 18 digital, gestor de mídia social, arquiteto de informação, analista de segurança da informação, analista de Big Data, para citar apenas alguns exemplos desta nova economia fortemente baseada em tecnologia da informação e comunicação. Importante, neste momento, conceituar trabalhador e empregador. De acordo com art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Por sua vez, de acordo com o art. 2º da CLT: Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Parágrafo 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. Junto com as novas demandas do mercado de trabalho, surgem implicações jurídicas tanto para o empregado quanto para o empregador, no que tange à forma de trabalhar. Um dos aspectos jurídicos mais relevantes relacionados ao trabalho baseado em meios digitais, notadamente no trabalho à distância, é o respeito ao direito à privacidade e a intimidade do trabalhador, em virtude da possibilidade no monitoramento realizado pelo empregador. Nesta hipótese, os referidos direitos, inseridos na categoria dos direitos de personalidade, podem ser ameaçados, especialmente quando inexistir uma política clara em relação ao uso da internet no ambiente de trabalho. Evidente que o empregador possui o direito de monitorar, disciplinar e regular o uso de ferramentas informáticas por este concedidas, enquanto instrumentos de trabalho, inclusive para assegurar o uso não apropriado (ou até mesmo criminoso) destas ferramentas no ambiente de trabalho. Mas há normas e critérios jurídicos que devem ser observados para disciplinar corretamente o monitoramento que o empregador pode realizar durante a realização do trabalho do empregado. A Constituição Federal brasileira de 1988 estabelece, dentre os direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º, o direito à privacidade. E, por óbvio, essa privacidade se estende às relações de emprego. 19 Entretanto, esse direito não é absoluto,encontrando seu limite em seu inter-relacionamento com as demais normas que regulamentam a relação de emprego, inclusive as que permitem ao empregador o direito de organizar, regular e disciplinar as atividades do empregado, nos termos do art. 2º da CLT. No exercício do poder de direção do empregador, a lei faculta a ele fiscalizar e monitorar a forma como o empregado realiza seu trabalho, podendo ainda aplicar, em caso de desconformidades, sanções disciplinares, no exercício de seu poder disciplinador, sanções estas previstas em lei ou de outras fontes do direito do trabalho, como acordos e convenções coletivas ou mesmo por meio de previsão expressa no regulamento interno da empresa e no contrato de trabalho, desde que a aplicação de tais sanções não violem as demais normas do ordenamento jurídico pátrio, especialmente a Constituição Federal. Para os empregadores, a constante vigilância sobre as ferramentas de comunicação, notadamente o e-mail de uso corporativo, se justifica na medida em que estes possuem o direito de fiscalizar o uso adequado dos recursos colocados à disposição de seus empregados, como ocorre no uso de veículos (cadastro de motorista, com horário, itinerário e quilometragem rodada), uso de telefone (liberação do telefone por meio de senha do funcionário, registro do número discado, duração e custo da chamada), controle sobre reembolso de despesas com passagens aéreas, hospedagem, alimentação e mesmo com material de almoxarifado, principalmente os de maior valor. No caso específico das ferramentas de comunicação via internet, o monitoramento se justifica pelo receio da prática de violação de segredos da empresa, negociação não autorizada pela empresa que lhe cause prejuízo ou concorrência, incontinência de conduta ou mau procedimento, desídia no desempenho das respectivas funções, ato de indisciplina, ou de insubordinação ou ato lesivo da honra ou da boa fama, hipóteses que amparam a demissão por justa causa, conforme previsão do art. 482 da CLT. Além disso, pretende-se evitar o uso recreacional da rede, minimizar a exposição da rede corporativa a vírus e demais ameaças presentes no mundo virtual, como trojans, spywares, adwares, phishing, keyloggers etc., o que, poderia causar desde lentidão no tráfego de informações, passando pela indisponibilidade de sistemas (que geraria prejuízos significativos) até mesmo a destruição de dados e informações corporativas. 20 Além disso, de acordo com o art. 932, inciso III, do Código Civil brasileiro, que estabelece a responsabilidade civil por ato do preposto, a empresa que fornece as mencionadas ferramentas de comunicação via internet é diretamente responsável pelo uso que seus empregados fazem, principalmente quando o funcionário utiliza esses meios, no ambiente de trabalho, para realizar atos ilícitos, podendo a empresa, nos termos do referido inciso, responder civilmente pelos danos porventura causados, em razão de sua conduta culposa, justamente por não fiscalizar, vigiar e disciplinar adequadamente o exercício das atividades realizadas por seus funcionários. Portanto, diante dos riscos apresentados, torna-se necessário que o empregador, por questão de segurança, utilize seu poder de direção no sentido de orientar o correto uso das ferramentas de comunicação via internet utilizadas pelos empregados, e realizar varreduras impessoais rotineiras, tendo controle e conhecimento sobre as informações que entram e saem de seus sistemas informáticos, não com o propósito de devassar a privacidade de seus funcionários, mas com o exclusivo intuito de coibir o uso imoral e evitar transtornos decorrentes de fraudes que possam, inclusive, causar danos à terceiros. Em 1996, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou um Repertório de Recomendações sobre a Proteção dos Dados Pessoais dos Trabalhadores (RRP-OIT), apresentando diretrizes para a melhor prática de proteção de dados no contexto laboral com o objetivo de evitar a interferência arbitrária do empregador na vida privada do trabalhador, conforme especificam os títulos Objetivo e Princípios Gerais do referido repertório: 5.1. O tratamento de dados pessoais dos trabalhadores deve ser realizado em forma justa e legal e limitada exclusivamente a questões diretamente relevantes para a relação de trabalho do trabalhador. 5.2. Em princípio, os dados pessoais devem ser usados apenas para essa finalidade para o qual foram coletados. 5.3. Quando os dados pessoais são explorados para fins diferentes daqueles para aqueles que foram coletados, o empregador deve garantir que eles não sejam usados de forma incompatível com aquele propósito inicial e adotar as medidas necessário para evitar qualquer má interpretação devido à sua aplicação em outro contexto. 5.4. Dados pessoais coletados com base em disposições técnicas ou organização que visa garantir a segurança e o funcionamento adequado de sistemas de informação automatizados não devem ser usados para controlar o comportamento do trabalhador. 21 Portanto, em se tratando de ferramentas de comunicação de internet ofertadas pelo empregador (computadores e notebooks – hardware, e licenças de programas de computador – software), as informações trafegadas por tais vias, como regra, não dispõem da mesma proteção ao sigilo e privacidade a que teria direito, como se fosse uma extensão de seu computador pessoal, na privacidade e intimidade de seu domicílio, pois o local de trabalho não pode ser visto como um ambiente privado e particular do empregado. Atualmente, o entendimento predominante nos tribunais brasileiros é que as mensagens que trafegam nas redes corporativas pertencem à empresa, sendo, portanto, tais contas serem passíveis de monitoramento e fiscalização pelo empregador. Finalmente, é fundamental que o empregador esclareça seus empregados, através de meios inequívocos de ciência, que as ferramentas de comunicação via internet, sob nenhuma hipótese, deverão ser utilizadas com expectativa de privacidade e intimidade, em razão do monitoramento e fiscalização realizados, por ser questão inerente à indispensável transparência, lealdade e boa-fé nas relações de trabalho, mormente quando as atividades estão se desenvolvendo de forma preponderante em sistema de tele trabalho, em face da pandemia do Covid-19. Essa comunicação deve estar prevista de forma clara, de preferência no regulamento da empresa, sendo redigido de forma objetiva uma política específica referente à utilização das ferramentas de internet, podendo, por exemplo, ser elaborada uma cartilha de orientação ao uso da internet, e vincular o cumprimento de tais políticas ao contrato individual de trabalho. FINALIZANDO Nesta aula, analisamos a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e sua importância para a adequada compreensão do Direito e da Legislação, para, em seguida, apresentar questões que relacionam Direito Penal, Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito do Trabalho com a tecnologia da informação e comunicação no Brasil. Com base nas diretrizes constantes da Constituição Federal brasileira de 1988, do Código Penal, do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor e da Consolidação das Leis do Trabalho, estudamos questões que envolvem desde crimes virtuais, passando pela contração via internet, o amparo ao 22 consumidor de produtos e serviços na internet até as novas relações de trabalho, fortemente amparadas no uso de tecnologia da informação e comunicação. Esses conhecimentos serão particularmente úteis para auxiliar a compreensão das próximas aulas, ocasião em que serão analisados o Marco Civil da Internet e a responsabilidade civil de provedores de aplicações de internet. 23 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL – ADPF. Combate ao crime cibernético: Polícia Federal busca acompanharo avanço tecnológico para investigação de crimes cibernéticos. 21 ago. 2021. Disponível em: <http://www.adpf.org.br/adpf/admin/painelcontrole/materia/materia_portal.wsp?t mp.edt.materia_codigo=9139&tit=Combate-ao-crime- cibernetico#.YUYv3bhKiiM>. Acesso em: 4 nov. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. DOU, Poder Executivo. Brasília/DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 4 nov. 2021. BRASIL. Decreto-Lei n. 4.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 4 nov. 2021. BRASIL. Decreto-Lei n. 4.647, de 4 de setembro de 1942. Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro. DOU 9.9.1942. BRASIL. Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm. Acesso em: 4 nov. 2021. BRASIL. Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021. Dispõe sobre crimes de violação de dispositivo informático. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14155.htm. Acesso em: 4 nov. 2021. CARRASCOSA, L. et al. La contratación informática: el nuevo horizonte contractual. Los contratos eletrônicos e informáticos. Granada: Comares, 1997. GATES, B. A empresa na velocidade do pensamento: com um sistema nervoso digital. São Paulo: Companhia das letras, 1999. GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro: volume 1: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. 24 LEITE, C. H. B. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. NUCCI, G. de S. Manual de Direito Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. NÚCLEO DE COMBATE AOS CIBERCRIMES – NUCIBER. Sobre o NUCIBER. Disponível em: <https://www.policiacivil.pr.gov.br/NUCIBER. Acesso em: 4 nov. 2021. OIT. Repertorios de recomendaciones prácticas, Protección de los datos personales de los trabajadores. Disponível em: <https://www.ilo.org/safework/info/standards-and- instruments/codes/WCMS_112625/lang--es/index.htm. Acesso em: 4 nov. 2021. ROSSI, L. Pagamento com celular dispara após pandemia e promete mudar o mercado. Disponível em: <https://www.capterra.com.br/blog/1703/pagamento-movel. Acesso em: 4 nov. 2021. SANTOLIM, C. V. M. S. Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por computador. 1. ed. Saraiva: São Paulo, 1995.
Compartilhar