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Autor: Prof. Vinícius Carneiro de Albuquerque Colaboradora: Profa. Christiane Mazur Doi Patrimônio, Memória e Museus Professor conteudista: Vinícius Carneiro de Albuquerque Historiador, formado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e licenciado pela Faculdade de Educação da mesma universidade. Obteve o título de mestre pelo programa de História Social. Atualmente é professor do colégio e curso pré‑vestibular Objetivo, instituição na qual atua há mais de 15 anos. É também professor da Universidade Paulista (UNIP), na qual trabalha com especial interesse na área de Ensino a Distância voltada para a formação de professores de História. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A345p Albuquerque, Vinícius Carneiro de. Patrimônio, Memória e Museus / Vinícius Carneiro de Albuquerque. – São Paulo: Editora Sol, 2023. 252 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230. 1. Patrimônio. 2. Memória. 3. Museu. I. Título CDU 727.7 U517.63 – 23 Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Aline Ricciardi Vera Saad Sumário Patrimônio, Memória e Museus APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 INTRODUÇÃO: QUAL A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS SOBRE PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS? ...................................................................................................................................... 11 1.1 Patrimônio – usos e definições ....................................................................................................... 26 1.2 Cultura é patrimônio .......................................................................................................................... 32 1.3 Educação patrimonial: introdução ................................................................................................ 42 2 SPHAN/IPHAN ................................................................................................................................................... 51 3 CARTAS PATRIMONIAIS ................................................................................................................................ 61 3.1 Origens das cartas patrimoniais ..................................................................................................... 62 3.2 Cartas patrimoniais: alguns documentos .................................................................................. 70 3.3 Icomos/Unesco ...................................................................................................................................... 76 4 DICIONÁRIO TEMÁTICO DO PATRIMÔNIO: USOS E TEMAS FUNDAMENTAIS .......................... 82 4.1 Diferentes expressões do patrimônio ........................................................................................... 89 4.2 Debates contemporâneos sobre o patrimônio material e imaterial .............................103 Unidade II 5 MEMÓRIA – DEFINIÇÕES............................................................................................................................118 5.1 Como diferenciar história e memória? ......................................................................................126 5.2 Usos da memória e esquecimentos ............................................................................................136 6 CELEBRAÇÕES E EFEMÉRIDES: FESTAS CÍVICAS E A CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS SOCIAIS .........................................................................................................................................144 6.1 Os 500 anos do “Descobrimento”: Exposição Brasil +500 Mostra do Redescobrimento .................................................................................................................................161 6.2 O caso das derrubadas das estátuas: problemas, debates e significados ....................167 7 MUSEUS – IMPORTÂNCIA E FUNÇÕES .................................................................................................189 7.1 Conhecer as instituições – museus e possibilidades de ensino de história ................198 7.2 O mundo digital contribuindo para o conhecimento .........................................................207 7.3 Alguns museus digitais ou virtuais do Brasil e do mundo que podem ser conhecidos ............................................................................................................................................216 8 DESTRUIÇÃO DE MUSEUS E PATRIMÔNIO: TRAGÉDIAS ANUNCIADAS? ................................219 7 APRESENTAÇÃO A escolha de trabalhar as ideias de patrimônio, memória e museus em nosso curso de licenciatura em História se justifica por sua importância na construção da consciência social, da cidadania e da compreensão da formação dos sujeitos sociais. Em diversos momentos de nosso curso discutiremos as memórias produzidas socialmente, falaremos de instituições ou da preocupação em preservar obras ou objetos ou, ainda, analisaremos o que constitui o patrimônio material e imaterial de diversas sociedades. Nossa escolha é organizar os conceitos, apresentar as principais questões referentes ao patrimônio, como foi pensado no passado e como estão os debates na atualidade, além de trazer algumas contribuições mundiais e principalmente analisar as representações do Brasil como expressão de sua diversidade. Em nossa disciplina vamos abordar a questão da memória, tanto em seu aspecto mais geral – como se apresenta no senso comum – quanto no debate científico e nas contribuições no campo da história e da historiografia. A importância da memória é indiscutível nas sociedades, estudaremos como ela é formada, alterada e disputada. Como é comum em diversas disciplinas, devemos reconhecer que escolhemos uma visão crítica nas abordagens, pois contribui para a formação do pensamento científico. Ao contrário da imposição de dogmatismos e verdades absolutas, estamos interessados em trazer os questionamentos produzidos em diversas áreas do conhecimento que estabelecem relações com a história. Se pensarmos no patrimônio, podemos mobilizar aspectos da geografia, da arquitetura, da arte e, é claro, da história. Quando falamos da memória, vamos problematizar seus usos e também os esquecimentos, como as memórias sociais surgem e são elaboradas. Apresentaros museus também nos traz o desafio de fazer escolhas, selecionar alguns exemplos e casos que consideramos emblemáticos sem desprezar a importância de muitas outras instituições. Se considerarmos que o Brasil tem mais de 3.800 museus, temos uma pequena dimensão dos desafios que envolvem o tema, não apenas pelo número, mas pela variedade das discussões. Para que nosso percurso possa ser desenvolvido, vamos passar pela constituição do Sphan/Iphan no Brasil; pela elaboração das cartas patrimoniais; pelos diversos casos de derrubadas de estátuas; por estarrecedores incêndios de museus e pela apresentação de grupos e movimentos sociais que reivindicam o direito de existir, manifestando‑se e lutando pela construção de novas histórias e memórias sociais. Versamos sobre os temas patrimônio, memória e museus quando tratamos de casos como as manifestações coletivas intensificadas nos anos iniciais do século XXI contra determinadas estátuas e símbolos; analisamos as contestações às representações percebidas como preconceituosas e excludentes; observamos o esforço pelo direito ao reconhecimento e existência social de certos grupos, formas de viver e de estabelecer relações sociais; procuramos entender o que se perde quando uma das mais importantes instituições do país, o Museu Nacional, arde em chamas ou mesmo quando a famosa catedral de Notre Dame de Paris pega fogo. Como isso pode entrar nas salas de aula também é um debate importante. 8 Vamos analisar alguns casos envolvendo a memória da sociedade brasileira, por exemplo, a criação do Livro dos heróis do Brasil, as festas cívicas em torno de efemérides como o centenário da Independência em 1922, o sesquicentenário em 1972 e o bicentenário em 2022. Momentos considerados bastante expressivos para a construção da memória nacional. Vamos também abordar o período que sucede a ditadura civil militar (1964‑1985), a Nova República, quando diversos grupos passaram a lutar pelo reconhecimento social de sua existência – tais como os quilombolas com seus modos de vida específicos – e quando houve a discussão nacional relacionada ao projeto Brasil: Nunca Mais, em 1985, uma pesquisa sobre os crimes cometidos durante a repressão. Para que esses debates possam avançar, precisaremos abordar as concepções de memória, o sentido social e o uso científico nas ciências humanas e também as suas especificidades e diferenças em relação ao termo história. Como chegar a definições que podem ser úteis aos professores de história é um ponto muito importante. Casos como os relatos da repressão ou o estudo da vala de Perus em São Paulo podem contribuir para a compressão da memória social. Ao trabalharmos com o termo memória, precisaremos diferenciar o senso comum dos usos acadêmicos e científicos e, além disso, utilizar esses debates para abordar a ideia da construção do documento/ monumento problematizando o conceito de história e os usos da memória no sentido de construir uma aprendizagem significativa e propiciar elementos para a constituição de atitude historiadora por parte dos alunos. INTRODUÇÃO A importância dos significados dos termos patrimônio, memória e museus tem ganhado destaque nos últimos anos. Podemos notar um crescente interesse do público em geral por esses temas e o reconhecimento de sua relevância pela comunidade acadêmica. Cada vez mais temos contato com reportagens e notícias nas mais diversas plataformas que envolvem o domínio de seus sentidos; no âmbito escolar, também, as publicações que relacionam os temas à educação e ao trabalho de professores e professoras têm se tornado cada vez mais numerosas e expressivas. Ao desenvolver qualquer pesquisa – quer em sites de busca, quer em bibliotecas e acervos – sobre patrimônio, memória e museus, muitas e diferentes definições podem surgir, que abrangem desde aspectos mais gerais relacionados à compreensão dos termos até as definições mais específicas, técnicas e científicas – as últimas nos interessam de maneira mais pontual. Reconhecendo que, de maneira geral, os debates mais específicos estiveram por muito tempo ausentes da educação básica, desde o ensino fundamental até o ensino médio, e que isso certamente prejudica a aprendizagem da história, estudaremos algumas das mais importantes definições dos termos e conceitos. Abordaremos casos de usos dos conceitos e suas aplicações, além de questões mais contemporâneas que surgem na sociedade e que de alguma maneira penetram nas escolas. Precisamos ter elementos e ferramentas para lidar com tais usos. Avaliaremos a produção mais recente sobre os três temas, indicando textos e autores importantes e como pesquisá‑los. Assim, pretendemos construir possibilidades de reflexões críticas que nos afastem 9 de simples achismos, palpites ou opiniões originadas no senso comum e que podem comprometer a compreensão dos sentidos mais apropriados. Os temas são importantes em muitas dimensões, isso é o que pretendemos demonstrar neste livro‑texto. Às vezes podemos partir de aspectos de nosso cotidiano para buscar compreender melhor seus significados. Uma reportagem breve num telejornal, uma manchete em um site de notícias ou mesmo em uma rede social, uma postagem ou uma imagem já podem servir de mote, de inspiração, para se começar a pensar sobre o assunto. Neste livro‑texto buscamos abordar casos contemporâneos, ou um pouco mais distantes no tempo, de eventos que chamaram a atenção do público em geral e que podem contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem da história e em alguma medida despertar nosso interesse para a reflexão crítica no dia a dia. O tratamento do patrimônio nos leva a debates contemporâneos que problematizam a paisagem cultural; o patrimônio arqueológico; o patrimônio arquitetônico; os centros históricos; o problema do patrimônio na Constituição de 1988; a educação patrimonial e, também, de questões relacionadas ao patrimônio material e imaterial. Veremos como esses conceitos surgiram, os seus usos, as políticas públicas na atualidade e também como foi constituído o processo histórico de criação, organização e reestruturação do Sphan/Iphan, chegando então aos museus e instituições culturais no Brasil e no mundo. Procuramos atualizar os debates, falar, apresentar algumas reflexões sobre o patrimônio afro‑brasileiro; turismo e patrimônio; patrimônio digital e memória na internet além de alguns outros exemplos. Na apresentação do patrimônio, vamos analisar também as questões internacionais abrangendo desde a Carta de Atenas (1931), passando pela Carta de Veneza (1964), que tratou de monumentos e sítios, até a Convenção de Paris (1972), que discutiu patrimônio mundial. Abordamos também outros documentos e declarações que contribuíram para a construção das modernas concepções relacionadas à ideia de salvaguardar o patrimônio cultural imaterial e material das mais diversas sociedades. O passado, a memória, o esquecimento e a história precisam ser estudados tanto em seus pontos de contato como nos elementos e conceitos que os diferenciam e pensam suas especificidades; por isso as relações entre história e memória também serão objeto de nossas reflexões. Devido ao fato de o trabalho dos professores e professores de história envolver práticas interdisciplinares, abordaremos a questão do patrimônio ambiental e do patrimônio histórico; dos lugares de memória como possibilidades de abordagem em aulas e construção de situações de aprendizagem da história. Vale ressaltar que os três diferentes eixos escolhidos têm especificidades, mas também pontos de contato e intersecção entre si. Para cada um desses temas, precisamos propor os questionamentos de seus campos específicos de conhecimento, mas sempre estabelecendo as relações com a história, com o ensino da história e da constituição dos sujeitos sociais. Por fim, ressaltamos a importância de estudar o patrimônio, a memória e os museus como forma de contribuição para o aperfeiçoamento do ensino de história, com a preocupação da formaçãode uma atitude historiadora que permita aos alunos desenvolverem maior capacidade de reflexão e de produção de pensamento crítico sobre a história e suas próprias realidades. 11 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Unidade I Nesta unidade apresentaremos, primeiro, os usos e definições do termo patrimônio. Vamos refletir sobre o papel da cultura na sociedade contemporânea, a importância da preservação patrimonial e de como podemos desenvolver nas escolas noções de educação patrimonial. Em seguida, vamos trabalhar a história, as políticas de constituição e preservação do patrimônio no Brasil com o Sphan e o Iphan, passando pelas cartas patrimoniais, com importância mundial pela Unesco. Vamos trazer também algumas das mais importantes definições relacionadas ao patrimônio material e imaterial. Por fim, serão discutidas questões contemporâneas relacionadas aos temas abordados como forma de atualização e do fornecimento de subsídios para discussões que podem surgir no ensino de história na educação básica. Vamos também apresentar diferentes expressões do patrimônio e conhecer as polêmicas relativas às noções de patrimônio material e imaterial. 1 INTRODUÇÃO: QUAL A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS SOBRE PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS? Ao procurar em dicionários comuns o termo patrimônio, encontramos como definições: conjunto de bens de família, transmitidos por herança; conjunto dos bens de uma pessoa, instituição ou empresa, herdados ou adquiridos; conjunto dos bens materiais e imateriais de uma nação, estado, cidade, que constituem herança coletiva e são transmitidos de geração a geração: o patrimônio cultural brasileiro (PATRIMÔNIO, [s.d.]) Ou ainda: herança familiar; conjunto dos bens familiares; grande abundância; riqueza, profusão; bem ou conjunto de bens naturais ou culturais de importância reconhecida para determinado lugar, região, país ou mesmo para a humanidade, que passa(m) por um processo de tombamento para que seja(m) protegido(s) e preservado(s) “Ouro Preto é uma das cidades históricas brasileiras tombadas pelo p. da Unesco” “o samba de roda foi reconhecido como obra‑prima do p. oral e imaterial”; conjunto dos bens, direitos e obrigações economicamente apreciáveis, pertencentes a uma pessoa ou a uma empresa (PATRIMÔNIO, 2009). Reconhecemos a importância dessas contribuições e explicações e verificamos que nas duas fontes de consulta temos presente a ideia de patrimônio cultural como algo importante, citando‑se inclusive conceitos como bens materiais e imateriais. 12 Unidade I Tais informações são pistas importantes para se começar a problematizar as concepções acerca da ideia de patrimônio, mas devemos indicar também que, pensando na qualidade de uma pesquisa, é necessário procurar fontes acadêmicas; precisamos consultar dicionários do campo teórico, segundo critérios de áreas como história, geografia, turismo, arqueologia, arquitetura. Indicaremos aqui uma lista das várias formas de apresentação dos patrimônios, escolheremos alguns dos exemplos mais expressivos para elaborar um pouco mais os questionamentos e chegaremos também à educação patrimonial, ou seja, de como a ideia de patrimônio cultural pode entrar na vida escolar nas mais diversas regiões do Brasil. A questão do patrimônio envolve muitas polêmicas, debates e discussões que abrangem as relações internacionais. Existem muitas disputas sobre posse, propriedade e devolução de peças consideradas importantes. Devemos recordar que no movimento da expansão colonial europeia e, de maneira ainda mais acentuada e agressiva, no neocolonialismo do século XIX – em que as potências do Velho Mundo reforçaram as conquistas e obtenção de colônias, protetorados e similares (principalmente em áreas da África e da Ásia) –, a transferência de relíquias aos museus europeus se acentuou. O problema é que, com a descolonização, os questionamentos sobre quem é o verdadeiro proprietário dessas peças ganhou força e repercussão na mídia mundial. O início do século XX foi importante para essa contestação. Países como a Grécia e o Egito, alvos importantes da busca por “tesouros arqueológicos” no século XIX, enfrentam essa mesma realidade. A título de exemplo podemos indicar as reivindicações gregas relativas às peças retiradas do Partenon no século XIX, as esculturas denominadas Mármores de Elgin, uma vez que foram levadas do país de origem pelo diplomata inglês Lorde Elgin quando atuava junto ao Império Otomano (atualmente parte da Turquia), que dominava a Grécia. O conjunto é grande e foi retirado de um lugar de importância indiscutível, o Partenon é composto por diversas peças que estavam nos frisos. Dessa maneira pode‑se discutir se o mais correto seria dizer mármores de Elgin ou mármores do Partenon. A guarda das esculturas é do Museu Britânico (British Museum) em Londres. As peças estão na Inglaterra desde 1832 e a disputa aumentou quando, em 2021, o governo grego formalizou um pedido de devolução. No dia 4 de janeiro de 2023 o museu anunciou na imprensa que realizava “discussões” construtivas com o governo grego a respeito da devolução das peças à Atenas. Foi noticiado na imprensa britânica que o presidente da instituição inglesa, George Osborne, ex‑ministro de finanças, assinou um acordo para a devolução. Dessa maneira surgiu a polêmica se seria uma devolução de fato ou empréstimo, uma vez que as leis inglesas não permitiriam a entrega permanente, pois, segundo elas, as peças foram legalmente adquiridas. Além disso discute‑se se a totalidade ou apenas partes serão restituídas. 13 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Figura 1 – Archibald Archer (1791‑1848). Representação da Sala Temporária dos Mármores de Elgin no museu, em 1819 Disponível em: https://bit.ly/40ewHMS. Acesso em: 16 mar. 2023. E em detalhe representamos a seguir um dos mármores levados da Grécia: Figura 2 – Mármore de Elgin (Torso) Disponível em: https://bit.ly/42gml0F. Acesso em: 16 mar. 2023. 14 Unidade I Nos desenhos a seguir, temos a localização de algumas das peças no friso do Partenon. Figura 3 – Frontão ocidental, Burrow John Edward – 1837 Disponível em: https://bit.ly/3Lugwqy. Acesso em: 16 mar. 2023. Figura 4 – Frontão oriental, Burrow John Edward – 1837 Disponível em: https://bit.ly/3Tmt7Ob. Acesso em: 16 mar. 2023. Note que no trecho superior do Partenon, na figura a seguir, está faltando a parte do friso, levada da Grécia para museus de outros países europeus. Figura 5 – Partenon – vista oeste Disponível em: https://bit.ly/3LtCPMV. Acesso em: 16 mar. 2023. 15 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Saiba mais Para conhecer melhor o assunto, você pode consultar as seguintes reportagens: BBC NEWS BRASIL. Como os britânicos levaram as esculturas do Partenon, que a Grécia tenta recuperar. 1º jan. 2022. Disponível em: https://bbc.in/3mVVcQm. Acesso em: 16 mar. 2023. MUSEU Britânico discute devolver mármores de 2.500 anos para Grécia. TV Cultura, 5 jan. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3yJi4Fj. Acesso em: 16 mar. 2023. Ainda tratando de algumas discussões contemporâneas sobre a propriedade de peças consideradas como patrimônio de determinados povos, temos o caso em que a arte, ou, de maneira mais específica, o cinema, parece emular as discussões presentes na sociedade. Em um filme recente – ícone da cultura pop, que levou para as salas de cinema o HQ de sucesso da Marvel, Pantera Negra –, logo nos primeiros minutos surge uma discussão que nos parece bastante simbólica. A cena se passa no interior de um museu, quando um homem negro observa artefatos que remetem à cultura africana e é interpelado por uma mulher branca, especialista no assunto. O homem começa dizendo que os objetos são bonitos e pergunta sobre sua origem, ao que ela afirma alguns serem do Bobo Ashanti e outros do povo Ido, de Benim (atualmente parte da Nigéria), século XVI. Em frente a um objeto considerado especial, novamente, ela diz que é de Benim, na tribo Fula, século XVII. O homem a corrige dizendo que, apesar de os soldadosbritânicos terem‑no levado de Benim, o objeto era de outro lugar. Ele afirma que o levaria embora e ela explica que não está à venda, quando então ele questiona à mulher se ela sabia como seus ancestrais tinham conseguido o objeto. Esse breve relato, incompleto e que resume muito rapidamente alguns aspectos de uma obra cinematográfica, serve para observamos como o tema está circulando em meio à cultura pop e que, com um pouco de atenção, podemos verificar muitas outras referências da importância do debate sobre patrimônio, memória e museus no mundo contemporâneo. Saiba mais O filme Pantera Negra, da Marvel, foi indicado ao Oscar. Além dos aspectos apontados anteriormente, traz referências estéticas e culturais que remetem à ancestralidade africana e à luta por direitos e igualdade. PANTERA negra. Direção: Ryan Coogler. Estados Unidos: Marvel Studios, 2018. 134 min. 16 Unidade I Um aspecto que deve ser ressaltado é nossa preocupação em superar a visão tão difundida no senso comum, e há muito superada nos debates acadêmicos, que considera artefatos, vestígios e objetos, além dos museus em si, como símbolos de reverência ao passado. Tanto na pesquisa quanto na produção científica, podemos questionar o que deve ser mais ou menos explorado em uma investigação, e não simplesmente ceder ao aspecto de culto. Devemos pontuar que não estamos questionando a preservação, guarda e tratamento especial dos objetos, apenas buscamos apresentar critérios para a seleção, valorização e reconhecimento de alguns deles. Um objeto não se torna especial apenas por ser antigo, ou dito de maneira mais frequente, “velho”. É preciso que seja representativo de algo, de uma sociedade, cultura, expressões, e sua preservação deve ser justificada segundo critérios difundidos na comunidade científica e por especialistas no assunto. Convém notar que cada vez mais é reconhecida a importância de manifestações culturais que não remetam às classes sociais dominantes. Objetos, rituais e as mais diversas práticas têm recebido o devido reconhecimento de sua importância no Brasil e no mundo, e a lista se amplia constantemente. Procuramos selecionar alguns dos critérios mais difundidos para que algo possa ser considerado um “patrimônio”. Iniciamos a apresentação recorrendo à obra Patrimônio histórico e cultural, de Pedro Paulo Funari e Sandra C. A. Pelegrini: Hoje, quando falamos em patrimônio, duas ideias diferentes, mas relacionadas, vêm à nossa mente. Em primeiro lugar, pensamos nos bens que transmitimos aos nossos herdeiros – e que podem ser materiais, como uma casa ou uma joia, com valor monetário determinado pelo mercado. Legamos, também, bens materiais de pouco valor comercial, mas de grande significado emocional, como uma foto, um livro autografado ou uma imagem religiosa do nosso altar doméstico. Tudo isso pode ser mencionado em um testamento e constitui o patrimônio de um indivíduo. A esse sentido legal do termo, devemos acrescentar outro, não menos importante: o patrimônio espiritual. Quando pensamos no que recebemos de nossos antepassados, lembramo‑nos não apenas dos bens materiais, mas também da infinidade de ensinamentos e lições de vida que eles nos deixaram. A maneira de fazer nhoques – que não se resume à receita, guardada com cuidado no caderno com a letra da nossa querida mãe ou avó –, o modo como sambamos (algo que nunca estará em um caderninho!), os ditados e provérbios que sabemos de cor e que nos guiam por toda a vida são exemplos de um patrimônio imaterial inestimável (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 8). Destacamos no trecho citado a ideia de que muitas vezes atribuímos valor a determinados objetos e conhecimentos, mas isso não passa necessariamente pelo lado econômico, ou seja, são muitas vezes experiências humanas recebidas e passadas adiante e que nos constituem como indivíduos com uma trajetória familiar e social. Os autores continuam: 17 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Até agora, tratamos do patrimônio como algo individual, de cada um de nós, mas, a partir de nossas percepções e sentimentos, podemos entender o uso do mesmo termo para se referir àquilo que é coletivo. Há uma diferença essencial, contudo. O patrimônio individual depende de nós, que decidimos o que nos interessa. Já o coletivo é sempre algo mais distante, pois é definido e determinado por outras pessoas, mesmo quando essa coletividade nos é próxima. Se dez pessoas diferentes forem listar o patrimônio de seu condomínio ou de seu bairro, chegarão a listas muito díspares. A associação de moradores pode determinar que constituem o patrimônio comum, por exemplo, uma árvore e o hino do bairro (isso existe!). Se é assim em uma comunidade pequena, tanto maior será a distância entre o indivíduo e as grandes coletividades, como o município, o estado, a nação ou a humanidade como um todo. Para entender o patrimônio coletivo, é necessário, antes, refletirmos sobre a própria vida coletiva (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 8). A leitura desse trecho acrescenta a importante noção de coletividade, algo que é comum, compartilhado e que confere algum valor, alguma importância. Consideramos que os grupos humanos são complexos, bem como a formação de seu sistema de valores e de sua cultura, como os autores nos lembram, as coletividades são constituídas por grupos diversos, em constante mutação, com interesses distintos e, não raro, conflitantes. Uma mesma pessoa pode pertencer a diversos grupos e, no decorrer do tempo, mudar para outros. Passamos, assim, por grupos de faixa etária: crianças, adolescentes, adultos, idosos. Passamos ainda de estudantes a profissionais, e, em seguida, a aposentados. São, portanto, inúmeras as coletividades que convivem em constante interação e mudança (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 8). Dessa maneira é importante compreender que estamos tratando de construções sociais passíveis de mudanças no decorrer dos tempos. A própria noção de patrimônio tem sua historicidade, mas trataremos disso mais adiante. Além do patrimônio, os outros termos, memória e museus, que aparecerão diversas vezes em nosso curso e também merecem algumas reflexões introdutórias. Podemos considerar que algumas noções de senso comum relativas à memória e aos museus acabam distanciando bastante as pessoas interessadas das definições mais adequadas. Pensar na memória como nossa capacidade de lembrar individualmente, desde dados até informações, nos distancia da compreensão do caráter social e histórico que ela apresenta. Além disso, perde‑se também a importante noção de que memória é uma construção bastante dinâmica. 18 Unidade I Saiba mais Para começar a discussão sobre memória em sala de aula, pode‑se recorrer à animação: DIVERTIDAMENTE. Direção: Pete Docter. Estados Unidos: Pixar Animation Studios, 2015. 94 min. Com ela, podemos discutir a percepção que cada qual desenvolve da realidade e como nossos registros são complexos. Ainda pensando sobre a memória, muito provavelmente você já deve ter escutado a frase “brasileiro não tem memória”, não é mesmo? Mas será correto afirmar isso? De que memória se está tratando? Se considerarmos que nossa abordagem deve se distanciar de memória como lembrança estática de um fato do passado, essa frase sobre os brasileiros passa a ser bastante problemática; aliás, os estereótipos incorretamente generalizam e simplificam características próprias. Observação Estereótipo é observar ou entender uma pessoa ou algo de modo muito generalizado, não respeitando características específicas, próprias. Dessa maneira, formam‑se padrões equivocados que podem originar incompreensões, preconceitos e distorções, levando ao lugar‑comum. Devemos considerar que memória pode envolver uma pessoa, um grupo, um país e ajuda na formação de uma espécie de base, de arcabouço comum, para a existência da identidade. Se deixamos de lado a ideia de memória, não conseguimos debater o passado, não acessamos os elementos que formam essa base. Antes – com opositivismo no século XIX – pensava‑se em resgatar as coisas tal como ocorreram, documentos eram a revelação exata do passado, a ideia de fatos objetivos que pudessem ser conhecidos sem nenhuma influência de nossa subjetividade. Não podemos nos ater a apenas uma informação, um dado ou ao aspecto político para explicar situações que são complexas. No campo da história e das ciências sociais, temos que observar um uso bastante ampliado da ideia de memória. Interpretamos os fatos e elaboramos memórias de maneira social, coletiva e histórica. 19 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Saiba mais Positivismo é uma filosofia determinista criada por Auguste Comte no século XIX adotando como lema “O Amor por princípios, a Ordem por base; o Progresso por fim”. A filosofia instava o uso de ciência para a construção do conhecimento humano, mas no campo da história provocou uma excessiva valorização de documentos oficiais em detrimento de outras manifestações. Para conhecer mais o positivismo, recomendamos como introdução a obra: RIBEIRO JÚNIOR, J. O que é positivismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos, n. 72). Segundo o sociólogo que se dedicou a compreender as nuances por trás da ideia de memória coletiva, Maurice Halbwachs, “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” (2013, p. 30), pois considera a importância de rememorar, mas não a separa de forma absoluta do coletivo, ao contrário, lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós (HALBWACHS, 2013, p. 30). Rememorar, portanto, pode ser pensado como Uma ou mais pessoas juntando suas lembranças conseguem descrever com muita exatidão fatos ou objetos que vimos ao mesmo tempo em que elas, e conseguem até reconstituir toda a sequência de nossos atos e nossas palavras em circunstâncias definidas, sem que nos lembremos de nada de tudo isso (HALBWACHS, 2013, p. 31). Tal contribuição valoriza a atuação do coletivo, nossa inserção no grupo que nos forma e ao qual recorremos na reconstrução e reconhecimento desse processo de recordar. Não basta reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que esta reconstituição funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes para aqueles e vice‑versa, o que será possível se somente tiverem feito e continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo (HALBWACHS, 2013, p. 39). 20 Unidade I No entanto, vale lembrar que existe uma dupla dimensão da memória que precisa ser ressaltada, pois, além de coletiva, ela é também individual. para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser constituída sobre uma base comum (HALBWACHS, 2013, p. 39). Sendo assim, nossas características individuais, autobiográficas estão relacionadas com nossa experiência histórica, que é social, e mais uma vez se estabelece a importância das experiências. A obra de Maurice Halbwachs (2013) se torna uma importante contribuição, pois constata que a memória não está pronta e estática, não permanece guardada inalterada em algum lugar para ser utilizada quando for conveniente, ela passa por processos de ressignificação, pois é do presente que a acessamos. Existe sempre uma reelaboração. Recorrendo à obra fundamental sobre o tema, História e memória, de Jacques Le Goff, observamos que: O conceito de memória é crucial. Embora o presente ensaio seja exclusivamente dedicado à memória tal como ela surge nas ciências humanas (fundamentalmente na história e na antropologia), e se ocupe mais da memória coletiva que das memórias individuais, é importante descrever sumariamente a nebulosa memória no campo científico global. A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete‑nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas. Desse ponto de vista, o estudo da memória abarca a psicologia, a psico‑fisiologia, a neurofisiologia, a biologia e, quanto às perturbações da memória, das quais a amnésia é a principal, a psiquiatria […]. Certos aspectos do estudo da memória, no interior de qualquer uma dessas ciências, podem evocar, de forma metafórica ou concreta, traços e problemas da memória histórica e da memória social (LE GOFF, 2013, p. 387). Destacamos que o autor valoriza a memória em sua dimensão social, coletiva. E continua: A noção de aprendizagem, importante na fase de aquisição da memória, desperta o interesse pelos diversos sistemas de educação da memória que existiram nas várias sociedades e em diferentes épocas: as mnemotécnicas. Todas as teorias que conduzem de algum modo à ideia de uma atualização mais ou menos mecânica de vestígios mnemônicos foram abandonadas, em favor de concepções mais complexas da atividade mnemônica do cérebro e do sistema nervoso: “O processo da memória no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releitura desses vestígios” e “Os 21 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS processos de releitura podem fazer intervir centros nervosos muito complexos e uma grande parte do córtex”, mas existe “um certo número de centros cerebrais especializados na fixação do percurso mnésico” (CHANGEUX apud LE GOFF, 2013, p. 388). Ele problematiza qual tratamento seria importante para o campo da história: Descendem daqui diversas concepções recentes da memória, que põem a tônica nos aspectos de estruturação, nas atividades de auto‑organização. Os fenômenos da memória, tanto nos seus aspectos biológicos como nos psicológicos, mais não são do que os resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas existem “na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui”. Alguns cientistas foram, assim, levados a aproximar a memória de fenômenos diretamente ligados à esfera das ciências humanas e sociais. Assim, Pierre Janet considera que o ato mnemônico fundamental é o “comportamento narrativo”, que se caracteriza antes de mais nada pela sua função social, pois se trata de comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo” […]. Aqui intervém a “linguagem, ela própria produto da sociedade”. Desse modo, Henri Atlan, estudando os sistemas auto‑organizadores, aproxima “linguagens e memórias”. A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa memória que, graças a isso, pode sair dos limites físicos do nosso corpo para se interpor quer nos outros, quer nas bibliotecas. Isso significa que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a forma de armazenamento de informações na nossa memória (LE GOFF, 2013, p. 388‑389). A relação entre a linguagem e a construção da sociedade passa, dessa maneira, pela elaboração das memórias. E como grande historiador que é, Le Goff acrescenta camadas de informações e problematizações que nos distanciam cada vez mais das compreensões rápidas e simplificadoras da ideia de memória. As ligações entre as diferentes formas de memória podem, aliás, apresentar caracteres não metafóricos, mas reais. Goody, por exemplo, observa: “Em todas as sociedades, os indivíduos detêm uma grande quantidade de informações no seu patrimônio genético, na sua memória de longo prazo e, temporariamente, na memória ativa” (1977a, p. 35). Leroi‑Gourhan considera a memória em sentido lato e distingue três tipos de memória:memória específica, memória étnica, memória artificial. Memória é entendida, nesta obra, em sentido muito lato. Não é uma propriedade da inteligência, mas a base, seja ela qual for, sobre a qual se inscrevem as concatenações de atos. Podemos a esse título falar de uma “memória específica” para definir a fixação dos comportamentos de espécies animais, de uma memória “étnica” 22 Unidade I que assegura a reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas e, no mesmo sentido, de uma memória “artificial”, eletrônica em sua forma mais recente, que assegura, sem recurso ao instinto ou à reflexão, a reprodução de atos mecânicos encadeados (1964‑1965, p. 269) (LE GOFF, 2013, p. 389). O autor reconhece então diferentes características da memória que vão do aspecto “animal” para o social e para aquilo que é criação humana. Numa época muito recente, os desenvolvimentos da cibernética e da biologia enriqueceram consideravelmente, sobretudo metaforicamente e em relação com a memória humana consciente, a noção de memória. Fala‑se da memória central dos computadores, e o código genético é apresentado como uma memória da hereditariedade (cf. Jacob, 1970). […] “A partir de 1950, os interesses mudaram radicalmente, em parte por influência de novas ciências como a cibernética e a linguística, para tomarem uma opção mais decisivamente teórica” (LE GOFF, 2013, p. 389). Observação Cibernética é o estudo organizado de sistemas de informação e controles de processos complexos naturais ou artificiais em sistemas que se regulam e aprendem trocando informações. O dicionário Caldas Aulete Digital nos informa que o termo vem do inglês cybernetics (termo cunhado em meados do século XX), calcado diretamente no grego tekhné kybernetiké “arte/técnica de pilotar, de governar embarcação” (CIBERNÉTICA, [s.d.]). E aborda o aspecto dos esquecimentos: Finalmente, os psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimento […] nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem‑se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. O estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora atrasada, ora adiantada. No estudo histórico da memória histórica é necessário dar uma importância especial às diferenças entre sociedades de memória essencialmente oral e sociedades de memória essencialmente escrita (LE GOFF, 2013, p. 390). 23 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Em sua conclusão, Le Goff (2013, p. 435) afirma: A evolução das sociedades, na segunda metade do século XX, elucida a importância do papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. Mais do que nunca, são verdadeiras as palavras de Leroi‑Gourhan: “A partir do Homo sapiens, a constituição de um aparato da memória social domina todos os problemas da evolução humana” (1964‑1965, p. 24); e ainda: “A tradição é biologicamente tão indispensável à espécie humana como o condicionamento genético o é às sociedades de insetos: a sobrevivência étnica funda‑se na rotina, o diálogo que se estabelece suscita o equilíbrio entre rotina e progresso, simbolizando a rotina o capital necessário à sobrevivência do grupo, o progresso, a intervenção das inovações individuais para uma sobrevivência melhorada” (LE GOFF, 2013, p. 435). Ele acrescenta na sequência aspectos além dos biológicos, pois a compreensão da identidade torna‑se essencial nas sociedades humanas. A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é, sobretudo, oral, ou que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita, aquelas que melhor permitem compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória. […] Nas sociedades desenvolvidas, os novos arquivos orais e audiovisuais não escaparam à vigilância dos governantes, mesmo que possam controlar esta memória tão estreitamente como os novos utensílios de produção desta memória, nomeadamente a do rádio e a da televisão. Cabe, com efeito, aos profissionais científicos da memória, antropólogos, historiadores, jornalistas, sociólogos, fazer da luta pela democratização da memória social um dos imperativos prioritários da sua objetividade cientifica. […] A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação, e não para a servidão dos homens (LE GOFF, 2013, p. 436‑437). 24 Unidade I Le Goff (2013) consegue nos trazer nessa abordagem a necessidade de problematizar características históricas, sociais, coletivas que estão em relação com outros campos, mas que, para serem compreendidos, necessitam de conhecimentos de diversas ciências e profissões. Não podemos desconsiderar aspectos biológicos de nossa humanização, mas também não podemos simplesmente subordinar todas as características sociais a isso, à herança genética. Os estudos de antropologia nos ensinam que somos dotados daquilo que genericamente podemos denominar de cultura. E isso torna tudo mais complexo, e rico. Além disso, poderíamos trazer as abordagens de Jöel Candau na obra Memória e identidade, que trabalha esses conceitos para entender como vamos das formas individuais para as formas coletivas de memória e identidade. Relacionando a obra de Candau às nossas discussões aqui, temos a seguinte afirmação do autor “o patrimônio é uma dimensão da memória” (2012, p. 16) e também que “o patrimônio é menos um conteúdo que uma prática da memória obedecendo a um projeto de afirmação de si mesma” (2012, p. 163). Ou ainda temos o instigante título da obra de Lucia Lippi Oliveira, Cultura é patrimônio: um guia (OLIVEIRA, 2008). Saiba mais Para saber mais sobre cultura, recomendamos como obra de introdução: SANTOS, J. L. O que é cultura? São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção Primeiros Passos, n. 110). Passando à questão dos museus, recordamos que já mencionamos aqui algumas disputas sobre a guarda de objetos africanos ou mesmo a questão dos mármores de Elgin. Agora vamos resgatar alguns aspectos que nos auxiliam na compreensão do que seriam os museus e qual a sua importância e, para isso, recorremos à obra de Lucia Lippi Oliveira. A autora afirma que: As mais antigas e reconhecidas intuições do campo da cultura e do patrimônio cultural são os museus. O significado original da palavra museu, um lugar na cidade de Alexandria onde se reuniam homens sábios, aparece mencionado na famosa Enciclopédia, cujos volumes foram sendo publicados ao longo da segunda metade do século XVIII. Diderot e D’Alembert mencionam que, nesse local, as nove musas, filhas de Zeus e de Mnemósine (memória), eram reverenciadas. Cada uma delas tinhapor função presidir uma atividade criadora. O museu era, assim, a casa ou o templo das musas. A casa dispunha de biblioteca, jardim botânico e zoológico, observatório astronômico, laboratório anatômico, tudo a serviço dos sábios. Era então no templo das musas que se reuniam matemáticos, astrônomos, geógrafos, filósofos e poetas. Na época da publicação da Enciclopédia, o museu já mudara de perfil; passara a ser o lugar onde estavam reunidas coisas ligadas às artes e onde eram guardadas as coleções. Vejamos como isso aconteceu. Antes 25 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS do Renascimento, havia a prática de colecionar coisas antigas. A cultura da curiosidade deu origem aos gabinetes de curiosidades, que guardavam peças antigas e históricas, curiosidades naturais, fósseis, corais, flores, frutos e animais vindos de lugares distantes, enfim as chamadas “bizarrices”. Havia também os gabinetes de história natural, onde se faziam estudos de plantas, minerais, animais, sendo ali acolhido tudo o que os chamados naturalistas queriam estudar. Foram os precursores dos museus de ciências naturais (2008, p. 140). No trecho destacamos que podemos considerar a importância da origem dessa instituição como lugar de preservação, de reunião para o conhecimento. Ao contrário do que muitas pessoas julgam, até a atualidade, os museus são lugares de produção de conhecimento, e não apenas depósitos. Retornando a Oliveira, As coleções que compunham os gabinetes ganharam impulso a partir do século XV com o interesse e a busca de vestígios da Antiguidade em geral e da romana, em particular – objetos, fragmentos de esculturas, medalhas, moedas comemorativas. A partir da Renascença cresceu muito o interesse pelas coisas greco‑romanas e proliferaram a celebração da arte e o estudo da história antiga. Isso significou afirmar o laço entre aquela época e a Antiguidade. […] Essa paixão pelas esculturas levou seus amantes a considerar a escultura a encarnação da superioridade artística da civilização antiga. As esculturas antigas se tornaram o modelo do belo. Esse padrão foi consagrado pela produção de réplicas em bronze, que foram sendo espalhadas pelos espaços internos e externos dos palácios e castelos. Nos espaços externos, destacavam‑se os jardins – a natureza domada […] exposições de peças de valor. O gosto pela procura de vestígios da Grécia e de Roma nos séculos XVII e XVIII levou eruditos europeus a fazerem o levantamento das ruínas romanas, a encontrarem antiguidades nacionais. Assim descobriram e passaram a reconhecer o gótico, a arquitetura religiosa cristã do século V ao XV como símbolo de antiguidades nacionais (2008, p. 141). O caráter de estudo começou a se destacar e o de reunião de acervos também. Passaram a ser valorizados determinados padrões estéticos relacionados ao pensamento clássico. O gosto por curiosidades, que se difundiu no século XVII, conferia prestígio às raridades de uma coleção e reconhecimento social a seu proprietário. O significativo interesse por objetos levou à publicação de catálogos, que, por sua vez, valorizavam as pinturas e esculturas neles incluídas. Esse mercado em expansão produziu uma migração de objetos do sul para o norte da Europa. A valorização da arte antiga, o interesse despertado por ela, a busca de vestígios dessa arte e o costume de colecionar propiciaram o surgimento de novos profissionais – os antiquários – e a abertura de novos espaços – os museus. Mas como se forma uma coleção? K. Pomian (1984) escreveu na 26 Unidade I Enciclopédia Einaudi que a coleção reúne bens, objetos mantidos fora do circuito das atividades econômicas. Tais objetos estão privados de utilidade, mas não de valor de troca. E esse valor depende dos significados atribuídos aos objetos pelos mitos (permuta entre deuses e homens, heróis e homens comuns, o mundo sobrenatural e o comum, o tempo das origens e o presente e/ou pelas tradições) (OLIVEIRA, 2008, p.141). As coleções das instituições têm diferentes origens, são formadas de acordo com diferentes critérios e assim os objetos recolhidos são colocados em novos contextos, formando acervos que expressam um desejo de guarda em locais específicos, alguns iniciados como grandes depósitos a partir da reunião de coleções privadas menores. Na atualidade outras questões são engendradas, por exemplo, a digitalização e a virtualização como maneiras de acesso mais democratizado, pois em diversas instituições o acesso via rede de computadores permite interações, ainda mais quando existe o uso de realidades aumentadas ou 3D. As instituições anteriormente vistas como depositárias apenas de coisas antigas e em prédios também antigos passaram no início do século XXI por atualizações importantes. Mas nem sempre tudo ocorreu da melhor maneira. Instituições eram relegadas ao segundo plano, ou terceiro, quando se tratava de receber verbas, de fazer manutenção preventiva e isso teve consequências que também observaremos mais adiante. Estamos falando da destruição de acervos, quer por deterioração das instalações, quer por negligência de algum responsável, quer por grandes incêndios que, em algumas instituições, como a Cinemateca de São Paulo, tornaram‑se recorrentes. As coleções que guardavam objetos reverenciando o passado, como antiquários, passam por atualizações promovendo debates com o mundo em que estão inseridas, tornando‑se importantes como lugares de pesquisa e de aprendizagem, e não apenas de guarda. Estabeleceremos mais adiante diálogos com o campo da museologia, mas abordaremos antes as problematizações contemporâneas. Iniciamos nosso texto mencionando as disputas por patrimônios, por objetos e mármores que são levados por outros povos e que repousam em grandes instituições. Essas questões serão retomadas. 1.1 Patrimônio – usos e definições As principais noções, usos e definições sobre o patrimônio estão localizadas no logos dos itens e capítulos, uma vez que, dependendo do debate, precisamos recorrer a um aspecto. Reconhecemos a necessidade de nos aproximarmos do tema patrimônio e também a sua multiplicidade de sentidos: O que para uns é patrimônio, para outros não é. Além disso, os valores sociais mudam com o tempo. Por tudo isso, convém analisar como o patrimônio foi visto ao longo dos tempos e dos grupos sociais (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 9). Devemos considerar que o conceito de patrimônio está interligado a outros conceitos que o influenciam e que são por ele influenciados, uma vez que memória e identidade; preservação e lugares 27 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS de memória; bem comum e legado contêm elementos importantes que contribuem para os debates relacionados ao patrimônio. E assim, A ideia de posse coletiva como parte do exercício da cidadania inspirou a utilização do termo patrimônio para designar o conjunto de bens de valor cultural que passaram a ser propriedade da nação, ou seja, do conjunto de todos os cidadãos. A construção do que chamamos de patrimônio histórico e artístico nacional partiu, portanto, de uma motivação prática – o novo estatuto de propriedade dos bens confiscados – e de uma motivação ideológica – a necessidade de ressemantizar esses bens (FONSECA, 2005, p. 58). De acordo com Márcia Chuva, Na acepção dicionarizada do começo do século XX, no Brasil, a palavra patrimônio significava: “Herança paterna. Bens de família. Bens necessários para a ordenação de um eclesiástico” (Figueiredo, 1925). Hoje em dia, deu‑se uma relativa ampliação ao termo. Embora mantendo sua característica essencial de bem passível de posse, passou a incluir também, por um lado, a noção de bens cujo valor pode ser apenas econômico, ou, ainda, bens imateriais, cujo valor é exclusivamente simbólico (1998, p. 34). As acepções de patrimônio podem ser muitas e continuam em transformação na atualidade, pois, se são expressão de experiências humanas, elas não podem ficar “paradas no tempo”, estagnadas. O processo é dinâmico e deve ser constantementeatualizado, conforme nos indica o Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos, organizado por Aline Carvalho e Cristina Meneguello (2020), que observaremos com mais cuidado em outra parte do texto. Buscando sobre o tema patrimônio no portal do Iphan, que possui dicionários e muitas e relevantes publicações, encontramos como temas relacionados: patrimônio artístico; patrimônio cultural brasileiro; patrimônio cultural nacional; patrimônio nacional; patrimônio cultural; patrimônio histórico; patrimônio histórico e artístico nacional; patrimônio monumental consagrado e com subverbetes; patrimônio arqueológico; patrimônio cultural da humanidade; patrimônio documental; patrimônio genético; patrimônio imaterial; patrimônio material e patrimônio natural. A partir dessa breve lista, podemos perceber que existem nuances, variações, que precisam ser consideradas, pois, se tomarmos como exemplo o patrimônio arqueológico no Iphan, ele esteve inicialmente ligado a valores artísticos e excepcionais – os primeiros tombamentos foram de coleções arqueológicas e a gestão do patrimônio arqueológico passou a ser obrigação do Estado a partir de 1961, com a Lei n. 3.924/61 (DICIONÁRIO IPHAN…, 2008). 28 Unidade I Recorrendo a André Köhler, temos que Foi apenas no final do século XVIII, na França tomada pela revolução, que surgiu uma verdadeira política pública patrimonial, com um Estado interessado – pelo menos em teoria – em preservar materialmente os bens imóveis da Idade Média e Antiguidade – a Revolução Francesa marca a passagem do registro iconográfico para a preservação real. A Revolução Francesa trouxe dois fatores importantes para a tomada de consciência relativa à preservação real dos monumentos do passado. Primeiro, a passagem da propriedade de bens móveis e imóveis do clero, da aristocracia e dos emigrados para o Estado transforma esse patrimônio em nacional – sentimento nacional. Segundo, o vandalismo revolucionário, principalmente após a tentativa de fuga do rei, colocava a permanência dos monumentos do país em risco, devido às destruições generalizadas (Choay, 2006). Desse modo, é no contexto da Revolução Francesa, no final do século XVIII, que se formou, pela primeira vez, uma efetiva política pública patrimonial (KÖHLER, 2019, p. 141). Percebemos a presença das mudanças e necessidades de adaptação e recriação de ideias e conceitos relacionadas à época histórica, portanto com historicidades específicas. Procurando compreender a origem do termo, A palavra patrimônio é de origem latina – patrimonium – e, no princípio, constituía o domínio do chefe familiar sobre os bens materiais, além da esposa, dos filhos, dos servos e dos escravos. Na Idade Contemporânea, o termo passou a significar a herança cultural e natural preservada por determinado povo ou pela humanidade. Patrimônio na área das ciências sociais, muitas vezes, é associado ao termo histórico, daí patrimônio histórico. Para Françoise Choay, esta expressão designa um bem para usufruto de uma comunidade que tomou uma amplitude planetária, constituindo‑se de uma diversidade de objetos que se congregam por um passado em comum: “obras e obras‑primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir‑faire dos seres humanos” (Choay, 2006, p. 11). Este conceito focava na materialidade, mas foi, aos poucos, sendo substituído por um termo mais abrangente, o chamado patrimônio cultural, envolvendo, agora, o conjunto dos bens culturais referentes às identidades coletivas. A noção de patrimônio é enriquecida com múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomia, expressões de arte, documentos, sítios arqueológicos, os quais passaram a ser valorizados nas políticas públicas para o patrimônio. Vamos retomar, então, a ideia de o patrimônio significar a rememoração ou a lembrança da própria ação humana em diferentes tempos e lugares. Em geral, as pessoas trazem consigo numerosas relações com algumas partes de sua cidade, um teatro, um cais ou uma praça, por exemplo, e estas imagens estão impregnadas de memórias e significações (MACHADO; RIBEIRO; RIBEIRO, 2020, p. 84). 29 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Surgindo assim a necessidade de avançar no sentido da existência de bens e de uma multiplicidade de patrimônios. Já o patrimônio cultural apresenta‑se como o conjunto de manifestações, realizações e representações de um povo, de uma comunidade. Ele está presente em todos os lugares e atividades: nas ruas, em nossas casas, em nossas danças e músicas, nas artes, nos museus e em escolas, igrejas e praças. Também, nos nossos modos de fazer, criar e trabalhar. Nos livros que escrevemos, na poesia que recitamos, nas brincadeiras que organizamos, nos cultos que professamos. Ele faz parte do nosso cotidiano e estabelece as identidades que determinam os valores que defendemos. É ele, o patrimônio cultural, que nos faz ser o que somos. Nesse sentido, o patrimônio cultural de cada comunidade é importante na formação da Identidade de todos nós. Ainda neste tema, é importante falarmos sobre a importância fundamental de participarmos das escolhas e das decisões concernentes ao futuro das políticas para o patrimônio cultural de nosso país, questão importante para tratar nas atividades pedagógicas (MACHADO; RIBEIRO; RIBEIRO, 2020, p. 84). O portal do Iphan nos traz importantes definições sobre patrimônio cultural, A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 216, ampliou o conceito de patrimônio estabelecido pelo Decreto‑lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, substituindo a nominação Patrimônio Histórico e Artístico, por Patrimônio Cultural Brasileiro. Essa alteração incorporou o conceito de referência cultural e a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial. A Constituição estabelece ainda a parceria entre o poder público e as comunidades para a promoção e proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro, no entanto mantém a gestão do patrimônio e da documentação relativa aos bens sob responsabilidade da administração pública (PATRIMÔNIO CULTURAL, [s.d.]). E continua, Enquanto o Decreto de 1937 estabelece como patrimônio “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”, o artigo 216 da Constituição conceitua patrimônio cultural como sendo os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Nessa redefinição promovida pela Constituição, estão as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às 30 Unidade I manifestações artístico‑culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (PATRIMÔNIO CULTURAL, [s.d.]). A gestão do patrimônio, elaborada no Brasil pelo Iphan, é efetivada segundo as características de cada grupo: patrimônio material, patrimônio imaterial, patrimônio arqueológico e patrimônio mundial. Assim temos que o patrimônio material é: O patrimônio material protegido pelo Iphan é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial e, também, ao estabelecer outras formas de preservação – como o Registro e o Inventário – além do Tombamento, instituído pelo Decreto‑Lei n. 25, de30 de novembro de 1937, que é adequado, principalmente, à proteção de edificações, paisagens e conjuntos históricos urbanos. Os bens tombados de natureza material podem ser imóveis como as cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; ou móveis, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos (PATRIMÔNIO MATERIAL, [s.d.]). Já o patrimônio mundial: A Convenção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, adotada em 1972 pela Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (Unesco), tem como objetivo incentivar a preservação de bens culturais e naturais considerados significativos para a humanidade. Trata‑se de um esforço internacional de valorização de bens que, por sua importância como referência e identidade das nações, possam ser considerados patrimônio de todos os povos. Cabe aos países signatários desse acordo indicar bens culturais e naturais a serem inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. As informações sobre cada candidatura são avaliadas pelos órgãos assessores da Convenção (Icomos e IUCN) e sua aprovação final é feita, anualmente, pelo Comitê do Patrimônio Mundial, composto por representantes de 21 países. O Brasil ratificou a Convenção, em 1978. De acordo com a classificação da Unesco, o Patrimônio Cultural é composto por monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. Incluem obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais ou de 31 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS caráter arqueológico, e, ainda, obras isoladas ou conjugadas do homem e da natureza. São denominadas Patrimônio Natural as formações físicas, biológicas e geológicas excepcionais, habitats de espécies animais e vegetais ameaçadas e áreas que tenham valor científico, de conservação ou estético excepcional e universal (PATRIMÔNIO MATERIAL, [s.d.]). E o patrimônio imaterial: contempla os saberes, práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Uma das formas de proteção dessa porção imaterial da herança cultural é a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, adotada pela Unesco em 2003. Para estimular governos, organizações não governamentais (ONGs) e comunidades locais a reconhecer, valorizar, identificar e preservar o seu patrimônio intangível, a Unesco criou um título internacional que destaca espaços e manifestações da cultura imaterial, a chamada Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, prevista pela respectiva Convenção (PATRIMÔNIO MUNDIAL, [s.d.]). Para o patrimônio arqueológico: Reconhecidos como parte integrante do Patrimônio Cultural Brasileiro pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 216, os bens de natureza material de valor arqueológico são definidos e protegidos pela Lei n. 3.924, de 26 de julho de 1961, sendo considerados bens patrimoniais da União. Também são considerados sítios arqueológicos os locais onde se encontram vestígios positivos de ocupação humana, os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, “estações” e “cerâmicos”, as grutas, lapas e abrigos sob rocha. Além das inscrições rupestres ou locais com sulcos de polimento, os sambaquis e outros vestígios de atividade humana. São passíveis de processo judicial por danos ao patrimônio da União e omissão, por exemplo, os proprietários de terras que encontrarem qualquer achado arqueológico e não comunicarem ao Iphan no prazo de 60 dias. Todos os sítios arqueológicos têm proteção legal e quando são reconhecidos devem ser cadastrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA). Com a criação do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), o Iphan atendeu à necessidade de fortalecimento institucional da gestão desse patrimônio, normatizada pelo Decreto n. 6.844, de 7 de maio de 2009. Cabe ao CNA, a elaboração de políticas e estratégias para a gestão do patrimônio arqueológico, a modernização dos instrumentos normativos e 32 Unidade I de acompanhamento das pesquisas arqueológicas que, em duas décadas, aumentaram de cinco para quase mil ações por ano (PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO, [s.d.]). O Iphan mantém o Dicionário Iphan de patrimônio cultural: O Dicionário é uma obra de caráter coletivo, desenvolvida pela Coordenação‑Geral de Documentação e Pesquisa do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan, e também um projeto de pesquisa do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Iphan (PEP/MP). Seu objetivo é dotar o campo da preservação do patrimônio cultural de uma obra de referência dinâmica e crítica, que privilegie, a partir da experiência institucional, as práticas, discursos e conceitos fundamentais que caracterizam a história desse campo no Brasil. A obra foi concebida em duas partes: uma enciclopédica, composta pelos artigos; e outra, dicionarizada, composta pelos verbetes. Estes, de caráter mais sucinto, resultam de análises sobre as dimensões da prática e do saber relacionadas à preservação do patrimônio cultural. Os artigos, por sua vez, são textos mais extensos, cujos autores abordam termos‑chave considerados fundamentais para a compreensão da trajetória das práticas de preservação no Brasil. O Dicionário é uma obra dinâmica e em constante elaboração. Para melhor entendimento da obra, sugere‑se a leitura da parte introdutória composta por textos sobre o Histórico do Dicionário, a Proposta de Organização e a Base Teórica que norteou essa proposição, assim como a consulta à Nominata (DICIONÁRIO IPHAN…, 2008). Dessa maneira, ressaltamos que aqui nossa intenção era demonstrar algumas das abordagens que traremos em nossa disciplina e também a multiplicidade de sentidos atribuídos ao patrimônio, percebidos em diferentes épocas. Outras definições, mais questionamentos e recomendações estão presentes no decorrer do texto, em diversos itens. Não esgotamos os itens aqui, pois a intenção era fazer uma introdução e demonstrar como pode ser rica a análise. 1.2 Cultura é patrimônio Devemos considerar que as discussões relacionadas ao patrimônio, à cultura, à preservação – e a como estes são tratados pelas sociedades – têm sua historicidade, ou seja, não devemos naturalizar a constituição dos patrimônios como algo dado pela essência dos objetos ou monumentos. São sociedades históricas que fazem escolhas e, por isso, variam no tempo e nos lugares. Desde sempre e em todos os lugares, essas noções existiram e foram iguais? Nossa resposta é não. Claro que essa é uma constatação simples, inicial, mas precisa ser registrada para valorizarmos os autores e autoras que se propõem a debater e nos ensinar um pouco mais sobre o patrimônio. 33 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS Segundo Choay (2006, p. 44), o conceito de patrimônio cultural (monumento histórico) surgiu apenas no século XV, no Quattrocento italiano: “Numerosos testemunhos permitem fixar por volta de 1430 o excepcional despertar do olhar distanciado e esteta, despojado das paixões medievais, que, pousado sobre os edifícios antigos, metamorfoseia‑os em objetos de reflexão e de contemplação (KÖHLER, 2019, p. 141). Trata‑se, portanto, do período considerado como de transição do mundo medieval para a modernidade, no qual se desenvolveu o chamado Renascimento italiano e que procurava no passado clássico europeu referências para valorizar sua cultura e as realizações humanas. Mas, com o tempo, isso obtém novos contornos, inclusive no Brasil, Inicialmente, o patrimônio cultural confundia‑se com os resquícios da Antiguidade (bens móveis e imóveis), a partir da periodização tripartite de FrancescoPetrarca: bela Antiguidade, idade/período obscuro e renascimento moderno (KÖHLER, 2019, p. 141). Ou seja, como dissemos anteriormente, a época é um elemento importante para a constituição das noções de patrimônio, pois o que é valorizado e desvalorizado varia, os critérios variam como está demonstrado na Europa, e também no Brasil. É importante notar como no início dos trabalhos do Iphan existiam critérios e discussões que seriam alterados em razão de diferentes elementos. Os critérios e as noções de colecionismo mudaram também a relação com o patrimônio, pois, No que tange a preservação, os bens móveis – a exemplo de pinturas e esculturas – foram colecionados em espaços privados, como studioli, antecâmaras, cortile (pátio) e jardins. Já os bens imóveis, apesar da tomada de consciência de seu valor como patrimônio cultural, não foram alvo de iniciativas de preservação, dada a falta de conhecimento técnico e de instrumentos de preservação, assim como pelas pressões ainda existentes para sua utilização – que, às vezes, envolvia sua própria destruição (por exemplo, como matéria‑prima para fornos de cal) (Choay, 2006; Tung, 2001). Como bem coloca Choay (2006), o trabalho feito pelos antiquários – “Segundo o Dictionnaire de l’Académie française, ela designa aquele que é ‘especialista no conhecimento de objetos de arte antiga e curioso deles’” (Choay, 2006, p. 62) –, com a catalogação, pesquisa histórica e desenho de incontáveis monumentos da Antiguidade, não teve quase nenhum impacto sobre a preservação material desses monumentos – o trabalho resumiu‑se, durante três séculos, à publicação de volumes com gravuras (KÖHLER, 2019, p. 141). Considerando a perspectiva no decorrer da história, é útil procurar compreender em que momento ocorreram mudanças mais significativas na construção da ideia de patrimônio. Para os autores, existe um marco, a Revolução Francesa, conforme indicamos anteriormente. O surgimento de uma política pública patrimonial envolveu os seguintes pontos, 34 Unidade I a) cunhagem do termo “monumento histórico”; b) construção de um corpo de conhecimento acerca desses monumentos, na França (Antiguidade e Idade Média); c) criação de uma estrutura administrativa própria para questões patrimoniais; e d) criação de instrumentos jurídicos e técnicos, inclusive disposições penais (CHOAY; FONSECA apud KÖHLER, 2019, p. 142). Para o caso do Brasil, a organização do Iphan pode ser pensada como influenciada pelos debates originados na França. Saiba mais Para saber mais sobre a Revolução Francesa e observar como os impulsos de destruição e criação estão representados no cinema, recomendamos o filme A revolução em Paris, que reconstrói simbolicamente o momento em que o povo de Paris destrói a prisão da Bastilha para simbolizar o fim do Antigo Regime. A REVOLUÇÃO em Paris (Un peuple et son roi). Direção: Pierre Schoeller. França: StudioCanal, 2018. 122 min. Na França os debates remontam ao século XVIII, durante a própria Revolução, chegando ao século XIX e ao XX com bastante força. No Brasil, até a década de 1930, portanto já no século XX, não havia órgão governamental relacionado ao patrimônio cultural. Lucio Costa, arquiteto, já no início do século passado, apresentou debates sobre a necessidade de valorizar a arquitetura barroca luso‑brasileira, portanto, colonial. Os anos iniciais da Primeira República no Brasil foram marcados por reformas como a reurbanização do Rio de Janeiro e também a demolição do conjunto arquitetônico de igreja e colégio no Morro do Castelo, nos anos 1920, no Rio de Janeiro – inclusive com a supressão desse acidente geográfico – e a destruição da Sé Primacial do Brasil, em 1933, em Salvador (TIRAPELI apud KÖHLER, 2019, p. 142). A reforma do Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos, durante a presidência de Rodrigues Alves, foi apelidada pelas pessoas de “Bota Abaixo”, tamanho impacto provocado na vida da população das regiões mais pobres e de cortiços. Saiba mais Para compreender como vivviam os grupos marginalizados habitantes dos cortiços na capital do Brasil, no final do século XIX, recomendamos a leitura da obra: AZEVEDO, A. O cortiço. Rio de Janeiro: Antofágica, 2022 [1890]. 35 PATRIMÔNIO, MEMÓRIA E MUSEUS A política higienista procurava apagar as marcas do passado imperial demolindo seus edifícios, retificando ruas e passeios, pois o passado monárquico era visto como o atraso, algo retrógrado, insalubre, sujo. Não apenas o Rio de Janeiro como também Porto Alegre, Salvador, Recife e São Paulo passaram por modificações, algumas delas influenciadas pelas reformas urbanas que ocorriam na Europa, com cidades como Paris e Londres. No Brasil, as políticas públicas patrimoniais tornaram‑se efetivas apenas no primeiro período Vargas (1930‑1945); Weffort (2004) deixa claro que o Estado Moderno (Estado Nacional) surgiu no Brasil apenas nos anos 1930, já que o Estado da República Velha era do tipo oligárquico e patrimonialista. Não apenas no Brasil, a criação do Estado Nacional demanda a formação e reconhecimento de um patrimônio histórico e artístico nacional (KÖHLER, 2019, p. 143). O processo de organização do patrimônio acaba sendo impulsionado, ao menos em parte, pela construção de mitologias nacionais, de projeções relativas ao passado, mas que partem de questões do presente, tais como contar a “verdadeira” história da nação. Ortiz (2006) defende que não existe uma identidade nacional autêntica e verdadeira; ela é sempre um discurso de segunda ordem, cujo objeto de seleção e interpretação é a cultura popular, múltipla e particularizada. Ou seja, a construção de uma identidade nacional única requer a reunião, seleção e interpretação de memórias e culturas populares diversas e particularizadas espalhadas por vários grupos sociais; a identidade nacional não é apenas um conjunto dessas culturas populares, mas uma construção que as une e as transcendem como ideologia de Estado. A construção da identidade nacional requer um trabalho de mediação – daí a importância dos intelectuais nesse processo –, que impõe definições, fronteiras e discursos para os diversos grupos sociais que formam a sociedade, e que permite que políticas públicas patrimoniais se apresentem como hegemônicas e legítimas. O que se considera como cultura brasileira e identidade nacional não é o simples acúmulo de valores espirituais e materiais do país, mas uma construção que oculta as relações de poder entre os grupos sociais e sua relação com o Estado. O patrimônio cultural cumpre quatro funções principais, a saber: a) reforçar a noção de cidadania, dado que o acervo salvaguardado é de propriedade de todos, e exige, por isso, o envolvimento da sociedade em sua preservação; b) o acervo salvaguardado materializa a nação, demarcando‑a no tempo e no espaço; 36 Unidade I c) os bens patrimoniais marcam a presença da nação em um território, servindo como provas materiais da história oficial e de seus mitos de origem; d) o patrimônio cultural é um instrumento pedagógico, a serviço da educação dos cidadãos (ANDRADE; CHOAY; FONSECA apud KÖHLER, 2019, p. 143). A construção da noção de patrimônio teve nas cartas um ponto importante, pois desde as primeiras fica evidente a preocupação em definir a própria noção de monumento e seu entorno, depois os próprios conjuntos arquitetônicos passaram a ser objeto de debates, e de preservação, seguindo discussões da área da arquitetura e do urbanismo. Os debates utilizando a arqueologia ganharam força, bem como os relacionados à restauração. Nos anos finais do século XX, debates sobre qualidade de vida, proteção ao meio ambiente, elementos da história das populações, fatores e contextos culturais ganharam relevância. A cultura popular, o patrimônio imaterial e as formas de viver de diversos grupos receberem reconhecimento e importância. Sandra Pelegrini e Pedro Paulo Funari (2008) produziram uma pequena obra muito acessível e útil para professores e professoras
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