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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA Sumário APRESENTAçãO ....................................................................................................... 5 ORGANIZAçãO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ....................................................... 6 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 8 UNIDADE I O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL ............................... 11 CAPÍTULO 1 O ESTADO E A ECONOMIA: PERSPECTIVAS CONTRASTANTES ............................................. 11 CAPÍTULO 2 RELAçÕES AGENTE-PRINCIPAL ......................................................................................... 14 CAPÍTULO 3 O GOVERNO E OS AGENTES ECONÔMICOS: REGULAçÃO.................................................... 16 CAPÍTULO 4 POLÍTICOS E BUROCRATAS .............................................................................................. 20 CAPÍTULO 5 CIDADÃOS E POLÍTICOS .................................................................................................... 25 UNIDADE II PRINCIPAIS MODELOS DE ADMINISTRAçÃO: PATRIMONIALISTA, BUROCRÁTICO, NOVA GESTÃO PÚBLICA. 33 CAPÍTULO 6 MODELO PATRIMONIALISTA .............................................................................................................. 33 CAPÍTULO 7 MODELO BUROCRÁTICO: O MODELO WEBERIANO ................................................................. 34 CAPÍTULO 8 NOVA GESTÃO PÚBLICA ......................................................................................................... 41 UNIDADE III A PREPARAçÃO DOS GERENTES PÚBLICOS PARA O SÉCULO XXI ............................................................ 62 CAPÍTULO 9 DEMANDAS qUE ATUALMENTE SÃO COLOCADAS PARA OS GOVERNOS ................................... 62 CAPÍTULO 10 ACCOUNTABILITY POR DESEMPENHO, A TERCEIRIZAçÃO, O ENXUGAMENTO E O PAPEL DO CIDADÃO-CLIENTE ........................................................................................................... 64 CAPÍTULO 11 PREPARAR OS GERENTES PÚBLICOS PARA O FUTURO DE MANEIRA EFICAZ .............................. 67 ANEXOS ................................................................................................................ 92 ANEXO 1 ......................................................................................................................... 92 ANEXO 2 ......................................................................................................................... 93 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 97 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de to rná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para não finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 Introdução “No desenho de um governo, por meio do qual os homens deveriam administrar homens, a grande dificuldade consiste em: primeiro, deve-se capacitar o governo para que controle os governados e depois, obrigá-los que se controlem a si mesmo”. James Madison O objetivo da reforma do Estado é construir instituições que fortaleçam o aparato do Estado, para que realize o que deve realizar, impedindo-o de não fazer o que não deve fazer. Cada opinião pessoal acerca do papel adequado do Estado depende do modelo econômico, assim como do próprio Estado. Uma pergunta pertinente é: o que deve fazer o Estado? E a outra é: que tipo de aparato estatal fará sozinho tudo o que deve fazer? Por conseguinte, inicia-se aqui com uma breve recapitulação do debate sobre o papel adequado do Estado na economia e, posteriormente, abordar-se-á a questão da reforma do Estado. Inicialmente, revisarei brevemente a história das controvérsias sobre a relação entre o Estado e a economia. Depois examinarei três classes de relações agente-principal: entre governos e agentes econômicos privados (regulação), entre políticos e burocratas (supervisão) e entre cidadãos e governo (prestação de contas). Concluo que a qualidade do desempenho estatal depende do desenho institucional e de todos esses mecanismos e que instituições bem desenhadas permitiriam e induziriam os governos a intervirem na economia de uma maneira superior a de um Estado não intervencionista. Aqui há uma antecipação do argumentoque conduz a essa conclusão. Embora não se indique nada acerca do papel específico que o Estado poderia desempenhar na sociedade, as análises teóricas recentes indicam que os mercados não são eficientes e que a intervenção estatal pode melhorar as distribuições do mercado. O Estado desempenha papel importante, não só assegurando a segurança física para cada cidadão e a realização das metas sociais, como também a promoção do desenvolvimento econômico. Nada garante, porém, que a intervenção do Estado será efetivamente benéfica. Ao operar sob condições de informação limitada e sujeito a pressões de interesses especiais, os servidores públicos poderiam ignorar como querem ou não se envolver em ações que promovam o bem-estar geral, o seu próprio e o de seus aliados privados. Portanto, a tarefa da reforma do Estado consiste, por uma parte, equipar o Estado com instrumentos para realizar uma intervenção eficaz, entretanto, por outra parte, deverá criar incentivos para que os servidores públicos atuem de acordo com o interesse público. Alguns desses incentivos podem ser gerados pela organização interna do governo, porém eles não são suficientes. Para o governo atuar bem, a burocracia deve ser supervisionada efetivamente pelos políticos eleitos que, por sua vez, devem prestar contas aos cidadãos. Em particular, os políticos devem utilizar o conhecimento dos cidadãos sobre o funcionamento da burocracia, para controlar os burocratas, para tanto os cidadãos devem ser capazes de discernir sobre a responsabilidade desses burocratas e sancioná-los apropriadamente, de maneira que os governos que tenham um bom desempenho permaneçam no poder, e aqueles que não o tenham, não permaneçam no poder. Se esses mecanismos são bem desenhados, uma economia com um Estado intervencionista apresentará melhor desempenho que uma economia de mercado por sua própria conta. 9 É necessário um esclarecimento. Muitos dos problemas vinculados ao desenho das instituições estatais surgem devido ao fato de que os políticos eleitos e os burocratas designados tenham interesses e objetivos próprios. Não estou afirmando que todos os servidores públicos são motivados só por seus interesses pessoais. Sei que muitos se preocupam com o bem-estar público; de fato, existem boas razões para crer que muitos dos que ingressam no serviço público o fazem porque desejam servir ao público. Porém o funcionamento das instituições não pode depender da boa vontade das pessoas que as integram. Como assinala Madison: “o objetivo de toda constituição política é ou deve ser, primeiro, indicar para governantes homens que possuem a sabedoria para discernir e que sejam virtuosos para perseguirem o bem comum da sociedade e, em segundo lugar, deve-se tomar as maiores precauções para conservá-los virtuosos no tempo que lhes é confiado o interesse público”. Objetivos » Conhecer o desenho de um governo e seus mecanismos que permitam intervenções de segurança para os cidadãos, economia estabilizada e metas sociais. » Identificar os diversos modelos de administração: patrimonialista, burocrático e da nova gestão pública. » Discutir as demandas e tendências da preparação de gestores públicos para o Século XXI. 11 O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE- PRINCIPAL CAPÍTULO 1 O Estado e a Economia: Perspectivas Contrastantes Para entender a razão – lógica – da reforma do Estado, necessitamos conferir os debates acerca do papel adequado do governo na economia. Esses debates se desenvolveram em círculos, em que os argumentos sobre as falhas do mercado eram contrastadas com afirmações de falhas regulatórias. Conforme se revisa a história dessas controvérsias, esta parece uma luta de boxe, com o Estado e o mercado alternadamente nas cordas. Aqui vai um breve esboço dessa história. No modelo padrão da economia neoclássica existem mercados para tudo, para o presente e para o futuro, todos sabem tudo e todos sabem o mesmo, não existem bens públicos, externalidades, custos de transação e não há rendimentos crescentes. Sob esses pressupostos, o mercado gera distribuições de recursos ótimos e, portanto, não há lugar para o Estado neste cenário. Qualquer intervenção do Estado é uma mera transferência de receita. Transferir receita provoca distorções nas taxas de rendimento e na distribuição competitiva, reduz incentivos e desinforma acerca das oportunidades. A conclusão que se desprende desse modelo é que o Estado não tem nada a contribuir, tudo o que faz é pernicioso. O mercado ganha o primeiro round. O simples fato de que esse modelo deva caracterizar-se, ao menos em parte, negativamente – pela ausência de bens públicos, externalidades, custos de transação e monopólios – indica um problema imediato. Em presença dessas “falhas”, o mercado não destina os recursos eficientemente. Essa foi a observação que fundamentou a doutrina da intervenção do Estado levantada, em 1959, pelo Programa Bad Godesberg do Partido Social Democrata: “ os mercados onde são possíveis, o Estado quando for necessário”. A prescrição geral que emergiu dessa observação é que os mercados deveriam ser deixados por conta própria para fazerem o que fazem bem, isto é, distribuir os bens privados, naqueles casos em que a taxa de rendimento privada não se desvia da taxa social; por sua parte, o Estado deveria prover bens públicos, facilitar as transações, corrigir as externalidades e regular os monopólios devido aos rendimentos crescentes. O round é para o Estado. Os neoliberais atacaram esse enfoque de várias maneiras: 1) ao argumentar que, na ausência de custos de transação, as imperfeições do mercado podem ser tratadas eficientemente pelo próprio mercado UNIDADE I 12 UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE-PRINCIPAL sob uma adequada realocação dos direitos de propriedade (COASE, 1960); 2) ao assinalar que a noção de imperfeições do mercado, incluindo bens públicos, é ambígua e nenhuma teoria especificou antes (STIGLER, 1975); 3) ao sublinhar que, ainda perante um fracasso do mercado na locação eficiente de recurso, não há nenhuma garantia de que o Estado o fará melhor (STIGLER,1975; WOLF,1979). Os neoliberais mantêm a prescrição de que a intervenção do Estado está baseada em um modelo plano de um Estado onisciente e benevolente. Eles afirmam que a razão para que o Estado intervenha é a mesma que dirige qualquer outra ação econômica: o interesse privado de alguém. Portanto, embora o Estado seja necessário para o funcionamento de uma economia, pode e, de fato, danifica a economia. Esse é o dilema fundamental do liberalismo econômico: “os economistas reconhecem que o governo pode fazer algumas coisas melhores que o livre mercado, porém não têm nenhuma razão para crer que os processos democráticos evitarão que o governo exceda os limites da intervenção ótima” (POSNER,1987:21). Realmente, as análises da queda do Keynesianismo realizadas em meados dos anos 1970, desde a esquerda (HABERMAS,1975), ao centro (SKIDELSKY,1977) ou a direita (STIGLER,1975), eram quase idênticas: o Estado tornou-se poderoso e por esta razão abriu espaço atrativo para as atividades captadoras de rendas por parte de interesses privados (BUCHANAN, TOLLISON e TULLOCK,1980; TOLLISON,1982). Como resultado, os interesses especiais permearam o Estado, prevaleceu a lógica privada, e a coesão interna necessária para as intervenções estatais desintegrou-se. Assim, o terceiro round finaliza com o Estado nas cordas. A meta da economia “institucional” converteu-se em capacitar o Estado para intervir na economia, particularmente aquelas intervenções que discriminam entre projetos privados, as que respondem às condições econômicas imperantes ou as que transferem diretamente o ingresso. Assim, por exemplo, para Posner (1987:2), “o governo ótimo para o crescimento econômico é o governosuficientemente forte para manter a ordem e a lei, porém demasiado débil para lançar e implementar esquemas ambiciosos de relação econômica ou para comprometer-se em uma redistribuição extensiva”. A prescrição institucional neoliberal é evitar que o Estado seja capaz de intervir porque a mera possibilidade de que o Estado possa fazer algo é suficiente para causar um dano econômico. A tecnologia institucional neoliberal para limitar o Estado inclui: 1) a redução do tamanho da administração pública; 2) a redução do tamanho do setor público; 3) o afastamento do Estado de pressões privadas; 4) o apoio a regras que permitem decisões discricionárias; e 5) a delegação de decisões sujeitas a inconsistências dinâmicas a entidades independentes que careçam de incentivos para obter benefícios de pressões políticas. A administração pública deveria reduzir-se devido o Estado está “inchado” e alega-se que a produtividade dos serviços públicos é menor que a do setor privado 1. O setor público deveria ser privatizado porque supõe-se que o governo é mais sensível a pressões políticas do público que as empresas privadas. O Estado deveria afastar-se das pressões políticas para evitar que seja presa das atividades de captação de renda por parte de interesses privados. A política econômica deveria guiar-se por regras, tais como a regra do ouro ou a emenda do orçamento equilibrado nos Estados Unidos, que eliminariam a discrição e, portanto, superariam a subotimização devida às inconsistências dinâmicas (CUKIERMAN, 1992). A asseveração de que na ausência das falhas “tradicionais” os mercados são eficientes agora parece morta ou moribunda. As ineficiências que se originam da ausência de alguns mercados e da presença 1 Presumivelmente, o tamanho do setor produtivo governamental é ótimo quando o produto marginal do setor público é igual ao do setor privado, considerando o estoque de capital (BARRO, 1990) e o emprego (FINDLAY, 1990). Para a evidência econômica de que em muitos países o Estado é muito pequeno sob este critério, confira Ram (1986) e Cheibub y Przeworski (1995). O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 13 de informação imperfeita2 (mais precisamente endógena) são mais profundas e devastadoras que as imperfeições que marcaram o mercado neoclássico. Em sumário recente, Stiglitz (1994:13) afirma taxativamente: “o modelo neoclássico padrão – a articulação formal da mão invisível de Adam Smith, a afirmação de que as economias de mercado asseguram a eficiência econômica – é uma referência pobre para a eleição dos sistemas econômicos, uma vez que se incluem, na análise, como deve ser, as imperfeições na informação (e o fato de que os mercados são incompletos) os mercados deixam de ser eficientes”. Quando faltam alguns mercados, como inevitavelmente acontece, e a informação é endógena, como inescapavelmente o é, os mercados não se elucidam e os preços não resumem os custos da informação e, ainda, podem desinformar. As externalidades resultam da maioria das ações individuais, a informação é assimétrica, o poder de mercado é ubíquo e as “rendas” abundam. Estas já não são “imperfeições”: não há nada que se possa destacar, não há um só mercado, o que há são muitos arranjos institucionais possíveis, cada um com diferentes consequências. Mais ainda, algumas formas de intervenção estatal são inevitáveis (CUI,1992). A economia pode funcionar somente se o Estado assegura (investidores responsabilidade limitada), às empresas (bancarrota) e depositantes, (sistema bancário duplo). Porém esta classe de compromisso estatal inevitavelmente induz a uma sutil restrição orçamentária. O Estado não pode simultaneamente assegurar os agentes privados e deixar de pagar as dívidas, ainda se estas são resultados da negligência induzida pelo asseguramento (risco moral). Se os mercados são incompletos e a informação imperfeita, o risco moral e a seleção adversa fazem com que as alocações ótimas sejam inalcançáveis. Mesmo os mais ardentes neoliberais admitem que os governos devam prover a lei e a ordem, salvaguardar os direitos de propriedade, fazer cumprir os contratos e prover a defesa diante das ameaças externas. A economia dos mercados incompletos e a informação imperfeita abriram um grande espaço para a intervenção do Estado, a complacência neoclássica com relação aos mercados é insustentável. Ainda que os governos tenham a mesma informação que os agentes privados, algumas intervenções governamentais incrementarão o bem estar de forma notável. Dessa forma, o Estado tem um papel positivo a desempenhar. Porém o quarto round termina em um empate. Tudo o que sabemos até agora é que há coisas importantes que o Estado pode fazer. Porém as consequências do ponche neoliberal ainda permanecem: o Estado fará o que deve fazer e não o que não deve. 2 Uma forma de pensar acerca dos mercados incompletos é que sabemos que faremos transações no futuro. Uma boa forma de pensar na informação imperfeita é que aprendemos ao observar as ações de outros, incluindo seu desejo de vender e comprar. CAPÍTULO 2 14 Relações Agente-Principal Uma vez que entendemos que os mercados inevitavelmente são incompletos e que os agentes econômicos têm acesso à informação diferente, descobrimos que não existe uma coisa equivalente ao mercado, mas somente sistemas econômicos organizados de maneira diferente. A mera linguagem de mercado sujeito a intervenções governamentais é enganosa. O problema que enfrentamos não é de “mercado” contra o “Estado”, mas o de instituições específicas que induzem os atores individuais – sejam eles agentes econômicos, políticos ou burocratas – a conduzir de uma maneira coletivamente benéfica. Suponha que seu carro apresentou ruídos raros. Você procurou um mecânico, explicou-lhe o problema, deixou o carro e esperou o resultado. Um dia depois o carro estava pronto. O mecânico disse-lhe que necessitou de mudar os amortecedores e que gostou cinco horas para realizar os reparo. Você pagou e saiu da oficina mecânica; o ruído acabou. Você escolheu o mecânico e pode recompensá-lo voltando sempre a ele se você está satisfeito com o serviço ou castigá-lo procurando outro mecânico se não está satisfeito. Mas há muitas coisas que os mecânicos sabem e que você ignora: por exemplo, se o mecânico queria fazer o trabalho o melhor possível ou se esforçou o menos possível para fazê-lo, se o carro requeria uma reparação maior ou somente um ligeiro ajuste, se realizou o trabalho em uma hora ou em cinco. Você é o “principal”, ele é o “agente”. Você o contratou para atuar em seu interesse, mas sabe que ele tem seus próprios interesses. Pode castigá-lo ou recompensá-lo. Mas você terá que decidir o que fazer em condições de informações imperfeitas, dado que ele sabe coisas que você ignora e faz coisas que você não vê. O que você poderia fazer para induzi-lo a trabalhar para você tão bem quanto possível? Quando faltam alguns mercados e quando os indivíduos privados têm acesso a diferentes informações, as relações entre as diferentes classes de atores tomam a forma de relações entre agentes e principais ligados por contratos explícitos ou implícitos. Os agentes têm alguma informação que os principais não observam diretamente, conhecem suas próprias motivações, têm um conhecimento privilegiado de suas próprias capacidades e podem ter a oportunidade de observar algumas coisas que os principais não veem. Também realizam algumas ações que se encontram ocultas, ao menos parcialmente, para o principal. O problema genérico que o principal enfrenta é o seguinte: como induzir o agente a atuar em interesse do principal, ao mesmo tempo em que satisfaça “a restrição de participação”, que consiste em prover o agente com um investimento (ou utilidade) maior que a menor oportunidade de alternativa disponível,e “a restrição de compatibilidade” que consiste em permitir que o agente atue em seu próprio interesse. Você deve pagar ao mecânico o suficiente para que ele deseje que você retorne e deve encontrar uma forma de fazê-lo saber que você retornará somente se ele fizer um bom trabalho. O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 15 Burocratas Governo 1 2 Agentes econômicos privados, que também são cidadãos Políticos 3 A economia é uma rede de relações diversas e diferenciadas entre classes particulares de agentes e principais: gerentes e empregados, proprietários e administradores, investidores e empresários, cidadãos e políticos, políticos e burocratas. O desempenho das empresas, dos governos e da economia, como um todo, depende do desenho das instituições que regulam essas relações. O que importa é se os empregados têm incentivos para maximizar seus esforços, se os administradores têm incentivos para maximizar os benefícios, se os empresários têm incentivos para somente correr riscos com bons resultados, se os políticos têm incentivo para promover o bem-estar público, se os burocratas têm incentivo para implementar as metas fixadas pelos políticos. As instituições organizam todas essas relações, tanto as que são puramente “econômicas”, tais como as que se estabelecem entre empregadores e empregados, proprietários e administradores ou investidores e empresários; como as que são meramente “políticas”, tais como as que se estabelecem entre cidadãos e governos ou políticos e burocratas; assim como aquelas que estruturam a “intervenção do estado”, aquelas entre governos e agentes econômicos privados. Se a economia está funcionando bem, todas estas relações agente-principal devem estruturar-se apropriadamente. A fim de ser esquemático, somente considerarei três classes dessas relações: 1) entre o governo (políticos e burocratas) e os agentes econômicos privados; 2) entre os políticos eleitos e os burocratas designados; 3) entre os cidadãos e os políticos eleitos. Para clarificar a estrutura dessa discussão, eis aqui um esquema dessas relações com flechas indicando a direção dos principais e dos agentes. O desempenho de um sistema econômico depende do desenho de todas essas relações, assim como entre os cidadãos e o Estado. Os agentes privados devem beneficiar-se ao atuar de acordo com o interesse público e devem ser penalizados quando não agem assim; o mesmo se aplica para os burocratas e os políticos. CAPÍTULO 3 16 O Governo e os Agentes Econômicos: Regulação O papel do Estado é único; a singularidade de seu papel é derivada de sua ação ao estabelecer as estruturas de incentivos entre os agentes privados exercendo o seu poder coercitivo legalmente qualificado, mandando ou proibindo algumas ações por intermédio da lei e mudando os preços relativos por meio do sistema fiscal. Suponha que eu compre um seguro contra roubo de carros. Dirijo-me ao meu destino e escolho um estacionamento longe do lugar a que me dirijo, em um local favorável a roubo de carro. Como estou assegurado, corro o risco e estaciono nesse lugar perigoso. Agora entra em cena o Estado: cobra-me imposto e o emprega para colocar um policial no lugar perigoso. Como resultado, o roubo de carros é menos provável, a companhia perde menos dinheiro e minha apólice diminui, mais que compensada pelo incremento do imposto. O Estado está inexplicavelmente presente em minha relação com a seguradora. Apesar de nossa relação ser estritamente “privada”, está modelada pelo Estado. O Estado permeia a comunidade inteira; é um fator constitutivo das relações privadas. Os problemas de desenho institucional não podem ser evitados retirando o Estado da economia. Devem ser confrontados como tais. A intervenção do governo na economia, por exemplo, o que se denomina regulação nos Estados Unidos, não é um assunto simples, nem se quer teoricamente, para não falar da prática. O problema genérico é o seguinte. A empresa regulada tem informação sobre algumas de suas condições, tais como seus custos de produção ou a demanda de seus insumos, que é superior à informação disponível para o governo (o “regulador” entendido em termos amplos como os políticos eleitos ou os burocratas designados). Ainda mais, a empresa efetua algumas ações que o regulador não pode observar diretamente, mas pode inferir da observação do produto ou da vigilância da empresa, incorrendo em um custo. O regulador tem a autoridade legal para estabelecer preços ou regras. Uma vez que a regulação se estabelece, a empresa decide se produz ou não e em que quantidade. O problema do regulador é estabelecer o menor intercâmbio entre os lucros da empresa e o excedente do consumidor. Dado que existem informações e ações ocultas, a regulação; ótima não é possível. A empresa sempre obtém lucros. A regulação ótima só sujeita a informação disponível para o regulador; no mais se trata de uma “regulação de menor valor” (BARON,1995:14). Ademais, já que qualquer classe de intervenção governamental tem consequências distributivas, os diferentes grupos afetados pela regulação – empresas, indústrias, empregados, consumidores ou grupos de interesses – têm incentivos para buscar uma regulação que os beneficie e rechaçar uma regulação que os prejudique. Os reguladores, por sua vez, podem se beneficiar, individualmente, ao oferecer a intervenção que pedem os agentes privados. Essas ambições privadas podem ir desde a simples reeleição até o enriquecimento dentro ou fora do cargo público. Como resultado, a regulação poderia induzir laços clientelistas entre os reguladores e os grupos regulados. Até esse ponto a regulação é “endógena”, em outras palavras, apresenta-se em resposta às demandas dos grupos potencialmente afetados por ela. O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 17 Considere a seguinte situação simplificada de Laffont e Tirole (1994, cap.16) como exemplo. Existem dois períodos. No primeiro período uma empresa, que é um monopólio natural, pode ter custos altos ou baixos com determinadas probabilidades. Uma empresa com altos custos pode reduzi- los investindo, esse investimento é socialmente benéfico. Um bom investimento governamental – aquele que maximiza o excedente do consumidor – ocorre quando o governo subsidia o investimento somente se a empresa tem altos custos no primeiro período, do contrário, o governo não deve pagar pelo investimento. Uma má intervenção é aquela na qual o governo não subsidia empresa com altos custos ou subsídios; subdisia empresa com baixos custos e divide os lucros com a empresa3. O problema institucional é duplo: 1. como capacitar o governo para que realize uma boa intervenção; e 2. como induzi-lo a atuar bem. Para ser capaz de realizar uma boa intervenção, o governo deve ter acesso à informação sobre os custos que enfrenta a empresa, legalmente deve ser capaz de estabelecer os preços para a empresa regulada (de maneira que o custo do investimento seja pago pelos consumidores) ou deve ser financeiramente capaz de subsidiar a empresa a partir dos ingressos que arrecada com os impostos. Porém, isto não é suficiente. A razão é que, ainda que a empresa receba os subsídios por parte dos consumidores ou diretamente do Estado, a empresa não investirá se não estiver razoavelmente segura de que os benefícios derivados do investimento não serão confiscados pelo Estado, uma vez que haja incorrido em custos abatidos. Suponha que a firma espere que seja mudada a equipe de governo e o novo governo lhe cobrará impostos pelos maiores benefícios. Então a empresa não investirá ainda que recebendo o subsídio e, se o governo souber que a empresa não investirá, então a intervenção governamental ótima no primeiro período é não subsidiar o investimento, ainda que este seja socialmentebenéfico4. Neste problema, para que o governo seja capaz de promover um bom investimento, deve comprometer-se a não confiscar os benefícios da empresa no segundo período. O problema do compromisso emerge do risco moral do principal. Ainda quando o governo deseja que a empresa invista, uma vez que a empresa realiza o investimento, o governo desejará cobrar- lhe impostos por esses benefícios. Portanto, os agentes não podem ficar seguros de que seu bom comportamento será recompensado. Esse problema está presente em muitas relações agente- principal, incluindo aquelas que são puramente privadas. Mas também é inerente às relações políticas. A fonte última da soberania política – exercida por um processo democrático – reside no “povo”, particularmente no Século XVIII. Isto implica que nenhum governo pode comprometer todos os governos futuros. Não é possível outorgar uma garantia absoluta dos direitos de propriedade. Os direitos de propriedade podem ser protegidos, até certo ponto, pela Constituição. Mas as constituições não podem especificar tudo e devem deixar uma margem para a discricionariedade legislativa, bem como para a interpretação judicial. Além disso, ainda que o processo seja difícil, as constituições podem mudar. Veja a nacionalização da indústria de cobre chilena por meio de uma emenda constitucional em 1970. Portanto, os direitos de propriedade são inerentemente inseguros.5 3 Digamos que o titular da agência reguladora subsidia a empresa somente para que ela o contrate como seu vice-presidente. 4 Sobre as dificuldades para desenhar políticas ótimas sem um compromisso confiável, veja Laffont e Tirole(1988). 5 Desde o meu ponto de vista, a ênfase quase exclusiva na segurança dos direitos de propriedade está fora de lugar. O baixo investimento em muitos países não se deve à insegurança dos direitos de propriedade, mas, sim, à ausência de instituições que assegurem aos poupadores e aos investidores contra riscos razoáveis. 18 UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE-PRINCIPAL Ainda que a subutilização6 dos recursos seja o custo desta insegurança, o compromisso nem sempre é ótimo. O perigo latente é que um governo em particular realize um mau compromisso, ou seja, sirva a seus próprios interesses ou aos de seus aliados privados, mais que aos da nação. Voltando ao nosso exemplo, um compromisso é socialmente benéfico somente se o governo intervir bem durante o primeiro período, isto é, se subsidiou a empresa com altos custos. Se o governo outorgou um subsídio à empresa com baixos custos, a empresa terá lucros às custas do público e, caso se tenha comprometido todos os governos futuros a não subir os impostos para a empresa, o novo governo não será capaz de recuperar essas rendas. Como observam Laffont e Tirole (1994:620): “o custo de se comprometer é que o governo pode identificar-se com a empresa e atar a nação a um resultado negativo em longo prazo”. Existem compromissos bons e maus7. Imagine a seguinte situação, de Calmfors e Horn (1985): no início de seu mandato, o governo anuncia que, se os sindicatos pressionam para o aumento dos salários e criam desemprego, este não desaparecerá com a expansão do emprego público. Porém ao chegar o período eleitoral, o governo almejará a vitória e, portanto, contratará os desempregados. Assim, o anúncio inicial não é crível, os sindicatos pressionarão para o aumento dos salários, o governo se acomodará e o resultado é subotimo. O governo deve comprometer-se, por regras ou delegando, a não incrementar o emprego na véspera das eleições. Este é um bom compromisso. Agora suponha que o governo não se comprometa, os sindicatos pressionam pelo aumento salarial e é chegada a época da eleição. Agora o governo deseja expandir o emprego público. Porém os sindicatos antecipam que, uma vez reeleito, o governo despedirá os empregados públicos. Portanto o governo também deverá se comprometer a não despedi-los, aprovando, digamos, uma lei de estabilidade dos empregados públicos. Este é um compromisso ruim. A diferença na estrutura temporal vinculada aos compromissos pode ser mais bem vista invertendo uma analogia de Ulisses de Elster (1979). No caso do bom compromisso, Ulisses antecipa, no primeiro momento, que escutará as Sereias no segundo momento e toma uma decisão antes de escutá-las. No caso de um compromisso ruim, já as escutou em um primeiro momento e se compromete influenciado por sua canção. E se os governos se prendem a si mesmo em respostas as pressões de interesses especiais, seu compromisso não será ótimo. Portanto, um ponto institucional central da reforma do Estado é capacitar aos governos para fazerem bons compromissos e evitar que façam compromissos ruins. Ainda que os compromissos se associem às boas políticas, não é fácil fazê-los confiáveis. Spiller (1995) demonstra a dificuldade de fazer compromissos confiáveis em diferentes contextos institucionais. Em diversos países os compromissos estão obrigados por: 1) revisão judicial das decisões dos corpos regulatórios (prevalecendo nos Estados Unidos, onde 80% das decisões da Agência de Proteção Ambiental são disputadas nas cortes de justiça); 2) legislação altamente detalhada (a regulação chilena da eletricidade de 1980); 3) contratos entre o governo e as empresas obrigatórios sob a lei contratual. Spiller argumenta que sem a revisão judicial das decisões regulatórias, o regulador tem excessiva discricionariedade. E afirma que isto é especialmente correto para os países latino- 6 Empregando dados baseados em entrevistas com empresários em 28 países, Weder (1995) verificou que a taxa de crescimento econômico é significativamente menor onde os empresários têm reportado que têm que lidar com mudanças inesperadas nas leis e onde não esperam que os governos possam aderir a compromissos políticos maiores. 7 Para um intercâmbio sobre este ponto, veja Przeworski e Limongi (1993), Elster (1995 a) e o comentário de Przewoski e Elster (1995 b) novamente. 19 O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I americanos (1995:67): “a razão básica para esta delegação é que suas constituições provêm uma regulação presidencial das leis, isto é, para implementar uma lei, requer-se o decreto presidencial que regula a lei. A menos que a regulação da lei contradiga escandalosamente a figura, a regulação da lei não está sujeita à revisão judicial”. Portanto, a única forma na qual as legislaturas latino- americanas podem comprometer o executivo é escrevendo uma legislação extremamente detalhada. Mas aqui aparece um paradoxo: se o sistema político gera maiorias e disciplina partidária, esta legislação detalhada pode ser derrubada quando a maioria legislativa for modificada. Por outro lado, quando o sistema político gera um sistema partidário altamente dividido – Spiller examina os casos de Bolívia, Brasil e Uruguai – tal legislação é difícil de superar, porém sua adoção também é extremamente difícil. Utilizou-se para todo o exemplo de regulação governamental um monopólio, porém, as mesmas observações se aplicam a outras formas de intervenção econômica. Idênticas considerações podem aplicar-se à regulação “social” de saúde, segurança, meio ambiente, emprego etc. (BARON,1995). A intervenção do Estado pode ser superior a não intervenção quando o desenho institucional permite ao governo intervir na economia e nas seguintes condições: quando os governos têm informações sobre os agentes privados, quando têm instrumentos legais ou fiscais para regular e quando o marco institucional permite compromissos críveis. Nenhuma dessas condições garante que os governos intervenham de acordo com o interesse público. A simples capacidade do Estado para intervir nos mercados é um espaço atrativo para a influência dos interesses privados, e a simples habilidade de comprometer-se abre a possibilidadede pacto. Por isso, existem razões para esperar que a qualidade da intervenção estatal na economia dependa da organização interna do Estado, em particular das relações entre políticos e burocratas, e do desenho das instituições democráticas que determinam se os cidadãos podem controlar os políticos. 20 CAPÍTULO 4 Políticos e Burocratas8 Em uma democracia, a autoridade do Estado para regular coercitivamente a vida da sociedade deriva das eleições. Ainda que os representantes eleitos deleguem a outros, especificamente a burocracia pública, muitas das funções do Estado e dos serviços que outorgam os cidadãos, a delegação é inevitável. Como Kiewiet e McCubbins (1993:3) observam, “os resultados desejados só podem ser obtidos delegando autoridade a outros”. A delegação gera os problemas típicos de agente-principal. Dado que é impossível escrever uma legislação que especifique completamente as ações dos agentes, sob todas as contingências possíveis, as agências executivas e administrativas outorga-lhes um grau considerável de discricionariedade9. Porém, os objetivos dos burocratas não são necessariamente os mesmos objetivos dos cidadãos ou dos políticos eleitos, a quem representam. Os burocratas desejariam maximizar sua autonomia ou a segurança no emprego, fazer favores clientelistas a seus amigos e aliados, enrolar no escritório, aumentar seus orçamentos (NISKANEN, 1971) ou, simplesmente, enriquecer-se – tudo às expensas do poder público. Novamente, os agentes possuem informação privada sobre os benefícios e os custos de suas ações e realizam ações que não podem ser observadas diretamente, ainda que se possa inferir os resultados ou supervisionar com um custo. Por isso, a delegação inevitavelmente gera custos de agente. De fato, dada a discricionariedade que os burocratas desfrutam, a pergunta é como evitar um regime de “política sem lei”, como Lowi (1979:92) descreve o sistema político norte-americano. Alguns dos problemas de agenciamento inerentes à administração da burocracia pública não são diferentes daqueles que enfrentam as organizações privadas. Possivelmente, o problema principal seja a dificuldade de prover incentivos e obter informações, quando o resultado depende das ações conjuntas de múltiplos agentes (MILLER, 1992:128-158). Sob tais condições, o principal somente pode observar o produto da equipe, não dos membros individuais. Por seu lado, os membros têm incentivos para relaxar e esconder informações. Holmstrom (1982) demonstrou que nessas condições é impossível desenhar um esquema de incentivos que, quando for acatado, gera um esforço suficiente e ao mesmo tempo permite balancear o orçamento. Groves (1985), por sua vez, demonstrou que não existe nenhum esquema de incentivos para balancear o orçamento que induza os membros a revelar honestamente a informação que possuem de maneira privada. As consequências desses teoremas para a burocracia pública é que ou se sacrifica eficiência ou se paga de mais aos membros da equipe. As burocracias públicas diferem em aspectos importantes das burocracias privadas. Uma diferença emana da dificuldade de estabelecer um critério para avaliar não somente os indivíduos, mas 8 Esta seção constitui, em grande medida, um comentário sobre o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Presidência da República, Brasília, 1995). Para uma análise dos antecedentes da reforma do Estado no Brasil veja Martins(1996). 9 O mesmo se aplica para as cortes. Shihata(1995:221) observa, por exemplo, que “ainda que os códigos legais de um País possam negar um papel criativo aos cortes e referi-los, na ausência de textos a fontes, tais como o “direito natural” ou os “princípios gerais da moral”. Provavelmente é mais útil conceder, a exemplo do que faz o código civil suíço, que nesses casos, o juiz julgará de acordo com as leis que ele estabeleceria se tivesse que atuar como legislador”. Para uma análise dos problemas inerentes à reforma judicial na América Latina, veja Rowat, Malik e Dakolias(1995). O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 21 também as equipes no setor público. Mesmo que as empresas privadas frequentemente realizem múltiplas tarefas, até onde lhes permita suas restrições de mercado, seu desempenho pode ser medido por critérios financeiros. Mas, as burocracias públicas possuem múltiplos objetivos que não são estabelecidos facilmente10 e é impossível reduzi-los a apenas uma dimensão. Suponha que se instrua às clínicas públicas a atender um número de pessoas sadias como prevenção e a outro número de pessoas doentes e não gastar mais do que seu orçamento.11 Como o principal poderá avaliar a combinação particular das seguintes cifras? Cliníca Número de visitas preventivas Número de pacientes Dinheiro gasto como porcentagem do orçamento A 1.100 2.300 128 B 1.000 2.000 100 C 700 2.700 112 Pelo critério de visitas preventivas, a clínica A tem um melhor desempenho que a clínica B que, por sua vez, é melhor que a clínica C, sendo A>B>C. Pelo critério de pacientes, a ordem é C>A>B. Pelo critério de gastos resulta B>C>A. A menos que essas dimensões possam ser ponderadas em importância, o desempenho das clínicas não pode ser comparada – A>B>C – e não pode ser adotado nenhum sistema de incentivos para recompensar ou castigar a atuação das equipes. Por isso, o principal preferiria estabelecer metas, digamos 1.000 visitas preventivas, 2.000 pacientes, e não exceder os custos. Assim se premiaria a clínica B e se castigaria as outras duas. Ainda que essa solução possa ser ineficiente, tanto a clínica B, poderia ter fraquejado no sentido de que poderia ter atendido mais gente que as metas mínimas estabelecidas sem exceder o orçamento, quanto a clínica C poderia ser castigada injustamente já que atendeu uma epidemia em seu distrito. Outra diferença, ainda relacionada entre as empresas privadas e as burocracias públicas é que estas últimas frequentemente são monopólios o que significa que não existem normas comparativas para avaliar o seu desempenho. Como observa Tirole (1994), a atuação da administração da Ford pode ser comparada com a da General Motors, no entanto, essa forma de medir o desempenho não está disponível quando as agência públicas constituem monopólios. Enfrentadas essas dificuldades, as burocracias públicas tendem a atuar muito mais conforme as regras do que em resposta a incentivos. Esse estilo administrativo se denomina “burocrático” pelo Plano Maior e “patrulha policialesca”, segundo McCubbins e Schwarz (1994). Consiste em um controle prioritário de processos, em oposição a um controle posterior de resultados (PLAN MAESTRO: 43). Tirole (1994:14) observa que a característica central da burocracia é que não se confiam em seus membros para fazer uso da informação que afeta os outros membros e, portanto, as decisões se baseiam em regras rígidas. O principal estabelece regras, tais como “trabalhar de 9h às 5h”, “não usar o telefone para conversas privadas”, “não empregar mais de 20 minutos com um cliente” e “reportar as necessidades”. Os agentes são julgados por como os observamos de acordo com essas regras e pelo que eles reportam. Não é necessário sublinhar que essa forma de controle não é muito efetiva: não somente é cara (o principal assume o custo de supervisionar o tempo que gastam os agentes fazendo os relatórios), mas também não estabelece nenhuma relação direta 10 Tirole (1994:4) cita como exemplos a dificuldade de avaliar o desempenho do Departamento de Estado norte-americano “na promoção da segurança em longo prazo, e o bem estar dos Estados Unidos”, o do Departamento do Trabalho em “patrocinar, promover e desenvolver o bem-estar dos assalariados nos Estados Unidos”. 11 Este é um exemplo modificado de Roemer (1996:24). UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE- PRINCIPAL22 entre os incentivos e os desempenhos. Sem dúvida, a maioria das burocracias públicas opera desta maneira e, às vezes, por boas razões: se é muito caro supervisionar a conduta individual e obter informações, a confiança nas regras pode ser o melhor resultado. Que se pode fazer para aliviar esses problemas de agente-principal? 1. Fazer contratos. Mesmo com as dificuldades de supervisionar os esforços individuais dos membros de uma equipe, o principal pode criar incentivos para os agentes ao: i) estabelecer níveis salariais suficientemente altos para atrair agentes de alta qualidade, os quais têm maiores custos de oportunidade; ii) oferecer oportunidades suficientes de avanços na carreira (que estão vinculadas às diferenças salariais); e iii) estabelecer sistemas de supervisão que tornem menos provável a permanência no trabalho, para aqueles que tenham um desempenho ruim.12 2. Examinar e selecionar. O processo de recrutamento para o setor público aos sinais de custo, tais como a educação, que indicam o desempenho potencial dos agentes. 3. Revisões institucionais. Kiewiet e McCubbins (1991:33) mostram que os agentes frequentemente estão em posição de causar mais danos ao principal que a simples diminuição de esforço: desfalques, tráfico de privilégios, corrupção oficial, abuso de autoridades e golpe de estado, todos são testemunhos desse fato. Onde quer que um agente possa realizar ações que coloquem em perigo seriamente os interesses do principal, o principal precisa impedir a habilidade do agente em seguir esses cursos de ação unilateralmente. A solução é “as revisões institucionais que requerem, nos casos em que se há delegado autoridade a um agente, a existência de pelo menos outro agente com autoridade para vetar ou bloquear as ações do primeiro agente”. 4. A criação de múltiplos principais ou múltiplos agentes com objetivos discordantes. Tirole (1994) observa que a maior parte dos governos estão divididos de tal forma que não é a tarefa de uma posição ou um agente qualquer que maximiza o bem-estar social, ainda que, supostamente esse efeito gere sua interação. Um exemplo é a divisão entre os “ministros do orçamento” que promovem metas substantivas e o Ministério de Finanças que supostamente controla o gasto. Tirole também advoga pela institucionalização da defesa da oposição para algumas políticas e alguns projetos particulares. Sua ideia é que as decisões se baseiam em maior informação, quando esta é coletada por vários agentes, cada um dos quais devendo encontrar argumentos em favor de uma política ou um projeto, do que quando somente um agente a recolhe estando encarregado de tornar a informação relevante para todos os projetos. 5. O incentivo à competição. Tanto entre organizações estatais e suas contrapartes privadas (por exemplo, no serviço de correios), quanto entre agências estatais em setores exclusivos. Ao mesmo tempo em que gerará alguns custos devido à duplicação de esforços e frequentemente a economia de escala, a competição 12 Recomendações do Banco Mundial (HAGGARD, 1995). O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 23 facilita a medição do desempenho e, se é combinado com os incentivos corretos, melhorará este.13 6. Descentralização. Esse é um tópico complexo e controverso. Os argumentos em favor da descentralização tipicamente descansam na observação de que a provisão local dos serviços públicos melhoram o rendimento de contas do governo ao aproximá-lo do povo ao qual serve. Os argumentos contra a descentralização afirmam que restringir a capacidade do governo para reduzir as disparidades no investimento regional, o que requer uma maior capacidade administrativa (HAGGARD 1945)14, pode conduzir a uma restrição orçamentária suave na qual as jurisdição menos eficiente receberiam um maior subsídio do governo central.15 Mais ainda, como Prud´homme (1945:204) observa, “ a descentralização dos impostos e gastos trabalha contra a descentralização das atividades e é provável que conduza a uma concentração do crescimento numas poucas localidades urbanas”. Finalmente, as burocracias públicas se diferenciam das empresas privadas numa forma fundamental que possibilita uma supervisão mais efetiva. Os serviços estatais são produzidos e entregues pela burocracia, cujos membros são designados pelos políticos. O controle dos cidadãos sobre a burocracia só pode ser indireto, dado que as instituições democráticas não contêm nenhum mecanismo que permita aos cidadãos sancionarem diretamente as ações legais dos burocratas. O muito que podem fazer os cidadãos é considerar o desempenho das burocracias quando sancionam os políticos eleitos. Como Dunn e Uhr (1993:2) observam, parece que não sabemos como pensar as relações agente-principal envolvidas no controle dos burocratas: não está claro em que posição joga os funcionários executivos, como representantes do povo. São agentes do governo ou do povo?. Supõe-se que a burocracia estatal entrega os serviços aos cidadãos, porém presta contas aos políticos (ou a outros organismos indicados pelos políticos, tais como as cortes de justiça ou as agências de vigilância administrativa). Precisamente porque as burocracias estatais atendem aos cidadãos, estes estão mais bem informados sobre seu desempenho. Mais ainda, se os políticos estão preocupados com o bem-estar dos cidadãos, então cidadãos e políticos têm os mesmos interesses, já que são os principais, enquanto os burocratas são os agentes. O principal pode confiar na informação provida pelas partes afetadas, isto é, na terminologia de McCubbins e Schwartz a vigilância do “alarme contra incêndios”. Essa forma de supervisão tem duas vantagens: 1) permite ao principal recoletar informação a um custo menor que a supervisão da “patrulha policial”; 2) provê melhor informação, particularmente acerca das violações mais escandalosas dos agentes. Ainda quando a autoridade legal descansa nos políticos, a supervisão do alarme contra incêndios é um mecanismo de prestação de contas da burocracia aos cidadãos. Como Roman (1991:143-44) observa, “se o controle social direto sobre os serviços de interesse público é eficaz pode pressionar a busca de maior eficiência nos executores e reformadores se as quedas acumuladas geram decisões nas autoridades que vigiam ou nos que auditam e assim os que fiscalizam os serviços públicos”.16 13 Se levará três semanas para eu ter um passaporte novo, estou seguro que atrasaria menos se existisse mais de uma agência encarregada de sua emissão. Essa atividade permaneceria como uma prerrogativa exclusiva do Estado, porém com alguma competição entre as agências estatais. 14 Aedo e Larranaga (1944:3) observam que esses requerimentos administrativos têm malogrado o progresso da descentralização de atenção dos serviços sociais em muitos países latino-americanos. 15 Para maior informação, veja o artigo de Prud´homme (1995) e os comentários a cargo de McLure (1995) e Sewell (1995). 16 Veja também Haggard (1995:41-42): “o último controle sobre o governo dá-se por meio de formas institucionais de participação. Esta pode ser corporativa, tal como a participação por ONGs em áreas que contam com experts ou legislativa, tal como a adoção de formas de governança local, nas quais se maximiza a participação dos cidadãos”. UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE- PRINCIPAL 24 O “alarme contra incêndio” requer arranjos institucionais que facilitarão a supervisão da burocracia pelos cidadãos, a transferência de informação e as sanções para as violações. O Plano Diretor propôs a criação de “mecanismos que tornem possíveis a integração dos cidadãos no processo de definição, implementação e avaliação das ações do setor público”. Os mecanismos específicos que vislumbra incluem a participação popular nos conselhosadministrativos das agências paraestatais e um “sistema de recepção de queixas e sugestões dos cidadãos sobre a qualidade e eficácia dos serviços públicos”. No entanto, não especifica nenhum detalhe sobre essas medidas. Uma forma pela qual se exerce o “alarme contra incêndios” em alguns países, particularmente na Dinamarca, é por meio do escritório de um ombudsman, equipado com poderes de investigação independente. Outra forma pela qual se pode dotar de poder os cidadãos para controlar as ações da burocracia é permitindo aos indivíduos que confrontem as decisões burocráticas na corte de algum tribunal administrativo, prática muito frequente nos Estados Unidos. A intervenção governamental pode ser efetiva se as instituições regulatórias estiverem bem desenhadas, e os políticos podessem controlar melhor os burocratas se solicitassem a cooperação dos cidadãos. Mas a pergunta que ainda permanece sem resposta: os políticos querem intervir bem e controlar a burocracia? 25 CAPÍTULO 5 Cidadãos e Políticos17 O problema dos cidadãos é induzir os políticos a melhorar o bem-estar dos cidadãos, mais que perseguir os seus próprios objetivos, em colisão com a burocracia ou com interesses privados. Em muitos sistemas políticos, incluindo os democráticos, as burocracias parecem independentes de qualquer controle, encontram-se completamente isoladas do escrutínio público. Moe (1990) oferece uma explicação sugestiva desse padrão. Inicialmente nos faz notar que, em uma democracia, os burocratas nunca sabem com certeza quais forças políticas controlarão o governo no futuro e têm razões para temer que o governo futuro favoreça menos os seus interesses do que o governo atual. Por isso, para proteger-se do risco moral de principal – a possibilidade de que sua boa conduta não seja recompensada por um governo futuro – buscam liberar-se de qualquer controle político. Por sua parte, o governo atual teme que se perder, as forças políticas que tomarão o poder desejarão utilizar a burocracia para seu próprio benefício. Por isso, quando o governo atual teme perder o cargo tem incentivos para isolar a burocracia do controle político, mesmo que a custa do sacrifício de sua própria influência sobre a burocracia. Como resultado, os políticos e a burocracia pactuam para dotar a burocracia de autonomia, o que implica que a mesma não estará bem desenhada para promover os objetivos sociais e que os burocratas não terão incentivos para promovê-los. Ademais, a relação agente-principal estabelecida entre políticos eleitos e cidadãos é muito especial e não tem paralelo no mundo privado. Como a soberania repousa nos cidadãos, eles são os principais em relação aos políticos que elegem. Mas como o Estado é um mecanismo centralizado e coercitivo, são os agentes estatais que decidem que regras devem ser obedecidas e quem obriga os cidadãos a fazê-lo. Como mostra Moe (1990:232) “nesta hierarquia, os cidadãos têm a superioridade nominal, são os legisladores que realmente manejam a administração pública e por isso têm o direito de fazer as leis. Sua função como agentes é exercer a autoridade pública, respaldados pelos poderes policiais do Estado, ao indicar aos principais o que devem fazer”. Por que, então, os políticos respondem às demandas dos cidadãos, no lugar de pactuar com os burocratas ou qualquer outro grupo especial ao qual estão vinculados? Duas respostas a esta questão asseguram que, sob um regime democrático, os governos podem ser controlados pelos cidadãos devido ao fato de que foram eleitos. Para um enfoque, o papel das eleições induz responsividade de maneira prospectiva, para outro, é um processo retrospectivo. Na visão prospectiva, os partidos ou os candidatos fazem propostas de política durante as eleições e explicam os efeitos dessas políticas sobre o bem-estar dos cidadãos; os cidadãos decidem quais dessas propostas desejam que sejam implementadas e os governos as implementam. Assim, as eleições emulam a assembleia direta e a plataforma ganhadora se converte no “mandato” que o governo deve cumprir. 17 Essa seção utiliza como referência Manin, Przeworski e Stokes (1996) 26 UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE- PRINCIPAL Uma característica chamativa das instituições democráticas, destacada por Manin (1995), é que os políticos não estão obrigados em nenhum sistema democrático a sustentar sua plataforma. Em nenhuma democracia existente os representantes estão sujeitos a instruções obrigatórias. Nenhuma constituição democrática em nível nacional permite a deposição. Entretanto, as provisões para impugnação e os procedimentos para retirar a confiança são comuns, nunca estão dirigidos à traição das promessas de campanha. A obrigação nacional aos referendos baseados na iniciativa dos cidadãos só é vista na Suíça e, em forma mais restritiva, na Argentina e na Itália. Portanto, uma vez que os cidadãos elegem os seus representantes não têm nenhum instrumento institucional para forçá-los a aderirem a suas promessas. E os períodos eleitorais tendem a ser largos, em média 3,5 anos para as legislaturas e 4,7 anos para os presidentes.18 Os eleitores podem castigar os políticos que traíram os seus mandatos somente na próxima eleição, depois que se tenha experimentado os efeitos da traição. E dado que os juízos retrospectivos estão inevitavelmente contaminados pelos resultados originados nos desvios do mandato e pelo decorrer do tempo, os cidadãos não podem obrigar a fidelidade aos mandatos per se. Por que, então, não existem os mecanismos institucionais para forçar os funcionários a respeitar suas plataformas? Historicamente, o argumento principal foi que as legislaturas deveriam permitir-lhes deliberar. As pessoas queriam que seus representantes aprendessem com os outros. Ainda mais, quando o agente não está seguro de seus juízos, desejará, certamente, que seus representantes consultem os experts. Outro argumento histórico foi que os eleitores não podiam confiar em seus próprios juízos. As pessoas não só temem as suas próprias paixões senão, se são ignorantes conscientes, devem saber que não sabem. Presumivelmente, as eleições estabelecem o calendário quando devem prestar contas. Lippman (1956) escreveu acerca dos cidadãos: “Seu dever é colocar alguém no cargo e não o dirigir” e Schumpeter (1942) admoesta aos eleitores para que “entendam que, uma vez que tenham eleito um indivíduo, a ação política corresponde a este, não aos eleitores. Isto significa que devem se conter de instruí-lo sobre o que deve fazer...” Por isto, os cidadãos poderiam desejar dotar o governo com alguma latitude para governar e avaliar as ações do governo nos períodos eleitorais. Finalmente, as instituições devem permitir que as condições mudem. Nenhuma plataforma eleitoral pode especificar antes o que o governo deve fazer em cada provável contingência; os governos devem ter alguma flexibilidade para enfrentar as circunstâncias em mudanças. Se os cidadãos acreditam que as condições possam mudar e que os governos sejam provavelmente responsivos não desejaram amarrar os governos com suas instruções. Por isso, existem boas razões para que as instituições democráticas não contenham mecanismos que obriguem a representação prospectiva. Escolhemos políticas que representem nossos interesses ou candidatos que nos representem como pessoas, porém queremos governos que sejam capazes de governar. Como resultado, ainda que preferíssemos que os governos se apegassem as suas promessas, a democracia não contém nenhum mecanismo institucional para assegurar que nossas eleições serão respeitadas. Ainda se os cidadãos forem capazes de controlar os governos prospectivamente, poderiam ser capazes de fazê-lo retrospectivamente, se podem forçar aos governos a prestar contas pelos resultados de suas ações passadas. Os governos “prestamcontas” se os cidadãos podem discernir 18 Estas são médias para todas as democracias no mundo entre 1950 e 1990. Confira Cheibub e Przeworski (1996). O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 27 quando os governos estão atuando em seu melhor interesse e os sancionam apropriadamente de maneira que os políticos no cargo que atuam “no melhor interesse” dos cidadãos ganhem a eleição e aqueles que não, a percam. A prestação de contas funciona pela antecipação por parte dos governos, dos juízos retrospectivos dos eleitores, os governos elegem políticas e emitem mensagens que, em seu melhor juízo, serão avaliados positivamente pelos cidadãos ao chegar o tempo das próximas eleições (DOWNS, 1957; FIORINA, 1981; MANIN, 1995). Como observa Hemilton (72: 470), “existem poucos homens que não se sentiriam... zelosos no cumprimento de um dever... quando são agraciados com a esperança de obter por méritos a continuação deste. O argumento não é contestável, já que se admite que o desejo de recompensa é um dos incentivos mais poderosos da conduta humana e que nossa melhor seguridade sobre a fidelidade da humanidade é fazer que os seus interesses coincidam com o seu dever”. Ainda que os políticos se encontrem motivados por seu próprio interesse só serão induzidos a promover o bem-estar geral se são forçados a eleger entre a extração de rendas e a permanência no cargo. As instituições políticas devem: 1) satisfazer a restrição da participação dos políticos “autosseleção”, isto é, fornecer pelo menos minimamente atrativos para as pessoas que têm outras oportunidades o querer ser reeleito;19 2) satisfazer a restrição do incentivo de compatibilidade, isto é, fazer que o interesse do político coincida com o que os cidadãos querem que ele faça.20 Porém estas condições não são suficientes para obrigar os políticos a prestar contas aos cidadãos. Devem cumprir-se diversas condições institucionais para que os cidadãos sejam capazes de controlar os governos. 1. Os eleitores devem ser capazes de apontar claramente a responsabilidade do desempenho governamental. Sua habilidade para fazê-lo está limitada quando o governo é uma coalisão. Também está limitada quando a presidência e o Congresso estão controlados por partidos diferentes. É necessário uma teoria muito elaborada de governo para imaginar quem é o responsável por tais condições. 2. Os eleitores devem ser capazes de retirar do cargo os partidos responsáveis por um mal desempenho. Esta poderia parecer uma característica universal da democracia, porém, em certos sistemas eleitorais, é quase impossível, a exemplo da permanência dos democratas cristãos na Itália e da LDP no Japão. Como mostra Pasquino (1994:25), em relação à Itália, “os partidos governistas parecem expropriar os eleitores de sua influência política, ao fazer e desfazer governos em todos os níveis, com muito pouco respeito para os resultados eleitorais”. 3. Os políticos devem ter incentivos para desejar uma reeleição. Essa condição se torna problemática quando existem limitações à reeleição encontradas nos sistemas presidencialistas, e quando os partidos políticos não são organizações burocráticas contínuas que oferecem aos seus militantes o padrão de uma carreira política. 19 Por exemplo, no modelo seminal de Barro (1973) da prestação de contas, as entradas privadas depois dos impostos eram maiores quando os salários pagos aos funcionários governamentais eram maiores: um salário alto para os políticos incrementava o custo da perda do emprego e com isto, a efetividade do controle eleitoral. 20 As descobertas de Ermmer (1993) são esclarecedoras a esse respeito: nas 21 eleições realizadas na América Latina entre 1982 e 1990, a porcentagem da votação para o partido governista declinou. O declínio em média foi de 13,1% e a constante de regressão para as condições econômicas foi cerca de 21. Se as pessoas votaram contra os partidos governistas, sem importar-se com o que fizeram, os políticos governistas não tiveram nenhum incentivo para fazer nada pela população. UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE- PRINCIPAL 28 Paldam (1991) observa que os coeficientes da função que relaciona a probabilidade de uma reeleição com os resultados econômicos são maiores quando o sistema de partidos é estável. 4. Os eleitores devem ter algum instrumento institucional para recompensar e castigar os governos pelos resultados que geram em diferentes áreas. Ainda que as eleições sejam um instrumento de controle, inerentemente obtuso, os eleitores só podem tomar uma decisão em relação a um pacote completo de políticas governamentais. A informação assimétrica entre os governos e os eleitores convertem aos rendimentos de contas em um mecanismo de difícil obrigatoriedade. O enfoque padrão de como opera o mecanismo de rendimento de contas descansa em “voto retrospectivo”. Dentro desse enfoque, os cidadãos fixam alguns padrões de desempenho para avaliar os governos: decidem votar pelo partido governista se seu ingresso se elevou por pelo menos 4% durante o período, se as ruas são seguras e se o país foi qualificado para a Copa. Decidem votar contra o partido no poder se não estão satisfeitos com esses critérios. Por outro lado, os governos que desejam reeleger-se e conhecer a regra de decisão dos cidadãos fazem o possível para cumprir estes critérios. A dificuldade, portanto, é que os resultados observáveis por si só frequentemente são insuficientes para concluir se o governo está fazendo todo o possível para promover o bem-estar geral ou está perseguindo alguns interesses privados. Para os cidadãos só são importantes os resultados, porém eles gostariam de saber se estão tão bem como é possível sob condições que não observam por completo. Devem julgar os seus governos sob condições não observáveis. E essas inferências são mais fáceis sobre certas condições do que sobre outras. Suponha que os cidadãos não observem ou não percebam algumas condições que os políticos observam. Algumas condições poderiam incluir o conteúdo dos cofres do governo – estão cheios ou vazios?21 – ou poderiam incluir a postura negociadora das instituições financeiras internacionais – são flexíveis ou inflexíveis? – os governos decidem implementar uma política A, que é melhor para os cidadãos quando as condições são boas, ou uma política B, que é mais adequada, quando as condições são más. Suponho, além disso, que independentemente das condições prevalecentes, os ganhos para o governo são maiores quando decide levar a cabo a política B. Uma regra de eleição retrospectiva tornará obrigatório a prestação de contas se os cidadãos têm informações não somente sobre os resultados atuais, mas também sobre os possíveis resultados que seriam apresentados se o governo tivesse feito outra coisa ou se as condições tivessem sido distintas. Quando o povo pode inferir se o governo fez o que devia, a partir dos resultados presentes, o voto retrospectivo permitirá que os cidadãos controlem os políticos. Porém, se os cidadãos só têm boas teorias sobre os efeitos das políticas nos resultados, serão incapazes de julgar se o governo tem atuado bem. Suponha que os eleitores não saibam se um resultado particular se deve a condições que foram favoráveis, porém o governo buscou lucros, e se as condições foram más, no entanto, a política foi adequada às circunstâncias. Não podem fazer nenhuma inferência a partir dos resultados que experimenta ou observam a partir da qualidade das ações do governo. Nenhuma regra retrospectiva baseada simplesmente nos resultados funcionará. 21 Bresser Pereira (1992:4) declara que teria sido informado de que as reservas internacionais do Brasil eram inexistentes somente após encontrar-se com o Presidente Sarney, depois de haver aceitado a indicação para Ministro de Finanças. O DESENHODO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOqUE AGENTE-PRINCIPAL │ UNIDADE I 29 Se os cidadãos não estão seguros das condições objetivas e das relações causais entre as políticas e os resultados, deverão confiar em outra informação para avaliar as ações do governo. Os juízos retrospectivos baseados unicamente nos resultados não são suficientes. As pessoas desejarão saber sobre as explicações, as projeções e as promessas; desejarão saber de onde veio a ajuda financeira aos políticos, a que se dedica o irmão do presidente, a que classe de pessoas “na realidade” pertence o presidente. Praticamente, qualquer coisa pode ser de utilidade: chaves tais como símbolos e identidade são instrumentos para formar as avaliações posteriores das ações do governo. De fato, o que aparece como voto “expressivo” – votação orientada por símbolos e identidades – pode ser completamente instrumental quando as pessoas não têm nenhuma informação para julgar o desempenho do governo. O que importa é que a probabilidade de que o governo se comporte bem está em função da informação disponível para os cidadãos. Przeworski e Stolkes (1995) fornecem uma lista de informações que os cidadãos podem empregar na avaliação retrospectiva dos governos. Esta lista inclui: 1) motivações dos políticos; 2) fontes de apoio financeiro para partidos e campanhas eleitorais; 3) finanças privadas dos políticos; 4) condições objetivas observadas pelos governos; 5) as relações causais entre as políticas e os resultados. As pessoas não necessitam conhecer simultaneamente todos os elementos da lista. Se sabem que os políticos são desprendidos e competentes, podem inferir que o governo se conduzirá satisfatoriamente. Se conhecem tanto as condições objetivas quanto os efeitos da política sobre os resultados, podem formar juízos claros. De maneira que os cidadãos não necessitem saber “tudo”, porém devem ter informações suficientes para realizar juízos confiáveis.22 As avaliações posteriores baseadas nessa classe de informações não asseguram a conduta perfeita por parte do governo. A responsabilidade completa não é possível. Mais ainda, os cidadãos castigaram alguns governos, quando na realidade estes estavam atuando de boa-fé e não poderiam deixar de recompensar alguns governos que atuaram de má-fé. Porém, os eleitores estão bem informados, ao menos podem reduzir o risco de extração da renda por parte dos governos. Por isso, devemos perguntar novamente: que ajustes institucionais aliviariam esses problemas? 1. A primeira concerne à oposição. Os cidadãos não têm um agente, senão dois: o governo no poder, que escolhe as políticas, e a oposição que deseja converter-se em governo. A oposição é um agente dos cidadãos, já que deseja ganhar o cargo, e para ganhar deve antecipar como julgaram, retrospectivamente, os eleitores do governo no poder quando chega o tempo da eleição. Ao antecipar esses juízos, a oposição tem incentivos para supervisionar o governo e informar (veridicamente ou não) aos cidadãos a respeito do mau desempenho dos representantes atuais. Pode ganhar as eleições se persuade os eleitores de que o governo no poder não é sensível às demandas dos cidadãos. Ainda que em princípio, os cidadãos só se preocupem com resultados, mais que pelas políticas que os geram, a oposição pode induzir os eleitores a preocupar-se pelas políticas, se é capaz de convencê-los de que diferentes políticas podem ter melhores resultados (ARNOLD, 1993). E se os partidos opositores informam aos cidadãos sobre as realizações do governo ou 22 De acordo com os Estudos de Valores Mundiais de 1990, os seguintes dados expressam que as pessoas desejam conhecer esta informação: 89% dos argentinos, 96% dos brasileiros, 84% dos chilenos, 82% dos mexicanos e 79% dos norte-americanos estiveram de acordo “nossos governos deveriam estar mais abertos ao público” (TURNER e ECORDI,1995:478). UNIDADE I │ O DESENHO DO ESTADO E DO SEU APARELHO – UM ENFOQUE AGENTE- PRINCIPAL 30 acerca de suas fontes de recursos financeiros reduzem o custo da informação para os eleitores. 2. Os meios de comunicação desempenham um papel particular. Não só devem informar, mas também, devem concentrar a atenção nas condições gerais, mais que nos interesses particulares. Para reduzir a possibilidade de que um governo manipule as maiorias cíclicas, os eleitores devem comportar-se sociotropicamente: devem basear suas decisões em algum estado geral da economia ou da sociedade, mais que se guiar exclusivamente por suas próprias condições individuais.23 3. Os mecanismos de prestação de contas não são somente “verticais” ou de políticos eleitos por eleitores, também são “horizontais” – de diferentes ramos do governo a cada hora (O´DONNELL, 1991). As eleições inevitavelmente são um mecanismo plebiscitário: sem importar que os eleitores estejam informados, sua eleição é somente uma ratificação ou rechaço intermitente das decisões tomadas pelas equipes competitivas e cooperativas de seus representantes (BOBBIO 1989:116). Um processo legislativo deliberativo e aberto obriga os representantes a justificar publicamente o curso da ação que define e a revelar a informação que tem: o processo legislativo é a ocasião para explicar as relações técnicas entre políticos e resultados em termos concretos e com detalhes. Além disso, obriga o executivo a justificar e defender suas ações diante de outros órgãos do governo, bem como informar aos cidadãos. O poder por decreto, aplicado obsessivamente no Peru, na Argentina e no Brasil durante a década passada, inibiu esse processo e privou os cidadãos da oportunidade de aprender sobre a qualidade das políticas. Ao despojar a legislatura de sua função deliberativa e os cidadãos da informação sobre os méritos relativos, os decretos reduzem a efetividade do mecanismo da prestação de contas aos cidadãos. De fato, o “governo por decreto” cria uma suspeita de que o governo está escondendo tanto dos cidadãos quantos dos legisladores algumas razões para eleger políticas particulares. 4. Finalmente, ainda que todas as instituições-padrão das democracias, tal como as conhecemos, funcionem vigorosamente, não são suficientes para assegurar a prestação de contas e para capacitar os cidadãos a obrigar o governo a responder as demandas dos eleitores. Os governos sempre terão informações privadas sobre suas metas, sobre algumas condições objetivas e sobre as relações entre políticas e resultados. Muito disso é inevitável, porém a qualidade e a quantidade da informação disponível aos cidadãos, para que julguem as ações governamentais, podem melhorar com inovações institucionais, com instituições independentes de outros órgãos de governo que proporcionem aos cidadãos a informação necessária para melhorar sua avaliação posterior das ações governamentais e não apenas dos resultados. Entre estes tipos de 23 Se os eleitores não são sociotrópicos, então a equipe do governo no poder pode manipular a agenda de tal maneira que permita reeleger-se ou lastimando os interesses das maiorias mudancistas (FEREJOHN 1996). Dewatripont e Rolan demonstram no contexto das reformas econômicas que o governo pode obter em dois turnos o apoio majoritário para algumas políticas que não obtêm apoio em um só turno, ainda que os eleitores saibam bem que o governo vencerá no segundo turno. Seu comentário é desarmante: “sob a regra da maioria, demonstra-se a possibilidade de que o governo obtenha um voto majoritário para um esquema de reforma que intertemporalmente afeta os interesses da maioria... esses resultados sugerem que, em um contexto dinâmico, as restrições democráticas não deveriam sobrestimar como um obstáculo contra o melhoramento da eficiência das reformas econômicas”. (1992: 703). 31 PRINCIPAIS MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO: PATRIMONIALISTA, BUROCRÁTICO, NOVA GESTÃO PÚBLICA │ UNIDADE II instituições encontram-se:
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